28.9.16

Corrida até Quitaúna faz homenagem a Carlos Lamarca

Julho de 1969.


No dia 20, a Lua foi conquistada. “Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade”, disse o astronauta Neil Armstrong.
Uma semana depois, no dia 26, no Brasil, outro homem construía outra grande frase, definidora de vida:

Vivo falando de vocês com meus companheiros, eles estão longe dos filhos também e falam nos filhos deles. Um só é o desejo de todos nós, é que nossos filhos sejam revolucionários. O que é um revolucionário? É toda a pessoa que ama todos os povos, ama a Humanidade, tem uma imensa capacidade de amar, ama a justiça, a igualdade.”
Esse é um trecho da carta que Carlos Lamarca, um dos mais importantes –se não o mais importante— comandantes da resistência armada à ditadura, escreveu para seus filhos, Cesar e Claudia.
O “Capitão da Guerrilha” foi assassinado em 17 de setembro de 1971 por integrantes da “Operação Pajuçara”, em Ipupiara, no interior da Bahia. O site “Memória da Ditadura” conta que a operação, iniciada em agosto de 1971, “entrou para a história como uma das mais violentas, sobretudo em Buritis, que se tornou à época um verdadeiro campo de concentração, com torturas e assassinatos em praça pública, diante da população”.
No último dia 17 de setembro, portanto, completaram-se 45 anos da morte do líder guerrilheiro, pensador revolucionário, homem apaixonado. Resolvi fazer uma homenagem à memória do comandante realizando em São Paulo a Primeira Corrida Carlos Lamarca.
Dezenas de pessoas manifestaram interesse no evento que criei em uma rede social, um treino livre chamado Primeira Corrida Coronel Carlos Lamarca.




Opa, peraí, é capitão ou é coronel?

Em 2007, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça concedeu a patente de coronel do Exército a Carlos Lamarca e o status de perseguidos políticos à sua primeira esposa, Maria Pavan Lamarca, e a seus dois filhos, que passaram a ter direito a pensão e indenização.
O problema é que viúvos da ditadura, raivosos, entraram na Justiça contra a decisão. O ato da Comissão de Anistia foi revogado, depois voltou a valer; a última notícia que vi, de maio do ano passado, dava conta de nova revogação da reparação a Lamarca e seus descendentes.
A sentença judicial contém esta inacreditável frase: "Considerando os termos do artigo 8º do ADCT/88, não se vê direito ao regime de anistiado apenas e tão somente pelo fato de determinada pessoa ter sofrido, ainda que em razão de opção política, injusta e danosa perseguição estatal".
O Ministério da Justiça, porém, contestou a decisão: “A anistia a Carlos Lamarca, seus dois filhos e sua esposa constitui-se em ato oficial do Estado brasileiro, após rigoroso processo administrativo que também levou em conta decisões judiciais, está integralmente amparada pelo artigo 8º do ADCT da Constituição da Republica de 1988 e pela sua regulamentação na Lei 10.559/02".
Independentemente de recursos e contestações na Justiça, o Brasil reconhece sua dívida para com Lamarca, homenageado hoje em pelo menos 25 praças e ruas pelo Brasil afora, nomes de escola e outras lembranças.

A nossa, de maratonista, foi uma corrida. 

O percurso seria um mergulho na história, indo até o quartel de Quitaúna, em Osasco, onde Lamarca serviu e de onde partiu, em 24 de janeiro de 1969, para se tornar herói nacional.

Para completar o dia, teríamos uma roda de conversa com o jornalista e professor Antonio Roberto Espinosa, que foi companheiro de Lamarca na VPR e iria contar sobre o momentoso episódio da saída do capitão.
A data marcada foi 25 de setembro, uma semana depois do aniversário de 45 anos da morte do comandante da guerrilha.

O domingo nasceu frio, úmido, ventoso. 
De vez em quando, uma chuvinha fina tornava o dia ainda mais cinzento, chatonildo.
Quando cheguei ao ponto marcado para o encontro, tinha certeza de que nenhum dos dez “confirmados” para a corrida viria. 
Decidi, de qualquer forma, esperar até as sete horas para iniciar minha jornada.
Faltando cinco minutos para a partida, porém, notei com alegria uma figura se movendo entre as barracas da feira livre instalada na rua Oscar Freira, próximo à saída da estação Sumaré do metrô.
Claramente, procurava alguém. Para, uma certeza: teria pelo menos um parceiro na Primeira Corrida Carlos Lamarca.
E que parceiro: para um mergulho na memória, um corredor vindo do passado. 
Tratava-se de Jopa Saboia Fiúza, que fora professor de educação física de minhas filhas no colégio Logos, no final do século passado.
Cerca de 20 anos mais tarde, voltamos a nos encontrar nas ruas de São Paulo, nas manifestações de protesto contra o golpe, em defesa da democracia no Brasil.


