17.9.18

Homenagem a Tiradentes encerra Corrida dos Joaquins


Num dia histórico para o atletismo mundial, uma jornada de nove quilômetros até as ruínas do Presídio Tiradentes marcou o final do projeto Rumo aos 100, série de corridas em homenagem a meu pai, Joaquim de Lucena, e aos joaquins de luta de nossa história.
Neste domingo, 16 de setembro de 2018, meu pai faria 89 anos. Complicações resultantes de um câncer no estômago o levaram antes: morreu no último dia 10 de julho. Em 2017, passou no hospital seu derradeiro aniversário, ainda falante e forte, consideradas as contingências. Depois do bolo, do apagar das velinhas, da cantoria de praxe e dos presentes, fui me despedir dele e, com um abraço, lhe disse: “Oitenta e oito anos, hein! Que beleza!”
Ao que ele respondeu, na lata: “Rumo aos 100!”, enchendo de risadas o quarto do hospital e de lágrimas escondidas todos nós que o acompanhávamos.
Foi esse espírito, de luta e galhardia sem perder algum humor, que tentei preservar e celebrar nesta série de corridas, iniciada no dia primeiro de setembro. O objetivo era completar, até o dia do aniversário de meu pai, um total de cem quilômetros percorridos em corridas com “destinos joaquins”.
Para mim, neste momento, não era tarefa simples. Em recuperação de lesões e complicações de lesões, vinha correndo e caminhando um total de menos de trinta quilômetros por semana; no projeto, quase dobraria isso.
O que acabou provocando dores inesperadas, mas que não impossibilitaram a conquista. Na manhã de domingo, já contabilizava mais de 95 quilômetros percorridos, bastava mesmo fazer a volta final.
Na Corrida dos Joaquins, a maioria de minhas jornadas foi solitária. Desta vez, não: saí com meu irmão, Rafael, mais os amigos Gregório, Elisa e Luiz. Eleonora nos acompanhou na largada e nos encontrou na chegada.
Rodolfo, Eleonora, Luiz, Elisa, Rafel (de boné) e Gregório em frente ao Presídio Tiradentes
Fizemos um percurso superhipermegapaulistano. Descemos a Sumaré, circulamos pelo parque da Água Branca, percorremos o Minhocão, que tem por nome oficial elevado Presidente João Goulart, seguimos pela Duque de Caxias para passar pela Sala São Paulo e pelo Memorial da Resistência. Dali continuamos entre o parque da Luz e o belíssimo, histórico prédio da estação da Luz. Lamentamos as ruínas do Museu da Língua Portuguesa –visita que, anos atrás, meu pai adorou milhões--, ladeamos a maravilhosa Pinacoteca, que ostenta a excepcional exposição “Mulheres Radicais”, e enfim chegamos às ruínas do antigo Presídio Tiradentes, do qual só resta um pórtico centenário.
O destino escolhido para a etapa final da Corrida dos Joaquins fazia, assim, dupla homenagem, celebrando a memória de Joaquim José da Silva Xavier, que na escola primária chamávamos de protomártir da Independência, e lembramos as vítimas da repressão, heróis da resistência contra a ditadura que ficaram detidos naquelas masmorras.
Para falar sobre o herói enforcado e esquartejado, peço emprestado um trecho da entrevista feita no TUTAMÉIA com o jornalista Lucas Figueiredo, autor de “O Tiradentes”. Eleonora e eu conversamos com ele via internet, e ele nos contou o que você pode acompanhar no vídeo abaixo.


Dar o nome de Tiradentes a um presídio é uma contradição em termos (ou nos termos, como querem os mais castiços): o herói da Inconfidência é o próprio símbolo da ânsia por liberdade. Tanto que dele se canta, no espetáculo “Arena Conta Tiradentes: “Dez dias eu tivesse, dez dias eu daria, pelo bem da liberdade, nem que fosse por um dia”.
O fato é que todos os que estiveram detidos no Tiradentes, por qualquer motivo de fosse, sempre sonharam e lutaram pela liberdade –a própria ou a da Nação, como nos contou o ex-preso político Ivan Seixas. Ele, no ano passado, participou de um outro evento organizado por nós, a Caminhada da Resistência, e seu depoimento está no vídeo a seguir.


Entre nós mesmos, corredores, o presídio inspira lembranças doloridas: “Minha mãe, por muito tempo, era para nós aquele jornal abanando de uma janela do presídio Tiradentes”, conta Gregório, filho de Ilda Gomes Martinsda Silva e Virgílio Gomes da Silva (veja o depoimento dele no vídeo ao final deste texto).
Eu comecei dizendo que este domingo em que encerramos a Corrida dos Joaquins foi um dia histórico para o atletismo. De fato, algumas horas antes de iniciarmos nossa jornada em São Paulo, em Berlim o queniano Eliud Kipchoge (eu falo mais dele no vídeo) simplesmente esmigalhou, triturou, reduziu a pó o recorde mundial da maratona, superando a marca anterior em mais de um minuto e se tornando o primeiro ser humano a correr os 42.195 metros em menos de duas horas e dois minutos. Aponta o caminho da possibilidade da quebra das duas horas quem sabe ainda nesta década.
Kipchoge, campeão olímpico, completou em 2h01min39 (no vídeo, eu falo em 40 segundos, que era o número então disponível) e terminou inteiro, festejando, abraçando seu treinador. Sem desmaio, sem vômito, sem se atirar no chão, apenas radiantes.
Para quem gosta de números –tenho a impressão de que todos os corredores adoram números, estamos sempre calculando tempos, distância, tempo sobre distância, distância sobre tempo--, montei uma tabela da evolução das “quebras de minuto” nos últimos trinta anos.

