31.3.17

Pai de autista faz ultramaratona de 80 km no Rio para ampliar consciência sobre essa disfunção

Dia desses por aí, Narbal Fernandes levou a família para almoçar em um restaurante. Tudo ia bem até que a filhinha do casal, de três anos, começou a “reinar”. Das outras mesas, olharam feio para o grupinho: “Minha filha estava irritada, e as pessoas achando que ela estava de birra ou era falta de educação”.
A garota é autista.
“Em 2014, fui presenteado por Deus com uma linda filha perfeita e saudável. Com o decorrer de seu crescimento, os médicos suspeitaram de autismo, diagnóstico que foi confirmado no ano passado.  Desde então, acompanhamos famílias que estão na mesma luta de oferecer uma vida digna a seus filhos, superando obstáculos e vencendo preconceitos e falta de informação”, conta Nalbal.
Superar obstáculos e vencer preconceitos e a falta de informação é o objetivo da corrida que Nalbal realiza solitário neste domingo, 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo, que é “uma disfunção que afeta a capacidade de comunicação das pessoas, alterando também a forma como ela se comporta e estabelece relacionamentos”, segundo define um site especializado.
O conhecido médico Drauzio Varella, em seus domínios internéticos, amplia a definição: “Autismo é um transtorno global do desenvolvimento marcado por três características fundamentais: inabilidade para interagir socialmente; dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se ou lidar com jogos simbólicos; padrão de comportamento restritivo e repetitivo”.
O fato é que ainda se sabe muito pouco sobre o autismo e os autistas. Fernandes, que já foi professor de história, ficou um tempo desempregado e agora trabalha no comércio, no Rio de Janeiro, expõe estatísticas que dão um quadro da situação:
“O autismo afeta um a cada 68 nascimentos. No Brasil, são quase 2 milhões de autistas,sendo que cerca de 90% não recebe o diagnóstico. Por falta de campanhas de conscientização no país, muitas famílias e especialistas não conhecem os sintomas ou menosprezam seus sinais. A cada quatro meninos nasce uma menina autista. A ONU estima que existam mais de 70 milhões de autistas no planeta, sendo em crianças mais comum que o câncer, a Aids e a diabetes juntos.”

Corredor desde 2011, contando até com uma maratona do currículo, Narbal Fernandes fala sobre seu projeto: “Não faço para por mim e muito menos para o meu ego, sou movido pela causa e descobri aos 35 anos de vida qual a minha missão na terra : correr para conscientizar”.
Será uma corrida enorme, de cerca de oitenta quilômetros: “Saio da cidade de Muriqui, na  Costa Verde do RJ), e vou até Mesquita, na Baixada Fluminense, onde resido com minha família. Passarei pela Rodovia Rio - Santos e boa parte da Avenida Brasil.
O corredor, que gravou um vídeo para contar um pedacinho de sua história (clique na imagem para acessar o vídeo), afirma que pretende em toda a corrida levar a bandeira do autismo.


“Quero fazer com que as pessoas saibam o significado da falar conscientização, que não seja nada robotizado, nem modinha, mas que venha do coração . Só teremos a verdadeira inclusão quando a conscientização for verdadeira, e é para isso que pretendo chamar a atenção . Correr para conscientizar!”
Bueno, estamos aqui torcendo pelo Narbal e por sua bailarina, esperando que consigam ampliar o grau de informação sobre esse transtorno mental.
Os próprios autistas, por sinal, se engajam nessa missão de conscientização. Uma das mais conhecidas é a cientista e professora universitária Temple Grandin, norte-americana autora de vários livros sobre o assunto. Eu conversei com ela em 2013, quando lançou nos Estados Unidos mais um livro contando sua experiência em viver o autismo e como lidar com o problema.
A entrevista foi publicada na época na “Folha de S. Paulo”, e eu reproduzo o texto a seguir, como modificações e atualizações.


O melhor tratamento para as crianças autistas é descobrir seus pontos fortes e desenvolver essas habilidades, de modo que elas possam vir a ter uma vida independente e garantir o próprio sustento. Essa é a mensagem de Temple Grandin, 69, uma das mais reconhecidas autoridades em autismo no mundo, autora de vários livros sobre o assunto, como "The Autistic Brain: Thinking Across The Spectrum" (O cérebro autista: pensando através do espectro), lançado em 2013.
No livro, ela mostra evidências de que o cérebro dos autistas é fisicamente diferente e diz que isso deve ser levado em consideração na identificação e no tratamento de pessoas com o distúrbio. Também discute as definições de autismo na nova edição da chamada "bíblia" da psiquiatria, o DSM (Manual de Estatísticas de Diagnósticos), cuja versão mais recente foi lançada nos EUA.
A nova edição elimina as diversas classificações de autismo e as junta numa categoria só com diferentes graus de severidade. Mas, principalmente, Grandin procura mostrar como pensam os autistas e como eles podem ser orientados. Ela mesma autista, inventou uma "máquina de abraçar", que a ajudava a controlar a ansiedade provocada por sua condição.
Cientista especializada em comportamento dos animais, sua história virou um filme ("Temple Grandin", de 2010), que ganhou prêmios em penca, inclusive sete Emmy. "O autismo é parte de quem eu sou", escreve ela. "Mas não vou permitir que ele me defina. Sou uma expert em animais, professora, cientista, consultora."
Foi de seu escritório na Universidade do Estado do Colorado, onde dá aulas e realiza pesquisas, que ela concedeu por telefone esta entrevista.
RODOLFO LUCENA -  Qual sua avaliação da nova definição de autismo estabelecida no novo manual de psiquiatria, o DSM-5?
TEMPLE GRANDIN -  Alguns indivíduos não vão mais ser considerados autistas depois das novas definições. Elas terão impacto também sobre o acesso que essas pessoas têm ao seguro de saúde. O diagnóstico é todo baseado em análise do perfil de comportamento da pessoa. Não são levados em consideração os conhecimentos que temos sobre o cérebro dos autistas.
RODOLFO LUCENA -  Seu novo livro trata do cérebro dos autistas. Em que ele é diferente?
TEMPLE GRANDIN - As ligações são diferentes, meu cérebro é diferente do cérebro de um neurotípico [pessoa sem o transtorno]. Não é culpa da mãe ou da educação, autistas nascem com diferenças físicas.
RODOLFO LUCENA -  Como deve ser o tratamento das crianças com autismo na escola?
TEMPLE GRANDIN -  A educação deve levar em consideração as habilidades da criança, investindo nelas. Se a criança tem habilidade para as artes, vamos investir nisso. É preciso trabalhar com a criança para enfrentar suas dificuldades. Se ela tem problemas para se relacionar, é preciso ensinar aos poucos as habilidades sociais, ensiná-la a cumprimentar, a dar a mão. Se não consegue falar, é preciso atacar esse problema, uma palavra de cada vez, ou usar música.
RODOLFO LUCENA -  Como os pais podem saber se seu filho é autista?
TEMPLE GRANDIN - Não é preciso fazer ressonância magnética do cérebro para identificar autistas ou crianças com problemas de desenvolvimento. Se uma criança chega aos três anos e ainda não consegue falar, existe algum problema.
RODOLFO LUCENA -  Como a família pode ajudar a criança?
TEMPLE GRANDIN - A melhor forma é ficar muito tempo com a criança, horas a fio, conversando com ela, tentando ensinar uma palavra, um gesto de cada vez. Avós são muito boas para isso; em geral, têm tempo para se dedicar aos netos e habilidades pedagógicas.
RODOLFO LUCENA -  Na escola, devem ser colocadas em classes especiais?
TEMPLE GRANDIN - As crianças com autismo podem frequentar escolas comuns, mas os professores precisam saber que elas têm necessidades e habilidades especiais. Uma criança autista pode ser muito fraca na escrita, mas ótima com os números. Então, ela deve receber atendimento extra para aprender a escrever ou ler e ser incentivada a progredir naquilo em que for boa --no exemplo, pode passar adiante da classe em matemática.
RODOLFO LUCENA -  O que precisa mudar no atendimento à criança autista?
TEMPLE GRANDIN - Os educadores devem focar nas habilidades das crianças autistas, não só nas suas deficiências, para que elas tenham melhores condições de se integrar à sociedade. As crianças autistas devem ser incentivadas a se especializar em alguma atividade.
Quando eu estive na escola, sofri muito com as críticas e as gozações dos outros. Eu me refugiei no desenho, no trabalho com os animais. A atividade especializada é muito boa para os autistas: música, artes, robótica, seja o que for.
RODOLFO LUCENA -  O que fazer para que os autistas possam ter uma vida independente?
TEMPLE GRANDIN - É preciso entender que os autistas pensam diferente. Alguns pensam em padrões, outros por imagens. É preciso aproveitar isso para ajudá-los, para que possam contribuir com a sociedade. Mas é preciso ajudá-los. Eu sugiro que, a partir dos 12 anos, as crianças recebam orientações e treinamento em áreas que possam lhes ser úteis para que venham a ter um emprego, seja atendendo em uma loja, seja trabalhando com animais ou qualquer outra coisa.