Agora, ele estava ali para participar de um trajeto de dezoito quilômetros. Apesar de dedicado às lides da educação física e de ter sido na juventude, jogador profissional de vôlei, Jopa não corre nem faz outros treinos regulares.
Mesmo assim, na flor de seus 50 anos e vindo de uma balada que só terminara pelas três da manhã, queria correr. Mais: queria marcar sua homenagem a Lamarca, defensor da Pátria e da democracia no Brasil.
E assim nos fomos, ele e eu, descendo dos altos do Sumaré –é uma franja do chamado “espigão da Paulista”, estamos ali a mais de 800 metros acima do nível do mar— para a beira do rio Tietê. Depois, subiríamos os morros de Osasco e mergulharíamos até os trilhos do trem que margeiam as instalações do Exército.
Jopa não só não estava treinado como também enfrenta hérnias dolorosas; pelo meu lado, tenho mais lesões que gosto de contar. Então fomos os dois com cuidado, descendo as lombas mais fortes no passado, aproveitando ondulações mais leves para trotar.
Quando parávamos para tomar água e repor as energias, o ventinho gelado dava para assustar. O jeito era retomar a jornada correndo um pouquinho mais forte até esquentar, entrando depois em ritmo de cruzeiro.

Conversando sobre a vida, chegamos enfim à estação de trem de Quitaúna e, poucos metros depois, à boca das instalações militares que um dia abrigaram o quarto erre-í (quarto regimento de infantaria, 4º RI); hoje o nome é outro, mas a memória de Lamarca lá continua.
Encontramos ali o professor Espinosa e outros companheiros que não puderam participar da corrida, mas que também queriam fazer sua homenagem a Lamarca. 
Para marcar o momento, vestimos ali nossas camisetas da Primeira Corrida Carlos Lamarca –arte gentilmente criada pela designer Joana Brasileiro. Simbolicamente, levamos o capitão de volta a seu quartel.

Estava encerrada a corrida, mas não nossa jornada. O bate-papo com Espinosa foi inesquecível. Não só nos contou detalhes da saída do quartel como também lembrou outros momentos da vida de Lamarca. E nos revelou até que, antes de conhecer o capitão, tinha chegado a propor a execução de Lamarca, que considerava “inimigo do povo”.
Aos 70 anos, doutor em política internacional, Antonio Roberto Espinosa é professor da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios no campus Osasco da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Osasquense de berço, o professor e jornalista foi um dos comandantes das organizações armadas de combate à ditadura militar VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares).
E é um grande contador de histórias, de fala pausada e narração detalhista. A partir de agora, acompanhe um pouco do que ele nos contou sobre alguns momentos da vida de Lamarca e de sua própria militância.


A TOMADA DO QUARTEL – O PLANEJAMENTO
“O quartel de Quitaúna seria tomado no dia 26 de janeiro de 1969. A ação estava todinha preparada, iriam participar 43 companheiros.
Era um domingo, dia em que o quartel estava com menos gente dentro. Mais: dependendo do comandante da guarda, os soldados ficavam com o fuzil, mas sem munição. Nesse dia, o comandante da guarda, que é quem controla toda a segurança do prédio, seria o Darci Rodrigues, sargento, também ligado com a gente, da VPR.
O Darci, na hora marcada, estaria junto com o sentinela no portão. Nós iríamos trazer um caminhão pintado com as cores do Exército, e o caminhão iria passar por todas as companhias e arrecadar todas as armas. No Paiol, na Companhia do Lamarca e mais uma Companhia, eram cinco companhias no total, as armas já estariam ensacadas. Estavam preparadas pelo grupo que nós tínhamos no quartel, que eram os soldados que moravam aqui pertinho, neste bairro em que estamos agora.
A ação foi preparada durante dois meses e meio a três meses. Todos os pormenores da ação, a sequência, tudo isso estava previsto no papel. Estava planejado. A ação duraria mais ou menos 40, 45 minutos.
O caminhão sairia levando todas essas armas do quartel, e essas armas seriam transferidas para quatro Kombis, que seriam levadas para diferentes pontos, e o caminhão seria explodido.
No mesmo dia, seriam feitas várias ações em São Paulo. Por exemplo: seria bombardeado, com um lança morteiro que nós tínhamos fabricado, o QG do II Exército. Outro grupo tomaria o Campo de Marte. Um outro, eu ia fazer parte desse outro depois, ia explodir o prédio da Academia de Polícia, que fica ali na entrada da USP. Outros grupos fariam atentados contra todas as empresas americanas na Avenida Santo Amaro. A gente chamava isso de noite de São Bartolomeu. Tudo isso estava planejado.