Sub 2h07 – 1988, abril, 17 – Roterdã – Belayneh Dinsamo, Etiopia – 2h06min50
Sub 2h06 – 1999, out., 24 – Chicago – Kalid Khannouchi, Marrocos – 2h05min42
Sub 2h05 – 2003, set., 28 – Berlim – Paul Tergat, Quênia – 2h04min55 (1º recorde IAAF)
Sub 2h04 – 2008, set., 28 –  Berlim – Haile Gebrselassie, Etópia – 2h03min59
Sub 2h03 – 2014, set., 28 – Berlim – Dennis Kimetto, Quênia – 2h02min57
Sub 2h02 – 2018, set.,16 – Berlim – Eliud Kipchoge, Quênia – 2h01min39

Há que se registrar ainda que, na maratona de Berlim, depois da celebração ao novo recordista mundial, foi feita uma bela homenagem ao brasileiro Ronaldo da Costa. Afinal, sua quebra de recorde em 1998 marcou o início de uma nova era para maratona alemã.
Com o que volto à nossa Corrida dos Joaquins, que atingiu um total de 104,55 quilômetros, percorridos em 17h53min40. Foram dez etapas, começando com uma visita à estação São Joaquim do Metrô. Foram homenageados joaquins diversos, todos de luta, como o Câmara Ferreira, o Seixas, o Nabuco, o Távora, o Machado de Assis e até uma revista de cultura, a “Joaquim”. Também celebrei minha mãe, Cecília, no aniversário de sua morte, correndo até a sala de leitura Cecília Meireles. E saudamos a luta contra desigualdade correndo até a largada da caminhada do Grito dos Excluídos –nesse dia, fui com meu irmão Rafael; percorremos os últimos metros daquela etapa com minha mulher e minha filha mais velha.
A irmã caçula de meu pai, minha Tia Ana, deu belo depoimento que incluí no primeiro texto do projeto Rumo aos Cem. Grandes amigos dele, dos tempos de faculdade às lutas pela democracia, também mandaram vídeos que ajudam a contar a história de Joaquim. Meu irmão João fez a arte que identifica o projeto. 
Obrigado a todos que contribuíram para a construção da Corrida dos Joaquins, parentes, amigos, colegas corredores, camaradas de luta. Especialmente, agradeço às minhas filhas, Laura e Claudia, e à minha companheira de vida, Eleonora.

JOAQUIM DE LUCENA, presente, agora e sempre!
VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de dia: 9,08 km (assista ao vídeo abaixo para saber mais sobre a última jornada do projeto Rumo aos 100)
Quilometragem total: 104,55 km




  

14.9.18

Corrida vai da pata de vaca à revolução esquecida


Totalmente encharcado, completei quase nove quilômetros na nona jornada de meu projeto RUMO AOS 100, série de corridas em homenagem a meu pai, Joaquim de Lucena, e aos joaquins de luta de nossa história.
Folha de pata de vaca
A chuva acordou o dia com raios e trovões, mas amansou depois de uma hora e qualquer coisa de lambança. Foi quando decidi sair seguir para o asfalto, torcendo para que o intervalo seco fosse suficiente para completar meu trajeto, que hoje celebra a vida e a luta de Joaquim Távora.
Daria, se eu tivesse ido correndo. Lesões e trabalho preventivo para que as coisas não fiquem piores, porém, me obrigaram a sair na caminhada. Demorei mais, portanto. Quando embiquei no final da rua Joaquim Távora, o céu de chumbo desabou.

Sob chuva, percorri pouco mais de um quilômetro pela rua que celebra um dos heróis vencidos na Revolução Esquecida.
O Joaquim militar participou com galhardia do início da revolta, em 5 de julho de 1924. Com o general Isidoro Lopes, articulou o assalto aos quartéis do Exército, e foi o responsável pela prisão do comandante geral das forças legalistas, o general Abílio de Noronha.
Como outros jovens oficiais, Távora lutava por ensino público, justiça gratuita e pelo voto secreto. Queriam, todos, o fim do governo de Artur Bernardes. Fracassaram. Alguns seguiram na luta, como o grande comandante Miguel Costa, que se somou aos rebeldes revolucionários da Coluna Prestes. Outros caíram no campo de batalha, como Joaquim Távora (foto), que não resistiu aos ferimentos sofridos durante uma das escaramuças em terras paulistanas.
O Joaquim meu pai também esteve no Exército, mas nunca se envolveu em nenhum entrevero. Longe disso. Ao longo da vida, buscou mais aprender e, quando possível, ensinar, como lembra uma das participantes em cursos de dinâmica de grupo que Joaquim de Lucena realizava no início dos anos 1970 no Rio Grande do Sul –confira o vídeo a seguir.


Chamado por muitos de “professor Lucena”, ele foi mais um eterno aprendiz, estudioso especialmente dedicado a tentar entender os mistérios do corpo e da mente. Fez-se terapeuta corporal no último terço de sua vida, buscando sempre encontrar técnicas e saberes –da eutonia ao rolfing, por exemplo—que lhe permitissem ampliar as capacidades curativas.
Desenvolvia os cremes que usava para massagens e acreditava com firmeza e fidelidade em medicamentos naturais. Vai daí que sempre me lembro dele quando corro, caminho ou passo ao largo da avenida Sumaré, por onde começou minha jornada de hoje.
É que ela é coalhada de árvores chamadas de pata de vaca, que também povoaram um pedaço da trajetória de meu pai. Durante vários anos, ele usou um unguento feito à base de extrato das folhas dessa árvore. Era quase uma ideia fixa, nem sempre bem aceita pelos filhos: recomendava o curativo para tudo, de unha encravada a arranhão, machucados quaisquer...
Conseguia a benzedura nas farmácias do Frei Hugolino, um religioso de Santa Catarina que supostamente tinha poderes curativos. Mas, depois de um período de aprendizado, começou também a fazer seus próprios unguentos.
Ninguém se machucou com o uso da pata de vaca. E hoje, pesquisando sobre o assunto, descubro que, na medicina natural, o chá dessas folhas é apontado com tendo efeito medicamentoso contra o diabetes, podendo também ajudar a diminuir os níveis de triglicérides e colesterol. Sem falar dos seus poderes analgésicos e de ajuda na coagulação –talvez fosse por isso que meu pai usava o extrato em arranhões e machucados.
VAMO QUE VAMO, RUMO AOS 100!


