Empresas organizadoras de corridas estão na ofensiva contra
a participação de atletas não inscritos (e não pagantes), os chamados “pipocas”,
nos eventos de rua. Nesse esforço, buscam apoio dos corredores pagantes, como
se fossem todos –organizadores e corredores—da mesma turma, do mesmo time,
contra os corredores ditos “bandidos”.
Por volta da última São Silvestre, a realizadora da prova
chamou uma reunião com jornalistas, blogueiros e outros “formadores de opinião”
para discutir a questão.
Queria, segundo o convite que recebi e não aceitei, "buscar caminhos para uma campanha que visa diminuir esse péssimo hábito que vai contra a proposta de cidadania e respeito para com o próximo".
Mais recentemente, um evento plantou cartazes ao
longo do percurso da prova conclamando os participantes a dizerem “não” aos “pipocas”
nas corridas. Criaram até uma hashtag, #diganãoaospipocas.
É claro, óbvio, evidente
e cristalino que participar sem pagar de um evento pago é errado, irregular e
talvez até configure algum tipo de infração passível de punição legal. Não se
entra no cinema sem pagar, não se vai ao futebol sem comprar ingresso, festas e
bares exigem pagamento de quem deseja participar; com as corridas de rua é a
mesma coisa.
Por outro lado, nenhum dono ou administrador de clube fica
pedindo a seus clientes que fiscalizem o vizinho de poltrona, verifiquem se ele
pagou ingresso e se tem o comprovante do pagamento.
É claro, óbvio, evidente e
cristalino que essa fiscalização é responsabilidade exclusiva do dono ou
administrador do evento, que precisa (ou deveria) garantir a seus clientes
pagantes as melhores condições possíveis de participar do evento.
Algumas empresas organizadoras de corrida parecem não querer
assumir essa responsabilidade, pedindo a seus clientes que exerçam funções de bedel
de corredor. Conclamam seus amigos da imprensa e de blogs para lhes darem conselhos,
numa parceria espúria –afinal, a imprensa deveria guardar prudente e crítica
distância daquilo que cobre.
Fazem isso depois de, não poucas vezes, terem colocado nas
costas dos “pipocas” a responsabilidade por falhas no serviço que deveriam
oferecer. Faltou água? Culpa do “pipoca”. Houve engarrafamento? Culpa do “pipoca”.
E assim por diante.
Ao mesmo tempo, não poucas organizadoras de provas se gabam
da quantidade de atletas que participam de seus eventos; provavelmente (com
certeza, mas escrevo provavelmente para dar a elas o benefício da dúvida),
esgrimem essa quantidade nas negociações de contratos com patrocinadores,
apoiadores e divulgadores. Quantidade que é anabolizada, não raro, pela
presença dos tais “pipocas” --neste caso, eles prestam um serviço à
organizadora da prova.
Na minha experiência como participante de corridas de rua, a
falta de água a intervalos adequados (ou, pelo menos, nos locais prometidos
pela organizadora) é o mais grave problema que a gente enfrenta. E é a falha
que mais amiudemente é vinculada à presença de corredores não inscritos.
Isso é uma questão que deve ser tratada pela empresa que
organiza a corrida. Ela é responsável por garantir a seus clientes pagantes —nós—condições
adequadas e saudáveis de participação.
Como ela vai cumprir sua função é problema dela. Nós, corredores
pagantes, cumprimos com nossas obrigações. Ela deve fazer a parte dela sem vir com
desculpinhas disso aqui ou daquilo lá, que organizar provas é muito complicado
ou muito caro, que ela não tem lucro ou que os “pipocas” pipocaram em excesso.
Nós somos clientes –não parceiros nem amiguinhos nem
coleguinhas-- e devemos ser tratados –bem tratados-- como clientes. Isso inclui
não ter de ouvir chorumelas sobre as dificuldades vividas pela empresa para
montar com carinho uma prova bacana para a turma se divertir e outras
patacoadas que algumas organizadoras falam por aí. Se não fosse para ganhar
dinheiro, para ter lucro, essas empresas não estariam organizando corridas.
Se fosse uma ação entre amigos, seria diferente. Mas não me parece
que corridas que reúnem alguns milhares de participantes e cobrem algumas centenas
de reais pela inscrição sejam ação entre amigos.
Aliás, falando da cobrança, surgiu outra prática que, se não for ilegal, com certeza atenta contra o espírito da lei que instituiu a meia
entrada para os maiores de sessenta anos.
As provas definem um preço de inscrição lá nas alturas, R$
240 para uma meia maratona, por exemplo. Esse é o preço oficial, o preço “cheio”, mas a organização dá
descontos conforme o período da compra. Quanto mais antecipada a inscrição,
mais barato é.
Isso é uma prática normal, aqui e no exterior. É uma maneira
de a organização fazer frente a gastos e ganhar melhores condições para
planejar o evento. Os descontos são tão atraentes que –imagino—algumas provas
ficam lotadas antes de chegar o período de cobrança do preço cheio.
O que não me parece normal é que os velhinhos não merecem
essa atenção e gentileza da prova. Pagam meia, sim, mas em relação ao valor “oficial”,
mesmo que façam sua inscrição dois ou três meses antes da corrida.
Não sou
advogado e, como disse antes, pode ser que essa prática seja absolutamente
legal; mas também é absolutamente contrária ao espírito da lei de desconto, que
objetiva dar aos mais velhos melhores condições de participação nas diversas
atividades sociais.
No cinema, por exemplo, esse espírito é respeitado. Vários
circuitos exibidores cobram ingresso mais barato em um dia da semana, segunda ou terça é o
mais comum, e o preço pago pelos maiores de sessenta anos é a metade do preço
do ingresso do dia. Isso acontece mesmo em sessões em que o valor do ingresso é
subsidiado.
Enfim, o que eu tenho a dizer é que, como corredor e como
cliente de organizadoras de corridas de rua, espero que essas empresas cumpram
seu dever e assumam suas responsabilidades sem jogar em terceiros culpa por
suas eventuais falhas nem pedir que o corredor vire polícia de seus colegas
corredores. E espero que essas empresas respeitem os direitos de todo os
corredores, inclusive os atletas mais velhos.
Penso exatamente igual... não mudaria uma virgula no seu comentário! Perfeito! Faria ainda uma indagação...Depois dessa febre de corrida de rua onde tem evento toda semana...quem você conhece que despontou no cenário mundial como corredor de rua nos 10Km, Na Meia e na Maratona? Incrível como antigamente apesar de não existir tantos eventos tínhamos grandes campeões. Não se pensa mais em formar um grande corredor...só se pensa em ganhar dinheiro com os modinhas que gostam de correr para emagrecer!
ReplyDeleteLucena, só vou fazer 3 comentários à respeito dessa prática das organizadoras: (1) o espaço onde ocorrem as corridas é público, então, como pode alguém (uma empresa!?) proibir qualquer pessoa de correr pelo mesmo caminho? Por que não posso aproveitar que fecharam a 23 de maio e correr por lá tb? (2) as organizadoras não fornecem água aos pipocas, logo, se não tiver nos postos, é culpa da falta de organização. (3) com alguns preços praticados, realmente fica inviável para a muitas pessoas participar de corridas sempre da forma correta. Isso só demonstra que se trata de um negócio, logicamente propagandeado como saúde.
ReplyDeleteObs: Nessa corrida cheia cartazes contra os pipocas, participei como pipoca acompanhando meu pai, minha tia e o namorado dela, e não tomei nenhuma água durante os 10k (nem tentei pegar). Agora me responda por favor, no que prejudiquei a organizadora ou demais participantes fazendo isso? Abs