10.1.17

Treinador Flavio Freire corre e festeja a passagem do tempo

Hoje exagerei de novo. A planilha pedia doze quilômetros, mandei quase um quilômetro e meio a mais. Isso não é coisa que se faça quando se está em processo de recuperação, quando se está tentando deixar ossos e músculos em boas condições de retomar as corridas da vida.
O fato é que me perdi na conversa. Convidei o treinador Flávio Freire, um dos mais experientes da cidade, para me acompanhar no treino de hoje. Eu sabia que o cara era bom de corrida, mas não imaginava que conversasse tanto –é que ele tem a maior cara de bravo, está sempre sério, concentrado.
Que nada, o sujeito fala pelos cotovelos, contando ótimas histórias. E ele tem muita história para contar, basta dizer que contabiliza mais anos de corrida do que a maioria da população brasileira tem de vida: começou a correr por volta dos 15 anos, neste ano completa 52 anos, faça as contas.
Mas não foi só por isso que convidei o Flávio para a etapa de hoje do projeto 60 Maratonas aos 60 Anos. O convite foi porque ele é um sujeito que respeita e festeja a passagem do tempo. Há dois anos, quando chegou aos 50 anos, tratou de comemorar como é do feitio dos corredores: correndo.
Juro que a gente não combinou a roupa de corrida
Inventou um desafio: participar de 50 provas ao longo do ano. “Isso á fácil”, você pode dizer. De fato, pode ter alguns complicômetros logísticos e financeiros, mas, para corredores experientes, enfrentar esse volume de corridas em distâncias médias, de 5 km a meia maratona, não é exatamente a coisa mais difícil do mundo.
Bueno, Flávio também sabia disso e inventou um desafio dentro do desafio. Competitivo que é, se propôs a ficar entre os cinco primeiros de sua faixa etária no maior número de provas. Tem de ser veloz e resistente: em média, para pegar pódio na categoria 50-54, é preciso correr os cinco quilômetros em 19 minutos e fazer os 10 km em no máximo 40 minutos.
Para ele, conforme me contou hoje enquanto corríamos pelas alamedas do parque Ibirapuera, não se tratava apenas de cumprir um desafio, mas sim de fazer uma espécie de manifesto de vida, de dizer a si mesmo que estava se preparando bem para a sua segunda metade de vida, que poderia fazer a nova etapa ainda melhor do que a primeira.
Os resultados comprovaram a excelente forma do treinador: em 88% das provas, chegou entre os cinco primeiros da sua faixa etária, sendo campeão da categoria em 27 corridas.
Que beleza, hein!
É bom saber, ainda, que Flávio não está sempre e apenas focado na obtenção de resultados na corrida. Busca orientar seus alunos para a conquista de melhor qualidade de vida e faz trabalho voluntário em um asilo de idosos.
Esses foram alguns dos temas da entrevista que, na manhã de hoje, transmiti ao vivo pela internet. Agora, especial para você, reproduzo o vídeo. 


Clique nele para acompanhar a conversa sobre esporte e saúde para os mais velhos e sobre um pouco da história das corridas de rua no Brasil.
Sobre isso, por sinal, Flávio tem muito a contar. Ainda vamos voltar a conversar bastante sobre os primórdios da corrida no Brasil. Enquanto isso, aproveite para conhecer a história dos primeiros passos desse importante treinador e atleta dedicado, que um dia conseguiu dar um “perdido” nas suas missões como Office-boy em um escritório na avenida Faria Lima para correr até o clube Pinheiros e se apresentar para um teste.
Os detalhes desse início Flávio me contou em um texto que mandou dias antes de nossa corrida de hoje –toda ela com intervalos, 300 metros correndo, 700 metros caminha.  É o que reproduzo a seguir (a foto é do arquivo pessoal de Flávio Freire).

