Neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, saí de casa para
um percurso que celebrasse as homenageadas.
Há vários dias penso em um trajeto especial, faço lista com
grandes mulheres de nossa história, lembro importantes movimentos femininos. É
o básico para esse tipo de homenagem.
No ano passado, por exemplo, fiz uma trajeto até a rua
Bertha Lutz, na zona norte de São Paulo, tendo como convidadas a promotora de
Justiça Grabriela Manssur e a jornalista Yara Achôa, duas batalhadoras do
feminismo de diferentes áreas que se encontraram na corrida (CLIQUE AQUI para
saber como foi).
Hoje saí sozinho, buscando caminho que por muitas vezes
percorri com a homenageada do dia, de todos os dias, guerreira do povo e da
palavra pelo povo: Eleonora, com quem comungo a vida.
Fui até o parque da Água Branca, destino quase semanal da
família quando nossas filhas eram pequenas. Brincavam no parquinho, visitavam as
galinhas, as tartarugas, os patos, os pavões, a jaula dos macacos, enquanto nós
as olhávamos e sonhávamos com o futuro.
Era um caminho dos tantos caminhos das lutas femininas, da
jornada humana. Muito teria a contar daqueles tempos e dos dias de hoje, da
trajetória de Eleonora. Só de pensar,
porém, me emociono e, no batucar das teclas, embaralho paixões.
Melhor deixar que outros falem sobre a personagem do dia,
símbolo que escolhi para homenagear todas as mulheres.
Por isso, reproduzo a seguir trechos de um perfil de
Eleonora escrito em 2008 pela grande repórter Célia Chaim, que nos deixou no
ano passado. O texto integrava uma série de “portraits jornalísticos” feitos
por Chaim para a newsletter “Jornalistas & Cia”, que há mais de vinte anos acompanha
o mundo dos profissionais de imprensa
Na apresentação da reportagem, os editores Eduardo Ribeiro e
Wilson Baroncelli (que gentilmente autorizaram a presente reprodução), diziam o
seguinte da personagem e da produção:
“Ela tem sobre os ombros, já há muitos anos, a
responsabilidade de editar o maior jornal do País, a “Folha de S.Paulo”. Discreta,
fala mansa, olhar atento, não demonstra a menor intenção de ser notícia. Falar dela, nessas circunstâncias, foi
um duplo desafio: vencer de um lado a sua timidez e, sem pleno sucesso, compor
uma edição que pudesse retratar de algum modo a sua personalidade e a sua história
profissional.
Fosse outro o profissional, talvez essa edição nem saísse.
Mas Célia Chaim, mesmo com alguns problemas de saúde, não se
deixou abater e foi à luta, assim que decidimos conjuntamente que o nosso
próximo personagem seria ela, Eleonora de Lucena, de quem pouco se ouve falar, mas
que tem, pelo cargo que ocupa e pelo trabalho que realiza, uma importância imensa para o jornalismo brasileiro
contemporâneo.
Célia valeu-se muito de sua memória, do conhecimento que
tinha e tem de Eleonora, dos tempos em que trabalhou na Folha, sob sua direção,
e também de pesquisa, de depoimentos de amigos e de conversas com a própria
Eleonora, que embora tenha aceitado participar do
nosso projeto, em nenhum momento sentiu-se à vontade em se
expor.
Tanto ou mais do que Tostão, nosso outro personagem tímido,
que valeu uma edição deliciosa, esse pequeno perfil de Eleonora é mais uma peça
de bom jornalismo que a nossa editora-contribuinte, Célia Chaim, entrega e que
nós temos a satisfação de compartilhar com nossos leitores.”
Dito isso, apresento a seguir os principais trechos do
perfil publicado em uma edição especial da “Jornalis&Cia” em 7 de novembro
de 2008. Na época, como já ficou claro, Eleonora ainda trabalhava na “Folha”.
Demitida em 2011, ela seguiu colaborando com o jornal até o ano passado, quando
a empresa decidiu rescindir o contrato de produção de conteúdo. Hoje,
aposentada, Eleonora trabalha por conta própria na produção de uma biografia do
capitão Carlos Lamarca.
Bom, vamos ao texto de Célia Chaim.
“Eleonora de Lucena, editora-executiva da Folha de S.Paulo,
é maratonista todos os dias para fechar o maior jornal do País. São muitas
editorias – Política, Brasil, Cultura, Esportes, Cotidiano e por aí vai. São
grandes colunistas, escritores, intelectuais. De Carlos Heitor Cony ao
debochado e imprescindível José Simão. A
Folha é um pequeno mundo e uma enorme redação, com cerca de 300 pessoas.
Ela trabalha muito.
Mas não é só trabalho. Festejou seus 50 anos com um
churrasco gaúcho – tido como o melhor do Brasil – preparado pelo marido (há 29 anos)
Rodolfo Lucena, editor de Informática da "Folha", o mais eclético jornalista que conheci na minha
vida. Logo, logo você saberá por quê.
Essa gaúcha clarinha, bonita pela própria natureza, veio
parar em São Paulo depois de algumas experiências jornalísticas, entre elas no jornal “Zero Hora”
Hora.
