Não foi um
encontro ao vivo e em cores, isso é certo. Pelo pouco que se sabe do estilo de
trabalho do escultor australiano Ron Mueck, ele nunca utiliza modelos vivos
–disse que não saberia lidar com outra pessoa, um estranho, ocupando espaço em
seu estúdio.
Por isso, produz
suas obras hiper-realistas (exageradamente reais, digamos assim) com base em
imagens guardadas na memória, fotos, figuras vistas em alguma revista ou
qualquer outra coisa.
Apesar de
construir cada figura humana nos mínimos detalhes, suas obras nunca são em
tamanho natural --algumas são
gigantescas, como a cabeça que criou baseado em si mesmo, uma escultura selfie,
digamos assim.
“Eu nunca faço figuras em tamanho real, porque nunca me pareceu
interessante. Nós conhecemos pessoas em tamanho real todos os dias.”
Também
vemos, na praia, pessoas mais velhas, aposentados, pensionistas que conseguiram
de alguma forma tempo e condições financeiras para aproveitar o sol, a areia, o
mar. Não raro, porém, passamos por eles –por nós mesmos—como se fossem
invisíveis, não merecessem ser olhados.
O australiano
Mueck não permite que isso seja feito. Na exposição de suas obras, em cartaz na
Pinacoteca de São Paulo apenas até este domingo (confira AQUI informações sobre
a mostra), os velhinhos apaixonados não passam em branco.
Primeiro,
porque são gigantescos –a escultura tem mais de três metros de altura, e cada
um do casal olharia muito para baixo para conversar com qualquer gigante do
basquete norte-americano.
Em segundo lugar, porque a obra está isolada,
colocada no espaço central da Pinacoteca, um local chamado Octógno.
Terceiro –e
mais importante, talvez—porque são emocionantes.
Os dois velhinhos [este blog
usa velho, velhinho, idoso e outras palavras assemelhadas para se referir a
quem está na chamada Terceira Idade ou próximo a ela, como este blogueiro]
parecem em perfeita paz com o mundo, consigo mesmo e com o outro.
Ele apoia a
cabeça nas coxas dela e tem um braço por detrás do braço da mulher, apoiando e
acarinhando a parceira. Ela olha para ele como se não houvesse amanhã.
O povo
circula em volta, para, tira fotos, comenta, observa os detalhes. Na perna do
homem, há até manchas de idade. E cada uma fica imaginando uma história,
acredita a curadora da exposição, Grazia Quaroni.
“Quando éramos crianças e íamos à praia com nossos avós, nós
tínhamos um corpo pequeno perto do deles, então eles pareciam enormes para nós.
E, agora, crescidos, nos confrontamos com esses grandes corpos e voltamos à
memória dessa situação. Mueck fala sobre a memória. Por isso, ele é tão
popular”, diz ela.
Não sei se é por isso. Talvez seja pelos detalhes, pela
perfeição, pelo que imaginamos do trabalho de Mueck –perfeccionista, ele produz
com extrema lentidão e tem apenas 40 esculturas prontas, realizadas ao longo de
cerca de 20 anos de trabalho.
Mueck, que completa 57 anos nesta 2015, é outro exemplo de
gente que mudou de vida e encarou uma nova profissão em idade considerada
tardia. Começou a investir profissionalmente em esculturas quando tinha quase
40 anos. E o fez por incentivo da sogra –donde se conclui que nem sempre é
verídica a figura sogrística engendrada pelo imaginário popular.
Antes, era marioneteiro, criava bonecos para shows
televisivos e filmes de animação –um dos mais famosos é “Labirinto”, em que a
estrela do rock David Bowie diz presente. Também fez sucesso trabalhando na TV
australiana.
Um dia, a
sogrinha, que era artista plástica, pediu que ele fizesse a escultura de um bonequinho
para uma exposição que ela estava montando.
Tem marchas e contramarchas, mas o resumo é que a primeira criação de
Mueck acabou vendida por US$ 460 mil...
O cara, é
claro, parou tudo e investiu no plano B, que ele talvez nunca tivesse imaginado
que existiria.
Hoje atrai
multidões pelo mundo todo com suas esculturas gigantescas ou figuras em tamanho
bem menor que o real, como a mulher abaixo.
E expõe
velhinhos apaixonados para quem quiser ver.
Ah, todas
as fotos fui eu que fiz, durante visita à exposição na semana passada,
acompanhando a velhinha por quem sou apaixonado.
Vamo que
vamo!
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