PLANEJAMENTO ABORTADO, PRISÕES, TORTURA
Nós arrumamos uma chácara, mal arrumada, para pintar o caminhão com as cores do Exército.
Eu fui buscar o caminhão, que tínhamos alugado em uma transportadora no Tatuapé. Contratamos para uma mudança e, no meio do caminho, tomamos o caminhão. Levei para essa chácara, que ficava em uma estradinha entre Cotia e Itapecerica da Serra.
Era um terreno pequeno, na verdade, e tratamos de cobrir o caminha com uma lona. Ficou parecendo um circo, foi tudo muito improvisado. Isso era mais ou menos uns 15 dias antes da data marcada para a tomada do quartel. Deixei o caminha lá e os companheiros encarregados iniciaram imediatamente a pintura.
O dono da chácara, quando viu o circo montado na chácara dele, caminhão sendo pintado com as cores do Exército, ele começou a ficar apavorado. Nós íamos fazer a ação, mas a vida dele continua ali. Aliás, a gente não tinha bem pensado o que fazer com ele e a família dele, como arrumaria a proteção para eles depois.
As crianças da região iam lá, passavam por baixo da cerca e ficavam assistindo o trabalho. O pessoal que estava pintando, expulsando a molecada. Um dia, um dos nossos deu um tapa num dos moleques, um que era especialmente peralta.
O menino conta para a mãe, diz que tinha um caminhão sendo pintado do Exército. A mãe foi à delegacia de Itapecerica. Foram lá. Dois soldados com revólver, o nosso pessoal que estava no caminhão, era calor, janeiro, eles estavam pintando sem camisa, nem passava pela cabeça que ia chegar a polícia. Eram uns soldadinhos da PM, que na época era força pública. Acabaram rendendo os quatro. Isso foi dia 22 ou 23 de janeiro, o trabalho estava quase pronto.
Os companheiros presos arrumaram rapidamente uma história, iam dizer que estavam pintando o caminhão para usá-lo em ação de contrabando. Só que um dos caras, quando preso, já chegou com a disposição de colaborar. Em fase nenhuma chegou a levar um tapa. Virou. Mudou de lado. Está morto hoje. Morreu de doença. Mas ele mudou de lado, passou a ser um quadro da polícia.
Nós ficamos sabendo disso porque os companheiros estavam dando mancada nos pontos, não apareciam nos encontros marcados. Depois recebemos informação de que o tal companheiro tinha vida, estava falando tudo.
Conseguimos avisar o Lamarca, e a decisão era suspender a ação porque o caminhão tinha sido identificado, os companheiros presos. Se a ação fosse realizada, pegando todas as armas, seriam 364 FAL (fuzil automático leve) e outras armas.

LAMARCA SAI SOZINHO
O capitão disse que não era mais possível ficar no quartel, acabaria sendo identificado, não havia a menor condição.
Decidiu sair sozinho e, por causa das prisões, antecipou em dois dias a ação. “Eu vou com a minha Kombi e pego as armas de minha companhia”, disse Lamarca.
Ele aconselhou os outros três a ficarem no quartel. O argumento é que para ele não dava mais porque desde que ele havia entrado em contato conosco já vinha nos passando materiais do Exército, detonadores, dinamites, munição. “Eu estou com o prazo de validade vencido. Logo vão me identificar”, disse Lamarca.
Mas os outros três companheiros fizeram a mesma avaliação que ele. “Se nós ficarmos nós seremos presos”. Então acabaram saindo também. A ação, porém, foi feita só pelo Lamarca. Ele só pediu que os outros estivessem no quartel na hora combinada, para agir se houvesse algum problema. Não houve problema nenhum.
Era comum Lamarca levar armas para outros quartéis, para ações de treinamento. Ele tinha ficado famoso por ter treinado as moças do Bradesco, as caixas do banco, para que soubessem atirar, reagir aos assaltos.

