Dia desses por aí, Narbal Fernandes levou a família para
almoçar em um restaurante. Tudo ia bem até que a filhinha do casal, de três
anos, começou a “reinar”. Das outras mesas, olharam feio para o grupinho: “Minha
filha estava irritada, e as pessoas achando que ela estava de birra ou era
falta de educação”.
A garota é autista.
“Em 2014, fui presenteado por Deus com uma linda filha
perfeita e saudável. Com o decorrer de seu crescimento, os médicos suspeitaram
de autismo, diagnóstico que foi confirmado no ano passado. Desde então, acompanhamos famílias que estão
na mesma luta de oferecer uma vida digna a seus filhos, superando obstáculos e
vencendo preconceitos e falta de informação”, conta Nalbal.
Superar obstáculos e vencer preconceitos e a falta de informação
é o objetivo da corrida que Nalbal realiza solitário neste domingo, 2 de abril,
Dia Mundial da Conscientização do Autismo, que é “uma disfunção que afeta a
capacidade de comunicação das pessoas, alterando também a forma como ela se comporta
e estabelece relacionamentos”, segundo define um site especializado.
O conhecido médico Drauzio Varella, em seus domínios
internéticos, amplia a definição: “Autismo é um transtorno global do
desenvolvimento marcado por três características fundamentais: inabilidade para
interagir socialmente; dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se ou
lidar com jogos simbólicos; padrão de comportamento restritivo e repetitivo”.
O fato é que ainda se sabe muito pouco sobre o autismo e os
autistas. Fernandes, que já foi professor de história, ficou um tempo
desempregado e agora trabalha no comércio, no Rio de Janeiro, expõe
estatísticas que dão um quadro da situação:
“O autismo afeta um a cada 68 nascimentos. No Brasil, são
quase 2 milhões de autistas,sendo que cerca de 90% não recebe o diagnóstico.
Por falta de campanhas de conscientização no país, muitas famílias e
especialistas não conhecem os sintomas ou menosprezam seus sinais. A cada quatro
meninos nasce uma menina autista. A ONU estima que existam mais de 70 milhões
de autistas no planeta, sendo em crianças mais comum que o câncer, a Aids e a diabetes
juntos.”
Corredor desde 2011, contando até com uma maratona do currículo, Narbal Fernandes fala sobre seu projeto: “Não faço para por mim e muito menos para o meu ego, sou movido pela causa e descobri aos 35 anos de vida qual a minha missão na terra : correr para conscientizar”.
Será uma corrida enorme, de cerca de oitenta quilômetros: “Saio
da cidade de Muriqui, na Costa Verde do
RJ), e vou até Mesquita, na Baixada Fluminense, onde resido com minha família.
Passarei pela Rodovia Rio - Santos e boa parte da Avenida Brasil.
O corredor, que gravou um vídeo para contar um pedacinho de
sua história (clique na imagem para acessar o vídeo), afirma que pretende em
toda a corrida levar a bandeira do autismo.
“Quero fazer com que as pessoas saibam o significado da
falar conscientização, que não seja nada robotizado, nem modinha, mas que venha
do coração . Só teremos a verdadeira inclusão quando a conscientização for
verdadeira, e é para isso que pretendo chamar a atenção . Correr para
conscientizar!”
Bueno, estamos aqui torcendo pelo Narbal e por sua
bailarina, esperando que consigam ampliar o grau de informação sobre esse
transtorno mental.
Os próprios autistas, por sinal, se engajam nessa missão de
conscientização. Uma das mais conhecidas é a cientista e professora
universitária Temple Grandin, norte-americana autora de vários livros sobre o
assunto. Eu conversei com ela em 2013, quando lançou nos Estados Unidos mais um
livro contando sua experiência em viver o autismo e como lidar com o problema.
A entrevista foi publicada na época na “Folha de S. Paulo”,
e eu reproduzo o texto a seguir, como modificações e atualizações.
O melhor tratamento
para as crianças autistas é descobrir seus pontos fortes e desenvolver essas
habilidades, de modo que elas possam vir a ter uma vida independente e garantir
o próprio sustento. Essa é a mensagem de Temple Grandin, 69, uma das mais
reconhecidas autoridades em autismo no mundo, autora de vários livros sobre o
assunto, como "The Autistic Brain: Thinking Across The Spectrum" (O
cérebro autista: pensando através do espectro), lançado em 2013.
No livro, ela mostra evidências de que o cérebro dos
autistas é fisicamente diferente e diz que isso deve ser levado em consideração
na identificação e no tratamento de pessoas com o distúrbio. Também discute as
definições de autismo na nova edição da chamada "bíblia" da
psiquiatria, o DSM (Manual de Estatísticas de Diagnósticos), cuja versão mais
recente foi lançada nos EUA.
