Trabalhador acidentado caído no asfalto em frente ao Hospital Oswaldo Cruz - foto Eleonora de Lucena |
Caído ao chão, com a cabeça sangrando, dores nas costas e no
pescoço, sem condições de se mover, Jean Vieira ficou mais de 40 minutos
estendido no asfalto em frente ao Hospital Oswaldo Cruz, um dos melhores, mais
ricos e famosos de São Paulo, sem receber atendimento.
Jean, que aparenta ter em torno de 40 anos, estava podando
uma árvore em frente ao prédio número 1.838 na rua Treze de Maio, quando perdeu
o equilíbrio e caiu.
Gregório Silva, um dos Corredores Patriotas Contra o Golpe,
viu a cena e saiu correndo o meio quarteirão que o separava do acidente. Eu,
que estava um pouco atrás de Gregório, também fui, e logo todos os outros
corredores de nosso grupo estavam juntos, em torno do acidentado.
O zelador do prédio estava de pé, atrás de Jean, sustentando
as costas do jardineiro, que ainda estava sentado no asfalto, escorado no amigo.
Ninguém do nosso grupo entende nada de primeiros socorros além do que se vê na
TV, mas vimos que aquela posição não era boa.
Enquanto Gregório tentava chamar o resgate, outros buscaram
um papelão e coisas para deixar Jean deitado e com um mínimo de conforto.
Havia muito sangue do lado esquerdo da cabeça do ferido.
A resposta que Gregório ouviu do serviço 192, depois de ter de
responder a um imenso questionário, é que o atendimento de emergência “tinha
outras prioridades”.
Decidimos fazer o que parecia óbvio: pedir ajuda ao pessoal
do Hospital Oswaldo Cruz, que ficava exatamente em frente, do outro lado da
rua.
Corri até a portaria, avisei a atendente, falei que o
sujeito estava estendido no chão, com sangue na cabeça e não conseguia se mexer.
Ela disse que iria informar o pessoal do atendimento.
Mais de 15 minutos já tinham se passado desde a hora do
acidente, ocorrido por volta das 8h36 (o treino havia parado às 8h34min02 e
estávamos a passo já havia um tempinho, atravessando a rua quando percebemos o
ocorrido).
Achei que o hospital não ia fazer nada, também não esperava
nada do resgate. Saí a procurar algum PM que pudesse acionar algum serviço de
emergência.
Encontrei uma dupla –um homem e uma mulher—de policiais na
praça Oswaldo Cruz, onde se concentrava o povo que iria participar do Grito dos
Excluídos. Ambos me ouviram e resolveram ir até o local do acidente.
Àquela altura já havia mais gente em torno do acidentado, e vários
moradores do prédio manifestação indignação contra o que consideravam omissão
do hospital.
Foi quando, do outro lado da rua, o segurança da guarita do
hospital fez sinal de positivo, avisando que o atendimento estava chegando. De
longe, pude ver duas pessoas de uniforme azul, de atendente de hospital,
empurrando uma cadeira de rodas.
O comentário entre nós, que estávamos em volta de Jean Vieira,
era o óbvio: aquilo não ia servir, precisam vir com maca para atendimento de
emergência.
Os atendentes com a tal cadeira de rodas não chegaram nem à
guarita de entrada do hospital; deram a volta. Ninguém do hospital deu a mínima
notícia do que estavam fazendo, pretendiam fazer ou não fazer.
O jornalista Celso, que se somou ao nosso grupo, e a dona
Lígia, moradora do prédio, foram mais uma vez até a portaria do hospital clamar
por ajuda.
Nós todos estávamos indignados, os policiais que estavam ali
com o grupo pareciam querer ajudar, mas também não faziam, até aquele momento,
nada de prático. Não vinha ajuda.
Vimos um médico saindo do hospital. Eleonora atravessou a
rua para pedir que ele fosse dar uma olhada no ferido, acionar ajuda do
hospital. Eu a acompanhei e ainda ouvi o médico dizer que isso era coisa para o
resgate: “O procedimento é chamar o resgate”.
Pouco depois, ele tirou seu jaleco branco, virou as costas e
foi embora.
Dona Lígia, indignada, denunciava a omissão de socorro do
hospital.
Foi quando, depois das 9h10, passou pelo local uma
ambulância da Samu, que foi parada pelos policiais. Foi puro acaso: o pessoal
da ambulância não sabia do caso, não tinha sido acionado (apesar dos
telefonemas); pararam apenas porque os policiais fizeram sinal.
Desceram, começaram o atendimento de emergência.
Quando a equipe da ambulância Samu 0856-9 já tinha enfaixado
a cabeça de Jean e feito o primeiro processo de imobilização, apareceu do outro
lado da rua uma equipe do Hospital Oswaldo Cruz.
Chegaram três pessoas --uma enfermeira e dois atendentes—de mãos
vazias, sem nenhum material para atendimento de emergência. Para quem estava
ali acompanhando o caso, pareceu que vieram apenas dar sinal de vida.
O soldado PM disse para a enfermeira que o resgate chegara
por acaso. O fato é que, até aquela hora, cerca de 40 minutos depois de
ocorrido o acidente, o Oswaldo Cruz não tinha feito nada para ajudar um homem
ferido, sangrando no asfalto em frente às fulgurantes instalações hospitalares.
Jean enfim foi colocado na ambulância, que partiu às 9h17
rumo aos Hospital Vergueiro, onde o jardineiro seria atendido. O zelador do
prédio acompanhou o ferido.
No início da tarde, falei por telefone com Maria Teresa,
assessora de imprensa do Hospital Oswaldo Cruz.
Ela disse que o hospital mandou inicialmente uma equipe com
cadeira de rodas, que voltou ao perceber que o caso era de politraumatismo –eu esclareci
a ela que a dupla de atendentes não chegou a sair do hospital.
A assessora disse que, uma vez tendo a noção de que era caso
de politraumatismo, foi acionada uma equipe de atendimento especializado. E
que, quando a equipe chegou ao local –de novo, que fique bem claro, o local é
em frente ao hospital do outro lado da rua--, a vítima já estava sendo atendida
por uma equipe de resgate.
Além de falar sobre esses procedimentos de comunicação
interna, a assessora não me informou sobre as razões da demora.
Disse, porém, que a vítima “seria atendida pela equipe do
hospital, se o resgate não tivesse chegado antes”.
Pouco antes de escrever este texto, falei com dona Lígia, moradora
do prédio. Ela me disse que Jean fora atendido no hospital Vergueiro, que sua
situação era “estável” e que ele estava sendo submetido a alguns exames.
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