Ontem, pela primeira vez desde o último dia quatro de maio,
consegui amassar a banana de meu café da manhã usando a mão direita, quebrada
em uma queda quando recém passava da marca dos dez quilômetros em um treino que
deveria se prolongar três vezes mais.
Quebrei o dedo anular direito em vários pontos, afetando as
articulações. Também quebrei o dedo mingo e ainda fiz uma baita de uma fratura
no rádio, que é um dos ossos do braço (aquele que se liga ao dedão, a “antena”
do rádio).
Tudo doeu muito. Nestas três semanas que se passaram desde o
acidente, porém, o pior não são os reclames dos dedos, que ficaram torcidos na
queda, nem tampouco os lamentos do cotovelo, em que o tal osso está rachado de
fora a fora.
O pior são as dores musculares, as pontadas em tendões e
tecidos do braço e do antebraço. Conjuminantemente, a falta de força.
Falta força por duas razões: não posso utilizar os dedos
quebrados, é claro –eles não são muito “pegadores”, mas dão sustentação e
substância à ação da mão; e os músculos estão em forte contratura, impedindo ou
dificultando alguns movimentos do braço.
Torcer a chave na fechadura, por exemplo, ainda manda ao
cérebro sensação de dor aguda, alfinentada cruel. Tentar abrir ou fechar a
porta do carro provoca humilhante experiência de fracasso, e eu sou obrigado a
recorrer aos bons serviços de meu braço esquerdo.
Na terça-feira passada, a órtese que protege aos dedos
quebrados foi mais uma vez ajustada, pois aos poucos a mão, que esteve
superinchada, volta ao seu tamanho normal. Também foi um pouco reduzida,
deixando de fora a ponta do dedo anular, o que é um grande avanço e, ao mesmo
tempo, pouco assustador, porque o deixa mais vulnerável.
Como não tenho um controle perfeito da ponta do dedo, temo
batê-la onde não devo ou mesmo torcer... A boa notícia é que consigo movê-la
apenas com impulsos cerebrais, sem precisar usar força mecânica.
Melhor que nada.
Esses avanços, porém, não deixam de lado a lembrança da
queda. Imagino que todo corredor de rua –ou quase todos ou muitos ou um grande
número, sei lá—já sofreu algum escorrega, algum tombo , algum perrengue ao
longo de sua vida corrida.
Cair não é desdouro para ninguém. Mas não deixa de ser
resultado de uma falha. Por mais que as calçadas de São Paulo sejam uma
porcaria, território minado, circuito de cross country repleto de malvadezas,
quem corre na rua sabe disso e sabe que precisa ficar sempre atento.
Do que meu lembro, minha queda se deveu a um momento de
entusiasmo. Eu vinha fazendo planos para o treino, que chegaria aos trinta e
dois quilômetros. Também fazia cálculos sobre o andamento de meu projeto, as
tais sessenta maratonas aos sessenta anos, e sonhava acordado com a conquista
de apoiadores e patrocinadores.
Combinando-se a isso, vi pela primeira vez uma calçada larga
e livre à minha frente. Quis aproveitar, acelerar, e não notei as falhas no
cimento do piso. Meu pé direito foi travado no desnível do terreno, e eu me
fui.
Pausa literária. Ao escrever a última oração, me lembrei de
que no Rio Grande do Sul grandes declamadores de poesia arrancam aplausos
entusiasmados e lágrimas emocionadas e sofridas da plateia com um singelo poema
que tem apenas este texto: “E ME FUI”, repetido dezenas, centenas de vezes, com
raiva, desânimo, entusiasmo, lamento, um canto gaúcho à vida e à morte. Coisa
de gaudério.
Pois me fui. Restam do tombo as dores e essa humilhação,
vergonha de errar, de falhar na brincadeira.
Não foi a primeira vez.
Meu primeiro tombo em corrida aconteceu no século passado,
em Paris. Corria pela primeira vez no Bosque de Bolonha (Bois de Bologne) e não
percebi que, sabe-se lá por qual perversa razão, alguns gramados e calçadas são
cercado por um fio quase invisível armado a cerca de vinte centímetros do solo.
Para mim, foi totalmente invisível. Ao cruzar uma daquelas
alamedas, minha passada ficou presa no fio e lá fui eu ao chão, atingido o solo
com meu joelho esquerdo.
Rasgou a calça do agasalho que eu usava –estava muito frio
naquela manhã—e lanhou a carne, deixando perna e calça bem ensanguentados...
A pele curou logo, mas a calça só foi consertada na volta ao
Brasil. Eleonora não só fez um belo cerzido como também costurou por sobre as
marcas da queda um brasão muito elegante que eu levara da França.
Essa foi a única queda sem efeitos colaterais. Nas outras –não
foram muitas, mais quatro apenas, que eu me lembre--, enfrentei muitas dores
musculares, arreganhei tendões e, finalmente, quebrei ossos.
Caí na avenida Sumaré e caí na Oscar Freire. Nas duas,
protegi o corpo com o ombro, na primeira o esquerdo, na outra o direito. Foi
quando conheci o manguito rotador, músculo que fica atrás do bíceps e é
responsável pela rotação do braço. É muito lindinho, querido e eficiente, mas,
quando se machuca, é o cão.
A inflamação dói, e o tratamento é chatérrimo, tudo
responsabilidade do próprio paciente –eu, no caso--, que precisa fazer
exercícios com precisão e acuidade. Demora, mas tudo volta aos seu lugar.
As outras duas quedas aconteceram nestes tempos de
quase-velhice e início da Terceira Idade. Ambas tiveram consequências bem mais
graves...
Em Passo Fundo, há dois anos, tropecei numa “tartaruga”,
esses marcos separadores de faixas de rua, e fui deslizando pelo asfalto.
Lanhei testa, mão, braço, perna, joelho, uma sangueira só.
O pessoal de uma padaria de esquina foi gentil o suficiente
para deixar que eu lavasse um pouco as feridas. Mesmo assim, liguei para a
Eleonora avisando que eu ia chegar ao hotel sangrando, mas que estava tudo bem.
De fato, no entando, não estava, e eu só fui sentir o drama
dias depois. Além do manguito machucado de novo surgiu uma tal de capsulite
adesiva, tudo combinando com inflamação de tendão. Uma beleza.
Essa tal capsulite adesiva “cola” tecidos de modo que a
gente não consegue mandar os necessários impulsos para avisar o braço para se
mover. Nos primeiros dias, eu não conseguia nem fazer sinal para o ônibus parar
–precisa ficar todo torto e suar o braço esquerdo...
O tratamento é bem demorado, pelo menos seis meses, e MUITO
DOLORIDO: um passei aos berros TODAS as sessões de fisioterapia. Nelas, a
terapeuta basicamente força o braço a se mexer,a ganhar amplitude de movimento,
para “descolar” à força aquela tal
c´psula colada.
E agora me veio esse tombo na Domingos de Morais, em plena
Vila Mariana...
A queda não fui suficiente para me fazer parar. Dois dias
depois do atendimento de urgência eu já tinha voltado aos treinos.
E ontem,
depois de comer a tal banana amassada com minha mão direita, ainda meti um
treino de dezessete quilômetros sem dor e sem cair.
Pode ser pouco para alguns, muito para outros tantos. Para
mim, é melhor do que nada. Não tá morto quem peleia.
VAMO QUE VAMO!!!
As conquistas para quem corre, independente da idade, são gradativas e particulares. Parabéns pela força de vontade e que o esporte siga sempre como um aliado!
ReplyDeleteAmigo qual o nome dessa tala? ... preciso de uma igual e nao acho.
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