29.3.17

De graça e ao ar livre, exercícios no parque da Água Branca conquistam veteranos e novatos

Hoje é dia de descanso, depois de um treino forte ontem à tarde, em que rodei mais de dez quilômetros, muitos deles em ritmo de corrida de verdade. Já completei distância equivalente ao percurso de mais de 17 maratonas; aos poucos, vou reduzindo o espaço que me separa do destino final, os 2.532 quilômetros totalizados neste ano.
Quarta-feira, em geral, é dia de caminhada para mim. Na semana passada, levantei cedo e fui encontrar velhos, gente de meia idade e jovens que praticam atividade física no parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo.
Eles participam do programa Exercício e Coração, um projeto do povo da Educação Física da USP (Universidade de São Paulo) que vem rolando desde o início do século, segundo me contou o coordenador da atividade, o mestrando Bruno Modesto.
Trata-se de um programa de alongamento e exercícios leves para o pessoal “acordar” o corpo, ficar mais disposto e enfrentar o dia com mais alegria, entusiasmo e energia.
Dá resultado, segundo me conta dona Georgina, uma auxiliar de enfermagem aposentada que está prestes a fazer 73 anos. Ela sofre de artrite reumatoide, que a faz sofrer muito. Mas garante: “Não fico em casa por causa de dor”, afirmando que o exercício se tornou uma necessidade na sua vida.


Dona Georgina era uma das mais de trinta pessoas que acompanhavam a terceira aula do dia na quarta-feira passada. As aulas acontecem três vezes por semana, nos dias “pares” –segunda, quarta e sexta), em três horários: 7h, 8h e 9h. Não é preciso pagar nem fazer inscrição. Basta ser maior de idade, comparecer no horário e acompanhar as prescrições.
Em geral, há mais gente veterana da vida, maiores de sessenta anos, aposentados, mas também encontrei senhoras com bebê e gente mais jovem participando. As orientações são dadas por um professor, em geral secundado por um ou dois auxiliares, até porque é difícil a voz de comando chegar a todo mundo, pois os “alunos” ficam posicionados ao longo de baias de quase um quarteirão.


Levanta perna, movimenta braço, sacode o quadril são algumas da brincadeiras que envolvem a turma; às vezes, como aconteceu na aula que eu acompanhei, os professores fornecem algum equipamento para auxiliar –ou dificultar, tornar mais exigente-- o exercício.
Coisa simples, como uma faixa de borracha que serve como resistência ao movimento, possibilitando a realização de exercícios de força.
Apesar de ser tudo muito simples, os exercícios são bastante eficientes. Não só contribuem para a pessoa deixar o sedentarismo como funcionam até como “remédio”, como me disse o professor Jonaldo, que gravou breve entrevista em vídeo.



Os professores orientam a turma a fazer, depois ou antes das aulas, caminhadas leves ou mesmo corrida. Dona Rosa é uma que não deixa de fazer suas corridinhas, e costuma comparecer ao parque mesmo em dias de folga das aulas para movimentar o corpo: “Me faz bem”, diz ela, afirmando: “Não troco isso por nada”.
Além das aulas, os orientadores do projeto Exercício e Coração também realizam avaliação física com interessados. Como as aulas, a avaliação física é gratuita. Quem se interessar, recebe ainda um programa de treinamento para fazer sozinho –caminhadas ou corridas leves estão entre as sugestões.
Eu conversei mais detidamente com o Bruno Modesto, que é educador físico, tem trinta anos e, quando não está dando aulas ou monitorando atividades do projeto, se enfronha no processo de escrita da dissertação para finalizar seu mestrado. O tema é fácil de imaginar: resultados do programa Exercício e Coração.



