Sob vaias e gritos de “Fora, Temer!, o ministro da
Cultura do governo golpista, Roberto Freire, assacou insultos contra o escritor
Raduan Nassar e impropérios contra a plateia que acompanhava a cerimônia de
entrega do prêmio Camões, a mais importante honraria para quem escreve em
português.
As cenas grotescas transcorreram na manhã de hoje no
bucólico jardim do museu Lasar Segall, na Vila Mariana, em evento que começara
embalado pela voz de um coral de meninas –graciosas, cantaram “Aquarela do
Brasil”, “Maria, Maria” e “Garota de Ipanema”.
Depois de tanta poesia musical, Nassar usou de prosa precisa
para caracterizar o Brasil de hoje. “Vivemos tempos sombrios”, disse ele, para
logo em seguida denunciar o governo “repressor”, que age “contra o trabalhador,
contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino
gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado
por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que
vem desgraçando os pobres do mundo inteiro”.
O autor de 81 anos, agora oficialmente no panteão dos
maiores escritores em língua portuguesa, encerrou lembrando que, quando Dilma
foi afastada pelo Senado, “o golpe estava consumado”. E proclamou: “Não há como
ficar calado”.
A frase foi saudada com fortes palmas, gritos de “Bravo!”
e um potente coro de “Fora, Temer!”.
A cerimônia seguiu seu curso com um discurso protocolar
do embaixador de Portugal, Jorge Cabral, que cumpriu seu papel com elegância e
discrição.
O mesmo não se pode dizer do ministro do governo golpista
–que havia sido caracterizado por Nassar como “governo em exercício”--, que abandonou
seu pronunciamento previamente escrito para tentar dar lição de moral e assacar
ofensas exatamente contra o homenageado do dia. O octogenário Nassar a tudo
ouviu em silêncio, mesmo quando Freire xingou a “estultice” dos que
caracterizam como golpe a tomada do poder sem voto.
A plateia, porém, não ficou calada ante as grosserias
de Freire, que passou a ser interpelado diretamente.
Professor da USP, o poeta Augusto Massi falou para que
o ministro e todos ouvissem: "Acho
que você não está à altura do evento!".
Na mesma linha, a filósofa Marilena Chauí recomendou que
o ministro ficasse em silêncio. Mas Freire seguiu com sua arenga, tentando
caracterizar como democrático o governo golpista –afinal, estava concedendo
prêmio de alto coturno a um escritor de oposição ao regime golpista.
De fato, porém, Freire estava se adonando de uma
decisão que não era sua nem da turma que ele representava, com bem destacou a
repórter Camila Moraes, do “El Pais”, que registrou a cena a fala ministerial e
a reação dos presentes:
“Diante
da declaração de Freire de que [Nassar] “é um adversário político do Governo
recebendo um prêmio do Governo que ele considera ilegítimo”, escritores
presentes no evento ressaltaram que o Prêmio Camões 2016 foi anunciado em maio
de 2016, quando o impeachment ainda não havia sido concluído.
“É preciso
ressaltar que ele aceitou o prêmio em maio do ano passado, quando o Governo
ainda era o de Dilma Rousseff”, destacou Milton Hatoum. Segundo o escritor
amazonense, autor do premiado romance "Dois Irmãos", entre outros, o governo atual “adiou por muito
tempo a entrega desse prêmio, justamente por medo dessa repercussão”. No meio,
o discurso político de Nassar – que se manifestou contra o impeachment
anteriormente – já era esperado por todos.”
Nas redes sociais, a repórter Carol Pires também denunciou
a apropriação indébita, como demonstra a imagem.
A plateia protestou. Alguém gritou não se podia seguir
ouvindo aquilo em silêncio, e foi apoiado por boa parte do grupo. Sob vaias,
Roberto Freire enfim saiu do palanque e abandonou o evento –a repórter Carol
Pires registrou tudo em vídeo, a que você pode assistir clicando AQUI.
Por lá ficamos nós outros, os amigos e admiradores de
Raduan Nassar, de sua escrita brutal e de seu desabrido papel na luta
democrática.
Estavam lá Celso Amorim, ministro dos governos Lula e Dilma, o
senador Eduardo Suplicy, o jornalista Mino Carta, a cineasta Petra Costa,
professores, escritores, amantes da literatura e da democracia.
Além das emoções do dia, fomos brindados com o
belíssimo discurso de Nassar, que reproduzo a seguir.
“Excelentíssimo
Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.
Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da
Cultura do
governo em exercício.
Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação
Biblioteca Nacional.
Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar
Segall.
Saudações a todos os convidados.
Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda
que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um
brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país,
resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos
portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e
meios acadêmicos lusitanos.
Portanto, Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na
sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional
Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a
prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se
na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes
propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima.
Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo
exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura
exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.
Os fatos mencionados configuram por extensão todo um
governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas,
contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e
altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua
escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo
inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e
continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal
Federal.
Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu
há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções
enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única
delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem
ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares,
o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo
Dilma. Dois pesos e duas medidas
É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas
exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo
propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então
presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de
impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi
afastada definitivamente no Senado.
O golpe estava
consumado!
Não há como
ficar calado.
Obrigado.”
Com o que também concluo o registro da manhã de hoje,
em que não corri nem caminhei por causa de uma impertinente dor no tornozelo.
Dias atrás sofri uma leve torsão, que estou tratando com carinho e cuidado. É
melhor não abusar do corpo para poder seguir firme na luta.
Afinal, esta jornada não é um sprint nem uma maratona,
mas sim percurso equivalente ao de sessenta maratonas. Sigamos juntos.
VAMO
QUE VAMO!!!!
O trânsfuga e traidor ex-comunista (esses são os piores) Roberto Freire, ao fim e ao cabo, rendeu-se à genialidade de Raduan Nassar: despejou Um Balde de Cólera.
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