Percurso de hoje: 8,91 km (confira no 
vídeo  abaixo como foi a jornada do dia)
Quilometragem acumulada: 95,47 km




POR QUE RUMO AOS 100

Meu pai morreu no dia 10 de julho. Seu último aniversário, em 16 de setembro de 2017, foi passado no hospital.
Dias antes, a família havia recebido o resultado de uma série de exames que se desenrolavam a passos de tartaruga desde o final de agosto: câncer no estômago.
Por causa dos exames e das dores, meu pai recebia medicamentos que, às vezes, o deixavam meio grogue. Mesmo assim, estava lúcido, conversava e gostava de lembrar momentos do passado.
No dia do aniversário, a ordem do hospital foi subvertida com a chegada das gentes mais próximas, que trazia bolo, docinhos, refrigerante.
Como a presença das visitas era restrita, os festejos acabaram sendo em várias levas. Eu apareci para a segunda rodada de bolo, apagar as velinhas, cantar o “Parabéns”, repetindo também a versão gauchesca da canção, que termina assim: “Que tu tenhas, sempre e todo o dia, paz e alegria na lavoura da amizade”.
Apesar de parecer meio de saco cheio, meu pai enfrentou com galhardia as brincadeiras. Cantou junto, meio arrevesado, fez esforço para soprar as velinhas, posou para fotos e mais fotos, deu beijinhos, ofereceu a careca para outros beijinhos.
De vez em quando, dava uma risada meio tossida, falava qualquer coisa, enquanto eu chorava por dentro, tentando represar a emoção e me preguntando, em silencia, por que eu achava que tinha de segurar o choro.
Era melhor.
Chegou a hora das despedidas, os presentes já abertos, abraços apertados, copos largados pelos lados, docinhos devorados.
Fui ainda mais uma vez abraçar e cumprimentar meu pai. E falei: “Oitenta e oito anos, hein, que beleza!”
Ao que ele respondeu na lata, sem perder o embalo da conversa: “Rumo aos cem!”
É esse o espírito que quero guardar comigo, que quero aprender e tentar ensinar. É esse espírito que quero homenagear nesta série de corridas, que devem somar, até o dia 16 próximo, 89 anos do nascimento de Joaquim de Lucena, um percurso total de cem quilômetros.





12.9.18

Nabuco é celebrado na corrida dos joaquins


Um intelectual de estirpe, campeão da liberdade, pioneiro da construção de uma pátria livre, soberana e igualitária foi o homenageado de hoje no projeto Rumo aos 100, série de corridas em que celebro a vida, a luta, a memória e os ensinamentos de meu pai, Joaquim de Lucena.
A cada jornada, desde primeiro de setembro e até o próximo domingo, quando seria o aniversário de meu pai, saio rumo a um destino Joaquim. Por isso mesmo, o projeto Rumo aos 100, que eu explico com mais detalhes ao final deste texto, já virou para mim a Corrida dos Joaquins.


O Joaquim de hoje é o Nabuco, que tem por nome completo Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, pernambucano nascido em Recife em 1849 que se consagrou como uma das lideranças do movimento abolicionista. Advogado, historiador, jornalista, dedicou-se também às lides da literatura, tendo sido um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ao lado de outro Quincas, o Joaquim Maria Machado de Assis, já lembrado cá no projeto (abaixo, os dois).
Para celebrá-lo, parti da zona oeste de São Paulo em direção à zona sul, a um dos pedaços ricos da zona sul, o Brooklyn, onde fica a rua que homenageia a nossa figura do dia.
Ainda que quase todo plano, não foi um percurso fácil. Foi muito difícil, na verdade, por causa das péssimas condições em que me encontro. Na corrida de domingo passado, senti um repuxão do lado de fora da coxa esquerda, mas decidi completar a jornada nas condições que fossem. Descansei segunda e terça, tomando também medidas reduzir a dor. Não foram suficientes.
Mesmo fazendo um aquecimento caminhado de mais de vinte minutos, mal comecei o trote já senti a fisgada do lado esquerdo. Melhor não forçar, mas também melhor não parar: segui caminhando, o que não provoca sofrimento, mas torna mais demorado o percurso.
Reclamações à parte, segui num bom ritmo, completando dez quilômetros em pouco menos de duas horas, sem cansar, em boas condições para a reta final, de quase dois quilômetros subindo e descendo a Joaquim Nabuco, que é a continuação, na direção do centro, da avenida Morumbi, bem mais conhecida.
No percurso, das anotações mentais que fiz da vida urbana, talvez a mais significativa seja a do alto uso, pelo menos na região da avenida Faria Lima, das bicicletas de aluguel por meio de aplicativos. A ciclovia era dominada por gente nessas magrelas, indicando sabe-se lá o quê: uma opção mais saudável para o transporte para o trabalho? Mais econômica? Mais confortável? Mais suarenta?
Não sei a resposta, mas posso garantir que o perfil de uso da ciclovia na Faria Lima, pelo menos entre as avenidas Rebouças e Hélio Pelegrino, com certeza é muito diferente do que era há um ano –talvez mesmo seis meses.
Voltemos ao Nabuco que, além de político, era um romântico apaixonado, dedicando-se com afinco a casos de amor profundos e prolongados: durou 14 anos seu primeiro romance, como jovem adulto. Depois, quase quarentão, casou-se com Evelina, com quem teve cinco filhos.
Com o quê, dou entrada aqui a um depoimento sobre o romance de outro Joaquim, o Lucena, com minha mãe. A história é contada por Maria Teresa Sanseverino, que foi colega de faculdade dos dois na década de 1950 –clique no vídeo abaixo para saber como eram os namoros há setenta anos.