“O mestrado é na área de ciências”, ele me conta. E prossegue:
É análise da efetividade dessa intervenção populacional que a gente propõe aqui nesse parque, que já existe desde 2001. É uma análise de 15 anos de projeto. Esse é um tema central, com outros desdobramentos, objetivos específicos.”
Bacharel em esporte pela USP, Modesto conta que o projeto Exercício e Coração foi criado pela professora Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz em 2001. “O projeto nasceu com o objetivo de fornecer para a população que frequenta o parque, população adulta, orientação para prática segura de atividade física buscando melhora da saúde e qualidade de vida, melhora ou manutenção. Público-alvo: a gente atende adultos, mas é uma característica muito forte desse Parque a maior frequência de idosos. A gente atende em grande maioria pessoas idosas, mas não exclusivamente idosos, é aberto para qualquer adulto.”
Bruno fala também sobre a triagem e orientação específica para treinamento (não é obrigatório para quem faz apenas alongamento):

“Além das aulas, nós atendemos aqui no Espaço do Idoso, fazemos uma avaliação de saúde e da aptidão física do indivíduo. É uma triagem de risco para saber se você pode ou não praticar a atividade física, e orientar a respeito disso. Fazemos uma avaliação de saúde, com entrevistas, testes e medições. Depois disso dá para como está a sua aptidão física, comparado a outros pares, da sua faixa etária e gênero. Como você está? Como é que está a sua força de braço? Força das pernas. Força abdominal. Flexibilidade de ombro. Flexibilidade lombar.  A partir desse quadro geral que a gente tem da sua saúde, fazemos a prescrição individualizada do exercício.”


Com a prescrição, cada um realiza os exercícios –corrida, caminhada—como pode e quando lhe aprouver. Seguindo as planilhas direitinho, os resultados são claros, como demonstram vários estudos científicos já realizados com base no público que frequenta o programa.
Antes de ser solto no mundo com sua planilha, cada aluno tem um acompanhamento básico, como nos conta Bruno Modesto:
Cada aluno tem um acompanhamento
“Nosso objetivo é que você ganhe autonomia para fazer por conta, por ser um projeto populacional, nós prescrevemos a atividade física, individualmente, porém não supervisionamos. Depois dessa avaliação toda, a pessoa ganha três aulas acompanhadas para aprender a fazer o exercício como nós sugerimos para você. A partir daí, a pessoa ganha autonomia para fazer por conta. Depois de três meses, é convidada a nos visitar novamente para uma reavaliação.”
A grande pergunta é: houve mudança nos padrões de saúde? A questão, por sinal, perpassa o estudo de mestrado realizado por Modesto:
“De maneira geral, esse tipo de intervenção, em que você faz a prescrição, e os indivíduos fazem as atividades de maneira autônoma, sem supervisão, provocou melhoras em parâmetros antropométricos, por exemplo, redução do IMC (índice de massa corporal), redução de circunferência de cintura, diminuição do risco global de problemas cardíaco. Isso demonstra que há efeitos para quem se engaja e segue pelo menos parcialmente o que a gente propõe.”


Ou, como diz artigo assinado pelo próprio Bruno e mais outros colegas que avaliaram o programa, incluindo a professora Forjaz: “A prescrição de caminhada sem supervisão da prática, quando realizada numa situação real de intervenção populacional, foi efetiva em melhorar a aptidão física da amostra geral e em reduzir o risco cardiovascular específico de sujeitos com fatores de risco alterados. Estes resultados demonstram a eficácia deste tipo de atuação na melhora da aptidão física e redução do risco cardiovascular da população, sugerindo que programas deste tipo devam ser estimulados em locais públicos de prática física”.
E eu digo: tomara que programas como esse continuem e sejam ampliados e difundidos pelo Brasil inteiro, onde mais da metade da população adulta não faz o mínimo de exercício recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

VAMO QUE VAMO!!!

Como hoje não teve treino, coloco a seguir o mapa da corrida que fiz ontem, ao lado de meu treinador, Alexandre Blass, da Força Dinâmica. Corremos à tarde, o que é raro para mim, e deu para sentir que o outono já se adona do clima em São Paulo: quando começamos, o sol ainda estava forte, mas qualquer nuvenzinha reduzia bastante o calor; ao final, ventinhos frios avisavam que era bom se proteger logo ou a punição seria gripe, tosse ou resfriado.
Além do esforço para manter ritmo mais forte do que costumeiramente emprego nas jornadas de rua, ainda tive a vantagem de receber orientação mais direta sobre passada e uso de força no movimento da corrida. Foi totalmente excelente, e eu agradeço ao Alexandre pela companhia e orientação.




Percurso de 28 de março de 2017
11,77 quilômetros percorridos em 1h39min22

Acumulado no projeto 60M60A
730 quilômetros percorridos em 133h52min38


27.3.17

Funil do preconceito dificulta ascensão de advogadas, mostra tese de pós-doutorado

