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21.2.17

Atuação protocolar da Justiça contribui para perpetuação da tortura contra presos

Juízes, promotores e até advogados de defesa não dão a menor bola quando ouvem presos denunciarem torturas sofridas na mão da polícia. É tudo quase natural –aliás, em alguns casos, nem as próprias vítimas se dão ao trabalho de apontar os maus tratos, carecas de saber que ninguém vai levar o caso à frente.
No trato com os presos, os juízes, supostamente os atores mais bem preparados no processo judicial, demonstram não apenas frieza, mas franca hostilidade contra os acusados.
Um deles, por exemplo, perguntou: “Um tapa na cara, só?” ou ouvir denúncia de maus tratos. Outro foi mais além, inquirindo assim o acusado: “Só choque? Você ficou com alguma lesão? Chute também? Você falou para o delegado que levou chute? Do nada eles te agrediram?”
E olha que os acusados não são sequer réus em qualquer tipo de processo, mas sim cidadãos detidos pela polícia sob suspeita de algum crime e levados à Justiça para que o juiz decida se os procedimentos legais devem prosseguir e em que condições a pessoa vai responder ao processo, se preso ou em liberdade.
São as chamadas AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA, uma medida muito positiva implementada no país pelo Conselho Nacional de Justiça, que determinou a apresentação de pessoas presas em flagrante a um juiz em até 24 horas. O objetivo é evitar prisões ilegais e identificar abusos ocorridos no momento da detenção.
Tudo muito lindo, desde que seja tratado com a seriedade que o tema merece. E que não tem sido dada a ele pelos envolvidos no processo, como demonstra pesquisa divulgada hoje pela Conectas, uma ONG que atua na área de direitos humanos.
A apresentação foi no Memorial da Resistência, destino de minha corrida d ehoje, que me deu muita satisfação. Corri sem dor todos os trechos previstos e ainda acrescentei algumas centenas de metros a mais pro minha conta para aproveitar alguns lugares bacanas por onde passei.
Foi delicioso, por exemplo, cruzar o viaduto Antártida por sobre os trilhos do trem, seguindo pela ciclovia quase vazia –rima rica, hein... Corri o viaduro inteiro, sem dor e bebendo as imagens em volta, tudo coisa feia, sem graça, disforme, que no conjunto, cria um pedacinho de cidade curiosa e instigante.
Depois cruzei pela rua Norma Pieruccini Giannotti, que sempre me traz boas lembranças pois fica no percurso da São Silvestre. Aliás, em todas as vezes que cruzei por ela, vinha-me sempre a pergunta à mente: quem foi, afinal, essa Norma?
Imaginava alguma heroína, figura atuante na política, na ciência ou na literatura, sabe-se lá. E justo hoje resolvi tentar descobrir. Perdoe-me, portanto, esse breve digressão.
Mãe extremosa, dona de casa perfeita, Norma atuou no apoio aos necessitados  do bairro da Barra Funda, onde morou durante quase toda sua vida. Morta em 1985, aos 82 anos, foi homenageada pelos moradores da rua Lusitânia, que pediram e receberam a troca de nome.
Na justificativa do projeto de lei aprovado na Câmara Municipal no ano seguinte, o currículo de Norma é uma pérola do machismo que grassa na sociedade. Ela vale porque foi casada, porque teve um marido com quem ficou por sessenta anos, porque foi mãe, teve dois filhos que se formaram e se tornaram cidadãos ilustres.
Sobre Norma, ela mesmo, o currículo quase nada diz. Em meras cinco linhas da página inteira cheia de letras, ficamos sabendo que era “dotada de excepcionais qualidades” e que “desenvolveu junto a comunidade amplo trabalho de assistência social, em favor dos necessitados e carentes”.
Finda a digressão, volto ao percurso. Passo pelo bosque da Luz, que abraço e penetro, cruzando a seguir pela centenário prédio da estação de trem e enfim chegando ao conjunto da antiga estação Júlio Prestes.
Além da parada do caminho de ferro, fulguram por ali a Sala São Paulo, a Estação Pinacote e, no mesmo prédio desta última, o Museu da Resistência, onde conversei com Vívian Calderoni, uma das coordenadoras da pesquisa realizada pela Conectas Direitos Humanos.


O trabalho, me contou ela, que é uma jovem advogada, é resultado de monitoramento presencial e quase diário em audiências de custódia realizadas no Fórum Criminal da Barra Funda, observando audiências realizadas de julho a novembro de 2015 acompanhando o encaminhamento das denúncias de violências de dezembro de 2015 a maio de 2016.
Foram analisados 393 casos em que houve relatos ou sinais de torturas ou maus tratos. O perfil das vítimas é o conhecido PPP (preto, pobvre e da periferia). Em números: homens são 95% dos denunciantes de tortura, dos quais 67% são negros.
Com habilidade e clareza, Vivian Calderoni falou mais sobre a pesquisa em entrevista que transmiti ao vivo na manhã de hoje e que agora trago aqui especialmente para você. Basta clicar na imagem abaixo para acompanhar nossa conversa.