Paixão, romance, família, filhos, trabalho, tudo isso e ainda a política, a disposição por construir um país melhor, mais justo e igualitário –há mesmo uma relação direta dos dois joaquins aqui lembrados.
Volto ao Nabuco, que não era apenas de palavrório. Dedicou seu trabalho a construir a luta que defendia em livros e palanques: seu primeiro trabalho como advogado, por exemplo, foi defender um escravo que havia sido condenado à morte sob a acusação de ter matado seu proprietário –entre outras. Conseguiu a comutação da pena.
No terreno literário, a principal obra de Nabuco foi “O Abolicionismo”, uma leitura ainda terrivelmente atual nestes tempos em que a violência, o fascismo e a discriminação voltam a aparecer com força na sociedade.
Qualquer pesquisa simples na internet dá acesso ao texto integral, gratuito. Cito aqui um trechinho, parte das definições que ele estabelece no livro: “No Brasil, o abolicionismo é antes de tudo um movimento político, para o qual, sem dúvida, poderosamente concorre o interesse pelos escravos e a compaixão pela sua sorte, mas que nasce de um pensamento diverso: o de reconstruir o Brasil sobre o trabalho livre e a união das raças na liberdade”.
Nas minhas pesquisas sobre o Nabuco, encontrei ainda outro elo de ligação entre ele e o meu Joaquim, o Lucena: adorava Camões e, especialmente, “Os Lusíadas”, tal e qual meu pai, que vivia a ler e reler e treler a epopeia lusitana, deitando de quando em vez a declamar alguns dos versos mais dramáticos da monumental obra.
Nabuco foi um estudioso do poeta. Tanto que foi chamado a ser o orador em cerimônia que celebrava os 300 anos do nascimento de Camões.
O discurso é uma peça rara, em que combina biografia em rápidas pinceladas com análise da obra, concluindo com a defesa de sua importância para a construção de um caráter nacional –não só português, mas de sentimento de nação, de povo, de pátria.
Por isso, defende no discurso que “Os Lusíadas” sejam distribuídos nas escolas “para serem lidos, decorados e comentados pela mocidade”. Elenca razões sem fim, das quais destaco:
“Não é um livro que torne ninguém Português, é um livro que torna todos patriotas; que ensina muita coisa numa idade em que estão sendo lançados no menino os alicerces do homem; que faz cada um amar a pátria, não para ser nela o escravo, mas o cidadão; não para adular-lhe os defeitos, mas para dizer-lhe com doçura a verdade.”
VAMO QUE VAMO, RUMO AOS 100!


Percurso de hoje: 12,26  km (confira o vídeo abaixo para saber mais sobre a jornada deste dia)
Quilometragem acumulada: 86,55 km




POR QUE RUMO AOS 100

Meu pai morreu no dia 10 de julho. Seu último aniversário, em 16 de setembro de 2017, foi passado no hospital.
Dias antes, a família havia recebido o resultado de uma série de exames que se desenrolavam a passos de tartaruga desde o final de agosto: câncer no estômago.
Por causa dos exames e das dores, meu pai recebia medicamentos que, às vezes, o deixavam meio grogue. Mesmo assim, estava lúcido, conversava e gostava de lembrar momentos do passado.
No dia do aniversário, a ordem do hospital foi subvertida com a chegada das gentes mais próximas, que trazia bolo, docinhos, refrigerante.
Como a presença das visitas era restrita, os festejos acabaram sendo em várias levas. Eu apareci para a segunda rodada de bolo, apagar as velinhas, cantar o “Parabéns”, repetindo também a versão gauchesca da canção, que termina assim: “Que tu tenhas, sempre e todo o dia, paz e alegria na lavoura da amizade”.
Apesar de parecer meio de saco cheio, meu pai enfrentou com galhardia as brincadeiras. Cantou junto, meio arrevesado, fez esforço para soprar as velinhas, posou para fotos e mais fotos, deu beijinhos, ofereceu a careca para outros beijinhos.
De vez em quando, dava uma risada meio tossida, falava qualquer coisa, enquanto eu chorava por dentro, tentando represar a emoção e me preguntando, em silencia, por que eu achava que tinha de segurar o choro.
Era melhor.
Chegou a hora das despedidas, os presentes já abertos, abraços apertados, copos largados pelos lados, docinhos devorados.
Fui ainda mais uma vez abraçar e cumprimentar meu pai. E falei: “Oitenta e oito anos, hein, que beleza!”
Ao que ele respondeu na lata, sem perder o embalo da conversa: “Rumo aos cem!”
É esse o espírito que quero guardar comigo, que quero aprender e tentar ensinar. É esse espírito que quero homenagear nesta série de corridas, que devem somar, até o dia 16 próximo, 89 anos do nascimento de Joaquim de Lucena, um percurso total de cem quilômetros.


