20.12.16

Vomitando e com dor de barriga, Luiza Tobar é a melhor brasileira no Mundial de 100 km

Todo santo dia, faça chuva ou faça sol, venho aqui contar histórias de velhos.
Mais ou menos. Às vezes, como nos últimos dias, tiro uma folguinha da escrita, mas posso garantir que sigo treinando, e os registros de meu relógio com GPS comprovam minha entrega ao projeto.
Com a força das caminhadas, espero acumular quilômetros suficientes para permitir que a volta às corridas seja lenta, gradual e segura para meu fêmur estressado, fraturado, machucado. E que eu possa, de fato, cumprir os esperados e desejados seiscentos quilômetros até o diade meu aniversário, em 14 de fevereiro próximo.
De qualquer maneira, sigo falando do povo que, como eu, está por volta dos sessenta anos.
Mais ou menos. Vez que outra a meninada faz coisas tão sensacionais que é mister abrir espaço para a garotada aqui na casa dos veteranos.
É o caso dessa menina casadoira, a Luizinha –ou seria Luizazinha--, Luizita, a Luiza. Ela vai fazer trinta anos neste 2017 que chega e pretende então se casar com o amor que vem construindo há anos. E vai festejar correndo.
A corrida, para Luiza, é uma festa. Mas uma festa realizada nos píncaros da glória, disputando os primeiros lugares, o topo da montanha, a onda mais longínqua.
No ano passado, Luiza de Franco Tobar, formada em educação física e especialista em treinamento de triatlo, se tornou a primeira mulher da história a vencer no geral a etapa da maratona em uma prova de ultra triatlo. Aliás, por enquanto segue como primeira e única.
Para quem não sabe, e ninguém é obrigado a saber, o ultra triatlo é um tipo especial de triatlo monstro, com dez quilômetros de natação, 421 quilômetros de ciclismo e uma corrida de dupla maratona, 84,4 quilômetros.
Pois depois das braçadas e das pedaladas, Luiza foi a mais rápida entre todos os participantes da UB515, homens e mulheres, na etapa maratonística da prova brasileira, realizada entre Paraty e o Rio de Janeiro.
Trata-se de um fenômeno das longas distâncias, onde em geral os participantes são mais velhos e mais experientes. Luiza não dá bola para isso: acaba de se tornar a melhor brasileira no recente Mundial de ultramaratona, disputado na Espanha na modalidade de cem quilômetros.
A equipa brasileira contou com doze integrantes, oito homens e quatro mulheres. Trouxeram uma boa colocação: os dois times ficaram em nono lugar. E Luiza capitaneou a participação nacional na corrida realizada em Los Alcazares no dia 27 de novembro.
A participação em ultras não é exatamente uma novidade para a menina –acho que posso chamá-la assim, pois tem metade da minha idade. Ela começou a correr aos doze anos, incentivada pelo pai; aos 19 anos, ainda adolescente, fez sua primeira ultramaratona.
Não parou mais. Construiu força e resistência. E sabedoria.
Para participar do Mundial, por exemplo, sabia que não bastavam os treinos e a preparação que vinha fazendo.
“Fiz um treinamento específico para o Mundial”, me conta ela em entrevista exclusiva.
Luiza dá mais detalhes da preparação: “Fiz algumas provas de triatlo até agosto, e uma maratona em julho. Depois de agosto, o foco foi 100% o Mundial. Fiz uma maratona como treino em 25 de setembro (Foz do Iguaçú), que me deixou muito satisfeita, não só pelo resultado --sexto lugar geral feminino com 3h08--, mas principalmente pela ausência de dores ou cansaço muscular antes, durante ou após a prova. Isso indicou que estava no caminho certo e ainda tinha dois meses para a prova principal”.
Ela ainda se aprimorou mais: “Diminui os treinos de natação e bicicleta para duas vezes por e aumentei meus treinos de musculação para quatro a cinco vezes por semana. Ganhei três quilos de massa muscular para a prova”, diz ela, que é a responsável por seu próprio treinamento.
O problema é que, como diz a lenda, treino é treino e jogo é jogo. Na hora da corrida, as coisas foram muito diferentes do esperado. E agora paro de falar para que a Luiza relate com suas próprias palavras aquelas horas dramáticas, insanas e de muita realização pessoal.