UM INTERREGNO NA HISTÓRIA

Aqui houve um episódio curioso. A história do treinamento virou notícia, saiu numa foto na revista “manchete” que ficou famosa.
Quando a Manchete publicou essa revista, a foto enorme dele na capa. Era a maior facilidade descobrir o cara, onde andava. Falei para o Diógenes [outro comandante da VPR]: “Quem é esse capitãozinho? Vamos fazer uma ação exemplar, de justiçamento”. O Diógenes falou para mim: “Calma. Na semana que vem você vai entender por quê”.
Eu não sabia quem era. Eu achava que era o inimigo. Na semana seguinte, tivemos uma reunião preparatória para a ação no quartel. Participou o João, que era o nome de guerra do Lamarca, o meu era Hélio.
“Você não está reconhecendo o João”, me perguntou o Diógenes. Eu olhei assim, disse que não. “Ele é o cara que você queria fuzilar na semana passada”, disse o Diógenes. Foi assim que eu conheci o Lamarca.

SEGUE A HISTÓRIA DA SAÍDA DE LAMARCA

Na tarde de sexta-feira, então, Lamarca saiu dizendo que iria para dar um treinamento. Saiu brincando com as armas.  “Hoje eu não vou voltar!”. Todo mundo caiu na gargalhada. Ele era campeão de tiro, famoso na unidade. O que também valeu a ele muitos ódios.
Quando ele saiu com a Kombi, o Hermes, que tinha sido preso com o caminhão, já estava começando a colaborar. As armas foram levadas para um aparelho no Alto da Lapa, onde morava um cara chamado Paulinho, funcionário de uma farmacêutica. Tinha alugado um carro grande, uma parte das armas iria para lá dentro.
Foram para esse aparelho porque outros poderiam cair. Nós já sabíamos que o cara estava colaborado. Nós tínhamos outro sargento, que era da PE, estava alocado no QG. Ele nos traz informação: “O cara está falando até a cor da meia que as pessoas usavam”.
Então precisávamos tirar as armas do aparelho. Colocamos num carro, uma C-14. Eu fiquei circulando com ela 48 horas, sem dormir, passando por batidas policiais, esperando por informação de segurança. Até que conseguiram um lugar para guardar as armas, um aparelho da ALN (Ação Libertadora Nacional, comandada por Carlos Marighella). Deixei a perua numa praça perto da avenida Santo Amaro, eles pegaram e levaram. As armas saíram de nosso controle.

INVEJA DE PONTARIA

Havia entre os oficiais muita inveja de Lamarca. Inveja de pontaria é a pior coisa dentro do Exército. Pior que ciúme de marido.
Além de ser campeão de tiro, Lamarca tinha vencido um treinamento de contraguerrilha no Exército. Ele se apresentou para fazer o papel de guerrilheiro. Só pediu nove soldados. Nove contra cinco mil. E ganhou.
Nesse treinamento, que foi em 1968, ele testou algumas táticas que ele tinha bolado para a região. Ele e seus soldados chegaram 24 horas antes da tropa, esse tempo era a única vantagem que eles tinham. Fui num campo, nuns matinhos em Pirapora.
Na Kombi dele, aquela com que ele saiu do quartel em 1969, ele levou os soldados, a sua turma. Ele levou água mineral, leite condensado, jabá picado, e enxadas e pás, eles cavaram dez buracos. Colocaram essas comidas no fundo, taparam com vegetação. E ficaram lá.
Quando a tropa chega, os soldados montam o acampamento, saem procurando os “guerrilheiros”, não acham, falam: “Bom, vamos voltar”. Vão jogar cartas, bater papo, levam uísque, vão tomar uísque. Amanhã a gente recomeça. Montam postos de guarda, ficam lá.
No acampamento, os soldados dormem até de coturno, com a arma do lado. Pronto para o combate. Só que os oficiais não. Ficam na barraca, tiram a calça, ficam de cueca. O Lamarca conhecia isso. Sabia como é que eles agiam.
O que ele fez?
Às duas da manhã, ele sabia que os sentinelas estariam com sono, um ou outro poderia estar dormindo, os oficiais estariam de cueca. Na hora precisa, eles saem do buraco com facões. Pegam o sentinela distraído. Dominam. Botam fita crepe na boca e amarram. Pegam a arma do sentinela.
Cortaram as cordas das barracas dos oficiais, inclusive os generais. Havia generais acompanhando. Cortaram, deixaram só uma corda, negócio preso. Todos saíram, o último: “pac”: as barracas vêm todas ao chão. Pegaram também as munições dos oficiais. Ou seja, se fosse para colocar uma bomba, atirar [...] Esse negócio de cortar a corda é para mostrar que podiam ter feito o que quisessem.
Voltaram para os buracos. Os caras acordam, aquele negócio é a maior confusão. General apavorado. Acordado no meio do sono, de cueca no meio da tropa. Houve uma desmoralização. Apesar disso, eles remontaram. “Vamos pegar esse filho da puta desse moleque!”.
A tropa seguiu nas buscas, sem sucesso.
Lamarca manteve seu grupo escondido mais dois dias. E repetiu a ação. Os oficiais ficaram furiosos, determinaram o fim do acampamento. Tal a bronca. Esse episódio foi o Lamarca que me contou.