9.9.18

Homenagem a Joaquim Seixas no projeto Rumo aos 100



A polícia já chegou dando porrada. Aos gritos, de armas em punho, agarram o homem de rosto de lua e bigode fino, batem nele, o arrastam até o carro. Com o menino, ao lado, a brutalidade se repete: aos trancos, abaixo de cassetada, o adolescente é atirado na viatura.
O garoto é Ivan Seixas. O homem é seu pai, Joaquim Seixas, o homenageado de hoje no projeto Rumo aos 100, que celebra a memória de meu pai, Joaquim de Lucena, e de todos os joaquins de luta de nossa história.
Saio correndo pela cidade rumo aos destinos joaquins, percorrendo trajetos que mergulham na memória da resistência democrática, das campanhas por um Brasil melhor.
Hoje foram quase treze quilômetros até chegar ao ponto onde, há 47 anos, pai e filho foram presos pelos esbirros da ditadura militar. Era em frente a uma padaria, que hoje não existe mais, na altura do número 9.000 da rua Vergueiro, na zona sul de São Paulo.
Chegar até lá foi quase fácil, na corrida, não fosse a própria rua Vergueiro. Ela desce de uma das regiões mais altas da área urbana paulistana, a continuação do chamado espigão da Paulistas, até cruzar rios, riachos e arroios nos baixios da cidade. De fato, se encabrita em colinas, com descidas íngremes e subidas desafiadoras.
Isso até parece bom para corredores que gostam de testar suas habilidades, mas é desagradável por causa das calçadas irregulares, estreitas, cheias de obstáculos.
Não faz mal. Para mim e meu colega de jornada, Gregório, ele também filho de um militante assassinado pela ditadura militar –Virgílio Gomes da Silva, o “Comandante Jonas”--, fazer a homenagem, chegar ao destino em que não há marco nenhum nem referência ao herói que ali caiu eraq incentivo suficiente para seguirmos na jornada.
Mais ainda: eu corria com a lembrança das palavras de Ivan Seixas, que mandou para o projeto Rumo aos 100 um emocionado depoimento, que você acompanha no vídeo a seguir.



Seixas também mandou um texto em que conta a trajetória do pai e relata, com mais detalhes, o calvário que a família toda enfrentou naqueles dias de abril de 1971. Dando a dimensão da brutalidade e da desumanidade vigentes na ditadura militar, é um documento contra a violência e ódio, publicado abaixo na íntegra.

JOAQUIM ALENCAR DE SEIXAS, MEU PAI

por Ivan Seixas
Nascido em 02 de janeiro de 1922, em Bragança-PA, Joaquim Alencar de Seixas começou a militar aos 19 anos. Operário mecânico, era filho de Estolano Pimentel Seixas e Maria Pordeus Alencar Seixas.
Foi mecânico de aviões em grandes empresas como Varig, Aerovias e Panair. Sua militância política acabou sendo motivo de demissão diversas vezes. Uma das demissões foi porque Joaquim apresentou uma denúncia contra a Varig --empresa cujos donos eram de origem alemã--, mostrando a relação entre o governo nazista e o governo de Getúlio Vargas, então vigente no país.
Em 1964, como funcionário da Petrobrás, era ativo militante sindical. Na madrugada do golpe de Estado, ele e vários companheiros sindicalistas, para não serem presos pela repressão militar, foram retirados da Refinaria simulando um acidente para passar pelo cerco que tomou a refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Enquanto o Exército prendia lideranças sindicais, o alarme de segurança da refinaria foi acionado e ambulâncias passavam com os líderes cobertos de lençóis sujos de tinta vermelha, simulando sangue.
Ele e todos os sindicalistas tiveram suas residências vigiadas. Ao tentarem retornar ao trabalho nos dias seguintes, foram todos demitidos e incluídos em listas que não permitiam que conseguissem emprego. Assim, Joaquim se mudou com sua esposa Fanny e o restante da família para o Rio Grande do Sul.  
Joaquim Seixas e a esposa, Fanny
No Sul, trabalhou por dois anos como marceneiro e montou postos de gasolina até ser contratado pela Pepsi-Cola em 1967. Seria o encarregado pelo setor de mecânica da empresa. Novamente sua militância política e resistência à ditadura foi um transtorno para os patrões, servindo de motivo para mais uma demissão.
Sem conseguir outro emprego, toda a família se mudou novamente para o Rio de Janeiro, onde Joaquim seguiu por um tempo como motorista de táxi, até ser contratado pela Coca-Cola de Niterói-RJ, para ocupar mais uma vez o setor de mecânica e manutenção. Foi seu último emprego.
Em 1970, Joaquim e família se mudaram novamente. Desta vez, o destino foi a cidade de São Paulo, onde Joaquim militaria pelo Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), tornando-se um de seus dirigentes.
No dia 16 de abril de 1971, Joaquim Alencar de Seixas e seu filho Ivan, então com 16 anos, seriam presos na rua Vergueiro, altura do número 9000, e encaminhados para a 37ª Delegacia de Polícia, localizada na mesma rua.
Ambos eram acusados de participar do justiçamento de Albert Henning Boilesen, presidente da Ultragás, diretor da FIESP, financiador e instrutor de torturas na Oban –Operação Bandeirante, órgão de torturas e assassinatos não legal, depois oficalmente conhecida como DOI-CODI, destacamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna, do Exército brasileiro. A morte do empresário havia sido um dia antes, resultado de uma ação conjunta do MRT e da Ação Libertadora Nacional (ALN).
Joaquim e Ivan foram espancados no estacionamento da 37ª DP enquanto os policiais trocavam os carros utilizados em sua captura. De lá foram levados para o DOI-CODI/SP e torturados um na frente do outro. No mesmo dia a casa da família foi invadida e saqueada pelos militares. Fanny, esposa de Joaquim, e suas duas filhas, Ieda e Iara, foram presas para serem torturadas no mesmo local. 
Em 17 de abril, os jornais paulistanos publicariam notas oficiais sobre a morte de Joaquim como se tivesse ocorrido em um tiroteio entre guerrilheiros e militares. Na realidade, Joaquim estava vivo e sendo torturado pelos militares quando a notícia de sua morte era publicada pelos jornais da grande imprensa. 
Ivan foi levado para as matas do Parque do Estado para ser submetido a um fuzilamento simulado, uma farsa recorrente realizada pelos torturadores como forma de intimidação e que já havia sido feita anteriormente.
Pela manhã, quando era levado de volta ao DOI-CODI, os agentes pararam em um estabelecimento para tomar café. Do carro, Ivan leu a manchete do jornal “Folha da Tarde”, que anunciava a morte de seu pai. Mas, ao retornar ao centro de tortura, encontrou seu pai ainda vivo e sendo muito torturado.
A família Seixas no RIo Grande do Sul, em um das poucas fotos
 que sobraram depois da invasão policial à casa dos Seixas
Na noite daquele dia 17 de abril de 1971, Joaquim Alencar de Seixas foi assassinado pelos militares torturadores do DOI-CODI. No processo contra o MRT, a foto de seu cadáver mostra visíveis sinais de torturas e um tiro na altura do coração, que foi apontado como a causa de morte no laudo assinado pelos legistas Pérsio José Ribeiro Carneiro e Paulo Augusto Queiroz da Rocha. 
A versão oficial da morte de Joaquim divulgava que ele havia falecido após levar sete tiros durante um confronto com policiais, ao reagir à voz de prisão.
O médico legista Nelson Massini, responsável por revelar muitas das verdadeiras causa mortis da ditadura, examinou os documentos de Joaquim e identificou que o militante havia falecido durante uma sessão de tortura, com oito lesões pelo corpo incluindo pancadas na cabeça.
Naquele dia 17, a esposa de Joaquim, Fanny, assistiu à retirada do corpo de seu marido do DOI-CODI. Ao ouvir a menção da morte dele, Fanny ergueu-se na ponta dos pés a tempo de ver os policiais forrarem o porta-malas da van C-14 no estacionamento e colocarem ali o corpo de Joaquim. Ainda chegou a ouvir um policial perguntar ao outro: “De quem é esse presunto?”. E ouviu de volta a confirmação: “Esse era o Roque”, o codinome de Joaquim na militância.
Os familiares e companheiros de militância identificaram como assassinos de Joaquim o major Carlos Alberto Brilhante Ustra, conhecido por “Doutor Tibiriçá”; o capitão Dalmo Lúcio Muniz Cirillo, conhedido por “Doutor Hermógenes”; o capitão Ênio Pimentel da Silveira, de codinome “Doutor Nei” ou “Nazistinha”; o capitão André Leite Pereira, conhecido por “Doutor Edgar”; o delegado Davi dos Santos Araújo, conhecido por “Capitão Lisboa”; o investigador de polícia Pedro Mira Granziere, conhecido por “tenente Pedro Ramiro”; o delegado João José Vetoratto, conhecido por “Capitão Amicci”, e outros torturadores conhecidos apenas pelos apelidos.
Ivan denuncia que o “Capitão Lisboa” foi o responsável pela pancada que vitimaria de vez seu pai, além de ter abusado sexualmente de sua irmã mais velha, Ieda.

