19.2.15

Casal de aposentados na praia serve de modelo para escultor que atrai multidões


Não foi um encontro ao vivo e em cores, isso é certo. Pelo pouco que se sabe do estilo de trabalho do escultor australiano Ron Mueck, ele nunca utiliza modelos vivos –disse que não saberia lidar com outra pessoa, um estranho, ocupando espaço em seu estúdio.

Por isso, produz suas obras hiper-realistas (exageradamente reais, digamos assim) com base em imagens guardadas na memória, fotos, figuras vistas em alguma revista ou qualquer outra coisa.

Apesar de construir cada figura humana nos mínimos detalhes, suas obras nunca são em tamanho natural  --algumas são gigantescas, como a cabeça que criou baseado em si mesmo, uma escultura selfie, digamos assim.



“Eu nunca faço figuras em tamanho real, porque nunca me pareceu interessante. Nós conhecemos pessoas em tamanho real todos os dias.”

Também vemos, na praia, pessoas mais velhas, aposentados, pensionistas que conseguiram de alguma forma tempo e condições financeiras para aproveitar o sol, a areia, o mar. Não raro, porém, passamos por eles –por nós mesmos—como se fossem invisíveis, não merecessem ser olhados.

O australiano Mueck não permite que isso seja feito. Na exposição de suas obras, em cartaz na Pinacoteca de São Paulo apenas até este domingo (confira AQUI informações sobre a mostra), os velhinhos apaixonados não passam em branco.

Primeiro, porque são gigantescos –a escultura tem mais de três metros de altura, e cada um do casal olharia muito para baixo para conversar com qualquer gigante do basquete norte-americano.

Em segundo lugar, porque a obra está isolada, colocada no espaço central da Pinacoteca, um local chamado Octógno.


Terceiro –e mais importante, talvez—porque são emocionantes.

Os dois velhinhos [este blog usa velho, velhinho, idoso e outras palavras assemelhadas para se referir a quem está na chamada Terceira Idade ou próximo a ela, como este blogueiro] parecem em perfeita paz com o mundo, consigo mesmo e com o outro.

Ele apoia a cabeça nas coxas dela e tem um braço por detrás do braço da mulher, apoiando e acarinhando a parceira. Ela olha para ele como se não houvesse amanhã.

O povo circula em volta, para, tira fotos, comenta, observa os detalhes. Na perna do homem, há até manchas de idade. E cada uma fica imaginando uma história, acredita a curadora da exposição, Grazia Quaroni.

“Quando éramos crianças e íamos à praia com nossos avós, nós tínhamos um corpo pequeno perto do deles, então eles pareciam enormes para nós. E, agora, crescidos, nos confrontamos com esses grandes corpos e voltamos à memória dessa situação. Mueck fala sobre a memória. Por isso, ele é tão popular”, diz ela.

Não sei se é por isso. Talvez seja pelos detalhes, pela perfeição, pelo que imaginamos do trabalho de Mueck –perfeccionista, ele produz com extrema lentidão e tem apenas 40 esculturas prontas, realizadas ao longo de cerca de 20 anos de trabalho.

Mueck, que completa 57 anos nesta 2015, é outro exemplo de gente que mudou de vida e encarou uma nova profissão em idade considerada tardia. Começou a investir profissionalmente em esculturas quando tinha quase 40 anos. E o fez por incentivo da sogra –donde se conclui que nem sempre é verídica a figura sogrística engendrada pelo imaginário popular.


Antes, era marioneteiro, criava bonecos para shows televisivos e filmes de animação –um dos mais famosos é “Labirinto”, em que a estrela do rock David Bowie diz presente. Também fez sucesso trabalhando na TV australiana.

Um dia, a sogrinha, que era artista plástica, pediu que ele fizesse a escultura de um bonequinho para uma exposição que ela estava montando.  Tem marchas e contramarchas, mas o resumo é que a primeira criação de Mueck acabou vendida por US$ 460 mil...

O cara, é claro, parou tudo e investiu no plano B, que ele talvez nunca tivesse imaginado que existiria.

Hoje atrai multidões pelo mundo todo com suas esculturas gigantescas ou figuras em tamanho bem menor que o real, como a mulher abaixo.

E expõe velhinhos apaixonados para quem quiser ver.

Ah, todas as fotos fui eu que fiz, durante visita à exposição na semana passada, acompanhando a velhinha por quem sou apaixonado.


Vamo que vamo!

No comments:

Post a Comment