Começo alinhando os fatos, apenas para garantir que você
esteja absolutamente bem informado e, dessa forma, capaz de assimilar as
explicações que virão logo a seguir.
Neste último domingo, a queniana Mary Keitany, uma das grandes
estrelas internacionais do mundo da longa distância, venceu a maratona de
Londres com o espetacular tempo de 2h17min01.
Eu abdiquei de minha assinatura da TV paga (nem sequer tenho
mais aparelho de televisão funcionando em casa) e também não acordei cedo o
suficiente para acompanhar ao vivo a transmissão internética da prova, mas, ao
ler os comentários sobre a cobertura, vi logo a imensidão da confusão que
alguns comentaristas devem ter feito, deixando o público ainda mais confuso do
que eles próprios.
Alguns ficaram falando de recorde mundial, outros de recorde
mundial de mulheres (como se não fosse a mesma coisa). Eu não sei se isso
aconteceu, mas vamos admitir que tenha havido até quem falasse de recorde
mundial feminino em prova exclusivamente feminina (sem homens marcando ritmo
para as mulheres).
Pois,
bingo! Foi isso mesmo o que aconteceu.
O recorde mundial da maratona feminina continua firme e
forte, intocável como sempre esteve desde 2003 –talvez não continue assim por
muito tempo, mas isso é coisa para o futuro, quem viver verá.
Esse recorde, estabelecido por Paula Radcliffe na maratona
de Londres, foi conquistado em competição em que homens e mulheres largaram
juntos, e as mulheres puderam ter homens fazendo a marcação de ritmo.
Supostamente isso dá uma vantagem competitiva. Ou verdadeiramente, sei lá, não conheço
provas científicas demonstrando a diferença, mas a comunidade que comanda as
corridas de rua no mundo diz que é assim.
Tanto que, há alguns anos, os cartolas da IAAF (a Fifa do
atletismo), decidiram eliminar o registro dessa marca, que não seria pura o
suficiente para os padrões das vestais do esporte limpo de Genebra.
A britânica Paula Radcliffe, apoiada pela sua patrocinadora
e por seus fãs no mundo inteiro, fez a maior campanha contra a decisão e acabou
conseguindo que a IAAF voltasse atrás –o que eu acho muito certo, se você quer
saber minha opinião.
Para não dar totalmente o braço a torcer, a IAAF então criou
duas marcas. O recorde mundial propriamente dito, a já citada marca da
britânica Paula Radcliffe em 2003, que ganhou uma observação ao lado. Não o
popular asterisco, mas um “Mx”, de mixed race, corrida mista.
E passou a considerar uma segunda melhor marca do mundo,
essa obtida em corrida exclusivamente feminina, que também ganhou numa
observação ao lado do tempo: “Wo”, de Women`s only, apenas mulheres.
Até o último domingo, essa marca TAMBÉM era da Paula
Radcliffe, que em 2002 venceu a maratona de Chicago em 2h17min18, limando quase
um minuto e meio da marca anterior, que era de uma das mais elegantes e
simpáticas corredoras da história, a queniana Catherine Ndereba.
Agora, uma queniana volta ao topo dessa lista, como você
pode ver pelos registros oficiais no site da IAAF, que mostram a Paula
Radcliffe até agora imbatível, com sua marca obtida em prova mista. E, logo a
seguir, Mary Keitany com a marca do domingo último, em prova apenas de mulheres.
Que fique claro, porém, que esses são dados extraoficiais,
ainda que já registrados pela IAAF. A cartolagem ainda leva um tempo até
homologar o recorde; ter os resultados dos exames antidopagem é uma das
providências prévias à homologação.
Bueno, dito isso, vamos à prova, em que Mary Keitany
simplesmente arrasou. Muitos especialistas, aliás, dizem que ela arrasou
demais, cometendo muitos erros, que lhe custaram não conseguir o recorde
mundial absoluto. Pode até ser verdade, mas como saber? Como já disse alguém, o
general “Se” morreu na guerra.
Trabalhemos, pois, com os fatos. Os números.
