Negra e cega, Dinacleia Galdino não se apequena frente às adversidades
que a vida lhe impôs nem se rende ao preconceito. Trabalha e garante o próprio
sustento, circula pela cidade acompanhada por Ellie, seu cão-guia, e pratica
esporte com rara determinação.
Cleia, como é chamada pelos amigos, é uma corredora entusiasmada. Afinal, o esporte foi uma das formas que ela encontrou para se manter disposta e de espírito alerta depois que perdeu a visão em 2005, aos 28 anos, por causa de um tipo de retinose.
Cleia, como é chamada pelos amigos, é uma corredora entusiasmada. Afinal, o esporte foi uma das formas que ela encontrou para se manter disposta e de espírito alerta depois que perdeu a visão em 2005, aos 28 anos, por causa de um tipo de retinose.
Dinacleia Galdino, 39, maratonista cega que foi insultada por cilcista enquanto treinava nas alamedas da USP - fotos Eleonora de Lucena |
Claro que os primeiros tempos foram duros, mas aos poucos a
batalhadora Cleia foi se reaprumando. Manteve, por algum tempo, o trabalho que
desenvolvia antes da doença –é formada em fonoaudiologia—, e descobriu a
corrida.
Foi por incentivo de um amigo que começou a dar seus
primeiros trotes, em 2008. No início, foi só para se manter alerta, mas logo
vieram as corridas de rua.
Para encurtar a história: em janeiro de 2015, sete anos
depois das primeiras e tímidas passadas, Cleia virou maratonista. Fez sua
estreia em uma prova na Disney, nos Estados Unidos.
Como tinha de treinar bastante, resolveu logo de cara chutar
o pau da barraca, enfrentando pedreira que muito maratonista experiente prefere
evitar.
Fez o Desafio do Dunga, que consiste em correr, em quatro
dias seguidos, uma prova de 5 km, uma de 10 km, uma meia maratona e uma
maratona.
Coisa para poucos, tontos ou doidinhos como era o simpático anão
Dunga, da história da Branca de Neve e os Sete Anões.
Claro que ela arrastou na empreitada sua guia, parceira de
corrida de todas as horas. A fisioterapeuta Lúcia Guimarães, 52, corre desde
2003 e atua como guia há dois anos.
Lucia, Cleia e Ellie lideram a cCaminhada pela Inclusão realizada nas alamedas da Cidade Universitária - Foto Rodolfo Lucena |
Foi pegar logo uma figura entusiasmada e decida como a
Cleia; o resultado é que, também para a Lúcia, a primeira maratona não teve só
os tradicionais 42.195 metros, mas sim um pacote de quase 80 quilômetros em quatro
dias seguidos.
É com Lucia que Cleia treina, nas alamedas da USP, três
vezes por semana.
E foi com ela que a deficiente visual ouviu a reclamação
feita por um ciclista, em altos brados: “Puxa, agora até cego treina aqui na
USP?!?!” Como a dizer: “Sai daqui, coisa
ruim!”
Quando a notícia se espalhou, muitos corredores e outros
deficientes físicos que praticam esporte na USP também ficaram revoltados.
Dessa indignação nasceu a Caminhada Pela Inclusão Social, realizada hoje nas
alamedas da USP, o mesmo terreno em que, há uma semana, Cleia foi ofendida e
humilhada.
Decidi fazer um breve intervalo em meu mergulho corrido na
história de Manoel Fiel Filho para participar da jornada pela inclusão.
Acredito que meu homenageado, que era um batalhador pela democracia, apoiaria
minha decisão.
A concentração foi em uma das travessas da chamada rua da
Raia, entre o Velódromo e o Crusp, o centro residencial dos universitários.
Éramos umas poucas dezenas. Havia cegos, gente sem braço,
deficientes auditivos, esportistas em cadeiras de rodas; e havia gente com
visão, pernas, braços e audição, todos juntos na mesma jornada, que é um dos
aspectos da luta contra a discriminação, a luta pela democracia.
Alguns vestidos de branco, outros com as camisetas coloridas
de guia, seguimos todos em duplas unidas pela tradicional cordinha usada por
deficientes visuais e guias durante treinos e corridas. Os que temos visão
caminhamos de óculos escuros, como a dizer que estamos todos juntos na mesma
balada.
Que, como várias pessoas destacaram, ao longo da caminhada,
não é para pedir espaço para um cego ou para alguém que perdeu uma perna ou um
braço ou não ouve ou não fala bem: o espaço é de todos e a sociedade tem de se
abrir para todos e dar oportunidade a todos –é um dos caminhos para termos uma
mundo melhor, mais justo e solidário.
Ou, como disse Dinacleia Galdino: “Eu gostaria que todos se
conscientizassem de que tem espaço para todo mundo, que qualquer pessoa com
deficiência pode praticar esporte, desde que tenha adaptação para isso. Assim
como todo atleta gosta de ser respeitado, ele também tem de respeitar os outros”.
CAMINHADA POR MANOEL - Dia 4
Percurso de 4 km na Cidade Universitária, realizado em 1h04min
Quilometragem acumulada: 36,58 km
Parabéns Rodolfo pela reportagem e pela cobertura do evento.
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