Minha jornada de hoje me levou a superar a marca de 17 maratonas nesta ano em que pretendo percorrer distância equivalente à de sessenta maratonas.
Não me entenda mal: não corri, desde primeiro de janeiro, 17 provas na excelsa distância de 42.195. Mas, se encaixarmos em uma linha uma maratona atrás da outra, o fim de uma marcando o começo de outra, e o começo de outra cravado no final de uma, até que somem 17 maratonas, o comprimento total dessa linha será menor do que o percurso que já trilhei neste ano.  
É pouco para uns, muito para outros; para mim, é uma aventura a me carregar por São Paulo e pelo mundo, pela juventude e pela velhice, pelo progresso e pelo conservadorismo, com gentes de tudo quanto é jeito.
Dona Patrícia, por exemplo, é uma estudiosa. Uma professora, uma acadêmica, que examina o mundo com as lentes dos livros, das entrevistas, da filosofia, da análise numérica e do aprendizado que ocorre quando as pessoas trocam ideias.
Não conheço dona Patrícia, assim de ver frente a frente, apertar a mão e tomar café junto, mas foi por causa dela e do trabalho que ela faz que montei meu percurso de hoje, saindo do Sumaré em direção ao centro para passar em frente aos prédios da hoje Universidade Mackenzie.
Não imaginava jamais fazer uma espécie de saudação ao Mackenzie, cujo próprio nome, para mim, fedia com o odor pútrido do conservadorismo, da reação, do anticomunismo, dos terroristas caçadores de comunistas que atacaram os defensores da democracia na Batalha da Maria Antônia.
Pois numa das corridas da vida, fiquei sabendo que as coisas já não são assim, ou, pelo menos, há ventos libertários soprando por lá, tanto entre os alunos quanto entre o professorado. E foi assim que me falaram da professora Patrícia Tuma Martins Bertolin.
Formada em direito pela Universidade da Amazônia, ela veio a São Paulo para fazer o mestrado e engatou na vida acadêmica. Seu doutorado também foi na USP. Hoje ela é professora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico do Mackenzie.
E é uma pessoa que espera: em maio chega às livrarias “Mulheres na Advocacia: Padrões Masculinos de Carreira ou Teto de Vidro”, fruto de suas investigações no pós-doutorado.
Foi por causa desse trabalho que entrei em contato com ela, que procurou entender os processos de ascensão da mulher no mundo do direito.
Que os entraves são enormes, já sabemos todos, e as estatísticas estão aí para comprovar. A cada censo profissional, a cada estudo mais abrangente de algum instituto, os dados saltam aos olhos.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a advocacia está dividida quase meio a meio: as mulheres representam 49,4% do universo profissional no Estado. Ganham em média 25% a menos do que os homens, demoram mais para subir na carreira e são minoria entre os empregadores na sua área, conforme levantamento feito pela Caixa de Assistência de Advogados do RJ, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
A OAB, por sinal, também é exemplo desse funil de preconceito: das 63 subseções fluminenses, apenas nove têm mulheres na presidência.
Números como esses sempre chocam, mas o trabalho de Bertolin vai além das estatísticas. Ela procurou ver como vivem, trabalham e crescem profissionalmente as mulheres nos principais escritórios de advocacia de São Paulo, mais especificamente a elite das chamadas sociedades de advogados.
Selecionou os vinte maiores escritórios brasileiros do ranking Chambers and Partners, escolhendo dentre eles apenas os que “full service”, ou seja, que atendem empresas em todo tipo de questão jurídica. Ficaram catorze, e ela conseguiu acesso a dez, onde fez 32 entrevistas para montar um detalhado painel das limitações à ascensão profissional da mulher.
Constatou que as estatísticas valem também para a superelite do direito. No quadro geral, as mulheres são maioria entre os chamados advogados associados ou empregados, no início da carreira. Mas poucas passam pela peneira que leva ao posto de sócio.
Em um dos escritórios, a presença feminina no topo da carreira mal chegava a 13%; em outro, alcançava 37%.
Esses escritórios, me conta Patrícia, funcionam –ou dizem funcionar—com base na meritocracia: “Quem é bom chega lá” é a palavra de ordem. Afinal, todos têm as mesmas chances, as mesmas oportunidades...
Nem sempre. Num escritório, por exemplo, mulheres em licença maternidade perdem o direito ao uso do e-mail profissional. Essa empresa, que tem 61% dos associados mulheres e apenas 32% de sócias, oferece um Programa Para as Mulheres –no entanto nenhuma das entrevistadas por Patrícia sabia da existência do tal programa.
Em outro escritório, há períodos claros de evasão das advogadas. O sócio entrevistado informou que a empresa não pretendia fazer algo sobre o assunto.
Em dois escritórios examinados na pesquisa de pós-doutorado,  mulheres e homens sobem na carreira em igual percentual. Patrícia Bertolin analisa e explica as razões:
“São os escritórios dos anos 1990. O que eu fui descobrir? Que são relações mais virtuais. É uma carreira mais rápida. Existe uma maior facilidade para o home office, enquanto nos demais o home office é visto como descomprometimento da empregada, do empregado. Mas aí eu vi que só aqueles escritórios onde as mulheres não têm sábado, domingo, feriado. Nesses momentos de muita flexibilização, quem é efetivamente a mão-de-obra ocupada? É a feminina, normalmente.”
Isso é verdade em quase todas as áreas profissionais, no entender de Bertolin: “São condições que favorecem o ingresso e a permanência das mulheres no mercado de trabalho em geral. Não só na advocacia. Você pode ver que em momentos de crise, em contratos mais precários, isso tende a incentivar a contratação feminina. Essa é uma regra geral”.
Em relações de trabalho mais estáveis, as mulheres acabam sendo deixadas para trás. “O sócio-fundador de um escritório me disse assim: `Para o escritório tanto faz, se usa saia ou se usa calças, desde que seja bom. Só que uma hora elas vão ter filho`. Quer dizer, tanto faz, não. Não é bem assim”, diz Patrícia.
Alguns escritórios –quatro dos dez examinados na pesquisa—até têm programas de promoção da mulher. Fazem palestras para levar, por exemplo, informações sobre câncer do útero.
“Não é por aí”, afirma a professora. “O que deveria ser feito é trabalhar questões que digam respeito a reais, iguais oportunidades”.
Patrícia Bertolin ressalta que o critério de ascensão profissional não é transparente. Como são escolhidos os novos sócios? Quem é que vota?
“Em geral são homens”, responde a professora. “As pessoas tendem a querer pessoas que se assemelham a elas.”
Ao longo da carreira, as coisas são mais escorreitas para o advogado do que para a advogada.
“Para um homem, é muito mais fácil fazer networking do que para a mulher. Numa sociedade ainda patriarcal, a mulher chama o cliente para jantar, pronto! Tem o risco de ser mal interpretada. E assim, coisas pequenas, o espaço para as mulheres falarem é bem menor. Eu cansei de ouvir na minha pesquisa, “A mulher, para ela falar alguma coisa, ela tem que estar muito certa do que ela está falando.” O homem, não. Ele tem uma vaga ideia, mas ele já fala.”
A pesquisa deixou impactos na própria pesquisadora:
“Eu enxerguei em mim coisas que eu vi nas minhas entrevistadas. Como por exemplo, a mulher tem muita dificuldade de aceitar elogio. Quando ela é elogiada, ela diz assim: “Ai, mas olha, eu não teria feito nada sozinha”. Leva a equipe toda junto. O homem, o que apareceu? Gritou na minha pesquisa. Ele pode até usar uma falsa modéstia, “Não é bem assim. Imagina.”. Mas ele aceita. A gente ainda não se coloca nessa posição. Outra coisa, que apareceu espontaneamente em quase todas as entrevistas, no caso de mulheres com responsabilidade familiar: a culpa. É aquela coisa de achar que não está sendo boa advogada, não está sendo boa mãe, não está sendo boa nada, sabe? Eu acho que a culpa, como disse uma entrevistada, é atávica.”
Uma culpa criada, construída.
“A mulher tem filhos. Ela é uma advogada, ela tem três filhos, [a conclusão é que] ela não tem tempo para a advocacia. O homem é um advogado, faz isso, faz aquilo, faz aquilo mais e tem três filhos, ah que bom! Olha como ele é um homem perfeito! São dois pesos, duas medidas.”
VAMO QUE VAMO!!!