A nova edição elimina as diversas classificações de autismo
e as junta numa categoria só com diferentes graus de severidade. Mas,
principalmente, Grandin procura mostrar como pensam os autistas e como eles
podem ser orientados. Ela mesma autista, inventou uma "máquina de
abraçar", que a ajudava a controlar a ansiedade provocada por sua
condição.
Cientista especializada em comportamento dos animais, sua
história virou um filme ("Temple Grandin", de 2010), que ganhou
prêmios em penca, inclusive sete Emmy. "O autismo é parte de quem eu
sou", escreve ela. "Mas não vou permitir que ele me defina. Sou uma
expert em animais, professora, cientista, consultora."
Foi de seu escritório na Universidade do Estado do Colorado,
onde dá aulas e realiza pesquisas, que ela concedeu por telefone esta
entrevista.
RODOLFO LUCENA - Qual sua avaliação da nova definição de
autismo estabelecida no novo manual de psiquiatria, o DSM-5?
TEMPLE GRANDIN - Alguns indivíduos não vão mais ser
considerados autistas depois das novas definições. Elas terão impacto também
sobre o acesso que essas pessoas têm ao seguro de saúde. O diagnóstico é todo
baseado em análise do perfil de comportamento da pessoa. Não são levados em
consideração os conhecimentos que temos sobre o cérebro dos autistas.
RODOLFO LUCENA - Seu novo livro trata do cérebro dos autistas.
Em que ele é diferente?
TEMPLE GRANDIN - As
ligações são diferentes, meu cérebro é diferente do cérebro de um neurotípico
[pessoa sem o transtorno]. Não é culpa da mãe ou da educação, autistas nascem
com diferenças físicas.
RODOLFO LUCENA - Como deve ser o tratamento das crianças com
autismo na escola?
TEMPLE GRANDIN - A educação deve levar em consideração as
habilidades da criança, investindo nelas. Se a criança tem habilidade para as
artes, vamos investir nisso. É preciso trabalhar com a criança para enfrentar
suas dificuldades. Se ela tem problemas para se relacionar, é preciso ensinar
aos poucos as habilidades sociais, ensiná-la a cumprimentar, a dar a mão. Se
não consegue falar, é preciso atacar esse problema, uma palavra de cada vez, ou
usar música.
RODOLFO LUCENA - Como os pais podem saber se seu filho é
autista?
TEMPLE GRANDIN - Não
é preciso fazer ressonância magnética do cérebro para identificar autistas ou
crianças com problemas de desenvolvimento. Se uma criança chega aos três anos e
ainda não consegue falar, existe algum problema.
RODOLFO LUCENA - Como a família pode ajudar a criança?
TEMPLE GRANDIN - A
melhor forma é ficar muito tempo com a criança, horas a fio, conversando com
ela, tentando ensinar uma palavra, um gesto de cada vez. Avós são muito boas
para isso; em geral, têm tempo para se dedicar aos netos e habilidades
pedagógicas.
RODOLFO LUCENA - Na escola, devem ser colocadas em classes
especiais?
TEMPLE GRANDIN - As
crianças com autismo podem frequentar escolas comuns, mas os professores
precisam saber que elas têm necessidades e habilidades especiais. Uma criança
autista pode ser muito fraca na escrita, mas ótima com os números. Então, ela
deve receber atendimento extra para aprender a escrever ou ler e ser
incentivada a progredir naquilo em que for boa --no exemplo, pode passar
adiante da classe em matemática.
RODOLFO LUCENA - O que precisa mudar no atendimento à criança
autista?
TEMPLE GRANDIN - Os
educadores devem focar nas habilidades das crianças autistas, não só nas suas
deficiências, para que elas tenham melhores condições de se integrar à
sociedade. As crianças autistas devem ser incentivadas a se especializar em
alguma atividade.
Quando eu estive na escola, sofri muito com as críticas e as
gozações dos outros. Eu me refugiei no desenho, no trabalho com os animais. A
atividade especializada é muito boa para os autistas: música, artes, robótica,
seja o que for.
RODOLFO LUCENA - O que fazer para que os autistas possam ter
uma vida independente?
TEMPLE GRANDIN - É
preciso entender que os autistas pensam diferente. Alguns pensam em padrões,
outros por imagens. É preciso aproveitar isso para ajudá-los, para que possam
contribuir com a sociedade. Mas é preciso ajudá-los. Eu sugiro que, a partir
dos 12 anos, as crianças recebam orientações e treinamento em áreas que possam
lhes ser úteis para que venham a ter um emprego, seja atendendo em uma loja,
seja trabalhando com animais ou qualquer outra coisa.
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