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14.1.17

Para mim, faltam quilômetros; para os velhos, faltam empregos

Falta um mês para o dia de meu aniversário, o dia em que completarei sessenta anos e entrarei oficialmente, de papel passado, registro no Estatuto Nacional do Idoso e avalizado pela Organização Mundial da Saúde, no maravilhoso terreno da velhice, na segunda metade de minha vida.
Encaro a chegada com bonomia, certo temor e também um tanto de desalento: vejo, aos poucos, meu projeto de corrida se esboroar pelo chão, se esfarinhar na falta de quilometragem...
Não treinei hoje: fui fazer uma endoscopia para examinar uma velha úlcera e sinais de uma irritante, dolorida e gigantesca gastrite. O treino de ontem foi abortado pouco depois da metade, devido a dores intensas no estômago, uma queimação brutal que me fazia dobrar o tronco e provocava até dores lombares, sem falar de uma terrível frustração e um enorme desalento.
Pensei em continuar de qualquer jeito, mas a experiência e o bom senso de Eleonora, minha parceira de vida, falaram mais alto. É melhor parar enquanto ainda resiste, pois assim o corpo estará mais forte para se recuperar; se deixar o corpo se esmilinguir, a recuperação também fica mais demorada.
São coisas que os corpos mais velhos, como o meu, sentem: ainda que sejamos jovens de espírito, a carne já viveu o tempo todo que estamos cá na terra, e todos os processos vitais estão mais lentos. Há que aprender a conviver com isso, respeitar esse movimento e, se possível, fazer com que nossas reações melhorem um pouco. É o que estou tentando.
Correr, caminhar, fazer exercícios, buscar um tempo para si mesmo e para encontrar amizades –tudo isso é algo que nos ajuda a enfrentar esse momento. E precisamos de toda a ajuda que nós possamos dar a nós mesmos, pois a sociedade não está preparada para os velhos, ainda mais na quantidade que existe hoje no Brasil e no mundo.
É fácil entender isso quando analisados a evolução da expectativa média de vida dos homens no mundo.
No início da nossa era, que alguns chamam de Depois de Cristo, a duração da vida média estava entre meros 25 e 28 anos. Foi preciso nada menos que 19 séculos para que a longevidade humana aumentasse em média 50%, aproximadamente: nos início dos anos 1900 a expectativa de vida ficava entre 46 e 48 anos.
Pois bem, aquilo que levou quase dois mil anos para acontecer se repetiu em apenas um século. Com o progresso da ciência no século passado e a melhoria das condições gerais de vida, a longevidade humana voltou a crescer em cerca de 50% (em cálculos grosseiros, aproximados). Hoje, no mundo, a expectativa média de vida está entre 60 e 65 anos –no Brasil é cerca de dez anos mais do que isso.
É algo fabuloso, sensacional, revolucionário para o mundo. O melhor é que muitos de nós chegamos aos 60 anos e mesmo idades mais avançadas com saúde plena, ampla capacidade movimentação, intelecto saudável e disposição para continuar contribuindo com a sociedade e com o próprio desenvolvimento humano.
Este meu projeto é uma pálida tentativa de demonstrar as nossas possibilidades físicas. Mesmo não sendo nenhum atleta nem tendo um corpo formado no esporte, venho me desafiando a percorrer caminhos que, há alguns anos, seriam exclusividade de jovens fogosos. Hoje, somos velhos fogosos a desbravar horizontes.
Isso deixa a sociedade como um todo perplexa. Nós devíamos estar enterrados, hospitalizados ou quietos –só que não.
Merecemos e necessitamos de proventos da aposentadoria, que muitos governos –a começar pelo golpista brasileiro—tentam nos furtar. No mundo da perversidade neoliberal, em que desponta Temer, o Usurpador, dizem que precisamos trabalhar até morrer, querem mais e mais anos de produção desses homens e mulheres que estão vivendo mais.
Dizem isso, mas não criam as condições para que o emprego apareça. No Brasil, há 16 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, segundo dados do IBGE de 2015. Menos de um por cento desse grupo tem trabalho com carteira assinada ou algum tipo de registro oficial –como funcionário público, por exemplo.
Em números absolutos, 137.600 vagas de trabalho formais são ocupadas por homens e mulheres de 65 anos ou mais. Isso representa zero vírgula três por cento dos 48 milhões de trabalhadores na economia oficial.
Esses dados são de 2015. Desde lá, o desemprego arrasou a economia brasileira, destruiu vagas, arrebentou lares, jogou milhões na sarjeta. Os velhos e as mulheres são os primeiros, berram as estatísticas.
É contra agressões como essas que eu corro e chamo meus companheiros de geração a correr, a caminhar, a bradar que estamos vivos, queremos, desejamos, exigimos e merecemos um lugar ao sol, nos postos de trabalho, na produção e na apreciação da cultura, no esporte e no lazer.
Nem sempre conseguimos fazer tudo o que se espera de nós. Nem sempre conseguimos fazer o que nós mesmos esperamos de nós.
Gráfico mostra os quilômetros que percorri (em verde) e quual era a perspectiva de quilometragem acumulada para cada data (em azul)

De novo, o meu exemplo grita. No caminho para completar seiscentos quilômetros até o próximo dia 14 de fevereiro, deveria ter completado hoje a distância redonda acumulada de 400 quilômetros. Os sofrimentos do corpo e as intempéries da vida me deixam para trás em pouco mais de setenta quilômetros, é a minha dívida para os dias que vêm: além da quilometragem do dia, vou ter de recuperar aos poucos as distâncias não realizadas.
Não é impossível, como também não é impossível para a sociedade absorver o trabalho e as dores dos mais velhos. Para mim, basta meu esforço e um pouco de apoio da família, incentivo de treinadores e a sensacional torcida que recebo pelas redes sociais; para a sociedade é preciso muito mais. Há que revolucionar as políticas e promover a inclusão social, mão apenas dos velhos, mas de toda a população marginalizada, que pode, quer e deve vir a ser produtiva e feliz.
O problema é que isso se faz com democracia e projeto de desenvolvimento sustentado, que precisamos conquistar. O golpismo usurpador apenas estiola o tecido social, como vampiro a sugar o sangue que faz da sociedade um organismo vivo.
Ele precisa ser derrotado e eliminado.
VAMO QUE VAMO!!!



Percurso de 13 de janeiro de 2017
6,73 km percorridos em 1h24min11

Acumulado no projeto 600 aos 60
328,56 km em 67h22min15

Acumulado no projeto 600 aos 60

105,36 km em 20h23min22

1 comment:

  1. 82,1% da Meta. É um excelente resultado dadas as dificuldades. Ter uma meta em mente empurra-nos na busca. Sem meta, sem motivação, sem ação, sedentarismo, maior risco de doenças. Vá em frente meu amigo, o copo está bem além da metade de cheio e ele deve ser o seu orgulho e o exemplo que dá a todos nós....

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