Percurso do dia 27 de março de 2017

8,36 km percorridos em 1h32min55

Acumulado no projeto 60M60A
718,23 km percorridos em 132h13min16

PS.: Se você está interessado em saber mais sobre questões de gênero no mundo profissional, uma boa oportunidade é a leitura de “A Violência de Gênero nos Espaços do Direito”, que será lançado amanhã em São Paulo. Veja o convite abaixo.


22.3.17

Em ataque à Constituição e à liberdade de imprensa, blogueiro é vítima de violência policial

O dia 21 de março de 2017 ficará marcado na história como a data em que a liberdade  de imprensa e de expressão sofreu ataque brutal, ao arrepio da lei ainda que sob sua proteção formal.
“Eduardo Guimarães, do blog Cidadania, acaba de ser vítima de violência judicial, ou mais especificamente, de um sequestro judicial, que é o nome que damos a essa ilegalidade chamada condução coercitiva”, anunciou nota da Central Única dos Trabalhadores distribuída  às 11h de ontem.
E o advogado Leonardo Isaac Yarochewsky resumiu: “A condução coercitiva do cidadão Eduardo Guimarães foi mais um assalto contra a Constituição da República cometido pelo juiz Federal Sérgio Moro”.
A nota da CUT explica como se deu o caso:
“A Polícia Federal chegou às cinco da manhã em seu prédio, não permitiram que o porteiro interfonasse, esmurraram sua porta, entraram no apartamento e reviraram tudo. Apreenderam seu celular e aparelhos eletrônicos. E foi levado, mediante condução coercitiva, por homens fortemente armados. Não foi permitido que ele fizesse contato com seus advogados, o que é obstrução de justiça.”
Os policiais não permitiram que a esposa de Eduardo, que estava em roupa de dormir, se trocasse. E fizeram estardalhaço na casa que é quase um hospital, pois a filha do casal, uma menina de 18 anos, sofre de graves problemas de saúde e está permanentemente sob cuidados especiais.
Sem celular, Eduardo foi mantido incomunicável  nas dependências da Polícia Federal, na Lapa, São Paulo. Sob forte pressão policial, foi forçado a iniciar seu depoimento sem a presença de seu advogado.
Queriam que ele informasse (ou confirmasse) a identidade da fonte de uma reportagem que publicaram em seu blog em março do ano passado. A CUT dá detalhes: “Segundo conhecidos, o motivo seriam investigações sobre um vazamento de notícia sobre a condução coercitiva de Lula, que o blog Cidadania antecipou com exclusividade. Não poderia haver nada mais ridículo: sequestro judicial de jornalista que divulgou vazamento de informação!”
Ao longo do dia, a blogosfera democrática brasileira, sindicatos e entidades nacionais de jornalistas, instituições de defesa da democracia e dos direitos humanos, nacionais e internacionais, se manifestaram denunciando o ataque aos direitos individuais e à liberdade de imprensa, em geral, e à integridade física de Eduardo em particular.

O criminalista Leonardo Isaac Yarochewsky publicou ótimo texto em que demonstra por A+B os atentados ao direito e à Constituição perpetrados pelo juiz Sérgio Moro no episódio.
“A condução coercitiva utilizada ilegalmente como forma de coação e espetacularização, tem sido decretada rotineiramente e a margem da lei na operação “Lava Jato”, escreve o advogado em longo e importante documento, que você pode ler na íntegra CLICANDO AQUI.
A Federação Nacional dos Jornalistas e o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo distribuíram nota em que afirmam:
“Além da arbitrariedade da condução coercitiva, sem que qualquer intimação prévia tenha sido feita ao blogueiro, a PF devassa dados pessoais e desrespeita o sigilo de fonte garantido pela Constituição Federal em seu Artigo 5º, parágrafo XIV, em que define que ´“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
“A Polícia Federal ataca, ainda, a liberdade de imprensa e de expressão do blogueiro – a mesma PF que tem vazado informações seletivamente de acordo com os próprios interesses, sem levar em consideração os interesses da sociedade.
“O SJSP e a Fenaj expressam seu veemente repúdio à arbitrariedade da Polícia Federal, pois a condução coercitiva do blogueiro também representa um terrível precedente, que coloca em risco um dos mais importantes princípios do jornalismo – garantir o direito da população à informação.”
À noite, centenas de pessoas representando entidades nacionais e internacionais –inclusive este seu jornalista e maratonista, que disse presente em nome dos Corredores Patriotas Contra o Golpe—fizeram ato em solidariedade a Eduardo e em defesa da liberdade de impresa, contra o estado de exceção que se instaura no mais depois do golpe que derrubou a presidenta Dilma Roussef.

Blogueiro Eduardo Guimarães fala durante ato em que recebeu solidariedade de entidades democráticas nacionais e internacionais

O ato foi organizado pelo Centro de estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e realizado  no auditório do Sindicato dos Engenheiros. A presidenta legítima Dilma Roussef mandou nota de apoio a Eduardo, e o ex-presidente Lula conversou com ele para manifestar sua solidariedade.
Por meu lado, além de também levar o abraço fraterno ao blogueiro, desde manhã cedo estive debatendo a crescente violência que se instala em nossas cidades, em nosso país.
Minha corrida de ontem me deu duas grandes satisfações: conhecer ao vivo e a cores o jornalista e corredor Bruno Paes Manso, estudioso da violência urbana, e conseguir, pela primeira vez desde novembro do ano passado, fazer vários blocos de corrida de mais de um quilômetro.
Bruno e eu conversamos muito ao longo de quase uma dúzia de quilômetros, percorridos em blocos de 1.200 metros por 300 metros.
Ele, que hoje faz pós-doutorado na USP sobre quetsões envolvendo cirminalidade violência policial nos centros urbanos, me deu preciosa aula sobre o assunto. Ao final, fizemos uma breve conversa transmitida pela internet para todo o planeta.
Se você não teve oportunidade de assiti-la na hora, aproveite agora, clicando na imagem abaixo.


Seguimos na luta, correndo por mais qualidade de vida, por liberdade, pela democracia e pela Pátria.

VAMO QUE VAMO!


Percurso de 22 de março de 2017
6,62 quilômetros percorridos em 1h17min42

Acumulado no projeto 40M40A
669,92 quilômetros percorridos em 123h50min54


PS.: Se você não quis clicar no link que encaminha ao texto do advogado Yarochewsky, não tem problema. A seguir, reproduzo aquele documento na íntegra.