A DESCOBERTA DA CORRIDA
“Quando eu era pequeno, tinha receio de participar de qualquer coisa que dependesse da velocidade da corrida: "pega-pega" e "esconde-esconde" eram algumas brincadeiras em que normalmente eu não era bem sucedido.
Na minha adolescência, meu pai aos finais de semana sempre gostava  ir correndo de uma casa para outra, comigo e o meu irmão mais velho. Percorríamos de três a cinco quilômetros, imagino, pelo menos era a sensação que eu tinha, pois quando somos pequenos tudo parece muito grande e muito distante. Também nessas "corridinhas" eu era sempre o último a chegar.
Quando eu tinha onze anos e estava na quinta série do ginásio, houve uma prova seletiva para definir quem ia representar a escola no evento de atletismo entre as escolas regionais. Fui o segundo colocado e fui um dos selecionados.
Estudava em uma escola que fica ao lado da USP, e esse teste foi realizado no quarteirão da antiga garagem de ônibus da Veterinária. Portanto desde pequeno  frequentei a Cidade Universitária, ora para fazer atletismo ou jogando futebol nas aulas de educação física da  escola, ora jogando futebol com os amigos da rua e do bairro.
Quando íamos com um grupo de amigos jogar futebol na USP, passávamos nas casas dos amigos para acordá-los e assim íamos fazendo até completar o grupo que ia a pé em um trajeto de dois quilômetros, mais ou menos. No caminho, sempre passávamos em frente do bosque da USP, víamos as pessoas dando voltas num lugar cercado, ficávamos curiosos sobre as razões delas e qual seria a distância da volta.
Na hora de escolher o time, não precisa dizer que eu sempre era um dos últimos, pois eu corria bastante durante o jogo inteiro, mas não tinha habilidade para ajudar o time.
Um belo dia, após o futebol, eu resolvi entrar naquele bosque que tanto me deixava curioso. Entrei e perguntei para uma das poucas pessoas que lá estavam, qual era a distância de cada volta e a resposta foi que tinha um quilômetro. Então eu pensei, vou tentar fazer uma volta, ou seja, mil metros, pois falando assim fica a impressão de muita coisa, "mil metros". Fiquei até com receio de me perder, mas estava mais preocupado em conseguir completar uma volta.
Consegui! Cheguei em casa eufórico, orgulhoso de mim mesmo, pois achava que toda aquela sensação de impotência quando dependia da corrida tinha acabado. Agora eu era um corredor de " mil metros". A partir de então, sempre após o futebol de final de semana eu passava no bosque para correr os meus infinitos "mil metros".
 Vale a pena lembrar que eu sempre fui motivado a praticar esporte, pelo exemplo do meu pai, que fazia musculação, boxe e judô, e pelo belo exemplo do meu avô paterno, que costumava acordar por volta das cinco horas da manhã e fazia uma serie de exercícios de calistenia na área  da minha avô, ele não falhava um dia. Ele também caminhava muito rápido para fazer a suas coisas e eu sempre tinha muita dificuldade para acompanhá-lo.
 Todos os dias eu fazia barras e alguns exercícios; quando completei 13 anos fiquei sócio da Associação Cristã de Moços (ACM) do centro da cidade. Lá eu fazia uma rotina de exercícios denominada “ condicionamento físico”. Tive vários professores, que sempre foram muito atenciosos comigo, mas vale a pena ressaltar um deles, ainda o vejo correndo pelas ruas da USP e em competições.
É o senhor  Araya, que adorava corrida e jogava xadrez na ACM. Jogávamos algumas partidas, mas eu ainda não gostava da corrida como ele. Ele era responsável por um departamento que levava os sócios para as competições e um dia me convidou para representar a ACM-Centro em um evento em Sorocaba. No dia da prova, como não tinha nenhuma experiência e nem orientação, comecei errado na minha rotina alimentar pré-prova, que era às 17h. Foi horrível,  mas ainda consegui ficar bem colocado na geral e fazer bons pontos para a minha unidade em SP.  
No começo de 1980, ano em que eu iria completar quinze anos de idade, resolvi fazer o famoso teste para tentar ser atleta do Clube Pinheiros. Foi um dia muito marcante na minha vida!
Conversei com o professor Valdir Barbanti, que era o técnico do clube, e ele me disse para falar com a Miriam Inês Braga Castelo Branco, professora de iniciação. Ela fez algumas perguntas e logo me orientou para fazer o aquecimento e pediu para chama-lá quando estivesse pronto. 
 O teste consistia em fazer em doze minutos a maior distância possível. No soar do apito dela terminava assim o teste, e  eu tinha que permanecer no local para ela aferir a distância total percorrida. Foi muito emocionante e até hoje fico arrepiado quando conto essa historia.
Na pista tinha muita gente treinando, atletas de várias modalidades, e eu um moleque franzino, fazendo um teste que poderia ser o início da minha carreira como atleta do maior clube do Brasil --um sonho de qualquer pessoa da minha idade na época.
Na medida em que fui dando as voltas, percebia e ouvia vozes de pessoas que estavam treinando e que pararam de treinar só para gritar, torcendo por mim, mesmo não me conhecendo. Não entendi nada, só pensava que tinha que continuar correndo e cada vez mais rápido.
Só hoje sou capaz de entender o motivo, pois eles talvez estivessem impressionados, como aquele menino tão magrinho estava tão compenetrado e correndo em um ritmo próximo de três minutos e três segundos por quilometro. Para um menino de quinze anos eu acho que justificava a torcida.
Quando terminou o teste, a professora Miriam logo me disse que eu tinha sido aprovado. Imagine a minha felicidade que pode compartilhar  com várias pessoas que vieram falar comigo. Foi fantástico!!! Foi um momento muito especial na minha vida.” 

VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de 10 de janeiro de 2017
13,46 km realizados em 2h27min18

Acumulado no projeto 600 aos 60
299,38 km realizados em 61h41min41

Acumulado no projeto 60 M 60 A
76,17 km realizados em 14h42min48



1 comment:

  1. Olá Rodolfo, tudo bem!?
    Não sei se vai lembrar de mim da época de Saúde e Performance, qdo o Cláudio estava começando a assessoria dele, vc treinava para alguma de suas maratonas e eu iniciava no mundo da corrida. Acho que isso tem mais de 10 anos...rsrs
    Mto legal seu paipo com o Flávio Freire! Resolvi escrever pq ano passado iniciei o meu desafio de 40 aos 40, motivado pelo Flávio (que não me conhece mas eu vi a entrevista dele para a revista do clube Pinheiros) e de um outro gringo maluco.
    Eu estou na 32a. A última foi a São Silvestre e pretendia terminar na maratona de São Paulo mas, como vc bem disse, o técnico nos ajuda e devemos respeitar os limites do corpo.
    Eu criei duas "#" para registrar nas redes mas com a finalização de minha tese de doutorado tô atrasado em atualizar as últimas 12 provas. De qqr forma, se quiser dar uma olhada, é só digitar #proj4enta ou #aqc40 .
    Parabéns e quem sabe nos trombamos nos parques ou nas ruas!
    Sigo acompanhando!
    Abs
    Alan

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