Hoje eu subi correndo a lomba da Biologia. Foi a primeira vez que fiz isso como aposentado, a primeira vez em mais de dois anos que tenho coragem, músculos, ossos e cabeça em condições de aguentar o tranco e fazer a escalada sem sofrer.
A lomba da Biologia é uma das grandes amigas dos maratonistas de São Paulo. Fica na Cidade Universitária, o sacrossanto terreno da USP (Universidade de São Paulo) e tem como nome oficial rua do Matão.
Em si, ela é mais comprida do que a lomba da Biologia, mas a parte que vale, mesmo, é a que vai da praça do Instituto Oceanográfico, na base da montanha, à praça Professor Alípio Correa Neto –o nome homenageia o mestre cirurgião que deu aulas e foi reitor da USP no século passado, quando também emprestou seus serviços médicos à Força Expedicionária Brasileira, atendendo aos pracinhas que lutaram na Segunda Guerra Mundial.
No total, dá uns mil metros, um pouco para mais, um pouco para menos, dependendo de onde você traça os pontos de partida e chegada. Esse quilômetro vai da pintura amarela no asfalto que dá orientação para o trânsito, na base, à faixa de pedestres no alto, na altura da tal já citada praça.
Ao longo desse quilômetro, a subida é de 35 metros –a altitude no topo é de 786 metros acima do nível do mar. Pouco antes do topo, há uma ponto de ônibus do lado esquerdo de quem sobe. Em frente a ele fica o prédio da Biologia, como a gente chama de forma amistosa.
Trata-se, de fato, do Instituto de Biociências, que foi criado em 1969 com a Reforma Universitária. Segundo a página oficial da USP, “da sua constituição faziam parte os Departamentos de Biologia, Botânica, Fisiologia e Zoologia, estabelecidos em 1934 na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e nela fundados quando da criação da Universidade de São Paulo.
O Instituto de Biociências recebeu, em 1970, não apenas os membros dos referidos departamentos, mas também professores de disciplinas afins de outras faculdades, especialmente os botânicos da antiga Faculdade de Farmácia e Bioquímica”.
Em 1976, foi criado “o Departamento de Ecologia Geral, reunindo os docentes do IB mais voltados aos estudos ecológicos. O atual Curso de Ciências Biológicas, oferecido pelo IB, teve sua origem no curso de História Natural da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Além de suas atividades didáticas, o Instituto tem uma longa tradição de pesquisa”.
Deve ser muito bom estudar lá. Eu adoro biologia, ainda que tenha estado muito distante dela; desde o segundo grau, para ser exato, já lá se vão 40 anos. Ainda que gostasse e fosse bom aluno, não conseguia gravar as coisas muito bem, tanto que, no vestibular, minha pior nota foi exatamente em biologia e química.
Na vida adulta, porém, a Biologia para mim é a tal da dita lomba. Ela é só para subir; ninguém (ou raros atletas) desce a lomba Biologia; a volta lá do alto é feita pela rua do Lago, mais conhecida como rua da Arquitetura, porque a descida termina em frente ao belo prédio da FAU.
Nos meus tempos de maratonista militante, quando fazia uma montanha de provas por ano –cheguei a correr nove maratonas e ultras em 11 meses--, vivia lá na USP. Meus treinos eram sempre de mais de 15 km (não raro, beeem mais), então dava para sair de casa, rodar por lá um pouco e pegar uma condução de volta.
Adorava subir a Biologia. Fiz treinos de 30 km com cinco subidas. Na preparação para minha primeira ultramaratona, em 2002, fiz quatro voltas de 10 km, cada uma completa com Biologia.
A Eleonora atuou como apoio naquele treino, que durou mais de cinco horas. Não ouvia música –nunca uso fones de ouvido nos treinos ou nas corridas--, mas cantei muito para mim mesmo naquele superlongão.
A música era uma que tinha aprendido nos ensaios de um coral em que participava na época –acho até que era o coral da Folha, que durou muito pouco tempo, mas deixou boas lembranças.
Era “Seduzir”, de Djavan; eu me engrolava com a maior parte da letra, mas repetia sem parar e sem me cansar a parte que diz: “Vou andar, vou voar, pra ver o mundo; nem que eu bebesse o mar encheria o que eu tenho de fundo”.
Naquela época, já lá se vão mais de dois anos, eu conhecia a lomba da Biologia tintim por tintim. Às vezes, até descia por ela, com todo o cuidado. Teve sábado que encontrei comm estudantes que desciam a mil por hora em seus carrinhos de lomba, alguns super-hipersoficisticados –todo o ano há um campeonato de construtores e de velocidade, acho que quem cuida é o pessoal da Poli.
Mas na maioria das vezes éramos apenas eu e a lomba. Fiz treino de tiro lá: não de arma de fogo, de corrida mesmo. Em alta velocidade (a máxima possível para um sujeito lerdo), subia até a segunda lombada, voltando a passo. Doutras vezes, a subida era até o primeiro platô, daí fazia mais lento.
Ou simplesmente rodava para um lado e outro, voltava até o bosque, descia pela Prefeitura da USP, subia pelo Hospital Universitário, descia a rua da FAU e voltava a enfrentar a Biologia. Dito assim, parece pouco, mas é um conjunto de subidas e descidas para ninguém botar defeito.
Hoje fui modesto. Minha condição física não permite arroubos e há qaue ter humildade frente aos desafios. Ia passar ao largo, apenas rodar em torno da praça do Oceanográfico. Mas não deu, a Biologia me puxou. Foi o ponto alto, com o perdão do trocadalho, de meus 20 km do dia.
Foi muito bom. Terminei muito mais cansado do que poderia esperar de cinco blocos de 3.700 metros correndo e 300 m caminhando; suei, fiq uei com sede, fiquei com fome. Mas saí alegre, pensando na maratona do Alasca, começando a acreditar que vou voltar a ser um maratonista militante. Ainda que iniciante.
Vamo que vamo!
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