ESTADO DE EXCEÇÃO, CENSURA E AUTORITARISMO: AMORDAÇARAM A CIDADANIA
Por Leonardo Isaac Yarochewsky*
 1 – Dos fatos:
A Polícia Federal em São Paulo cumpriu na manhã desta terça-feira (21), na capital paulista, mandado de condução coercitiva contra o blogueiro Eduardo Guimarães. Ele é editor do “Blog da Cidadania”. Eduardo Guimarães tem uma trajetória política na defesa dos direitos fundamentais, defensor de bandeiras da esquerda, além de severo crítico de política de Michel Temer (PMDB) e dos questionáveis métodos utilizados pela Operação Lava Jato, que acaba de completar três anos.
Segundo consta, Eduardo Guimarães que também concorreu à Câmara de Vereadores de São Paulo, na eleição de 2016, pelo PCdoB – na chapa do então candidato à reeleição, Fernando Haddad (PT) – foi levado pela Polícia Federal sob a “acusação” de suposto vazamento de informação sobre a condução coercitiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocorrida em 04 de março de 2016.
Tudo indica que a arbitrária, abusiva e autoritária condução coercitiva de Eduardo Guimarães, além de apreensão de computadores e telefones celulares seu e de familiares, tem como intento abjeto forçar que o conduzido revele suas fontes.
2 – Da repercussão:
“Ação de Moro que determinou a prisão do blogueiro Eduardo Guimarães é clara violação da Constituição Federal e afronta o Estado Democrático de Direito”, protesta o deputado Paulo Pimenta (PT-RS); o motivo é a investigação da fonte que vazou para Guimarães a condução coercitiva do ex-presidente Lula, em março do ano passado; o juiz Sergio Moro, que autorizou a condução coercitiva contra Guimarães, argumentou ao deputado Paulo Teixeira (PT-SP) que Guimarães não é jornalista; “Dr. Moro, o Brasil não exige formação específica para o jornalismo. Isso é censura“, criticou Teixeira;[1]
A Bancada dos deputados estaduais na Assembleia Legislativa de São Paulo divulgou a seguinte nota:
“A Bancada dos deputados estaduais na Assembleia Legislativa se junta ao elo de protestos e indignação ao atentado à democracia e a liberdade de imprensa que atingiu o blogueiro Eduardo Guimarães, editor do Blog da Cidadania levado coercitivamente à Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, nesta terça- feira, às 6h da manhã. Aos moldes dos tempos sombrios da ditadura militar, o blogueiro está incomunicável, sem acesso a advogados e direito de e direito de defesa, sob a acusação de supostos vazamentos sobre a condução coercitiva do ex- presidente Lula, em março do ano passado”, diz a nota, que chama a ação da PF de “censura” e a classificam como “autoritária”.
3 – Do direito ao sigilo da fonte:
Segundo a Constituição da República “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (art. 5º, XIV).
O sigilo da fonte não é um privilégio de jornalistas, mas “meio essencial de plena realização do direito constitucional de informar”. Para o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, trata-se de uma prerrogativa dos profissionais da imprensa, a ser usada “a critério do próprio jornalista, quando este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional”.[2]
Por isso, assevera Celso de Mello, é dever do Estado e do Poder Público respeitar esse direito, que se origina na própria Constituição da República.
O ordenamento constitucional brasileiro, por isso mesmo, prescreve que nenhum jornalista poderá ser compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Mais do que isso, e como precedentemente assinalado, esse profissional, ao exercer a prerrogativa em questão, não poderá sofrer qualquer sanção motivada por seu silêncio ou por sua legítima recusa em responder às indagações que lhe sejam eventualmente dirigidas com o objetivo de romper o sigilo da fonte.
STF – AG.REG. NA RECLAMAÇÃO AgR Rcl 21504 SP SÃO PAULO 0005000-67.2015.1.00.0000 (STF)
Data de publicação: 11/12/2015
Ementa: E M E N T A: RECLAMAÇÃO – ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À AUTORIDADE DO JULGAMENTO PLENÁRIO DA ADPF 130/DF – EFICÁCIA VINCULANTE DESSA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – POSSIBILIDADE DE CONTROLE, MEDIANTE RECLAMAÇÃO, DE ATOS QUE TENHAM TRANSGREDIDO TAL JULGAMENTO – LEGITIMIDADE ATIVA DE TERCEIROS QUE NÃO INTERVIERAM NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA – LIBERDADE DE EXPRESSÃO – JORNALISMO DIGITAL – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL – DIREITO DE INFORMAR: PRERROGATIVA FUNDAMENTAL QUE SE COMPREENDE NA LIBERDADE CONSTITUCIONAL DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DE COMUNICAÇÃO – INADMISSIBILIDADE DE CENSURA ESTATAL, INCLUSIVE DAQUELA IMPOSTA PELO PODER JUDICIÁRIO, À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, NESTA COMPREENDIDA A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA – TEMA EFETIVAMENTE VERSADO NA ADPF 130/DF, CUJO JULGAMENTO FOI INVOCADO, DE MODO INTEIRAMENTE PERTINENTE, COMO PARÂMETRO DE CONFRONTO – PRECEDENTES – SIGILO DA FONTE COMO DIREITO BÁSICO DO JORNALISTA: RECONHECIMENTO, em “obiter dictum”, DE QUE SE TRATA DE PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUALIFICADA COMO GARANTIA INSTITUCIONAL DA PRÓPRIA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO –
Encontrado em: monocráticas citadas: (LIBERDADE DE IMPRENSA, INTERVENÇÃO JUDICIAL, SIGILO DA FONTE) Inq 870. (ADPF 130) Rcl
Ressalta-se que embora Eduardo Guimarães não tenha o diploma de curso superior em jornalismo, já exerce a atividade jornalística há mais de uma década através, inclusive, do seu Blog da Cidadania.
Não é despiciendo salientar que o STF por 8 votos contra 1 já decidiu sobre a matéria conforme amplamente noticiado na mídia. O então ministro Carlos Ayres Britto ressaltou que o jornalismo pode ser exercido pelos que optam por se profissionalizar na carreira ou por aqueles que apenas têm “intimidade com a palavra” ou “olho clínico”. O ministro Celso de Mello afirmou que preservar a comunicação de ideias é fundamental para uma sociedade democrática e que restrições, ainda que por meios indiretos, como a obrigatoriedade do diploma, devem ser combatidas.
Assim, a alegação de que Eduardo Guimarães não é jornalista, é apenas e tão somente uma tentativa vil de retirar dele os direitos assegurados na Constituição da República e proclamados pelo STF para quem exerce a atividade independente de formação superior.
4 – Da condução coercitiva:
A condução coercitiva utilizada ilegalmente como forma de coação e espetacularização, tem sido decretada rotineiramente e a margem da lei na operação “Lava Jato”.  Quando o ex-Presidente Lula, no dia 4 de março de 2016, foi conduzido coercitivamente, por determinação do juiz Federal Sérgio Moro, inúmeros juristas questionaram e criticaram a medida coerciva.  Por todos, Lenio Luiz Streck para quem:
o ex-presidente Lula e todas as pessoas que até hoje foram “conduzidas coercitivamente” (dentro ou fora da “lava jato”) o foram à revelia do ordenamento jurídico. Que coisa impressionante é essa que está ocorrendo no país. Desde o Supremo Tribunal Federal até o juiz do juizado especial de pequenas causas se descumpre a lei e a Constituição. [3]
Mais adiante, Lenio assevera que:
A polícia diz que foi para resguardar a segurança do ex-presidente. Ah, bom. Estado de exceção é sempre feito para resguardar a segurança. O establishment juspunitivo (MP, PJ e PF) suspendeu mais uma vez a lei. Pois é. Soberano é quem decide sobre o estado de exceção. E o estado de exceção pode ser definido, segundo Agamben, pela máxima latina necessitas legem non habet (necessidade não tem lei). [4]
Ao indagar sobre a motivação da figura da condução coercitiva, Alexandre Morais da Rosa e Michelle Aguiar, observam:
Por mais que se negue, é nítido que há a configuração de verdadeiro meio cerceador de liberdade, ainda que seu caráter seja temporário. Além disto, essa prática constantemente se traduz como mecanismo intimidatório frente ao investigado, muitas vezes sendo utilizada para que dele se “extraída a verdade”[1]. Representaria, portanto, claro resquício da matriz inquisitiva.
“Ocorre que tal procedimento não é autorizado, sequer, pelo vetusto, autoritário, inquisitorial e fascista Código de Processo Penal de 1942, pois o art. 260 só autoriza a tal condução coercitiva se o acusado (ou o indiciado) “não atender à intimação para o interrogatório”, situação diversa da decorrente de flagrante delito em que o suspeito pode ser conduzido para autoridade policial (CPP, art. 6º III, V e art. 144, § 4º, da Constituição da República). Aliás, a regularidade da ação policial tão logo cometido o crime já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (HC 107.644/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski)[i], [5]
Em outro artigo Alexandre Morais da Rosa e Rômulo de Andrade Moreira afirmam que:
É uma pena que os atores processuais e a doutrina nacional tenham se acostumado (e se calado, em sua maioria, ao menos) com esta prática judicial consistente na expedição de mandados de condução coercitiva em relação a investigados desprovido de fundamento legal. No atual ordenamento processual penal brasileiro, tal proceder só é possível se houver desobediência da testemunha e da vítima, nos exatos termos dos arts. 218, 219 e 201, do Código de Processo Penal, ou ao conduzido na modalidade de flagrante delito, sob pena de grave violação da Constituição Federal e dos Pactos Internacionais. É preciso que o Supremo Tribunal Federal seja urgentemente acionado para que cesse esta prática odiosa, em sede de controle difuso de constitucionalidade (ou mesmo de convencionalidade), porque a invocação do Habeas Corpus n. 107.644-SP, como legitimador da prática é um engodo. Por fim, com alguns defendendo a investigação pelo Ministério Púbico e mesmo pela Polícia Militar, em breve, a condução coercitiva será determinada em situações inimagináveis. Logo, condução coercitiva de investigados é abusiva e ilegal.[6]
A condução coercitiva do cidadão Eduardo Guimarães foi mais um assalto contra a Constituição da República cometido pelo juiz Federal Sérgio Moro.

