Nair Rocha
de Oliveira é uma simpática senhora de cabelos curtos e corpo miúdo –tem um
metro e meio e pouco mais de 50 quilos.
Eu a
conheci nas sala de exercícios da Força Dinâmica --empresa que combina preparação técnica e
física e orientação biomecânica—quando ela vivia agitada na expectativa de
fazer sua primeira meia maratona.
O tempo
passou e as meias maratonas também.
Hoje a paulista nascida em Pacaembu, que
trabalha de sol a sol como secretária em uma clínica médica, está na reta final dos treinos para sua
estreia na distância completa –o debute será em Berlim.
A prova
será também uma comemoração de sua vida de atleta: começou a correr há dez
anos, quando tinha 45.
Enquanto
se prepara, Nair dedicou um pouquinho de seu tempo para responder a algumas
perguntas sobre a experiência. E sobre o fato de, como nós outros daqui,
praticar atividade física intensa numa idade em que muitos preferem apenas
movimentar os botões do controle remoto do televisor.
Nair durante a meia maratona de Paris -- Foto Arquivo Pessoal |
Como lhe surgiu a ideia de fazer uma maratona?
Quando
comecei correr, entrei numa equipe de corrida e alguns meses depois um grupo de
corredores mais antigos da equipe começaram treinar para a maratona de Paris.
Acompanhei todos os preparativos e a expectativa para a viagem e a prova. Foi muito legal. Já
estava gostando de correr e acho que foi ali que começou meu sonho de fazer uma
maratona no exterior.
O que correr 42.195 metros sem parar pode ter de
bom?
Não só a
prova, mas toda a preparação e os treinos para a maratona já trazem muitas
coisas boas. Estou mais focada em todas
as minhas atividades, pois tenho que administrar melhor o meu tempo, estou mais
disciplinada, cuidando muito bem da minha saúde.
Em certa
medida, os treinos já são uma prova. Alguns são muito bons, outros nem tanto,
mas sempre que termina é mais uma vitória. No dia que terminei o meu treino mais
longo (36 km), fiquei emocionada, era um sábado chuvoso, terminei lá pelas 10h30,
não tinha quase mais ninguém na USP, estava sozinha, comemorei como se
estivesse completando a prova.
Quais são os riscos da maratona?
Sei que
há riscos. Posso lesões importantes, que me impeçam de continuar correndo ou
encurtem a minha vida de corredora. Tenho me preparado com muito cuidado, não
só agora, mas desde que comecei fazer meias maratonas.
Tenho
uma boa orientação técnica e nutricional e, acima de tudo, respeito meus
limites; procuro fazer com que tudo seja prazeroso, não só as provas, como os
treinos. Não estou preocupada em diminuir meu tempo, gosto de correr num ritmo confortável
e curtir a corrida.
No
começo pensava no risco cardíaco, mas agora estou vendo que meu coração está
cada vez melhor.
Por que escolheu a maratona de Berlim para sua
estreia?
Quando
comentei com meu treinador que gostaria
de fazer minha primeira maratona no exterior, ele, muito sensato, me aconselhou fazer primeiro uma aqui no
Brasil, pois seria mais tranquilo, não teria tanta expectativa.
Mas aí
eu pensei que não sabia se conseguiria fazer mais que uma, então melhor fazer
logo uma bem bacana. Poderia ser Paris, mas achei que Berlim também seria uma
boa opção por ser considerada uma prova totalmente plana, com temperatura
boa e muito bem organizada.
No ano
passado estive em Berlim uma semana antes da maratona, já percebi um pouco o
"clima" e adorei a cidade, bonita, moderna, muito fácil para se
locomover. Fiz a pré-inscrição em novembro e em janeiro recebi o email
informando que eu havia sido sorteada, aí não teve mais jeito...
Por que a senhora começou a correr?
Eu fumei
dos 17 aos 30 aos. Quando parei de fumar, tentei começar a correr mas detestei,
achei muito chato mesmo.
Também
naquela época não existia esta "cultura da corrida", não tinha essa
profusão de assessorias nem tantas provas.
Além
disso, por ironia do destino, eu estava toda animada e comprei um livro sobre
corrida, de um corredor chamado James Fix.
Um dia
depois de ter comprado o livro, vi numa banca de jornal uma revista com uma
matéria de capa que dizia mais ou menos o seguinte: "Correr não é tão bom
como se pensa, o corredor James Fix
morreu de um ataque cardíaco aos 50 anos..."
Bom, aí
acabou de vez meu entusiasmo pela corrida.
Fui
fazer outras atividades, me matriculei numa escola de natação e gostei muito de
nadar. Depois de algum tempo, iniciei também aulas de dança de salão, que na
época (1994/1995) estava em alta. A dança de salão também foi algo muito bom na
minha vida, conheci muita gente legal, amizades que cultivo até hoje.
Depois
de muito tempo nadando em escolas de natação e depois no Sesc, resolvi ficar
sócia de um clube para ter mais liberdade para nadar. Quando fiquei sócia do
tal, clube a piscina foi fechada para reforma! Enquanto a piscina não abria,
comecei a caminhar e fazer musculação. Nessa época estava lendo o livro do Nuno
Cobra e foi o que me impusionou a dar os primeiros passos na corrida.
