7.12.16

Reforma da Previdência é crime contra a juventude brasileira

As ruas contorcidas e encabritadas que margeiam a região do Pacaembu, ainda um pouco acima do território de Higienópolis, eram hoje uma perfeita imagem das caraminholas que rodavam pela minha cabeça enquanto caminhava por ali.
Além do sol e do peso da idade –como se sabe, estou rapidamente chegando ao terreno oficialmente considerado velhice--, meus pensamentos eram bombardeados por reflexões sobre a bagunça institucional e política instaurada neste país desde o golpe jurídico-parlamentar que derrubou a presidenta Dilma.
Valho-me das palavras do sociólogo Aldo Fornazieri, que assim comentou as mais recentes manobras intragolpista e extragolpistas:
“Crise Institucional se agrava: Tem um ditado que diz que "depois que passa um boi, passa a boiada". O impeachment representou a quebra da ordem constitucional. Agora há um conflito aberto entre os poderes da República. Os partidos e a política estão falidos poque apodreceram. O Partido do Estado, que é também o Partido da Moralidade (procuradores, judiciário, Receita e Polícia Federal) agem para dar um rumo ao pais, usando expedientes legais e extralegais. Não existe uma força estabilizadora. A crise vai se agravar. Pela lei, o Renan deveria ser preso. Se não for preso, acaba o pouco de autoridade moral que ainda resta ao STF.”
Que eu saiba, o ditado é “onde passa um boi, passa uma boiada”, mas o espírito é o mesmo.
Para piorar as coisas, o presidente usurpador finalmente enviou ao Congresso seu plano de reforma da Previdência. É uma desgraça, acredito mesmo que algum advogado criativo poderia processar o Provisório (é assim que o grande jornalista Fernando Morais trata o golpista Temer) por tentativa de homicídio: o projeto assume o risco de a pessoa morrer antes de ter chances de se aposentar.
Sindicatos, centrais sindicais em geral e entidades de aposentados em particular já apresentaram toda sorte de críticas ao projeto, desmontaram sua lógica, apontaram sua ineficiência e por aí vai.
Nenhum dos textos que li, porém, foi tão dramático e tão contundente quanto o sofrido depoimento da jovem jornalista Renata D`Elia, que é paulistana da zona norte. 
Ela mostra como a juventude trabalhadora está sendo afetada e será vítima da tala reforma da morte. Pedi licença para reproduzir o artigo neste espaço, e Renata, que é pesquisadora e consultora de comunicação, autora do livro-reportagem “Os dentes da memória — Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e uma trajetória paulista de poesia”, gentilmente concordou.
O título quem escolheu fui eu –o original foi colocado direto nas redes sociais, sem a introdução; a foto, selecionei do material publicado por Renata nas redes sociais.
Com o que, vamos ao texto sem mais delongas.


MEUS TRINTA E TRÊS ANOS

Bom dia. Sou brasileira, urbana, branca, de classe média; frequentei ótimas instituições de ensino privado; falo três línguas; sou uma privilegiada em muitos aspectos. 
Vou completar 33 anos. Somando todo o tempo em que fui contratada por CLT no mundo moderno do “empreendedorismo” e da pejotização, não dá dois anos de contribuição com o FGTS e a Previdência.
A carga tributária é alta. O plano de saúde que eu pago já me custa, hoje, o olho da cara. Os cursos que pretendo cursar custam o olho da cara e estão sendo adiados por conta de uma crise político-institucional-econômica que parece infinita. Entre os que se encheram de cursos caros, há também os que amargam a fila de espera na vala comum.
Não dá pra comprar imóvel porque os preços continuam altos e se arriscar em dívidas de 30 anos não parece uma boa ideia nem para quem se acha são e salvo no emprego formal registrado, participando de eventos corporativos com guaraná e empadinha de graça. Imagine pra quem não tem FGTS pra sacar e dar de entrada.
Já faz tempo que é melhor não contar com a educação e com a saúde pública, sob risco de colapso total do sistema, que vai sendo sucateado. A população aumenta, a inflação e o custo de vida aumentam e a expectativa de vida cresce enquanto isso.
O brasileiro tem cada vez menos sobra financeira para aplicar, investir, pagar seguro de vida e acidentes, botar na previdência privada. Com a aprovação da PEC 55, os danos a longo prazo serão obviamente penosos para saúde e educação públicas, exceto para aqueles que vivem de gráficos.
A educação e a saúde privadas, tirando as da elite, costumam ser péssimas: basta ver os índices de compreensão matemática e analfabetismo funcional da população - isso inclui os bacharéis produzidos por fábricas de diploma de quinta categoria. Nossa produtividade profissional, que não tem necessariamente a ver com horas trabalhadas, é baixa de acordo com esses índices gringos que o povo da empadinha com guaraná adora.
Com a aprovação da reforma da previdência, proposta ontem pelo governo federal, teremos todos que trabalhar por 49 anos dentro da CLT para recebermos o teto da aposentadoria. Isso se os infartos, depressões e AVCs em massa não nos dizimarem antes --não é difícil.
Minha mãe está para se aposentar pelo teto nas regras velhas e, mesmo assim, teria uma importante queda de qualidade de vida se dependesse só disso. Já é e será cada vez mais difícil viver e envelhecer para quem não está no topo do topo da pirâmide.
Agora imagine o efeito das novas regras em massa para o trabalhador braçal e para quem não tem praticamente chance alguma de mobilidade social nesse momento e nos anos vindouros. Essas pessoas são a maioria. E nós estamos mais perto dessa turma do que da turma que toma as decisões e bebe whisky com deputados enquanto nos alimenta à base de salário mediano, guaraná e empadinha.
Aí eu entro no site do jornal de manhã e dou de cara com depoimento de presidente de empresa privada, hoje menos bilionária do que ontem, enrolada até o pescoço em esquemas de corrupção e outros crimes, e o cara tá lá dissertando, do alto de sua torre de marfim na Marginal Pinheiros, sobre como o país precisa urgentemente aprovar as reformas exatamente como elas estão para voltar a crescer. Do lado de fora, o rio morto fede, a poluição assusta, o trânsito irrita, os céus fazem chover canivetes, os reféns são zumbis portadores de vale-refeição.
E tem ainda um bando de hienas comendo estrume e dando risada em velório. Ô, se tem!


VAMO QUE VAMO!!!

600 aos 60 – etapa 23 – 2016 dez 07

4,52 km caminhados em 59min16

Quilometragem acumulada: 88,32 km

Tempo acumulado: 19h04min22


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