Falta um mês para o dia de meu aniversário, o dia em que
completarei sessenta anos e entrarei oficialmente, de papel passado, registro
no Estatuto Nacional do Idoso e avalizado pela Organização Mundial da Saúde, no
maravilhoso terreno da velhice, na segunda metade de minha vida.
Encaro a chegada com bonomia, certo temor e também um tanto
de desalento: vejo, aos poucos, meu projeto de corrida se esboroar pelo chão,
se esfarinhar na falta de quilometragem...
Não treinei hoje: fui fazer uma endoscopia para examinar uma
velha úlcera e sinais de uma irritante, dolorida e gigantesca gastrite. O
treino de ontem foi abortado pouco depois da metade, devido a dores intensas no
estômago, uma queimação brutal que me fazia dobrar o tronco e provocava até
dores lombares, sem falar de uma terrível frustração e um enorme desalento.
Pensei em continuar de qualquer jeito, mas a experiência e o
bom senso de Eleonora, minha parceira de vida, falaram mais alto. É melhor
parar enquanto ainda resiste, pois assim o corpo estará mais forte para se
recuperar; se deixar o corpo se esmilinguir, a recuperação também fica mais
demorada.
São coisas que os corpos mais velhos, como o meu, sentem:
ainda que sejamos jovens de espírito, a carne já viveu o tempo todo que estamos
cá na terra, e todos os processos vitais estão mais lentos. Há que aprender a
conviver com isso, respeitar esse movimento e, se possível, fazer com que
nossas reações melhorem um pouco. É o que estou tentando.
Correr, caminhar, fazer exercícios, buscar um tempo para si
mesmo e para encontrar amizades –tudo isso é algo que nos ajuda a enfrentar
esse momento. E precisamos de toda a ajuda que nós possamos dar a nós mesmos,
pois a sociedade não está preparada para os velhos, ainda mais na quantidade
que existe hoje no Brasil e no mundo.
É fácil entender isso quando analisados a evolução da
expectativa média de vida dos homens no mundo.
No início da nossa era, que alguns chamam de Depois de
Cristo, a duração da vida média estava entre meros 25 e 28 anos. Foi preciso
nada menos que 19 séculos para que a longevidade humana aumentasse em média
50%, aproximadamente: nos início dos anos 1900 a expectativa de vida ficava
entre 46 e 48 anos.
Pois bem, aquilo que levou quase dois mil anos para
acontecer se repetiu em apenas um século. Com o progresso da ciência no século
passado e a melhoria das condições gerais de vida, a longevidade humana voltou
a crescer em cerca de 50% (em cálculos grosseiros, aproximados). Hoje, no
mundo, a expectativa média de vida está entre 60 e 65 anos –no Brasil é cerca
de dez anos mais do que isso.
É algo fabuloso, sensacional, revolucionário para o mundo. O
melhor é que muitos de nós chegamos aos 60 anos e mesmo idades mais avançadas
com saúde plena, ampla capacidade movimentação, intelecto saudável e disposição
para continuar contribuindo com a sociedade e com o próprio desenvolvimento
humano.
Este meu projeto é uma pálida tentativa de demonstrar as
nossas possibilidades físicas. Mesmo não sendo nenhum atleta nem tendo um corpo
formado no esporte, venho me desafiando a percorrer caminhos que, há alguns
anos, seriam exclusividade de jovens fogosos. Hoje, somos velhos fogosos a
desbravar horizontes.
Isso deixa a sociedade como um todo perplexa. Nós devíamos
estar enterrados, hospitalizados ou quietos –só que não.
Merecemos e necessitamos de proventos da aposentadoria, que
muitos governos –a começar pelo golpista brasileiro—tentam nos furtar. No mundo
da perversidade neoliberal, em que desponta Temer, o Usurpador, dizem que
precisamos trabalhar até morrer, querem mais e mais anos de produção desses homens
e mulheres que estão vivendo mais.
Dizem isso, mas não criam as condições para que o emprego
apareça. No Brasil, há 16 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, segundo dados
do IBGE de 2015. Menos de um por cento desse grupo tem trabalho com carteira
assinada ou algum tipo de registro oficial –como funcionário público, por
exemplo.
Em números absolutos, 137.600 vagas de trabalho formais são
ocupadas por homens e mulheres de 65 anos ou mais. Isso representa zero vírgula
três por cento dos 48 milhões de trabalhadores na economia oficial.
Esses dados são de 2015. Desde lá, o desemprego arrasou a
economia brasileira, destruiu vagas, arrebentou lares, jogou milhões na
sarjeta. Os velhos e as mulheres são os primeiros, berram as estatísticas.
É contra agressões como essas que eu corro e chamo meus
companheiros de geração a correr, a caminhar, a bradar que estamos vivos,
queremos, desejamos, exigimos e merecemos um lugar ao sol, nos postos de
trabalho, na produção e na apreciação da cultura, no esporte e no lazer.
Nem sempre conseguimos fazer tudo o que se espera de nós. Nem
sempre conseguimos fazer o que nós mesmos esperamos de nós.
Gráfico mostra os quilômetros que percorri (em verde) e quual era a perspectiva de quilometragem acumulada para cada data (em azul) |
De novo, o meu exemplo grita. No caminho para completar
seiscentos quilômetros até o próximo dia 14 de fevereiro, deveria ter
completado hoje a distância redonda acumulada de 400 quilômetros. Os
sofrimentos do corpo e as intempéries da vida me deixam para trás em pouco mais
de setenta quilômetros, é a minha dívida para os dias que vêm: além da
quilometragem do dia, vou ter de recuperar aos poucos as distâncias não
realizadas.
Não é impossível, como também não é impossível para a
sociedade absorver o trabalho e as dores dos mais velhos. Para mim, basta meu
esforço e um pouco de apoio da família, incentivo de treinadores e a
sensacional torcida que recebo pelas redes sociais; para a sociedade é preciso
muito mais. Há que revolucionar as políticas e promover a inclusão social, mão
apenas dos velhos, mas de toda a população marginalizada, que pode, quer e deve
vir a ser produtiva e feliz.
O problema é que isso se faz com democracia e projeto de
desenvolvimento sustentado, que precisamos conquistar. O golpismo usurpador
apenas estiola o tecido social, como vampiro a sugar o sangue que faz da
sociedade um organismo vivo.
Ele precisa ser derrotado e eliminado.
VAMO QUE VAMO!!!
Percurso de 13 de janeiro de 2017
6,73 km percorridos em 1h24min11
Acumulado no projeto 600 aos 60
328,56 km em 67h22min15
Acumulado no projeto 600 aos 60
105,36 km em 20h23min22
82,1% da Meta. É um excelente resultado dadas as dificuldades. Ter uma meta em mente empurra-nos na busca. Sem meta, sem motivação, sem ação, sedentarismo, maior risco de doenças. Vá em frente meu amigo, o copo está bem além da metade de cheio e ele deve ser o seu orgulho e o exemplo que dá a todos nós....
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