Coloquei a palavra “aposentado” no título porque essa é
minha condição atual e também porque, de fato, a preparação de pessoas mais
velhas tem complicômetros –nós levamos mais tempo para nos recuperarmos, por
exemplo, e não raro temos alguns problemas de saúde que podem dificultar a
jornada.
O título continuaria verdadeiro, porém, se fosse genérico: “Treinamento
para maratona é atividade de risco”. Pois a prova é longa, a preparação é
demorada e tudo pode acontecer entre o momento em que o sujeito decide enfrentar
o desafio glorioso e o que ele efetivamente se coloca na linha de largada.
Foi nos anos 1970 que a corrida teve seu primeiro boom,
puxada pela popularização nos Estados Unidos. A vitória de Frank Shorter na
maratona olímpica de Munique-1972 trouxe os 42.195 metros –lá, 26,2 milhas—para
mais perto do homem comum, e logo Nova York viu sua prova deslanchar...
Hoje, o número de maratonas no mundo a cada ano está na casa
dos milhares. Não há entidade que faça essa contabilização global, mas acho que
dá para fazer um chute conservador de que existam mais de 5.000 provas no planeta
–só nos Estados Unidos houve mais de 1.100 maratonas em 2013, com mais de 540
mil concluintes.
Por causa de seu caráter épico, desafiador, a maratona vira
uma espécie de objetivo glorioso, domina o imaginário das pessoas. Não é raro
alguém que está muito doente ter como meta de sua recuperação fazer uma
maratona –ou, pelo menos, a São Silvestre, aqui no Brasil.
E pululam na internet as promessas de regime de treinamento “à
prova de erro”, com “resultados garantidos” e assim por diante. De certa
forma, lembram manchetes que prometem emagrecimento sem deixar de comer bacon
e sorvete ou regimes para ganhar músculo sem fazer exercício.
Fique tranquilo: na vida, nada é garantido (bueno, por
enquanto, a morte é garantida, mas a ciência está trabalhando para que vivamos
cada vez mais). Com o treinamento para a maratona, não seria diferente.
Um
iniciante , que já corra há pelo menos dois anos e tenha feito algumas provas
de meia maratona, vai precisar de um regime de treinamento de 16 semanas a 20
semanas; e não pode perder treinos, sob o risco de deixar seu desempenho
ameaçado na hora do vamos ver.
Há gente que faz sua preparação em menos tempo? Há, com
certeza, assim como há corredores amadores que fazem a prova em menos de duas
horas e meia –e há os que fazem em mais de cinco horas. Há também os que não
conseguem treinar direito ou que, mesmo treinando direito, acabam se vendo
incapazes de completar a prova ou a completam em condições desagradáveis.
É por isso que digo que o treinamento para a maratona é uma
atividade de risco. Não me refiro a ameaças à saúde –uma batelada de estudos
mostra que é bom fazer exercício; ainda que a atividade física intensa possa
causar algum mal estar ao coração, vale a pena por conta dos benefícios para a
qualidade de vida vale a pena pelo prazer.
A busca desse prazer é que me faz trazer de volta a maratona
como um objetivo na minha vida. Tenho 58 anos, passei por duas fraturas por
estresse, tive faciite plantar três vezes (duas no pé esquerdo, uma no
direito), enfrentei a dolorosa terapia por ondas de choque, sofri de tendinites
várias, distensões, contraturas, degeneração de articulações, dores nas costas
e não sei mais o quê.
Por tudo isso e mais um pouco, fiquei dois anos sem nem
pensar em fazer maratona. Não podia me imaginar enfrentando semanas após semana
de treinamento, sabendo que haveria dor e que o desempenho seria ridículo –nada
é ridículo na corrida, mas, mesmo assim, a gente se impõe modelos e cria réguas
de medição (estas, sim, ridículas, por serem inúteis).
No segundo semestre do ano passado, mais ou menos na época
em que efetivamente me aposentei e ainda antes de começar a ganhar os minguados
caraminguás, passei a treinar de leve. O combinado com meu treinador era que o
objetivo era correr um dia, depois outro; a meta era ter uma boa semana de
treino. Depois, recomeçar... Lembrava o desafio dos alcoólatras: “Só por
hoje...”.
Na minha cabeça, porém, já se desenhava o indizível.
Prometia a mim mesmo, a cada dia: se eu conseguir ir bem hoje, no ano que vem
vou treinar para a maratona.
