Lixo, lixo, lixo, por toda a parte montanhas de lixo. Papel
velho, plástico rasgado, vidro quebrado, ferro partido, papelão sujo,
brinquedos em pedaços, restos da nossa humanidade, puro lixo.
Lixo para você, cara-pálida.
Nos montes desarrumados em que jornalistas, economistas,
estudantes, engenheiros, empresários, balconistas, comerciantes, políticos e
professores só veem dejetos da vida humana, Pedro enxerga pão, saúde, roupas,
educação.
Pai de família, 44 anos, Pedro Henrique Mesquita integra o
exército de homens e mulheres que vivem do lixo de São Paulo. Catam, separam e
preparam para a venda materiais recicláveis, produzindo por ano milhares de
toneladas de papel, metal e vidro para reutilização pela indústria.
“Tô nisso desde os dez anos, fui catador de andar com saco
nas costas”, diz ele, que sustenta mulher e filhos com a renda da Associação
Coreji, em que trabalha com a mulher e parentes em um terreno ocupado há mais
de vinte anos no Jardim Itapema, zona leste de São Paulo.
Eles labutam o dia inteiro na separação do lixo reciclável
entregue por caminhões a serviço da Prefeitura de São Paulo, mas Pedro ainda
tem tempo para militar em defesa da categoria, participando de encontros de sua
associação. E não abre mão de tornar sua comunidade uma pouco melhor para
viver.
Com outros trabalhadores em reciclagem de lixo, tratou de
transformar um terreno baldio em campinho de futebol para a meninada brincar
nas horas vagas. Ele acredita que é uma forma de tentar afastar a gurizada de
companhias perigosas; o tráfico de drogas é sempre uma presença intimidante nas
regiões onde o poder público é ausente (e em muitas onde está presente...).
Apesar de supersimples, a quadra de chão batido construída
por Pedro e seus amigos tem uma característica que pode provocar inveja a
corredores: o piso. Grande parte do terreno é coberta por lixo, um lixo muito
especial.
Pedro conta que, certa vez, um conhecido chegou à comunidade
para despejar uma carga, se livrar irregularmente de lixo –isso é prática comum
ali; apesar de ser uma área para reciclagem, em que atuam três cooperativas,
com um total de cerca de 50 trabalhadores, não raro o terreno serve para
despejo de restos de demolição.
Pois o tal conhecido levou seu caminhãzinho com toneis de
dejetos. Quando Pedro viu o que era, pediu que fosse tudo despejado no
campinho.
Sábia decisão: são pedacinhos das borrachas e plásticos que recobrem fios os mais diversos. Não
importa sua origem ou destino inicial, o que importa é que fazem um piso
sensacional para correr, pular, brincar.
Por isso mesmo, sugeri ao Pedro que construísse, quando
possível, ali ou em algum terreno próximo, uma pista de corrida usando aquele
material como piso. Garanto que muito atleta burguês iria adorar!
Conheci o Pedro no último sábado, dia 11, numa caminhada
organizada pelo grupo Desbravadores de
Sampa, que foi criado em novembro de 2012 por Hugo Leonardo Peroni, 36, formado
em programação visual.
Grupo que participou do Desbravamento de sábado; Hugo é o terceiro da fila, atrás da moça de camiseta amarela |
Sobre a gênese do grupo, ele me disse o seguinte: “Durante
um treinamento em parques para corridas de competição, percebi que o girar
eternamente naquele espaço estava me cansando. Decidi, então, correr por 18km
pela cidade e a sensação foi excelente. Convidei amigos a me acompanhar, mas
negaram. Então decidi correr entre os estádios do Palmeiras e do Corinthians e
documentei em vídeo. A partir de então, várias pessoas passaram a me acompanhar.
E, com o tempo, transformamos em corridas temáticas ou livres e depois em
corridas e caminhadas”.
Como as jornadas organizadas pelo meu grupo, os Corredores
Patriotas Contra o Golpe, é tudo grátis, sendo as caminhadas orientadas por
voluntários. Algumas vezes, fazem passeios temáticos, como foi o deste último
sábado, construído como uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher.
Éramos em onze os desbravadores –incluindo Hugo e Marina
Pereira —que nos encontramos na estação Artur Alvim para iniciar dali a
caminhada “Maria Maria na Luta – Desbravamento Pelas Mulheres da Reciclagem”,
um trajeto que serpenteou por quase catorze quilômetros.