VAMO QUE VAMO, RUMO AOS 100!


Percurso de hoje: 12,99 km (confira mais detalhes no vídeo abaixo)
Quilometragem acumulada: 71,29 km



POR QUE RUMO AOS 100
Meu pai morreu no dia 10 de julho. Seu último aniversário, em 16 de setembro de 2017, foi passado no hospital.
Dias antes, a família havia recebido o resultado de uma série de exames que se desenrolavam a passos de tartaruga desde o final de agosto: câncer no estômago.
Por causa dos exames e das dores, meu pai recebia medicamentos que, às vezes, o deixavam meio grogue. Mesmo assim, estava lúcido, conversava e gostava de lembrar momentos do passado.
No dia do aniversário, a ordem do hospital foi subvertida com a chegada das gentes mais próximas, que trazia bolo, docinhos, refrigerante.
Como a presença das visitas era restrita, os festejos acabaram sendo em várias levas. Eu apareci para a segunda rodada de bolo, apagar as velinhas, cantar o “Parabéns”, repetindo também a versão gauchesca da canção, que termina assim: “Que tu tenhas, sempre e todo o dia, paz e alegria na lavoura da amizade”.
Apesar de parecer meio de saco cheio, meu pai enfrentou com galhardia as brincadeiras. Cantou junto, meio arrevesado, fez esforço para soprar as velinhas, posou para fotos e mais fotos, deu beijinhos, ofereceu a careca para outros beijinhos.
De vez em quando, dava uma risada meio tossida, falava qualquer coisa, enquanto eu chorava por dentro, tentando represar a emoção e me preguntando, em silencia, por que eu achava que tinha de segurar o choro.
Era melhor.
Chegou a hora das despedidas, os presentes já abertos, abraços apertados, copos largados pelos lados, docinhos devorados.
Fui ainda mais uma vez abraçar e cumprimentar meu pai. E falei: “Oitenta e oito anos, hein, que beleza!”
Ao que ele respondeu na lata, sem perder o embalo da conversa: “Rumo aos cem!”
É esse o espírito que quero guardar comigo, que quero aprender e tentar ensinar. É esse espírito que quero homenagear nesta série de corridas, que devem somar, até o dia 16 próximo, 89 anos do nascimento de Joaquim de Lucena, um percurso total de cem quilômetros.