5- Conclusão:
Diante de mais esta arbitrariedade cometida no seio da operação “Lava Jato” por determinação de um juiz Federal, sem que o Supremo Tribunal Federal tenha, até o momento, agido para conter o avanço do estado de exceção, necessário será recorrer aos tribunais internacionais para que possa prevalecer no Brasil o Estado democrático de direito, que tem na manifestação do pensamento, na criação, na expressão e informação, um dos seus mais sagrados pilares.

*Leonardo Isaac Yarochewsky é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1994) e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004). Advogado criminalista – sócio do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados. Professor de Direito Penal da Graduação e da Pós-Graduação da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Com mais de 20 anos de experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal. Autor dos livros: Da inexigibilidade de conduta diversa ( ed. Del Rey) e Da reincidência criminal (ed. Mandamentos) além de diversos artigos. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

14.3.17

Morre Ed WHITLOCK, primeiro e único octogenário a correr a maratona em menos de 4 horas

O mundo da corrida perde uma inspiração. Morreu nesta segunda-feira (13) em Toronto o multirrecordista da maratona Ed Whitlock, que ganhou as manchetes do mundo em 2003, quando se tornou o primeiro homem de mais de setenta anos a correr a maratona em menos de TRÊS HORAS.
Ed tinha 86 anos e foi derrubado por câncer de próstata, segundo comunicado distribuído por sua família. Até recentemente, porém, era ele que vinha derrubando recorde sobre recorde.
Há meros cinco meses, por exemplo, arrasou o recorde para maratonistas da faixa etária 85-89.
Na maratona de Toronto, realizada em outubro, não só limou quase meia hora (28 minutos, mais precisamente), como também se tornou o primeiro octogenário a correr os 42.195 metros em menos de quatro horas: completou a prova em 3h56min33.
Esse é um número estratosférico, animal, gigantesco, “impossível!”.  Aliás, o mundo da medicina considerava Whitlock um fenômeno, que deveria ser estudado –de fato, especialistas não perdiam oportunidade para analisar os recursos físicos desse sensacional corredor.
Há cinco anos, ele passou por uma bateria de testes. Como era de esperar, os resultados foram assombrosos.