Mapa do percurso realizado pelo grupo na zona leste |
O desenho do projeto foi construído depois de diversos
encontros, relata Peroni: “Pensávamos em desenvolver algo para o Dia Internacional
da Mulher. Duas meninas participantes e voluntárias do Desbravadores conheceram
a Maria, uma catadora de objetos recicláveis. Conversamos sobre a ideia de
relacionar um percurso ao trabalho dela. Paralelamente, um amigo de trabalho me
apresentou a Delaine, que é presidente do Fórum da Zona Leste e tem o objetivo
de promover a integração entre as cooperativas de triagem de reciclados. A
Delaine nos indicou cooperativas naquela região onde o trabalho de triagem é
realizado exclusivamente por mulheres. Bingo. Era exatamente o que precisávamos
para estabelecer a linha do percurso.”
A cooperativa Filadelphia, tocada por mulheres, estava
fechada na hora em que passamos pelo local, a mesma comunidade em que mora e
trabalha Pedro Mesquita. Isso não significa que não tivemos oportunidade de
conhecer mulheres especiais.
Com algumas delas, a conversa foi apenas de passagem, ver e
cumprimentar, como fizemos com as senhoras que, no pátio da UBS Jardim Santa
Maria, dançavam em celebração do Dia Internacional da Mulher.
Em compensação, conversamos um tempão com a simpática Nanci
Darcolete, presidente da Casa do catador, associação que funciona no terreno de
uma antiga usina de compostagem na estrada do Carmo, do ladinho mesmo do parque
do Carmo.
“A gente trabalha com
uma vista linda, não é?”, diz ela, mostrando a paisagem que se descortina das
janelas do refeitório da entidade, que reúne 45 trabalhadores, grande parte
deles mulheres.
Mulheres associadas da Cooperleste fazem separação de material, tarefa em que há maior presença feminina |
Quem trabalha na reciclagem em geral começou na rua, catando
material que pudesse vender, carregando saco nas costas ou empurrando carrinho.
Há também muita gente que perdeu o emprego, não conseguiu recolocação e tratou
de arregaçar as mangas por conta própria.
Foi essa a trajetória de Nanci, que ficou desempregada três
anos depois do nascimento de sua filha mais nova, que hoje tem 23 anos. Com a
criança pequena, foi mandada embora da empresa de faxina em que trabalhava
registrada.
“Vim pela necessidade”, diz Nanci.
Além da atividade comercial –registrada em anotações coloridas
em papéis pendurados em um mural de recados na área administrativa do galpão--,
a associação promove palestras e outras atividades para a melhoria da formação
de sua turma.
Sem deixar de cuidar do lazer, oprganizando viagens e
passeios –um muito festejado foi a visita a um parque em Itu.
A diversão é necessária, ainda mais para quem trabalha tanto
como os operários da reciclagem de lixo. Na Cooperleste, por exemplo, que
funciona na mesma encosta de morro onde está instalada a Casa do Catador, cerca
de quatro toneladas de lixo são preparadas para a venda a cada dia.
Tudo é anotado por seu Josafá, o presidente da entidade, que
recebeu os grupos dos Desbravadores na manhã de sábado.
As horas juntando e separando papel, papelão, vidro, restos
de produtos eletrônicos e latinhas de bebidas podem amortecer a pessoa,
soterrada de tanto trabalho duro, pensando apenas na sobrevivência.
As
associações procuram minorar esse problema, mostrando o valor do trabalho do
catador e do operário da reciclagem, e fazendo reuniões com outras entidades
para, em conjunto, atuarem em defesa de sua comunidade.
“Que tira o lixo da rua é o catador, não o prefeito, o
governo, ninguém mais”, declara Pedro Mesquita.
De fato, estudos citados pelos Desbravadores de Sampa
mostram que cinco mil toneladas de lixo deixam de ser atiradas nos aterros,
apenas na cidade de São Paulo, graças ao trabalho dos catadores e recicladores.
É tudo lixo que vira dinheiro.
VAMO QUE VAMO!!!
Percurso do dia 13 de março de 2017
7,06 km percorridos em 1h22min45
Acumulado no projeto 60M60A
592,80 km percorridos em 110h54min22 (mais de 14 maratonas,
ainda faltam 46)
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