Nunca
vou me esquecer, comecei correndo 200 m na pista de Cooper do Ibirapuera e aí
fui aumentando cada semana 100 m até o dia que completei 1.200 m correndo.
Assim fui indo até chegar aos 3.000 m, quando descobri que no clube havia uma
equipe de corrida.
Comecei
meio relutante, pois ainda fazia dança de salão e saía à noite para dançar,
ficava muito difícil levantar cedo para correr. Mas, com o tempo, fui gostando
muito da corrida, também conheci muita gente interessante e acabei trocando a
natação e a dança pela corrida.
Hoje como é sua preparação?
Meu
treino é bem equilibrado, tem sempre um pouco de caminhada no começo e no fim.
Nos treinos longos, há intervalos de 200/300 m de caminhada a cada 5 km mais ou
menos. Treino corrida três vezes por semana, um dia de caminhada e dois dias de
treino de força, sempre de manhã. No domingo descanso.
Há outros trabalhos de reforço físico?
Faço
trabalho de força específico, com orientação para melhorar a postura na corrida
e prevenir lesões.
Sempre
tive hábitos alimentares saudáveis, isso já vem da minha educação. Agora tenho
orientação nutricional para suprir melhor as necessidades do corpo com a
atividade física, mas nada muito especial, apenas um equilíbrio melhor.
Naturalmente como bastante verdura, frutas, alimentos integrais, carnes magras,
pouca gordura, como doce e chocolate com moderação (às vezes a gente dá uma
escorregada), gosto de tomar vinho e cerveja, geralmente no final de semana.
Qual foi sua primeira corrida de rua?
Minha
primeira prova não foi uma experiência muito legal, foi a Maratona de Revezamento
do Pão de Açúcar. Fui uma das últimas corredoras da equipe, mas, como havia
chegado cedo, tive que esperar muito para correr, foi bem chato.
Acho que
a primeira corrida que curti bastante mesmo foi os 10 km do Graac, que é uma
prova que tem um astral muito legal. Outra que também foi uma das primeiras e
marcou muito foi a do Centro Histórico, adoro correr pelo centro da cidade.
Qual é sua melhor lembrança de uma corrida de rua?
Geralmente
as boas lembranças estão relacionadas a boas
provas, lugares bonitos e boa preparação.
Na meia maratona do Rio, quando a gente chega
no topo da subida e avista toda a orla, é um deslumbramento, aquela
vista maravilhosa, aí você pensa: lá vou eu...que delícia! Outras boas
lembranças foram na meia das cataratas e
na de Budapeste, tanto por estar me sentindo muito bem como pela paisagem.
E a pior?
As piores
lembranças geralmente estão relacionadas a provas mal organizadas e percursos
ruins. Os 25 km da Maratona de São Paulo,se não me engano em 2013, foi uma das piores, principalmente o
final da prova que foi uma desorganização total. Jurei que jamais faria uma
maratona aqui em São Paulo, o que é uma pena...
A senhora já passou dos 50 anos. Não é hora de
parar?
De jeito
nenhum, acho que agora é o melhor momento.
Já me
aposentei, mas ainda continuo trabalhando. Espero poder diminuir um pouco o
rítmo de trabalho para ter mais tempo para correr e fazer outras coisas.
O
problema é que a gente precisa de dinheiro, afinal correr não é uma atividade
tão barata quanto se pensa, ainda mais quando se quer correr no exterior. Só com
a aposentadoria hoje não é possível.
O que o exercício traz de bom para veteranos como
nós?
Traz
vitalidade, entusiasmo, a qualidade do sono é muito melhor quando praticamos
atividade física.
Correr é
muito bom, mas nem todo mundo gosta ou se adapta. Acho bom que as pessoas
pratiquem atividade física de uma maneira geral.
Caminhar
e correr é mais fácil, pois pode ser
praticado em qualquer lugar, porém é preciso tomar cuidado, não dá prá começar a
correr de uma hora prá outra, é preciso
ir devagar, ter paciência. Isso é bom, pois as pessoas mais velhas geralmente
já aprenderam ser mais pacientes.
Quais os benefícios específicos da corrida?
Traz uma
sensação de bem estar, disposição, um cansaço bom, que faz a gente dormir muito
bem. Outra coisa muito legal é que a corrida em si é um momento muito bom para
refletir, estar com a gente mesmo, fazer planos. É gostoso também correr com os
amigos, mas na maioria das vezes corro sozinha.
A corrida rejuvesce?
É muito
comum ouvir que a corrida deixa as pessoas com aparência mais envelhecida, por
causa da exposição ao sol, perda de líquido, do imapcto, etc...De fato, a
corrida é bastante desgastante para o corpo, principalmente para nós que
vivemos num clima quente e numa cidade
tão poluída, como São Paulo. Ë preciso muita hidratação e protetor solar, além
dos outros cuidados com alimentação e treinos adequados.
Um
conselho interessante de uma dermatologista, além de todos os cuidados, é
prestar atenção nas caretas que gente faz enquanto corre.
Por
outro lado, o bem estar e a energia que sentimos com a corrida rejuvenescem e compensam
muito este desgaste físico, a gente fica mais feliz.
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