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24.4.17

A verdade verdadeira sobre o recorde feminino da maratona que não é a melhor marca de uma mulher na maratona

Começo alinhando os fatos, apenas para garantir que você esteja absolutamente bem informado e, dessa forma, capaz de assimilar as explicações que virão logo a seguir.
Neste último domingo, a queniana Mary Keitany, uma das grandes estrelas internacionais do mundo da longa distância, venceu a maratona de Londres com o espetacular tempo de 2h17min01.
Eu abdiquei de minha assinatura da TV paga (nem sequer tenho mais aparelho de televisão funcionando em casa) e também não acordei cedo o suficiente para acompanhar ao vivo a transmissão internética da prova, mas, ao ler os comentários sobre a cobertura, vi logo a imensidão da confusão que alguns comentaristas devem ter feito, deixando o público ainda mais confuso do que eles próprios.
Alguns ficaram falando de recorde mundial, outros de recorde mundial de mulheres (como se não fosse a mesma coisa). Eu não sei se isso aconteceu, mas vamos admitir que tenha havido até quem falasse de recorde mundial feminino em prova exclusivamente feminina (sem homens marcando ritmo para as mulheres).
Pois, bingo! Foi isso mesmo o que aconteceu.


O recorde mundial da maratona feminina continua firme e forte, intocável como sempre esteve desde 2003 –talvez não continue assim por muito tempo, mas isso é coisa para o futuro, quem viver verá.
Esse recorde, estabelecido por Paula Radcliffe na maratona de Londres, foi conquistado em competição em que homens e mulheres largaram juntos, e as mulheres puderam ter homens fazendo a marcação de ritmo.
Supostamente isso dá uma vantagem competitiva.  Ou verdadeiramente, sei lá, não conheço provas científicas demonstrando a diferença, mas a comunidade que comanda as corridas de rua no mundo diz que é assim.
Tanto que, há alguns anos, os cartolas da IAAF (a Fifa do atletismo), decidiram eliminar o registro dessa marca, que não seria pura o suficiente para os padrões das vestais do esporte limpo de Genebra.
A britânica Paula Radcliffe, apoiada pela sua patrocinadora e por seus fãs no mundo inteiro, fez a maior campanha contra a decisão e acabou conseguindo que a IAAF voltasse atrás –o que eu acho muito certo, se você quer saber minha opinião.
Para não dar totalmente o braço a torcer, a IAAF então criou duas marcas. O recorde mundial propriamente dito, a já citada marca da britânica Paula Radcliffe em 2003, que ganhou uma observação ao lado. Não o popular asterisco, mas um “Mx”, de mixed race, corrida mista.
E passou a considerar uma segunda melhor marca do mundo, essa obtida em corrida exclusivamente feminina, que também ganhou numa observação ao lado do tempo: “Wo”, de Women`s only, apenas mulheres.
Até o último domingo, essa marca TAMBÉM era da Paula Radcliffe, que em 2002 venceu a maratona de Chicago em 2h17min18, limando quase um minuto e meio da marca anterior, que era de uma das mais elegantes e simpáticas corredoras da história, a queniana Catherine Ndereba.


