Hoje eu gostaria de contar
para você como foi meu segundo dia de retorno às corridas, a emoção do trote, a
sensação de vida nos músculos, o gosto de liberdade nos cabelos, o suor
queimando os olhos, a velocidade limpando a alma.
Não vai ser possível.
Não corri hoje. Não foi por
dor nem sofrimento, mas por orientação de meu fisioterapeuta, o guru do
movimento Marcelo Semiatzh. Ele se mostrou mais conservador do que o
ortopedista, recomendou um pouquinho mais de cautela na volta às corridas.
Corpos mais velhos apresentam
mais lentidão na recuperação de tecidos e estruturas do corpo; as exigências
devem ser mais comedidas. Assim, ainda que, do ponto de vista médico, eu esteja
em condições de correr em dias seguidos, Marcelo propôs uma alternância, com
dias de apenas caminhadas.
Neste momento, estou
perdendo a corrida contra o tempo e a distância. Se repetir quarenta dias o que
fiz nos últimos quarenta dias, não vou atingir seiscentos quilômetros
percorridos até o dia de meu aniversário. Logo, as caminhadas também precisam
ser mais longas.
Hoje foram onze quilômetros
em pouco mais de duas horas, tempo sufiente para permitir à mente voos
diversos. Deu para sonhar acordado e também para refletir sobre este período da
vida, o da velhice –ou da chegada à Terceira Idade.
Lembrei recente entrevista
que fiz com um dos maiores especialista em velhice em São Paulo, talvez no
Brasil. O geriatra Wilson Jacob Filho não só tem mais títulos acadêmicos que a
gente pode imaginar como também é um ativo militante da luta por maior
qualidade de vida para os mais velhos. Professor da USP, coordena o programa
Gera Saúde no Hospital de Clínicas, de promoção de saúde dos maiores de
sessenta anos.
“Eu não quero um idoso alvo
das benesses. Eu não quero um idoso passivo. Eu não quero um idoso para o qual
eu desenvolvo estratégias. Eu quero um idoso arqueiro, participando do
desenvolvimento de estratégias que beneficiam o idoso. Eu não quero dar o tom
para o idoso. Eu quero que ele venha fazer o tom”, diz Jacob Filho.
Aos 63 anos completos, o
geriatra é exemplo vivo de sua tese em defesa da atividade física. Corre,
caminha, faz musculação e, nos finais de semana ou quando lhe é possível, faz
atividades ligadas à vida rural: “Eu monto a cavalo, eu planto, eu capino, eu
faço coisas numa chácara que me dão um bem-estar incomensurável. No final do
dia estou cansadíssimo, muito mais do que se eu tivesse corrido 20 quilômetros.
Ou andado 60 quilômetros de bicicleta. Eu estou exausto. Agora, a sensação de
bem-estar, de fazer isto ao sol, é incomparável”, diz ele.
A conversa com Jacob Filho
foi longa, um bate-papo entre ex-colegas –ele foi colunista na caderno
Equilíbrio, da “Folha de S. Paulo”, na mesma época em que eu mantinha lá
minha coluna “+Corrida”. Reproduzo a seguir alguns dos principais trechos,
começando com os efeitos do envelhicemento no corpo humano.
RODOLFO
LUCENA – Aos sessenta anos, a pessoa entre na Terceira Idade, segundo critérios
da Organização Mundial de Saúde. O que acontece quando a gente envelhece?
WILSON
JACOB FILHO – Existem divisões que são evidentemente
mais didáticas do que propriamente biológicas, que demarcam o ciclo da vida em
diferentes fases. O que acontece no exato momento em que um homem faz 60 anos? Nada,
absolutamente nada. O que difere um homem de 59 de um homem de 60, de um homem
de 61?
Nada. Do ponto de vista
biológico, salvo por uma doença, ele é exatamente igual. Porém, no processo que
o leva dos 30 aos 60 e dos 60 aos 90, usando 60 como divisor de águas,
certamente muita coisa acontece. Se eu tivesse que usar uma definição muito
restrita, eu diria: ele perde a sua reserva funcional. Ele perde o excedente de
função que ele tinha e não usava, a não ser em situações muito especiais. E vai
ficando cada vez mais próximo da capacidade que ele tem de usar aquilo que ele
possui como limite da função do órgão.
Dirá você: “Ah, mas eu
conheço um monte de caras que carregam 40 quilos aos 80 anos”. São
absolutamente exceções. Tiveram que trabalhar muito durante uma vida inteira
para chegar numa capacidade muscular capaz de carregar 40 quilos aos 80 anos.
Tiveram que trabalhar uma vida inteira para ter a capacidade de correr 10, ou
20, ou 30, ou 40 quilômetros aos 80 anos. Existem, mas são fruto de toda uma
preparação de décadas.
Ninguém começa a correr aos
79 anos e aos 80 anos buscando grandes distâncias, sem correr riscos. Ninguém
pega uma massa, um peso de 40 quilos, e faz exercícios com eles sem ter uma
preparação correta. Essa é fundamentalmente a grande diferença de um organismo
jovem e de um organismo idoso.
Isto cria a condição, o
conceito de suscetibilidade, que é diferente de fragilidade. Suscetibilidade
significa: o indivíduo fica mais suscetível a uma repercussão negativa ou
deletéria.
Ambos, jovem e idoso, podem
contrair gripe. O vírus é o mesmo. A gripe é a mesma. Só que a suscetibilidade
do idoso faz da gripe uma doença grave. Enquanto que a suscetibilidade do jovem
faz da gripe uma doença banal. Por isso que faz sentido eu vacinar o idoso,
para o idoso não ter gripe. Não que ele é mais propenso a ter gripe. Mas ele é
mais propenso a ter uma complicação da gripe.
