Se vivo fosse, o operário metalúrgico Manoel Fiel Filho
andaria hoje ainda sob o banho de alegria dos festejos de seus noventa anos,
que teria completado no último dia sete, comemorando com a mulher, as filhas,
os netos e bisnetos, provavelmente em uma casa modesta na zona leste de São Paulo,
onde morou grande parte de sua vida.
Manoel está morto. Foi assassinado, depois de mais de doze
horas de tortura, na manhã do dia 17 de janeiro de 1976, em uma cela do
famigerado DOI-Codi, um dos centros das barbaridades cometidas pela ditadura
militar contra homens e mulheres patriotas, combatentes da pátria, da
democracia e da vida.
No ano passado, quando se completaram quarenta anos do
crime, realizei o projeto CORRIDA POR MANOEL, fazendo quarenta dias de corrida
por percursos que lembravam a vida e a morte do operário assim como outros
momentos marcantes da luta contra a ditadura militar.
Hoje voltei a fazer parte daquele percurso, rememorando a
trajetória desse homem que, talvez pela vida simples que levava, talvez por uma
suposta desimportância de operário, é pouco lembrado.
O que eu tenho a dizer é que cada uma das vítimas da
ditadura, cada um dos presos, mortos e desaparecidos é um mártir do povo
brasileiro, é um herói da luta pela democracia. Cada um ajudou, com seu sangue,
a pavimentar o caminho dos brasileiros para a construção de uma país mais livre
e menos desigual –conquistas hoje ameaçadas pelos golpistas que tomaram de
assalto o poder e tentam destruir a nação e fazer dos brasileiros escravos.
Tendo esses homens e mulheres como exemplo e inspiração, fiz
da minha caminhada de hoje um mergulho na memória, uma homenagem a Manoel.
Segui, primeiro, até o cenário de seu martírio e
assassinato. Fui até o prédio na rua Tutoia onde funcionava, em 1976, o
DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de
Defesa Interna), órgão ligado ao Exército, sucedâneo da tenebrosa Operação Bandeirantes.
Hoje ali funciona uma delegacia de polícia, que mostrei em
transmissão ao vivo que realizei no início da manhã e reproduzo a seguir.
O vídeo não ficou muito bom, tanto por limitações técnicas
do próprio sistema e do aparelho usado para a transmissão, quanto por problemas
de Bios (bichinho ignorante operando o sistema).
Em vários pontos o som foge ou fica muito baixo. Isso
aconteceu marcadamente em um momento em que lembro outro mártir aniversariante
de janeiro, o herói do povo brasileiro Stuart Edgard Angel Jones, nascido em
Salvador em onze de janeiro de 1945.
Dirigente do MR-8, Stuart foi assassinado em público, no
pátio do quartel da Aeronáutica em que estava detido, no Rio de Janeiro. A
ferocidade dos torturadores, que tentavam arrancar dele o paradeiro do capitão Carlos
Lamarca, foi em vão.
O martírio de Angel foi relatado em carta do ex-preso
político Alex Polari de Alverga à mãe de Stuart, a estilista Zuzu Angel:
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio do CISA. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos”.
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio do CISA. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos”.
No vídeo, eu me refiro a algumas dessas informações e cometi
erros de datas –há discrepância entre diversas fontes. Neste texto, usei os
dados registrados pela Comissão Nacional da Verdade.
A lembranças desses casos terríveis pesava na minha
caminhada. Decidi, então, seguir para o caminho da vida, da luta, sempre pensando
na trajetória de Manoel Fiel Filho.
Fui até a sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Paulo, onde Manoel militou no início dos anos 1970. Chegou a ser delegado
sindical, representante da companheirada que trabalhava com ele na metalúrgica
Metal Arte, na zona leste de São Paulo, como lembram os dirigentes sindicais
que entrevistei neste vídeo:
De novo, aconteceram alguns problemas técnicos na
transmissão, mas me parece que agora o vídeo ficou melhor.
Lembro que, em homenagem a Manoel Fiel Filho, o dia 17 de
janeiro, data de sua morte, ficou registrado como o Dia do Delegado Sindical.
VAMO QUE VAMO!!!
PS.: Na manhã de hoje, enquanto rememorava em meu percurso
as barbaridades cometidas durante a ditadura militar, um atentado à democracia,
à liberdade de expressão e aos direitos humanos mais elementares era cometido
em São Paulo.
A Polícia Militar atacou famílias de sem teto que ocupavam um
terreno na zona leste da cidade.
Guilherme Boulos (foto Martha Raque, para os
Jornalistas Livres), dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, foi
preso por “desobediência”.
Sobre o caso, reproduzo a seguir texto publicado na página
dos Jornalistas Livres:
“Boulos acompanhava a ação da Polícia Militar, que chegou com a tropa de choque, na
desocupação de uma área que abriga cerca de 700 famílias na Zona Leste de São
Paulo.
“Diante da força
policial mobilizada, Boulos estava lá para evitar mais um dos constantes
massacres às ocupações orquestradas pelo governo de Geraldo Alckmin. Foi detido
por incitação à violência e obstrução da
justiça quando, num diálogo pacífico, tentava negociar a transferência das
famílias para outro local. Ele também pedia aos oficiais da Justiça prazo – de
uma hora e meia – para a desocupação. Há um pedido do Ministério Público para
reconsideração do caso, mas os oficiais da Justiça e os policiais não quiseram
saber.
“O mandado de despejo
foi entregue à comunidade que já ocupa a área há dois anos. Em vez de enfrentar
a situação, o poder público entregou o caso para a polícia.
“E, em vez de fazer
cadastro das famílias em programas de moradia, o governo foi ao local para
destruir as casas de quem não tem onde morar.
Essa é mais ação do
Estado para criminalizar os movimentos
sociais.”
Percurso do dia 17 de
janeiro de 2107
11,21 km percorridos em 2h24min48
Acumulado no projeto
600 aos 60
363,78 km percorridos em 74h10min25
Acumulado no projeto
60 M 60 A
140,57 km percorridos em 27h11min32
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