Agora, uma queniana volta ao topo dessa lista, como você pode ver pelos registros oficiais no site da IAAF, que mostram a Paula Radcliffe até agora imbatível, com sua marca obtida em prova mista. E, logo a seguir, Mary Keitany com a marca do domingo último, em prova apenas de mulheres.
Que fique claro, porém, que esses são dados extraoficiais, ainda que já registrados pela IAAF. A cartolagem ainda leva um tempo até homologar o recorde; ter os resultados dos exames antidopagem é uma das providências prévias à homologação.
Bueno, dito isso, vamos à prova, em que Mary Keitany simplesmente arrasou. Muitos especialistas, aliás, dizem que ela arrasou demais, cometendo muitos erros, que lhe custaram não conseguir o recorde mundial absoluto. Pode até ser verdade, mas como saber? Como já disse alguém, o general “Se” morreu na guerra.
Trabalhemos, pois, com os fatos. Os números.
Eles são assombrosos. O resumo da ópera é o seguinte: Mary passou pelo quilômetro 30 com mais de um minuto de vantagem sobre a passagem de Paula Radcliffe quando a britânica cravou o recorde absoluto. Depois cansou ou perdeu o passo, mas continuou com ritmo suficiente para chegar aonde chegou.
Até o quilômetro 35, o estrago que ela fez na história do mundo das corridas de rua não precisa de adjetivos. Ai vão os tempos:
Ela passou o quilômetro 5 em 15min31 e cruzou pelo quilômetro 10 em 31h17 –se conseguisse manter esse ritmo ao longo de todo o percurso, fecharia a maratona em cerca de 2h10, ou seja, CINCO MINUTOS abaixo do recorde mundial absoluto.
Por causa do ritmo alucinante dela, o pelotão perseguidor também queimou o chão: a turminha da segundona passou o km 10 em 31mi31, todas elas MEIO MINUTO mais rápidas do que a passagem da Radcliffe em 2003.
A essa altura, os especialistas de plantão já diziam que ela não ia aguentar mais nada etc. e tal, mas a mina continuou botando prá quebrar: sua passagem na meia maratona é  a mais rápida da história das maratonas (1h06min54).

Melhores tempos de Mary Keitany em algumas distâncias em corridas de rua

Com 1h36min05 no km 30, estabeleceu novo recorde –ainda a homologar—nessa distância e continuava mais rápida do que Radcliffe em 2003. Agora, porém, tinha apenas 31 segundos de vantagem sobre a marca histórica e logo veria essa frente se esvair.
No km 35, já estava claro que ela não conseguiria estabelecer uma nova marca absoluta, mas poderia perseguir um tempo histórico. Foi o que fez nos últimos dois quilômetros, quando reuniu forças para acelerar e fechar em novo recorde mundial da maratona em provas apenas com mulheres.
Claro que ainda faltam os resultados dos testes antidopagem –e, nos tempos atuais, todo mundo fica desconfiado quando aparecem recordes sensacionais, ainda mais nestes tempos em que ver mulheres correndo sub2h20 é tido como algo excepcional.
Dúvidas que podem ser apimentadas pelo fato de duas maratonistas de superelite do Quênia terem sido pegas no antidoping, a campeã olímpica Jemima Sumgong e a tricampeã de Chicago Rita Jeptoo.
Em contrapartida, a história de Mary Keitany mostra que ela não é uma arrivista que, de repente, do nada, começou a fazer grandes tempos (o quadro ao lado é tirado da Wikipedia). Ao contrário, sua carreira sempre foi a de uma atleta rápida nas longas distâncias, com boa resistência e muita coragem –às vezes, audácia em demasia, como alguns acreditam que demonstrou no domingo em Londres.
Audácia que chega a levar os observadores ao desespero: em 2011, em Nova York, ela passou a metade da prova com uma vantagem enorme sobre as perseguidoras e sobre o recorde do percurso. Eu assisti à corrida pela TV (ou pela internet, sei lá) e lembro que ficava gritando para a mulher ir mais devagar... Não foi, e o que ela não fez por si mesma o asfalta o abrigou a fazer: perdeu o pique e o título, ficando em melancólico terceiro posto naquele dia...


Desde então já venceu em Nova York e Londres, para ficar em apenas dois dos territórios conquistados pela jovem queniana –tem 34 anos, é casada e tem um casal de filhos. Agora chega aos píncaros da glória.
Será que tem ainda mais para mostrar ao mundo?
VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de 24 de abril de 2017
9,26 km percorridos em 1h47min50

Acumulados no projeto 60M60A
927,10 km percorridos em 168h02min43



1 comment:

  1. Boa explicação Rodolfo.Agora estou com novo blog adicionei o seu no meu e estou lhe seguindo se puder seguir e adicionar o meu te agradeço.
    Bons treinos,

    Jorge Cerqueira
    www.jorgeultra.blogspot.com

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