RODOLFO
LUCENA – O que é possível fazer para minorar a suscetibilidade? Manter as
reservas do organismo ou diminuir a velocidade da perda?
WILSON JACOB FILHO - É possível diminuir a velocidade da perda.
Seja da perda muscular, seja da perda cardiorrespiratória, sejam perdas
metabólicas e todas mais.
Você pode aumentar a reserva
quando jovem, para que, mesmo perdendo, você ainda tenha uma reserva quando
idoso. Seria o equivalente a uma poupança. Você cria um bom patrimônio
fisiológico, para que mesmo perdendo no transcorrer da vida, você chegue com o
capital bastante bom aos 70, 80, 90 anos.
Isso é facilmente
demonstrável com o osso. Só fica osteoporótico aos 70 anos de idade quem não
teve um bom pico de massa óssea aos 30. Idem para a função cardiorrespiratória:
quem não teve nenhum desenvolvimento cardiocirculatório por conta dos
exercícios na fase inicial da vida, vai perde-lo rapidamente. Massa muscular.
Idem. Desenvolvimento mental. Idem.
Há agravantes, que muito frequentemente decorrem de maus
hábitos. Um indivíduo que compromete a sua função pulmonar por conta do
tabagismo, ele vai chegar aos 80 anos de idade com dois componentes, a idade e
os 65 anos de tabagismo. É lógico que ele terá um enfisema. É esperado que ele
tenha um enfisema. Porque ele tem 80 anos de idade? Não. Porque ele agravou a
condição de perda funcional com uma doença adicional que é a doença pulmonar
obstrutiva crônica.
RODOLFO
LUCENA – Em contrapartida, é possível ter ganhos, mudando hábitos, incluindo o
exercício na vida, mesmo depois dos sessenta anos? Digamos que o cara acordou
aos sessenta anos...
WILSON
JACOB FILHO - É totalmente possível. No site da
Organização Mundial de Saúde tem uma frase clássica: Never is too late”, “Nunca é tarde para começar”.
Você deve interromper o
tabagismo aos 90 anos de idade? Sim. Deve iniciar uma prática de atividade
física aos 85? Sim. Deve procurar atividades culturais e vida social aos 90?
Deve.
Tudo isto melhora a
qualidade de vida. Em geral, os bons resultados já aparecem com curto intervalo
de mudança de hábitos, porém nunca será tão bom como se fizesse isto a vida
toda.
Aos 90, 80 anos de idade, a
interrupção do tabagismo mostra efeitos positivos dois a três meses depois da
interrupção. Mas nunca iguais àquele que o indivíduo que interrompeu aos 60,
interrompeu aos 40, ou nunca fumou.
O início de uma atividade
física controlada e organizada aos 80 anos de idade mostra benefícios em 12
semanas. Mas nunca tão bom quanto um indivíduo que veio ativo a vida toda. A
chance de lesão é maior. Mas é sem dúvida nenhuma muito melhor despertar aos
60, ou aos 70, ou aos 80, do que não despertar.
RODOLFO
LUCENA – Por quê? O que esse despertar muda na vida da pessoa?
WILSON
JACOB FILHO - Em geral muda a perspectiva, a expectativa
que ele tem perante a vida. O indivíduo descobre que ele não está numa espiral
descendente. Ele percebe que existem coisas que nunca foram feitas durante a
sua vida, ele nunca experimentou aquilo, ou se se experimentou, experimentou
muito no passado, e que lhe confere uma nova perspectiva perante a vida.
Temos um grupo de formação
de saúde e promoção de saúde dentro do serviço de geriatria
no Hospital de Clínicas na qual ouvimos constantemente depoimentos do tipo: “Eu
nunca me senti tão útil quanto eu me sinto agora. Eu nunca fui capaz de me
imaginar fazendo algo parecido com isto. Eu nunca tive tanta motivação para
fazer algo como eu tenho agora”.
São pessoas que saíram de um
grilhão, onde eles eram fundamentalmente peças de uma engrenagem, seja
engrenagem família, seja engrenagem empresa, e passaram a ser elementos
responsáveis, donos da sua própria vontade. Este protagonismo que nós
gostaríamos muito que o idoso, o indivíduo que envelhece, continuasse a ter, é
a nossa bandeira. É aquilo que nós mais defendemos.
Eu não quero o idoso alvo.
Eu quero um idoso arqueiro. Eu uso muito essa figura. Fazer para o idoso tem
sentido, naquilo que ele não consegue fazer por si. Mas eu não quero um idoso
alvo das benesses. Eu não quero um idoso passivo. Eu não quero um idoso para o
qual eu desenvolvo estratégias. Eu quero um idoso participando do
desenvolvimento das estratégias que beneficiam o idoso. Eu não quero dar o tom
para o idoso. Eu quero que ele venha fazer o tom. A história do ensinar a
pescar ou dar o peixe. Tem sentido. Dar o peixe mantém a sobrevivência, ensinar
a pescar tem um interesse pela vida. Dá ao indivíduo a condição de ele ser
responsável por si mesmo.
VAMO QUE VAMO!!!
Percurso
do dia 6 de janeiro de 2017
11,10 km percorridos em
2h13min18
Acumulado
no projeto 600 aos 60
264,50 km em 55h12min16
Acumulado
no projeto 60 M 60 A
41,29 km em 8h13min23
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