Caiu num ninho de coisas desinteressantes (quem é responsável pelo termo
“desinterassante” sou eu, que na época
trabalhava nas revistas da “Gazeta Mercantil”) e, depois de
algum tempo, foi para a Folha, primeiro como repórter, depois como editora de Economia e em
seguida como editora-executiva.
Anos atrás, quando o pessoal da Folha era “o pessoal da
Folha”, quando um dos muitos chefões era chamado pelo mercado de “leão da selva” e
Matinas Suzuki Jr., super-moderno, a estrela do jornal, Eleonora, ali no seu espaço de
Economia, chamava a atenção pela competência quase muda – bem do jeito que ela
é. Editora-executiva –quem viu nãoesquece –, passou ilesa pelas repentinas
bajulações.
Talvez, como diria minha mãe, Eleonora tenha “it”, expressão antiga
que aparece no Aurélio como “magnetismo”, algo que não se compra nem se
empresta.
Um a zero para Alcina, minha mãe, um dicionário falante de
expressões de uso antigo, dona de uma aritmética que a permitiu passar vários
anos nos 38 e que agora emperrou nos 70.
Eleonora não fala nada disso.
É discreta demais, simples, sabe lidar com situações as mais
inusitadas, e assim, com competência, contribuir muito para a ascensão do
jornal.
Por conta da função, é ligada em todas as editorias –
Brasil, Política, Esporte, Cultura, Comportamento, Tecnologia e sabe-se lá mais
o quê. Uma baita responsabilidade.
Mas ela não fica sem
dormir. Chega em casa feliz da vida por ter feito mais uma boa
edição. Chega leve, sem empurrar para um e outro as mazelas do dia.
Como chefe, não hesito em
colocá-la na minha memória ao lado de quatro outros pelos quais ainda sou apaixonada:
Zuenir Ventura, Ricardo Setti, Orivaldo Perin, e o italianíssimo, barulhento,
genial Mino Carta.
É pouco? É pouco porque são poucos mesmo –ao menos para a
minha experiência. E posso citá-los sem nenhum constrangimento porque não estou
à procura de emprego.
Sobre Eleonora, Otavio Frias Filho, diretor de Redação da
Folha, intelectual educado, crítico do jornalismo, diz: “Eleonora é uma excelente
profissional de jornalismo. É inteligente, tem uma boa formação em história, sobretudo história
econômica, é organizada e trabalha muito. Conhece bem a Folha, onde trabalha há quase 25 anos,
tendo exercido com êxito funções de repórter, redatora, editora e secretária de
Redação. Tem uma clara noção estratégica a respeito do jornal. Escreve bem. É muito ciosa
quanto a aspectos éticos da profissão e cultiva uma simplicidade de hábitos que se
coaduna com imagem da Folha”.
Eleonora tem uma legião de jornalistas que a colocam nas
nuvens pela competência com que comanda o maior jornal do Brasil. Outros a criticam nos
bastidores. Muitos certamente
porque sonham em ocupar o cargo dela. Soltam flashes
invejosos sobre sua atuação – um tipo muito comum na praça. Outros a criticam porque acham
que deveria ser mais ousada, mais rebelde às regras da casa. Alguns ainda
porque gostam de criticar tudo. Os críticos rinocerontes chegam à covardia de –
isso em 2008 – dizer que um homem é sempre
melhor no comando. Devem ser daquele tipo que xingam
mulheres ao volante.
Eleonora é ela e qualquer
comentário a favor ou contra não a tira do trilho. E pronto!"
Eleonora de Lucena na sabatina de Lula, candidato á presidência da República, em 2002 - foto Antônio Gaudério |
A edição de “Jornalistas&Cia” dedicada ao perfil de
Eleonora de Lucena era cheia de firulas, com vários textos encadeados –inclusive
artigos da própria personagem. A certa altura, Célia Chiam traz depoimentos de jornalistas
que trabalharam com Eleonora em algum momento.
A seguir, reproduzo a fala de Matinas Suzuki Jr.:
“Trabalhei com a Eleonora na redação da Folha por mais de 15
anos, desde o lançamento do primeiro caderno de informática da imprensa
brasileira, no início da década de 1980. Ela foi sempre uma presença
necessária, que trazia equilíbrio, sensatez, discrição e conhecimento técnico
(sobretudo na área de Economia), ali, onde, do nosso lado, era quase sempre
desejo de ruptura, vontade de fazer barulho e de correr riscos nem sempre bem
calculados.
Eleonora carregava com ela o segredo dos bons editores, a
sabedoria que se transmite silenciosamente, geração após geração: esta
sabedoria que ensina que um grande
jornal se constrói carregando pedras todos os dias, com paciência e
perseverança – e é tarefa de gente
dedicada, que conhece a grandeza de ser quase anônima.”
Você pode acompanhar a íntegra da edição especial de "Jornalistas&Cia" com o perfil de Eleonora CLICANDO AQUI.
Bem, era o que eu tinha para dizer.
Não, pera aí, faltou uma coisinha: Eleonora, eu te amo!
VAMO QUE VAMO!!!
Percurso do dia 8 de março de 2017
7,35 km percorridos em 1h24min34
Acumulado no projeto 60M60A
552,04 km percorridos em 102h11min30
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