Uma das medições foi do VO2 máximo, que revela sua capacidade de absorver e transformar oxigênio em energia. O índice de um esquiador olímpico fica em torno de 90; a marca de maiores de oitenta anos que ainda se movimentam sem auxílio fica em média em 20. O VO2 máximo de Whitlock era 54 (!!!!), semelhante ao de um garoto universitário que pratica esportes nos fins de semana.
Nascido na Inglaterra em 1931, esse engenheiro de minas aposentado corria sob a bandeira do Canadá, onde vive há mais de 60 anos, morando em Milton, Ontario.
Teve breve carreira esportiva no colegial, ainda enquanto morava na Grã-Bretanha. Na universidade, lesionado, nem chegou a competir, abandonando o esporte por completo quando se mudou para o Canadá, aos 21 anos, para trabalhar como engenheiro de minas.
Retomou as corridas vinte anos mais tarde e logo se destacou em competições nacionais e internacionais de 800 m e 1.500 m. Venceu tanto que, aparentemente, a coisa ficou chata: depois de conquistar mais um título mundial de veteranos nos 1.500 m, em 1979,  deixou as pistas de lado.
Foi a vez de se dedicar às maratonas. No vigor de seus 68 anos, percebeu que poderia se tornar o primeiro homem com mais de setenta a correr a maratona em menos de três horas. Passou então a se dedicar aos treinos com mais afinco.
Aos setenta anos não foi possível, mas ele não se abateu. Em 28 de setembro passado, então com 72 anos e 206 dias, Ed Whitlock completou a Toronto Waterfront Marathon, no Canadá, em 2h59min09.
Desde então, vem quebrando todos os recordes de faixas etárias e também de idade absoluta, com marcas absolutamente fenomenais, como se pode ver no quadro ao lado. Ele derrubou dezenas de marcas mundiais na maratona, na meia e nos 5.000 m, sem contar suas marcas nas provas de 800 m e de 1.500 m.
Minha corrida de hoje no projeto 60 maratonas aos 60 anos foi dedicada a ele, que entrevistei em 2003, duas semanas depois de ele ter se tornado o primeiro septuagenário da história a correr uma maratona em menos de três horas.
A entrevista foi publicada na “Folha de S. Paulo”, e eu reproduzo a seguir a parte de perguntas e respostas. Lembre-se de que as perguntas iniciais se referem à então recente quebra de recorde da faixa etária de 70-74 anos.
RODOLFO LUCENA - O que essa conquista representou para o senhor?
Ed WHITLOCK - Eu fiquei muito satisfeito com o recorde, muito aliviado.
RODOLFO LUCENA - Por que aliviado? Há quanto tempo o senhor vem pensando nessa marca?
WHITLOCK - Comecei a pensar na maratona sub-3 quando estava chegando perto dos 70 anos, quando tinha 68. Fiz uma primeira tentativa pouco depois de completar 70 anos, mas corri 24 segundos acima das três horas. Desde então, tive alguns problemas, fiquei machucado e não tinha tido outra oportunidade até agora.
RODOLFO LUCENA - O que lhe dava tanta certeza de que poderia conseguir?
WHITLOCK - Aos 69 anos, corri uma maratona em 2h52min50. Isso me fazia acreditar que, no ano seguinte, eu faria mesmo sub-3, mas não consegui.
RODOLFO LUCENA - Quando o senhor começou a correr?
WHITLOCK - Quando eu estava na escola, na Inglaterra. Corria principalmente provas de cross-country. Mas parei quando vim para o Canadá, aos 21 anos. Eu era engenheiro de minas e vim trabalhar em mineração. Naquela época, nos lugares em que eu trabalhava, não havia corridas, ninguém corria. Então larguei de mão.
RODOLFO LUCENA - Quando o senhor voltou a correr? Como chegou às maratonas?
WHITLOCK - Aos 41 anos. Desde então, não parei mais de correr... Passei às maratonas quando eu tinha 45 anos, mas sem treinar muito seriamente. Na época, eu era principalmente um corredor de provas de pista, 800 m e 1.500 m. Eu era bastante bom para a minha idade, ganhei um Mundial nos 1.500 m quando eu tinha 46 anos. Cheguei às maratonas porque estava fazendo treinos longos como preparação para minhas provas curtas. Fazia longões durante o inverno para ganhar resistência para as provas curtas, realizadas no verão. E acabei entrando em uma maratona no final do inverno.
RODOLFO LUCENA - O que há de bom em correr? Por que o senhor corre?
WHITLOCK - Eu corro porque gosto de participar de corridas, gosto de me sair bem em corridas, isso me dá muita satisfação. Descobri que corredores de longa distância são gente boa para conversar.
RODOLFO LUCENA - O senhor se considera um exemplo para outras pessoas de sua idade?
WHITLOCK - Algumas pessoas dizem isso. Acredito que meu desempenho pode ajudar a mostrar que as pessoas mais velhas provavelmente são capazes de fazer muito mais do que a sociedade acredita que possam. Meu recorde, por exemplo, certamente pode ser superado. Fui o primeiro -e isso é muito bom-, mas posso ser superado.
RODOLFO LUCENA - Como são seus treinos?
WHITLOCK - Corro duas horas por dia em um ritmo confortável, não muito forte. Corro em volta do cemitério. É um circuito muito pequeno, pouco mais de 500 metros. Não conto as voltas que dou nem marco o tempo de cada volta, simplesmente corro. Esse lugar fica perto de casa -se eu ficar cansado, é fácil voltar.
RODOLFO LUCENA - O senhor não tira dias de folga?
WHITLOCK - Não. Posso descansar um dia antes de uma prova ou deixar de correr uma vez ou outra, mas não estabeleço dias de folga deliberadamente.
RODOLFO LUCENA - Como é o seu dia?
WHITLOCK - Eu corro, trabalho em casa e no jardim, leio jornais e revistas, fico no computador. Assim é meu dia.
RODOLFO LUCENA - E no campo da saúde? Certamente o senhor está em melhor forma do que a maioria das pessoas de sua idade.
WHITLOCK - Não sei se isso se deve às corridas. Eu diria que provavelmente eu estaria saudável, em boa forma, de qualquer jeito. Correr não me prejudica, não me faz mal, exceto por algumas lesões de vez em quando, mas acho que é assim para a maioria das pessoas. Acho que, para sua saúde, é bom correr. Mas também há coisas ruins: você acaba machucando os joelhos, por exemplo, e há quem tenha ataque cardíaco.
RODOLFO LUCENA - Como é sua alimentação? O senhor bebe, fuma?
WHITLOCK - Não como nada de especial nem faço dieta, não uso vitaminas nem suplementos alimentares. Cheguei a fumar há muitos anos, mas por pouco tempo. Bebo vinho duas a três vezes por semana, uma cerveja de vez em quando.
RODOLFO LUCENA - O senhor tem algum novo objetivo agora?
WHITLOCK - Não pensei em nenhum por enquanto, mas alguma coisa vai aparecer, com certeza. Eu pretendo continuar a correr e vou pensar em alguma coisa.
RODOLFO LUCENA - O senhor tem alguma mensagem para os corredores?
WHITLOCK - Continuem correndo. Correr é bom.
VAMO QUE VAMO!!!



Percurso de 13 de março de 2017
16,53 km percorridos em 2h27min56

Acumulado no projeto 60M60A
609,33 km percorridos em 113h22min19