7.9.18

Grito dos Excluídos tem trompetista e cantoria de Lulalá


Neste Sete de Setembro, dia de lembrar que prezamos, desejamos e amamos a independência de nossa Pátria –hoje vilipendiada pelo golpismo entreguista—, fiz a mais populosa jornada deste projeto de homenagem corrida a meu pai, Joaquim de Lucena, e a todos os joaquins de luta de nossa história.
Para começar, a corrida não largou solitária: saí com meu irmão Rafael, que recentemente veio morar em São Paulo. Mais tarde, encontramos Eleonora, parceira de vida –comemoramos hoje 39 anos de comunhão--, e minha filha mais velha, Laura.
Assim foi que chegamos em quarteto ao ponto desejado, ao destino joaquim do dia, a praça Oswaldo Cruz, no início da avenida Paulista, onde centenas de pessoas já se concentravam para participar de uma grande manifestação em defesa dos direitos do povo, da vida e da liberdade.

Grupo de animação participa do Grito dos Excluídos 
Trata-se do GRITO DOS EXCLUÍDOS, que é uma celebração de vida e de luta organizada por sindicalistas, grupos políticos e movimentos populares –mais um tanto de fermento lançado por agrupamentos religiosos-- há mais de duas décadas.
O manifesto convocatório para o ato serve também como forma de contar sua história. Leia a seguir:
“A jornada do Grito dos Excluídos deste ano será conduzida pelo lema Desigualdade gera violência: basta de privilégiosA manifestação trará também na sua composição a luta por LULA LIVRE, pela Democracia e contra os privilégios, sobretudo do Poder Judiciário. Desde a ruptura da Democracia com o golpe, a classe trabalhadora vem perdendo o pouco do que tinha conquistado e avançado em direitos econômicos e sociais. O golpe trouxe de carona o trio de maldade; crise econômica, desemprego e precarização do trabalho, com o fim da CLT, que atingiu em cheio a classe trabalhadora. A situação para o povo trabalhador tem se agravado ainda mais, com a desigualdade e violência acentuada no ilegítimo governo Temer, com a escalada da violência contra as mulheres e o genocídio da juventude negra e periférica.Pelo fim desse ciclo de miséria, exclusão e violência, o Grito dos Excluídos/as ocupará a Avenida Paulista, no dia 07 de Setembro.Venha participar e traga sua bandeira.
E embandeiradas as pessoas apareceram. Muitas com flâmulas de seu sindicato ou de centrais, outras com pequenos cartazes em que faziam reivindicação ou simplesmente diziam de onde vinham.
Grupos políticas mais organizados levavam grandes faixas, sendo um dos destaques o enorme cartaz pedindo a liberdade do presidente Lula.


Aluta pela democracia, aliás, marcou a manifestação, que teve também, animação de um grupo do MPA, o Movimento dos Pequenos Agricultores. E não poderia faltar, como efetivamente não faltou, a presença de um trompetista para animar a cantoria entusiasmada de “Olê, olê, olê, olá, Lu-lá, Lulalá” (confira no vídeo ao final deste texto).
A todas essas, faltou explicar por que, afinal, o Grito dos Excluídos foi incluído nos meus destinos Joaquim, se não tem nada de Joaquim no nome nem no sobrenome nem no local de encontro, nem no destino da passeata –as centenas de pessoas que se reuniram na praça Oswaldo Cruz saíram em caminhada pela Paulista e depois se dirigiram para um ato no parque Ibirapuera.
Eu explico: meu pai dedicou sua vida a lutar pelos excluídos, a luta por igualdade, a mourejar por justiça social. Nos seus tempos de juventude, fez disso uma prática individual, solitária e solidária –não poucas vezes, contam seus irmãos, tirava casaco do próprio corpo para dar a algum mendigo ou morador de rua que estivesse a sofrer mais do que ele com a monumental friaca porto-alegrense.
Nunca perdeu esse sentimento de solidariedade que, mais tarde, foi enrijecido, fortalecido, ampliado com a mudança da mentalidade de caráter mais religioso para uma consciência política mais profunda, que marcou sua atuação na vida e marcou a vida política do Rio Grande do Sul.
Demonstração disso é o depoimento que trago a seguir, de ninguém menos que o Galo Missioneiro, Olívio Dutra, que foi prefeito de Porto Alegre e Governador do Rio Grande do Sul representando o Partido dos Trabalhadores –meu pai nunca foi filiado ao PT; ele militava e lutava com quem que estivesse ao lado do povo.




VAMO QUE VAMO, RUMO AOS 100!


Percurso de hoje: 7,45 km (o vídeo abaixo mostra como foi, trazendo também o trompetista e Lulalá)
Quilometragem acumulada: 61,30 km



POR QUE RUMO AOS 100

Meu pai morreu no dia 10 de julho. Seu último aniversário, em 16 de setembro de 2017, foi passado no hospital.
Dias antes, a família havia recebido o resultado de uma série de exames que se desenrolavam a passos de tartaruga desde o final de agosto: câncer no estômago.
Por causa dos exames e das dores, meu pai recebia medicamentos que, às vezes, o deixavam meio grogue. Mesmo assim, estava lúcido, conversava e gostava de lembrar momentos do passado.
No dia do aniversário, a ordem do hospital foi subvertida com a chegada das gentes mais próximas, que trazia bolo, docinhos, refrigerante.
Como a presença das visitas era restrita, os festejos acabaram sendo em várias levas. Eu apareci para a segunda rodada de bolo, apagar as velinhas, cantar o “Parabéns”, repetindo também a versão gauchesca da canção, que termina assim: “Que tu tenhas, sempre e todo o dia, paz e alegria na lavoura da amizade”.
Apesar de parecer meio de saco cheio, meu pai enfrentou com galhardia as brincadeiras. Cantou junto, meio arrevesado, fez esforço para soprar as velinhas, posou para fotos e mais fotos, deu beijinhos, ofereceu a careca para outros beijinhos.
De vez em quando, dava uma risada meio tossida, falava qualquer coisa, enquanto eu chorava por dentro, tentando represar a emoção e me preguntando, em silencia, por que eu achava que tinha de segurar o choro.
Era melhor.
Chegou a hora das despedidas, os presentes já abertos, abraços apertados, copos largados pelos lados, docinhos devorados.
Fui ainda mais uma vez abraçar e cumprimentar meu pai. E falei: “Oitenta e oito anos, hein, que beleza!”
Ao que ele respondeu na lata, sem perder o embalo da conversa: “Rumo aos cem!
É esse o espírito que quero guardar comigo, que quero aprender e tentar ensinar. É esse espírito que quero homenagear nesta série de corridas, que devem somar, até o dia 16 próximo, 89 anos do nascimento de Joaquim de Lucena, um percurso total de cem quilômetros.


