O mundo da corrida perde uma inspiração. Morreu nesta
segunda-feira (13) em Toronto o multirrecordista da maratona Ed Whitlock, que
ganhou as manchetes do mundo em 2003, quando se tornou o primeiro homem de mais
de setenta anos a correr a maratona em menos de TRÊS HORAS.
Ed tinha 86 anos e foi derrubado por câncer de próstata,
segundo comunicado distribuído por sua família. Até recentemente, porém, era
ele que vinha derrubando recorde sobre recorde.
Há meros cinco meses, por exemplo, arrasou o recorde
para maratonistas da faixa etária 85-89.
Na maratona de Toronto, realizada em
outubro, não só limou quase meia hora (28 minutos, mais precisamente), como também
se tornou o primeiro octogenário a correr os 42.195 metros em menos de quatro
horas: completou a prova em 3h56min33.
Esse é um número estratosférico, animal, gigantesco, “impossível!”.
Aliás, o mundo da medicina considerava Whitlock
um fenômeno, que deveria ser estudado –de fato, especialistas não perdiam
oportunidade para analisar os recursos físicos desse sensacional corredor.
Há cinco anos, ele passou por uma bateria de
testes. Como era de esperar, os resultados foram assombrosos.
Uma das medições foi do VO2 máximo, que revela sua
capacidade de absorver e transformar oxigênio em energia. O índice de um
esquiador olímpico fica em torno de 90; a marca de maiores de oitenta anos que
ainda se movimentam sem auxílio fica em média em 20. O VO2 máximo de Whitlock
era 54 (!!!!), semelhante ao de um garoto universitário que pratica esportes nos
fins de semana.
Nascido na Inglaterra em 1931, esse engenheiro de minas
aposentado corria sob a bandeira do Canadá, onde vive há mais de 60 anos,
morando em Milton, Ontario.
Teve breve carreira esportiva no colegial, ainda enquanto morava
na Grã-Bretanha. Na universidade, lesionado, nem chegou a competir, abandonando
o esporte por completo quando se mudou para o Canadá, aos 21 anos, para trabalhar
como engenheiro de minas.
Retomou as corridas vinte anos mais tarde e logo se destacou
em competições nacionais e internacionais de 800 m e 1.500 m. Venceu tanto que,
aparentemente, a coisa ficou chata: depois de conquistar mais um título mundial
de veteranos nos 1.500 m, em 1979,
deixou as pistas de lado.
Foi a vez de se dedicar às maratonas. No vigor de seus 68
anos, percebeu que poderia se tornar o primeiro homem com mais de setenta a
correr a maratona em menos de três horas. Passou então a se dedicar aos treinos
com mais afinco.
Aos setenta anos não foi possível, mas ele não se abateu. Em
28 de setembro passado, então com 72 anos e 206 dias, Ed Whitlock completou a
Toronto Waterfront Marathon, no Canadá, em 2h59min09.
Desde então, vem quebrando todos os recordes de faixas
etárias e também de idade absoluta, com marcas absolutamente fenomenais, como
se pode ver no quadro ao lado. Ele derrubou dezenas de marcas mundiais na
maratona, na meia e nos 5.000 m, sem contar suas marcas nas provas de 800 m e
de 1.500 m.
Minha corrida de hoje no projeto 60 maratonas aos 60 anos
foi dedicada a ele, que entrevistei em 2003, duas semanas depois de ele ter se
tornado o primeiro septuagenário da história a correr uma maratona em menos de
três horas.
A entrevista foi publicada na “Folha de S. Paulo”, e eu
reproduzo a seguir a parte de perguntas e respostas. Lembre-se de que as
perguntas iniciais se referem à então recente quebra de recorde da faixa etária de 70-74 anos.
RODOLFO LUCENA - O
que essa conquista representou para o senhor?
Ed WHITLOCK - Eu
fiquei muito satisfeito com o recorde, muito aliviado.
RODOLFO LUCENA - Por
que aliviado? Há quanto tempo o senhor vem pensando nessa marca?
WHITLOCK -
Comecei a pensar na maratona sub-3 quando estava chegando perto dos 70 anos,
quando tinha 68. Fiz uma primeira tentativa pouco depois de completar 70 anos,
mas corri 24 segundos acima das três horas. Desde então, tive alguns problemas,
fiquei machucado e não tinha tido outra oportunidade até agora.
RODOLFO LUCENA - O
que lhe dava tanta certeza de que poderia conseguir?
