A Folha publicou hoje entrevista que fiz com Ghrmay
Ghebreslassie, mais jovem campeão mundial de provas de rua na história da IAAF,
a Fifa do Atletismo. Aos 19 anos, ele venceu a maratona no Mundial de Pequim,
em agosto último, deixando para trás superferas. Dadas as limitações de espaço
no jornal, o texto publicado foi apenas um pedaço do material que produzi. A
seguir, leia o texto integral.
Chegava a ser chato. O narrador do Mundial de maratona
não se cansava de comparar o líder da prova com o grande corredor etíope Haile
Gebrselassie, um dos maiores maratonistas da história. Não poucas vezes, fez
alusões a um suposto parentesco entre o garoto que liderava a corrida e o
monstro que chegou a ter 27 recordes mundiais.
A bem da verdade, o locutor esportivo brasileiro não
está sozinho na sua confusão. No verbete da Wikipedia dedicado a Ghirmay
Ghebreslassie –atleta da Eritreia que fez história correndo em Pequim em 22 de
agosto último— aparece o aviso: “Não confundir com Haile Gebrselassie”. E até
no site da sisuda IAAF que organiza o Mundial, um dos textos
inicia falando do quase-homônimo.
Não tem nada a ver, é claro. Aliás, talvez os dois
nomes nunca chegassem a aparecer juntos não fosse a cabeça dura do jovem
eritreu. “Meus pais desejavam que eu me tornasse um estudante universitário,
mas eu queria ser um bom atleta”, disse ele à imprensa internacional depois da
prova.
E assim, desafiando a vontade paterna, tratou de se
exercitar nos períodos em que não estava na escola, na pequena Kisadeka, onde
Ghebreslassie nasceu em 14 de novembro de 1995, filho de uma família de
trabalhadores rurais.
Mas só começou a participar de competições de verdade
em 2009, conforme contou em entrevista que me concedeu por e-mail.
“Minha primeira corrida foi uma prova de 1.500 m. Eu só me lembro
de que era o menorzinho da turma. E de que fui o campeão.
Situação que se repetiu em Pequim, em agosto passado.
Mirrado, com bigodinho fino e olhar de cenho carregado, que fazem com que
aparente ser mais velho, o adolescente se tornou o mais jovem atleta a ganhar
uma prova de rua em Mundial.
Em nenhum momento se intimidou frente aos nomões que lá
estavam -–para começar, o atual recordista mundial da distância e seu
antecessor, Dennis Kimetto e Wilson Kipsang, ambos quenianos e ambos mais
velhos do que o eritreu.
“A experiência, por si mesma, tem grande valor”,
reconhece Ghirmay, de 19 anos, acrescentando: “Mas também é preciso ter talento
para saber controlar o ritmo na maratona”.
Foi o que ele fez naquele dia, em que seguiu as
precisas orientações de seu treinador, o holandês, com quem trabalha desde
2013. “Corri como planejado. Apesar de eu poder ir mais rápido, fiquei com o
pelotão até por volta do km 34, para guardar energias para os quilômetros
finais e resistir à alta umidade”.
O plano funcionou. O jovem teve forças para uma dura
disputa cabeça a cabeça com o etíope Yemani Tsegay, dez anos mais velho que o
eritreu: “Ele me passou no km 38, mas eu respondi imediatamente. Fiquei nas
costas dele, pensando que o ouro tinha de ser meu. Então disparei”.
Foi com tudo, mas sem perder a cabeça. Bem antes da
largada, ele e seu treinador já acreditavam que Ghirmay poderia vir a ser o
campeão.
Por isso, foi combinado que o técnico holandês ficaria
na boca do túnel, na entrada da pista de atletismo do estádio Olímpico, onde
seria o final da maratona, carregando uma bandeira da Eritreia.
Caso Ghirmay chegasse na frente, ergueria bem alta a
flâmula nacional. Na hora, porém, o holandês estava conversando com um jornalista
da Eritreia, e foi este quem acabou entregando a bandeira para Ghirmay.
O jovem então fez das tripas coração para botar mais
força e velocidade, agora homenageando a pátria africana.
Parte de suas energias, acredita o jovem campeão, vem
da sua alimentação.
Vive em Asmara, capital de seu também jovem país –a
Eritreia conquistou sua independência da Etiópia em 1993--, mas sempre que pode
busca alimentos produzidos por sua família.
“É tudo comida orgânica”, diz, afirmando que dá
preferência a vegetais e sementes como base de sua alimentação.
Depois de fazer história no atletismo como mais jovem
campeão mundial na maratona e primeiro medalhista de ouro em seu país, Ghirmai
nem pensa em pendurar os tênis de corrida.
Nos seus planos imediatos está passar uma temporada de
treinamento nos Estados Unidos --que não
estava confirmada quando concedeu a entrevista à Folha. E sonha, claro, com a
Olimpíada: “Quero brilhar como um diamante na maratona no Rio de Janeiro”.
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