  

6.9.18

Quincas Borba revisitado no projeto Rumo aos 100


“Ainda bem que você está conseguindo correr”, me disse hoje alguém com carinhosa simpatia. É o que também lembram fisioterapeuta, treinador, médico que me acompanham na tentativa de fazer com que eu consiga seguir rodando pelo asfalto da vida. Tentativa que enfrenta fortes dificuldades: ao longe de sete meses lesões e dores impediram que o corpo velho saísse pelas ruas com o ritmo e a velocidade que eu desejava. Precisava, talvez.
Pelo menos, agora, consigo correr, ainda que seja aos soluços, aos gorgulhos, percorrendo pequenos trechos, descansando, caminhando, para seguir depois um novo trecho e assim por diante, até atingir a distância ou o objetivo desejado.
Por mais que não seja ótimo, por mais que não seja a mesma coisa que mergulhar em quilômetros sem fim, esquecendo do mundo e de mim, é bom, é gostoso, é liberador, libertador, permite que eu volte a ter na corrida uma amiga para construir reflexões.
Assim é que estou conseguindo, apesar das dificuldades, levar adiante este projeto Rumo aos 100, de homenagem corrida ao meu pai, Joaquim de Lucena, e aos joaquins de luta de nossa história.
Meu destino Joaquim de hoje foi a rua Machado de Assis, na região da Vila Mariana, zona sul, a pouco mais de seis quilômetros de meu ponto de largada, a estação Sumaré do metrô, na zona oeste de São Paulo.

Final da rua Machado de Assis, na região da Vila Mariana

Alguém pode reclamar: o que Machado tem a ver com Joaquim? Pois veja que o nome completo do maior escritor brasileiro, se é que se pode legitimamente fazer esse tipo de listagem, é nada menos que Joaquim Maria Machado de Assis –aliás, em seu primeiro poema publicado, ele se assinou J.M.M Assis.
Pois o “Bruxo de Cosme Velho” –um dos apelidos do escritor- não só se chama Joaquim como tem joaquins como personagem. Estou falando, é claro, do filósofo Quincas Borba, que aparece nas “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e, depois, no próprio “Quincas Borba”. O nome é também dado ao cachorro do personagem.
São joaquins celebrados em prosa e verso, personagens que comovem e enraivecem, que provocam solidariedade e indignação, tal e qual cada um de nós nas nossas vidas. E que, por seus atos e palavras, por sua exuberância ou simplicidade, ensimesmamento ou expansividade, provocam mudanças nas vidas ao seu redor –e mesmo muito mais longe.
É o que fazia também o Joaquim de verdade, real e concreto, que venho lembrando tanto nessas minhas corridas. Exemplo disso é o relato que fez um velho amigo de meu pai, também querido de nós todos, os filhos de Joaquim. Para saber mais, confira o vídeo abaixo.


VAMO QUE VAMO, RUMO AOS 100

Percurso de hoje: 8,85 km (confira o vídeo abaixo para saber mais sobre o destino Machado de Assis)
Total percorrido até agora: 53,85 km
  



POR QUE RUMO AOS 100

Meu pai morreu no dia 10 de julho. Seu último aniversário, em 16 de setembro de 2017, foi passado no hospital.
Dias antes, a família havia recebido o resultado de uma série de exames que se desenrolavam a passos de tartaruga desde o final de agosto: câncer no estômago.
Por causa dos exames e das dores, meu pai recebia medicamentos que, às vezes, o deixavam meio grogue. Mesmo assim, estava lúcido, conversava e gostava de lembrar momentos do passado.
No dia do aniversário, a ordem do hospital foi subvertida com a chegada das gentes mais próximas, que trazia bolo, docinhos, refrigerante.
Como a presença das visitas era restrita, os festejos acabaram sendo em várias levas. Eu apareci para a segunda rodada de bolo, apagar as velinhas, cantar o “Parabéns”, repetindo também a versão gauchesca da canção, que termina assim: “Que tu tenhas, sempre e todo o dia, paz e alegria na lavoura da amizade”.
Apesar de parecer meio de saco cheio, meu pai enfrentou com galhardia as brincadeiras. Cantou junto, meio arrevesado, fez esforço para soprar as velinhas, posou para fotos e mais fotos, deu beijinhos, ofereceu a careca para outros beijinhos.
De vez em quando, dava uma risada meio tossida, falava qualquer coisa, enquanto eu chorava por dentro, tentando represar a emoção e me preguntando, em silencia, por que eu achava que tinha de segurar o choro.
Era melhor.
Chegou a hora das despedidas, os presentes já abertos, abraços apertados, copos largados pelos lados, docinhos devorados.
Fui ainda mais uma vez abraçar e cumprimentar meu pai. E falei: “Oitenta e oito anos, hein, que beleza!”
Ao que ele respondeu na lata, sem perder o embalo da conversa: “Rumo aos cem!
É esse o espírito que quero guardar comigo, que quero aprender e tentar ensinar. É esse espírito que quero homenagear nesta série de corridas, que devem somar, até o dia 16 próximo, 89 anos do nascimento de Joaquim de Lucena, um percurso total de cem quilômetros.