Na manhã de hoje fiz o meu mais longo treino deste ano,
cumprindo a maior distância desde que iniciei este projeto de me reinventar
como maratonista.
Doeu, cansei, mas completei. Foram 14 km, começando sob uma
temperatura agradável e terminando sob sol forte nesta primavera paulistana.
Já lá se vão dois anos sem que eu tenha sequer conseguido arrebanhar
coragem e músculos capazes de enfrentar a preparação para a rainha de todas as
distâncias. Agora, não. Com condições ou nem tanto, estou me preparando para
reaprender as delícias e as desgraças que envolvem o treinamento maratonístico.
Uma delas, ao mesmo tempo delícia e desgraça, é o treino
longo –longão, dizem alguns, longa, falam outros. Não importa. É o dia em que a
gente executa a corrida de maior distância na semana. É quando a gente começa a
testar a preparação, começa a ver como o corpo reage a ficar tanto tempo sob
estresse.
Talvez pela ausência de treinamento organizado ao longo de
tanto tempo, acabei pegando um certo receio do dito longão –a distância é
relativa, pois cada etapa do treinamento encerra seus próprios desafios; no
início, por exemplo, uma pernada de cinco quilômetros já pode ser considerada treino
longo para alguns corredores.
Já na semana anterior fico pensando em como vai ser e
organizo trajetos possíveis, sempre imaginando duas possibilidades: ida e volta
correndo ou ir para sempre e voltar com auxílio motorizado, seja ônibus, seja
metrô. Gosto mais desta última, ainda que acabe tomando mais tempo.
Bueno, o meu primeiro longo do ano seria ontem. Dormi pouco,
acordei mais tarde do que deveria, larguei às 9h já com sol alto e temperatura
acima de 24 graus. Saí para fazer 14 km, fracionados em sete blocos de 1.700 m
de corrida por 300 m de caminhada.
Desde que criei barbas brancas e que as dores dificultam a
movimentação mais escorreita, meus treinos vêm sendo assim, divididos em
blocos, combinando corrida e caminhada. O arquiteto desse desenho é o treinador
Alexandre Blass, que você pode conhecer melhor CLICANDO AQUI.
Pois saí ontem lépido e fagueiro, queimando o chão. Apesar
do sol, as pernas saíram leves e fiz o primeiro bloco em ritmo imprevisto,
fechando os dois quilômetros iniciais em cerca de 12 min, mesmo com o trecho de
caminhada.
Beleza, pensei, e segui na mesma balada no segundo bloco. Na
metade dele, ao longo da avenida Brasil, já vi que tinha feito c***. As pernas
não rendiam, a respiração estava irregular, e a mente dizia: Que saco! Não
tinha dores, mas também não tinha vontade de seguir no treino.
Quando deu o quinto quilômetro, metade do terceiro bloco, já
estava no Ibirapuera. Finalmente, parei para beber alguma coisa, sorvi de
gut-gut uma garrafa de água inteira, em cima de um dulcíssimo sachê de
carboidrato.
Nada disso adiantou. Quinhentos metros para a frente e de
novo eu estava remelento, inquieto, cansado. Caminhei mais um pouco,
volteia correr e chutei o pau da
barraca: Chega!
Bem que eu poderia ter sido mais esperto e abortado o treino
mais perto de um ponto de ônibus: caminhei ainda um quilômetro e meio, me xingando
o tempo todo e prevendo o fracasso do treinamento, a degringolada da maratona,
a vergonha e a débâcle moral completa.
No ônibus, no caminho de volta, fui colocando a mente em
ordem –se é quem dá para se dizer algo assim de minha mente—e comecei a
preparação para dar a volta por cima. Só tinha um caminho: fazer o longão no
dia seguinte, hoje.
De novo, acordei mais tarde do que tinha planejado, mas nada
que me prejudicasse: 6h30 em vez de 6h não é a pior coisa do mundo. Até dar
água e comida pros cachorros e alimentar o esqueleto deste quase idoso,
abluções matinais e tal e coisa e coisa e tal, uma hora se foi.
O treino
iniciou de verdade às 7h28, e meu primeiro objetivo era completar inteiro o
terceiro bloco, onde tinha parado na tentativa anterior.
Pois fui. Estou longe de ser um corredor elegante e com boas
passadas; as dores velhas rondam meu espírito e, ao correr, meu corpo busca
fugir de cada dor passada; assim, músculos se contraem em lugares errados,
tentando evitar dores que não vêm e, assim, tornando-se eles mesmos artesãos de
novos problemas.
Enfim, vou com calma, devagar, tentando deixar as costas
eretas, com o tronco levemente inclinado. Posso ir mais rápido, mas não posso
descuidar de como os pés batem no chão. Também não quero me cansar antes da
hora.
Mesmo com todas essas tensões chamando minha atenção,
consigo acompanhar o que está rolando à minha volta. Afinal, é por isso que
corro na rua (veja abaixo o meu caminho de hoje); afinal, corredor de rua corre
na rua, precisa aproveitar surpresas do terreno e eventuais sustos com
automóveis e bicicletas, fazer de tudo aprendizado para ficar mais esperto na hora
da corrida propriamente dita.
Passos pelos Jardins e, mais uma vez, fico impressionado com
a riqueza das mansões. Desço até a marginal Pinheiros e sigo para o parque do
Povo, onde corri poucos dias depois da inauguração. Para chegar lá, cruzo essa
bela passarela...
Eu gosto tanto dessa ponte sobre os automóveis que passam
chispando que resolvi fazer uma selfie (autorretrato, como se dizia em outros
tempos).
A imagem ficou uma porcaria, mas, enquanto, remexia o celular para
devolvê-lo à minha pochete, saiu mais uma chapa. Esta, mais inusitada, vale a
pena compartilhar.
Mal comparando (bem mal comparando, para ser mais preciso), lembra
o estilo de certo fotógrafo que costumava produzir imagens geniais, mas
absolutamente incompreensíveis (aquilo ali é o quê?, às vezes a gente tinha de perguntar
para o cara).
Bom, passei dos dez quilômetros sem parar, com dores, mas
sem desânimo. No parque, cheguei aos 12 km e ainda pude cumprir um objetivo de
minha jornada, que era fotografar mais uma vez uma escultura que considero a
cara de São Paulo.
Trata-se de “Executivo Fugindo da Chuva”, de Christina Mota.
O engravatado corredor estava de novo com seu guarda-chuva, que foi roubado
algum tempo atrás...
Assim, enganando o corpo com pequenos prêmios, engatei
marcha final para completar o último bloco, que finalizei em frente ao Museu da
Casa Brasileira –recomendo a visita; o restaurante também é muito bom--, na
Faria Lima.
Sentado, esperando o ônibus, suado, fedendo, contabilizava
as dores do primeiro longo do ano, o primeiro longo do resto da minha vida.
Foram apenas 14 km e ainda misturados com caminhadas –com certeza, há quem ria
desse esforço, mas, aviso aos navegantes: cada um com seu cada qual--, mas me
dão esperança de ser capaz de enfrentar meu caminho.
Ainda mais que tenho apoios maravilhosos. Ao chegar em casa,
fui longo cuidar da recuperação do velho corpitcho, comendo e bebendo enquanto
aproveitava o balouçar da rede.
Assim sim! Vamo que vamo!
Parabéns Rodolfo!
ReplyDeleteQue este retorno às maratonas te traga muita realização e km's conquistados.
Estou na torcida!