WHITLOCK - Aos 69
anos, corri uma maratona em 2h52min50. Isso me fazia acreditar que, no ano
seguinte, eu faria mesmo sub-3, mas não consegui.
RODOLFO LUCENA -
Quando o senhor começou a correr?
WHITLOCK - Quando
eu estava na escola, na Inglaterra. Corria principalmente provas de
cross-country. Mas parei quando vim para o Canadá, aos 21 anos. Eu era
engenheiro de minas e vim trabalhar em mineração. Naquela época, nos lugares em
que eu trabalhava, não havia corridas, ninguém corria. Então larguei de mão.
RODOLFO LUCENA -
Quando o senhor voltou a correr? Como chegou às maratonas?
WHITLOCK - Aos 41
anos. Desde então, não parei mais de correr... Passei às maratonas quando eu
tinha 45 anos, mas sem treinar muito seriamente. Na época, eu era
principalmente um corredor de provas de pista, 800 m e 1.500 m. Eu era bastante
bom para a minha idade, ganhei um Mundial nos 1.500 m quando eu tinha 46 anos.
Cheguei às maratonas porque estava fazendo treinos longos como preparação para
minhas provas curtas. Fazia longões durante o inverno para ganhar resistência
para as provas curtas, realizadas no verão. E acabei entrando em uma maratona
no final do inverno.
RODOLFO LUCENA - O
que há de bom em correr? Por que o senhor corre?
WHITLOCK - Eu
corro porque gosto de participar de corridas, gosto de me sair bem em corridas,
isso me dá muita satisfação. Descobri que corredores de longa distância são
gente boa para conversar.
RODOLFO LUCENA - O
senhor se considera um exemplo para outras pessoas de sua idade?
WHITLOCK -
Algumas pessoas dizem isso. Acredito que meu desempenho pode ajudar a mostrar
que as pessoas mais velhas provavelmente são capazes de fazer muito mais do que
a sociedade acredita que possam. Meu recorde, por exemplo, certamente pode ser
superado. Fui o primeiro -e isso é muito bom-, mas posso ser superado.
RODOLFO LUCENA - Como
são seus treinos?
WHITLOCK - Corro
duas horas por dia em um ritmo confortável, não muito forte. Corro em volta do
cemitério. É um circuito muito pequeno, pouco mais de 500 metros. Não conto as
voltas que dou nem marco o tempo de cada volta, simplesmente corro. Esse lugar
fica perto de casa -se eu ficar cansado, é fácil voltar.
RODOLFO LUCENA - O
senhor não tira dias de folga?
WHITLOCK - Não.
Posso descansar um dia antes de uma prova ou deixar de correr uma vez ou outra,
mas não estabeleço dias de folga deliberadamente.
RODOLFO LUCENA - Como
é o seu dia?
WHITLOCK - Eu
corro, trabalho em casa e no jardim, leio jornais e revistas, fico no
computador. Assim é meu dia.
RODOLFO LUCENA - E no
campo da saúde? Certamente o senhor está em melhor forma do que a maioria das
pessoas de sua idade.
WHITLOCK - Não
sei se isso se deve às corridas. Eu diria que provavelmente eu estaria
saudável, em boa forma, de qualquer jeito. Correr não me prejudica, não me faz
mal, exceto por algumas lesões de vez em quando, mas acho que é assim para a
maioria das pessoas. Acho que, para sua saúde, é bom correr. Mas também há
coisas ruins: você acaba machucando os joelhos, por exemplo, e há quem tenha
ataque cardíaco.
RODOLFO LUCENA - Como
é sua alimentação? O senhor bebe, fuma?
WHITLOCK - Não
como nada de especial nem faço dieta, não uso vitaminas nem suplementos
alimentares. Cheguei a fumar há muitos anos, mas por pouco tempo. Bebo vinho
duas a três vezes por semana, uma cerveja de vez em quando.
RODOLFO LUCENA - O
senhor tem algum novo objetivo agora?
WHITLOCK - Não
pensei em nenhum por enquanto, mas alguma coisa vai aparecer, com certeza. Eu
pretendo continuar a correr e vou pensar em alguma coisa.
RODOLFO LUCENA - O
senhor tem alguma mensagem para os corredores?
WHITLOCK -
Continuem correndo. Correr é bom.
VAMO QUE VAMO!!!
Percurso de 13 de
março de 2017
16,53 km percorridos
em 2h27min56
Acumulado no projeto
60M60A
609,33 km percorridos em 113h22min19
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