Com o que pretendia encerrar este texto, considerando que você já tem agora todas as informações básicas. Mas, se quiser, pode saber mais ainda, conferindo o texto completo do relatório “TORTURA BLINDADA – Como as Instituições do Sistema de Justiça Perpetuam a Violência nas Audiências de Custódia”. CLIQUE AQUI para ter acesso ao documento.
Se quiser ir logo para os finalmente, reproduzo a seguir as recomendações feito pela turma da Conectas para que as audiências de custódia deixem de ser desperdício do dinheiro público e passem a ser efetivos meios de defesa dos direitos humanos e aprimoramento do sistema judicial brasileiro.

RECOMENDAÇÕES

“1. As audiências de custódia devem ser aplicadas a todas as pessoas presas, independentemente do crime que baseia a detenção e do dia, horário e local em que ocorreu o flagrante.
2. As audiências de custódia devem ser realizadas presencialmente em ambiente seguro que permita a coleta de relatos de tortura e maus-tratos sem pressão e coação. A pessoa presa não deve ser algemada. Policiais militares não podem estar presentes nas audiências nem nas entrevistas prévias com o defensor público. A linguagem utilizada pelos representantes do sistema de Justiça deve ser simples.
3. A chamada audiência-fantasma, realizada quando a pessoa presa está hospitalizada, não deve acontecer em nenhuma hipótese. Quando não houver a apresentação da pessoa presa em razão de internação ou atendimento médico, deverá ser determinada sua apresentação à audiência de custódia imediatamente após a alta hospitalar, além da instauração de procedimento para apurar possível violência policial. A justificativa para a não apresentação deve ser respaldada por laudo ou relatório médico detalhando as razões da internação, extensão de possíveis lesões físicas e psicológicas, assim como, se possível, o que as teria causado.
4. Os juízes devem questionar a pessoa presa sobre a ocorrência de tortura e maus-tratos em
todas as audiências, pedindo detalhes que auxiliem na apuração dos fatos. A atuação dos magistrados deve seguir a resolução 213 do CNJ.
5. Os relatos de violência policial apresentados nas audiência de custódia devem ser tabulados
e sistematizados pelo Judiciário visando subsidiar políticas públicas de prevenção e combate à
tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.
6. Os promotores devem perguntar obrigatoriamente sobre a ocorrência de tortura e maus-tratos e, em caso de resposta positiva, buscar novos elementos de prova para a apuração do crime. Devem, ainda, instaurar procedimento investigatório criminal ou determinar a instauração de inquérito policial, quando houver suspeita, ou apresentar denúncia imediatamente quando houver indícios suficientes.
7. Os defensores públicos devem dispor de um espaço adequado para a entrevista prévia, em
que devem questionar, obrigatoriamente, se a pessoa foi vítima de tortura e maus-tratos. Devem, ainda, informá-la sobre os possíveis encaminhamentos para a apuração da violência.
8. A Defensoria deve tabular todas as denúncias relatadas na entrevista prévia, mesmo que a pessoa opte por não mencioná-las na audiência, a fim de produzir dados para subsidiar políticas públicas de prevenção e combate à tortura.
9. Quando houver suspeita fundamentada de ocorrência de tortura ou maus-tratos, deve ser garantida a integridade física da pessoa presa, de seus familiares e de eventuais testemunhas. A pessoa presa não deve retornar à guarda de agente públicos suspeitos.
10. Diante de relato de violência policial (física ou psicológica), a Magistratura, o Ministério Público e a Defensoria Pública deverão formular quesitos específicos para a elaboração de laudo de exame de corpo de delito. Esses critérios deverão fazer parte do ofício de encaminhamento ao Instituto Médico Legal. Esse documento deverá, ainda, informar o tipo de violência que a pessoa narrou ter sofrido, de modo a contribuir com a qualidade do exame.
11. A perícia deve ser realizada em ambiente equipado nos termos do Protocolo de Istambul.
Sempre que necessário, exames complementares para atestar a extensão dos ferimentos ou a existência de lesões de difícil constatação devem ser solicitados.
12. A perícia forense deve estar integrada às políticas de combate e prevenção e combate à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, sendo fundamental o fortalecimento do Instituto Médico Legal como instituição independente e autônoma da Secretaria de Segurança Pública estadual.

É o que eu tinha para dizer hoje.
VAMO QUE VAMO!!!


Percurso realizado no dia 21 de fevereiro de 2017
13,04 km percorridos em 1h59min17

Acumulado no projeto 60M60A
435,78 km percorridos em 82h06min34  

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