Eles são assombrosos. O resumo da ópera é o seguinte: Mary
passou pelo quilômetro 30 com mais de um minuto de vantagem sobre a passagem de
Paula Radcliffe quando a britânica cravou o recorde absoluto. Depois cansou ou
perdeu o passo, mas continuou com ritmo suficiente para chegar aonde chegou.
Até o quilômetro 35, o estrago que ela fez na história do
mundo das corridas de rua não precisa de adjetivos. Ai vão os tempos:
Ela passou o quilômetro 5 em 15min31 e cruzou pelo
quilômetro 10 em 31h17 –se conseguisse manter esse ritmo ao longo de todo o
percurso, fecharia a maratona em cerca de 2h10, ou seja, CINCO MINUTOS abaixo
do recorde mundial absoluto.
Por causa do ritmo alucinante dela, o pelotão perseguidor
também queimou o chão: a turminha da segundona passou o km 10 em 31mi31, todas
elas MEIO MINUTO mais rápidas do que a passagem da Radcliffe em 2003.
A essa altura, os especialistas de plantão já diziam que ela
não ia aguentar mais nada etc. e tal, mas a mina continuou botando prá quebrar:
sua passagem na meia maratona é a mais
rápida da história das maratonas (1h06min54).
Melhores tempos de Mary Keitany em algumas distâncias em corridas de rua |
Com 1h36min05 no km 30, estabeleceu novo recorde –ainda a
homologar—nessa distância e continuava mais rápida do que Radcliffe em 2003.
Agora, porém, tinha apenas 31 segundos de vantagem sobre a marca histórica e
logo veria essa frente se esvair.
No km 35, já estava claro que ela não conseguiria
estabelecer uma nova marca absoluta, mas poderia perseguir um tempo histórico.
Foi o que fez nos últimos dois quilômetros, quando reuniu forças para acelerar
e fechar em novo recorde mundial da maratona em provas apenas com mulheres.
Claro que ainda faltam os resultados dos testes antidopagem –e,
nos tempos atuais, todo mundo fica desconfiado quando aparecem recordes
sensacionais, ainda mais nestes tempos em que ver mulheres correndo sub2h20 é tido
como algo excepcional.
Dúvidas que podem ser apimentadas pelo fato de duas
maratonistas de superelite do Quênia terem sido pegas no antidoping, a campeã
olímpica Jemima Sumgong e a tricampeã de Chicago Rita Jeptoo.
Em contrapartida, a história de Mary Keitany mostra que ela
não é uma arrivista que, de repente, do nada, começou a fazer grandes tempos (o
quadro ao lado é tirado da Wikipedia). Ao contrário, sua carreira sempre foi a
de uma atleta rápida nas longas distâncias, com boa resistência e muita coragem
–às vezes, audácia em demasia, como alguns acreditam que demonstrou no domingo
em Londres.
Audácia que chega a levar os observadores ao desespero: em
2011, em Nova York, ela passou a metade da prova com uma vantagem enorme sobre
as perseguidoras e sobre o recorde do percurso. Eu assisti à corrida pela TV
(ou pela internet, sei lá) e lembro que ficava gritando para a mulher ir mais
devagar... Não foi, e o que ela não fez por si mesma o asfalta o abrigou a
fazer: perdeu o pique e o título, ficando em melancólico terceiro posto naquele
dia...
Desde então já venceu em Nova York e Londres, para ficar em
apenas dois dos territórios conquistados pela jovem queniana –tem 34 anos, é
casada e tem um casal de filhos. Agora chega aos píncaros da glória.
Será que tem ainda mais para mostrar ao mundo?
VAMO QUE VAMO!!!
Percurso de 24 de abril de 2017
9,26 km percorridos em 1h47min50
Acumulados no projeto 60M60A
927,10 km percorridos em 168h02min43
Boa explicação Rodolfo.Agora estou com novo blog adicionei o seu no meu e estou lhe seguindo se puder seguir e adicionar o meu te agradeço.
ReplyDeleteBons treinos,
Jorge Cerqueira
www.jorgeultra.blogspot.com