Nunca consegui treinar bem, bem, bem. Mas não me machuquei
e, às vezes, fazia um quilômetro em menos de sete minutos. Cada um desses se
transformava em vitória a impulsionar meu sonho, o projeto que em silêncio, em
segredo, eu construía em algum esconderijo do meu cérebro: vou voltar a correr
uma maratona.
Mesmo conhecendo minhas fraquezas, calculei que fosse
possível, viável, fazer uma preparação em 20 semanas, contadas a partir do
início deste mês de fevereiro. Queria até mais prazo: começaria o projeto “primeira
maratona como aposentado” na virada do ano.
Daí veio a facada com que cortei meu dedo e atorei o tendão;
depois, a cirurgia e o período de recuperação. Quando cheguei ao início do
treinamento, de fato, estava mais fraco e mais despreparado do que no final do
ano. A condição física conquistada fora perdida...
Mas vamo que vamo.
Construí duas semanas de treinamento, mas a terceira se
revelou fatídica. Vieram dores no corpo como há muito não as tinha. Pontadas no
joelho, lancetadas na articulação do fêmur no quadril, piriforme berrando,
banda iliotibial em fogo, e o ânimo jogado no chão, a esperança se
esfrangalhando...
Essas dores de velho, essa reação ao volume de treino não
tem uma causa facilmente identificável. Não há um osso quebrado para consertar,
um nervo pinçado para desobstruir ou algo do gênero. É preciso tirar a dor para
reparar o corpo, deixando-o mais uma vez em condições de aguentar a carga.
É esse o risco que sonhamos. Para pessoas mais novas ou em
melhor condição geral de saúde, é mais fácil. Mas o risco imposto pela carga de
treinamento também existe; podemos sentir dores que nos deixam um, dois, três
dias sem treinar. O mais difícil é não permitir que esses revezes nos abatam o
ânimo.
O problema é que muitos de nós somos passionais ao extremo.
Apesar de ser dito que o maratonista é um sujeito que sabe dosar suas forças,
que tem a experiência da derrota e a confiança na vitória, sei por mim e pela
observação de vários colegas que pequenos abalos nos jogam na sarjeta, assim
como mínimos sucessos se transformam em glórias sem fim.
Faz parte, diria o outro. Para mim, neste momento, faz parte
do treino para a maratona aprender a enfrentar estes dias sem treino e tentar
fazer com que eles me deixem mais bem preparado, mais fortalecido internamente
para a hora em que eu possa voltar a correr.
Agora faltam cerca de 16 semanas para a maratona do Alasca. É
possível que a data chegue e eu não tenha condições de correr; é possível que a
dor não compense o sonhado prazer. Mas o treinamento para a maratona é uma
atividade de risco. E esse aviso vale também para o lado positivo: é possível
que eu me recupere, é possível que, mesmo não chegando aos 100%, eu saiba dosar
minhas forças e controlar minhas dores, é possível que eu vença o quilômetro
dez, o quilômetro vinte, o quilômetro trinta, o quilômetro quarenta, que eu
corra mais dois quilômetros e ainda desfile cento e noventa e cinco metros.
Quem viver verá. Vamo que vamo!
Fala Rodolfo!
ReplyDeleteCaramba, já é dureza voltar aos treinos, dureza uma maratona, dureza as coisas da idade, dureza o... Alasca???? Tá complicando hein! rs
Será em asfalto, provavelmemte em Anchorage né?
Sim, a maratona é em esfalto. Vanmos ver o que rola
ReplyDeleteOá, Rodolfo, tudo bem? Acompanho seus artigos e percursos e já havia perguntado antes aqui no blog, mas aqui vai novamente a dúvida: Qual o treino que você faz para fortalecer a musculatura e, consequentemente, evitar lesões? Musculação, Funcional...? O corredor que não gosta de academias, pode fortalecer a sua musculatura durante o treino em atividades correlacionadas? Grato por sua atenção e aguardo resposta. ABraços
ReplyDeleteRicardo Arruda
Oi, Ricardo, boa pergunta. Vou fazer um texto especifico sobre isso. Faço preparação física orientado pela equipe Força Dinâmica e também cuido da musculatura e das lesões com apoio da Instituto Vita. No total, são exercíios para melhorar a força, o equilibrio e tb a biodinamica da corrida
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