24.9.17

Na maratona de Berlim, a montanha pariu um rato

A montanha fazia tanto barulho que todos no vilarejo suspeitaram que algo terrível
estava por acontecer. Nas rodas de conversas, o falatório corria solto.
-Ai de nós! A montanha vai explodir.
-É um aviso sobre o fim do mundo.
-Deus nos livre de ser um terremoto!
Adivinhando uma tragédia, muitos moradores partiram para bem longe. Outros se
esconderam em cavernas escuras. Até o jornal local deixou de circular, pois os parafusos das
máquinas impressoras emperraram de medo. O povo do vilarejo mal respirava de tanta
expectativa.
Então a montanha tremeu e rachou ao meio. O barulho foi ouvido a centenas de
quilômetros de distância.
E, para surpresa de todo, de uma imensa nuvem de poeira saiu...um pequenino rato.
Foi a piada do ano. (“O Parto da Montanha”, Jean de La Fontaine)

Pois foi o que aconteceu na manhã de hoje na maratona de Berlim: nada. A montanha pariu um rato.
Ao longo dos últimos dias, a blogosfera esportiva corredística internacional e nacional reverberou às pampas material produzido pelas assessorias da maratona de Berlim e de seus patrocinadores. Estava em gestação não apenas novo recorde mundial, mas a perspectiva de esmigalhar, transformar a atual marca em pó de nitrato de pelo de rato.
O noticiário e o entusiasmo tinham bases em fatos reais, concretos. Berlim tem sido o palco de praticamente todos os recordes recentes na maratona, desde que, em 1998, o brasileiro Ronaldo da Costa detonou marca que durava dez anos e ainda comemorou dando uma estrela no asfalto germânico.
Além disso, nesse percurso plano em que a maratona é geralmente corrida sob clima muito adequado, duelariam hoje algumas das mais rápidas figuras da história da maratona. Pela primeira vez, duelariam (ou trielariam, se é que me entendem) o campeão olímpico Eliud Kipchoge, o ex-recordista mundial da maratona Wilson Kipsang, ambos quenianos, e o etíope Kenenisa Bekele, recordista mundial dos 10.000 m e dos 5.000 m.
Berlim amanheceu com chuva, porém, e o asfalto molhado, escorregadio, não ajudou. Também não ajudou o entusiasmo exagerado dos marcadores de ritmo nos primeiros quilômetros. Apesar das condições adversas do piso, cruzaram a marca do km 5 em ritmo que, se mantido, permitiria fechar a maratona em duas horas e dois minutos!!!
A partir daí, foi uma bagunça só, com altos e baixos exagerados, como mostra gráfico produzido pelo pessoal do site The Science of Sport apontando as marcas a cada bloco de cinco quilômetros.


Só na metade da maratona eles com seguiram voltar ao ritmo de recorde mundial, mas foi por pouco tempo e provocou vítimas: Bekele ficou para trás no km 25 e Kipsang parou no km 30, deixando Kipchoge a cavaleiro para seguir para a vitória.

O desencanto do ex-recordista mundial Wilson Kipsang
Aí entrou um novato na brincadeira. O estreante Guye Adola, etíope de 26 anos, especialista em meia maratona, se apresentou para enfrentar o campeão olímpico. Chegou a ficar na frente por algumas centenas de metros, por volta do km 38, mas sua alegria durou pouco.
Mesmo assim, o duelo fez a alegria do público, àquela altura já desanimado quanto a uma eventual quebra de recorde.
À direita, o estreante Guye Adola enquanto ainda tinha esperanças de se ombrear com o campeão olímpico Eliud Kipchoge (de branco)
Para contrabalançar, as mulheres corriam muito bem, em ritmo de quebra de recorde do percurso (2h19min12), o que já é melhor do que nada.
Bom, no km 40 Kipchoge colocou ordem na casa e seguiu para vencer em 2h03min32 e colocar no bolso 70 mil euros (40 mil pela vitória e 30 mil de bônus por tempo, ainda que não tenha quebrado nenhuma marca).
A disputa feminina também acabou em pizza, sem nem um recordezinho de percurso para festeja. A queniana Gladys Cherono, campeã em 2015 com 2h19min25, passou a marca do km 35 na frente e não largou mais a liderança, fechando em 2h20min23.
Eu acompanhei tudinho pelo site oficial e por uma transmissão ao vivo pela internet. Depois, fui correr para desabafar e abraçar São Paulo.
Os caras fizeram uma maratona em pouco mais de duas horas, eu fiz uma meia maratona em pouco menos de três horas...
Corri por tudo: Doutor Arnaldo, Minhocão, Centro Velho, Praça da Sé, Liberdade, Paulista...


Depois de ter me divertido com as figuras curiosas que ficam na saída da boate Love Story, segui pela praça da República e encontrei centenas, talvez milhares de ciclistas que participavam de um passeio pela cidade. Saquei do celular para filmar a história, mas não transmiti ao vivo.
Tudo bem. Uns tantos quilômetros depois, na praça da Sé, voltei a me encontrar com eles e daí fiz uma tomada melhorzinha. Olha só:


Ao longo do percurso, recebi vários cumprimentos, menos por minha pessoa e mais pela camiseta que vestia, estampada com os dizeres: “NENHUM DIREITO A MENOS”.
Na subida da Brigadeiro, por exemplo, uma jovem senhora gritou: “Volta, Lula!”. Na Paulista, uma senhora já não tão jovem apontou a camiseta e repetiu a frase: “Nenhum direito a menos, é isso aí!”.
Nesse clima mais politizado, encontrei na Paulista um grupo fazia em frente ao Masp uma manifestação pela independência da Catalunha. Tive de parar e conversar com eles, é claro.


A esta altura, já tinha feito mais de 18 quilômetros. Era só seguir em frente. Foi o que fiz, chegando em casa com mais 21 quilômetros computados neste ano de meu sexagenário, em que pretendo totalizar distância equivalente à de sessenta maratonas: 2.532 quilômetros. Ainda falta muito, mas menos do que quando comecei.

VAMO QUE VAMO!!!  

Percurso de hoje, 24 de setembro de 2017
21,18 quilômetros percorridos em 2h52min20
Percurso acumulado no projeto 60M60A
2.065, 88 quilômetros percorridos em 365h33min25 

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