Eram enormes aquelas máquinas!!! Maiores ainda,
gigantescas, monstruosas no olhar pela menina miúda que se arriscava a dominar
aquelas engrenagens, comandar os teares, transformar fios em tecidos.
Ainda hoje, quase 70 anos depois, Thereza Fiel Filho
parece se impressionar com o tamanho das máquinas. Abre os braços, alonga-os
para cima, como a descrever algo muito além da compreensão humana.
Não eram. Com apenas 14 anos, Thereza ingressou na
fábrica de tecidos das Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo. Nunca sofreu um
acidente, mas lembra que, de vez em quando, batia a cabeça em alguma volta das
engrenagens.
Ela precisava ajudar a família, de imigrantes portugueses
que desembarcaram no Brasil nas primeiras décadas do século passado para buscar
uma vida melhor, talvez fugindo das agruras vividas na Europa depois de
Primeira Guerra Mundial.
Nem dona Thereza nem suas filhas lembram exatamente das
origens e das datas envolvendo os avós, seu Reis e dona Ana Maria. Sabem que
eram portugueses legítimos, um de Bragança e outro de Trás-os-Montes. E sabem
que o avô não tinha tempo para nada, estava sempre trabalhando.
Ele cumpria o turno da noite, atuava naqueles caminhões
enormes de limpeza. Equipado com grandes vassourões, os veículos varriam as
ruas no período noturno, jogando a sujeirada para a sarjeta, preparando tudo
para o trabalho dos garis.
Tão ocupado era o seu Reis que não pode registrar a pequena
Thereza no dia mesmo em que ela nasceu --nem na semana seguinte.
A futura esposa de Manoel Fiel Filho
veio ao mundo em 15 de outubro de 1932, mas o pai só acabou por registrá-la em
três de novembro.
Outubrina ou novembrina, era uma menininha aquela que
saía da casa dos pais, na Água Rasa, para ir trabalhar no complexo empresarial
criado pelo conde Francesco Matarazzo.
No terceiro dia do projeto CORRIDA POR MANOEL, saí de
casa buscando o mesmo destino onde, há mais de sessenta anos, Thereza Fiel
batia ponto dos os dias.
Descendo da região do espigão da Paulista, vou direto
para o centro velho de São Paulo, cruzo viadutos, passo sobre a linha de trens
–os trilhos são o primeiro marco divisório, espécie de cerca separando a região
central, rica e movimentada, da periferia. É para lá que vou.
A rua do Gasômetro, repleta de lojas de ferragens e
madeiras, é o caminho até o largo da Concórdia, onde ambulantes vendem desde
produtos usados a camisetas de grife. Daí é um pulo até a Celso Garcia, avenida
que há mais de 400 anos é uma espécie de porta oficial de entrada –ou saída,
claro—da zona leste de São Paulo.
Sua história começa ainda no Brasil Colônia, ensina texto da faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da USP. Por lá passavam as romarias que seguiam
para capela da Penha, fundada em 1667; antes do nome atual, chamou-se Estrada
da Penha e Caminho do José do Brás.
No início do século passado, a Avenida
Celso Garcia começa a ganhar grande número de comércio, cinemas, casarões de
famílias afluentes e muitas fábricas.
Talvez para celebrar esse passado, uma
construtora resolveu dar a um modesto prédio de construção sisuda o nome de
Olga Benário Prestes (1908-1942), mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes
(1898-1990).
A homenagem à combatente pela
liberdade assassinada pelos nazistas parece deslocada do entorno em que está instalado
o pequeno prédio: igrejas e templos das mais diversas denominações religiosas.
Ao lado do edifício, por exemplo, fica o Ministério Mudanças de Vida.
Um pouco antes, no caminho de quem vai
do centro para o bairro, há uma casa de orações da igreja Universal, depois o
portentoso Templo de Salomão e, à frente dele, do lado par da rua, igreja São
João Batista do Brás.
Talvez Olga se sentisse melhor em
outra companhia, a dos trabalhadores que viveram na quase vizinha Vila Maria
Zélia, construída a poucos quarteirões da avenida Celso Garcia, na rua dos
Prazeres.
Primeira vila operária do Brasil, a
Maria Zélia foi inaugurada no ano da graça de 1917. Marco do processo de
industrialização do país, o conjunto habitacional foi construído para abrigar
as famílias dos 2.100 operários que trabalhavam em uma indústria têxtil, a Companhia Nacional de Tecidos de Juta, do jovem magnata Jorge
Street.
Sua construção naquela região é mais um indicador de como o
bairro, nas primeiras décadas do século passado, estava em franco progresso.
Hoje, porém, a Vila Maria Zélia, ainda que de reconhecida importância
histórica, sofre do mal do esquecimento.
A maior parte das casas foi reformada pelas famílias que
compraram as residências. Há ainda grandes e antigos prédios em tristes ruínas.
Convênios entre diversas instâncias do governo foram assinados para promover o
restauro, e há placas nos prédios informando isso, mas o fato é que, pelo menos
ao olhar deste corredor que hoje passou por lá, nada de concreto parece estar
sendo feito.
Exatamente o oposto do que ocorria nos anos 1920, 1930,
1940. Tudo era novo, cuidado, em funcionamento. Grandes complexos empresariais
tomavam conta do entorno da avenida Celso Garcia, a começar pelo conjunto da
IRFM, cuja porta de entrada era no número 1907.
Lá Thereza mourejou por sete ou oito anos, não se recorda
mais com certeza. Sabe , porém, que largou o emprego quando casou com Manoel.
Sua missão, a partir dali, seria construir família.
Provavelmente nunca mais voltou para ver o que aconteceu com
a fábrica de tecidos onde, menina ainda, dominava aquelas máquinas enormes.
Pois fábrica não há mais. No terreno onde há décadas se
ouvia o barulho de engrenagens e circulavam operários em faina intensa, hoje há
prédios orgulhosos e movimentado centro comercial.
São 28 torres, conta o pessoal da segurança do enorme
condomínio. Nos edifícios de centenas de apartamentos, moram 8.000 pessoas; se
o conjunto fosse uma cidade, seria maior do que mais de um quarto dos
municípios brasileiros.
Dia 3 - Corrida Por Manoel
Percurso: 14 km concluídos em 1h47min48
Quilometragem acumulada: 32,58 km
Muito bacana essa sua homenagem ao Manoel, quando.tudo aconteceu em 76, 2/anos depois eu ingressava no Sindicato dos Metalúrgicos, e seouvia de tudo a respeito do fato. O mais legal ainda é que hoje voltando do meu treino ye.vi do outro lado da rua e disse ao meu.marido: não é o Rodolfo? E ele me responde: tá louca o que ele estaria fazendo aqui? Brigaduuuu, não estou louca. Da.próxima vamos tirar uma.foto
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