“Larguei na prova controlando bem o ritmo (4'40"/km) e permaneci nesse ritmo até o km 40, extremamente tranquila. Meu objetivo na prova era terminar no máximo em 8h30, o que daria uma média de 5'/km.
“Assim que bati no km 40, me surpreendi com dores no quadríceps (desgaste muscular). Segurei um pouco o ritmo até o km 60. Estava bem ainda.
“Quando bateu o km 60, saí do percurso para ir a um banheiro químico, pois estava com muita dor de barriga. Foi um alívio; melhorei e pretendia começar a acelerar de novo o ritmo, porém um quilômetro depois vomitei.
“Para piorar as coisas, um quilômetro depois começou a chover e a bater mais frio. Esse foi o momento mais crítico da prova. O chão permaneceu alagado em diversos pontos até o fim da prova. 
“Encontrei um brasileiro homem e o incentivei a ir comigo. Segui em frente, em um ritmo bem devagar, parei de comer tudo e permaneci em goles de água para recuperar o estômago.
“Dez quilômetros depois –uma volta completa no percurso--, consegui tomar um sachê de carboidrato em gel zipvit e nada mais que isso por mais dez quilômetros, apenas goles de agua.
“Na volta seguinte peguei meu último gel e consegui recuperar o ritmo. Em cada volta, tive de parar uma vez para ir ao banheiro. A dor de barriga era forte, mas fiz apenas muito xixi.
“Na última volta, imaginei que conseguiria acelerar de alegria, mas não aconteceu, pois o percurso estava vazio, quase sem atleta para dar referência de ritmo. Nos últimos dez quilômetros apenas bebi água, nada de gel ou comida.
“Consegui acelerar e forçar apenas no último quilômetro, quando ainda passei uma menina. Terminei em 8h43, 13 minutos acima do meu objetivo. Mas muito feliz! Cheguei em 32ª mulher geral e a melhor colocação brasileira!
“Foi a primeira vez em que corri cem quilômetros e em que fiz uma prova com tantas voltas repetidas (odeio). Além disso, o frio e o percurso plano não são favoráveis para mim. Sou atleta de sol, percurso bastante ondulado, que sai de um ponto e chega em outro. Logo, o desafio foi muito grande para mim, porém, foi mais fácil do que imaginei que seria. Permaneci a prova toda concentrada, e os atletas nos fazem esquecer das voltas.
“Depois da prova fiquei quarenta minutos' na banheira quente, esperei os outros atletas da equipe chegarem e fui comer. Depois disso, tem a premiação dos atletas. E logo às nove 9 e tanto da noite fui prá cama dormir. Estava cansada!”
Bom, acho que a maioria de nós fica cansado só de ouvir a Luiza contar sua história. Foi épico, especialmente para uma debutante na distância.
Agora, ela vai terminar o ano com muita alegria, já pensando no casório e na sua comemoração dos trinta anos: vai correr, ao lado de sua irmã gêmea, a mítica ultramaratona Comrades, na África do Sul. “É meu maior sonho como ultramaratonista!”
Parabéns à Luiza e à toda equipe brasileira de ultramaratonistas.
VAMO QUE VAMO!!!
PS.: Por algum problema técnico que não consegui resolver, não foi possível carregar os mapas das atividades dos últimos dias. Fica o registro de que realizei caminhadas nos dias 18, 19 e 20 (hoje) de dezembro, cada dia algumas centenas de metros além de seis quilômetros, o que dá um acumulado de cerca de 18,5 km nestes dias.



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