14.11.16

Chegando aos 60 anos, jornalista aposentado encara 60 maratonas

Desempregado, com dor de cabeça, nariz encatarrado, ouvidos entupidos, garganta irritada, tosse seca, lombar gritando e joelho com fratura por estresse, acordei hoje para o primeiro dia do resto de minha vida.
Daqui a exatos três meses completo 60 anos. Tenho medo do que vem depois e quero muito mais. Chegar até aqui foi uma vitória: quando nasci, a expectativa de vida dos homens brasileiros não chegava a 50 anos. Hoje, as estatísticas me dizem que posso viver talvez mais 20 anos, quem sabe 30, quiçá 40. Ou não.
Há que celebrar. Maratonista que sou por decisão, jornalista que sou por profissão, me jeito de festejar é correr. E contar histórias. Das corridas, dos corredores, da vida que é corrida.
Assim, inventei para meus 60 anos um projeto que tem tudo isso. E, se der sorte, ainda pode ser que traga uns trocos pro novo veinho. Chama-se “60 maratonas aos 60 anos”.
Fiz até apresentação de PowerPoint sobre a empreitada, para ver se conseguia adesão de alguma empresa disposta a bancar meus sonhos. O texto de apresentação começa assim:
 “60 maratonas aos 60 anos é um projeto cultural-esportivo-jornalístico realizado pelo jornalista, escritor e ultramaratonista Rodolfo Lucena, que chega aos 60 anos e tenta desafiar a idade e a distância ao mesmo tempo em que conta histórias do mundo da Terceira Idade, seus desafios e suas conquistas. Ao ingressar oficialmente na Velhice, o jornalista iniciará uma jornada que, ao longo do ano, vai cobrir distância equivalente à de 60 maratonas – 2.532 quilômetros.”
Lá vou eu!!!!  - Foto Ayrton Vignola

Não se trata de bater recorde. Para alguns, essa distância é café pequeno; para outros, é impossível. Para mim, é um desafio importante, mais do que fiz em qualquer um dos anos de minha vida corrida. Não é inédito, mas é uma forma de mostrar que pessoas comuns, mesmo velhas e com físico apenas regular, acima do peso, com mais gordura que o recomendado, mal e mal em forma, conseguem realizar –ou, pelo menos, podem tentar realizar—coisas surpreendentes.
Para acrescentar sal e pimenta ao meu projeto, já fiz logo um filhote para ele, subproduto, um sonho dentro do sonho: o 60 maratonas aos 60 anos é um projeto embarrigado.
Assim: sem desrespeitar o plano geral dos tais 2.532 quilômetros ao longo de 2017, queria dar uma arrancada geral para chegar ao dia do meu aniversário, 14 de fevereiro, com uma distância marcante, significativa, desafiadora.
Meti na cabeça que, a contar de primeiro de janeiro de 2017 e até o dia dos tais 60 anos completos, correria distâncias tais que me permitissem chegar, na hora de apagar as velinhas, aos 600 quilômetros acumulados.
Sonho de pobre, porém, está fadado ao fracasso. Quando a gente pensa que as coisas estão se ajeitando, vem lá a marvada sorte e entorta tudo.
Na manhã do dia sete de novembro, domingo da semana passada, saí para correr com uns amigos, gente do sensacional grupo Corredores Patriotas Contra o Golpe. Estamos organizando a segunda edição da Corrida e Caminhada Fora Temer!, que será no próximo dia 20 –COMPAREÇA!!! (saiba mais CLICANDO AQUI)--, e fazemos reuniões assim, correndo.
Pois estávamos na saída do Minhocão, hoje elevado Presidente João Goulart, quando uma dor aguda no joelho me fez parar, pedir aos companheiros para reduzir, caminhar um pouco. 
Percurso de minha última corrida deste ano; a dor no joelho anunciou: fratura por estresse vem aí!

Não tínhamos sequer completado dez quilômetros, e o sofrimento impediu que eu prosseguisse.
Esperei que, com aplicação de gelo no joelho, melhorasse.
Nada.
Fui ao pronto-socorro, raio-x saiu limpo, o médico deu um anti-inflamatório e falou para avaliar. Na dúvida, como a dor estava forte –eu não conseguia andar sem mancar--,pediu uma ressonância magnética e me orientou para buscar atendimento especializado.
Resultado: fratura por estresse no joelho esquerdo, a minha quarta nesses 18 anos de corrida. Mais precisamente:
“Aparecimento  de  traço  de  fratura  subcondral  com  microfratura  do  trabeculado  ósseo  na  periferia  posterossuperior  do  côndilo  femoral lateral,  com  edema  da medular óssea, sem desvios. Esta fratura não era observada no exame anterior.”
O exame anterior, outra RM, havia sido feito em junho por causa de uma dor aguda exatamente ou quase exatamente no mesmo ponto, do lado de fora do joelho esquerdo, um pouquinho abaixo da rótula, que hoje chamam de patela.
A fratura por estresse é o seguinte: o osso está lanhado, machucado, ferido, trincado, mas não está quebrado.
Pela minha experiência, a fratura por estresse é algo caótico. Acontece por acúmulo de esforço, somatório de pressões até que uma coisinha qualquer seja a gota d`água, o grão de areia que provoca a avalanche. Também surge a partir de um único evento, uma queda, uma torção, um esforço extra num ponto fraco sabe-se-lá-por-quê.
O tratamento básico é tirar o estresse, dar tempo ao tempo para que o corpo possa recuperar as estruturas defeituosas, fortalecer o que está fraco, colar o que está trincado. No caso de um corredor, suspender as corridas.
Um mês e meio de gancho, mais provavelmente dois meses, me disse o ortopedista que viu meu exame e deu as orientações para o tratamento. “Caminhar pode”, concedeu ele, que também é maratonista e conhece o grau de fissura que o corredor tem pelas corridas.
A frase acendeu uma luzinha na minha mente, que já estava perdida, enveredando pela depressão, calculando que o projeto dos 60 anos estava perdido, que nunca mais conseguiria correr daquele jeito, que quando voltasse aos treinos estaria tão gordo que era melhor já ir subindo num carrinho de lomba...
Caminhar pouco, disse o médico, e ir só até o limite da dor. Melhor: descobrir quando e por que começa a doer e parar antes disso.
Bom, melhor do que nada.
Nos meandros do turbilhão de  pensamentos negativos, positivos e muito pelo contrário que me dominavam, aos poucos vai surgindo a ideia: “Não vamo nos entregrar pros homi”, velha frase brizolista que pregava a resistência política e até militar mesmo nas condições mais adversas e que bem servi de resposta para a maldita fratura, a gordura, a dor nas costas, a cabeça inchada, os ombros doloridos, a garganta inflamada, os ouvidos entupidos.
Decidi tocar o projeto para a frente.
Ao longo do ano, dá para fazer os 2.532 quilômetros; afinal, sou brasileiro, e não desisto nunca, sou gremista e vou à luta para o que der e vier.
Talvez seja impossível completar os 600 quilômetros até o dia do meu aniversário, se eu começar a contar desde primeiro de janeiro de 2017. Então, por que não começar agora, já, neste momento?
Uma professora de canto e impostação de voz, muito querida, costuma dizer: “Primeiro, a gente vai lá e faz com o que tem; depois, melhora”.
O que temos é esse corpo alquebrado, mas decidido. Então, vamo que vamo. Se não dá para correr, vou caminhar. Se não dá para ser depois, há de ser agora.
Começo aqui minha jornada.
Hoje caminhei três quilômetros e quatrocentos e cincoenta metros em um terreno plano, nas calçadas da avenida Doutor Arnaldo, pedaço do espigão da Paulista, uma das regiões mais alta de São Paulo. Não tive dor na jornada, mas, depois, o joelho reclamou e lhe dei uma dose de gelo.
Volto amanhã e depois e depois e ainda no outro dia. Pelo menos, é meu plano. Enquanto der, como der.
Primeiro vou completar 600 quilômetros até meu aniversário; depois sigo para os outros 1.932 quilômetros. Se não der, não deu, mas não vou desistir antes de começar.
Minha histórias não serão só das corridas ou caminhadas. Vou falar da velhice, de amor, de esperança, de dinheiro e falta de grana, da aposentadoria e da desaposentadoria, de comilanças e dietas, de exercícios e de política, do que vier na cabeça ao longo do caminho –não são apenas as melancias que se ajeitam no andar da carroça, os pensamentos tomam tento na vereda do percurso.

Tenho o apoio da Eleonora, minha companheira de vida, paixão, trabalho e luta, e das minhas filhas. E com elas e por elas que ando e saio todo dia a dar mais um passo, sempre mais um passo.
Não conto com patrocinadores (por enquanto, espero), mas tenho a parceria amiga e incentivadora do pessoal da Força Dinâmica. Alexandre Blass é meu treinador, Marcelo Semiatzh o guru do movimento –os dois me ajudaram a combater minhas dores e a voltar a correr e a enfrentar maratonas.
Não tenho agora (ainda?), como em outras empreitadas, suporte institucional de centros médicos, de fisioterapia e nutrição. Mas ouço a  orientação abalizada do ortopedista Henrique Cabrita, médico maratonista que também virou amigo ao longo dos anos.
Seria sensacional ter mecenas –empresas, associações, instituições—a bancarem viagens maravilhosas em que eu possa contar para você aventuras incríveis de um velhinho no mundo das maratonas.
Espero que isso venha a acontecer. Mas, se não vier, não há problema, combateremos à sombra.
O mais importante é seguir sempre com a sua companhia amiga, sua leitura simpática, seus comentários de crítica e incentivo. Diariamente, temos aqui um encontro marcado para jogar conversa fora e aprender mais um pouquinho sobre cada um, desafinar o coro dos contentes e desfrutar a vida como ela vem, tentando sempre que ela fique do jeitinho que a gente gosta.

Vamo que vamo!

600 aos 60 – etapa 1 – 2016 nov 14

3,45 km caminhados em 36min28
Quilometragem acumulada: 3,45 km

Tempo acumulado: 36min38

1 comment:

  1. Boa sorte amigo. Precisando de companhia é só avisar.
    Um abraço
    Luís Augusto

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