LAMARCA VIVE!! VIVA LAMARCA!!
Esses foram trechos das históricas contadas por Espinosa para o nosso grupo da Primeira Corrida Carlos Lamarca. De certa forma, contribuem para o mito em torno da vida e obra do capitão.
Em tudo, fica a lembrança do grande brasileiro, que precisa ser sempre lembrado e homenageado.
Aliás, a nossa homenagem corrida foi bem recebida pela família de Lamarca. Quando soube do evento, Claudia Pavan Lamarca, filha do capitão, escreveu para mim:
“Olá, Rodolfo. Nossa, que bela homenagem. Linda iniciativa. Agradeço pela bonita homenagem!”

O filho mais velho, Cesar, também comentou: “Maravilhosa iniciativa. Parabéns. Carlos Lamarca Vive!”

De fato, é disso que se trata. O exemplo de luta de Lamarca e sua generosidade estão vivos nas lutas de nosso povo pela democracia e pela soberania nacional.
Encerro com a frase com que ele costumava terminar muitos de seus escritos:  “OUSAR LUTAR! OUSAR VENCER!”

7.9.16

Acidentado em frente a hospital fica 40 minutos sem socorro

Trabalhador acidentado caído no asfalto em frente ao Hospital Oswaldo Cruz - fotos Eleonora de Lucena


Caído ao chão, com a cabeça sangrando, dores nas costas e no pescoço, sem condições de se mover, Jean Vieira ficou mais de 40 minutos estendido no asfalto em frente ao Hospital Oswaldo Cruz, um dos melhores, mais ricos e famosos de São Paulo, sem receber atendimento.
Jean, 42, estava podando uma árvore em frente ao prédio número 1.838 na rua Treze de Maio, quando perdeu o equilíbrio e caiu.
Gregório Silva, um dos Corredores Patriotas Contra o Golpe, viu a cena e saiu correndo o meio quarteirão que o separava do acidente. Eu, que estava um pouco atrás de Gregório, também fui, e logo todos os outros corredores de nosso grupo estavam juntos, em torno do acidentado.
O zelador do prédio estava de pé, atrás de Jean, sustentando as costas do jardineiro, que ainda estava sentado no asfalto, escorado no amigo. Ninguém do nosso grupo entende nada de primeiros socorros além do que se vê na TV, mas vimos que aquela posição não era boa.
Enquanto Gregório tentava chamar o resgate, outros buscaram um papelão e coisas para deixar Jean deitado e com um mínimo de conforto.
Havia muito sangue do lado esquerdo da cabeça do ferido.
A resposta que Gregório ouviu do serviço 192, depois de ter de responder a um imenso questionário, é que o caso estava registrado como de atendimento prioritário.
Então decidimos fazer o que parecia óbvio: pedir ajuda ao pessoal do Hospital Oswaldo Cruz, que ficava exatamente em frente, do outro lado da rua.
Corri até a portaria, avisei a atendente, falei que o sujeito estava estendido no chão, com sangue na cabeça e não conseguia se mexer. Ela disse que iria informar o pessoal do atendimento.
Mais de 15 minutos já tinham se passado desde a hora do acidente, ocorrido por volta das 8h36 (o treino havia parado às 8h34min02 e estávamos a passo já havia um tempinho, atravessando a rua quando percebemos o ocorrido).
Achei que o hospital não ia fazer nada, também não esperava nada do resgate. Saí a procurar algum PM que pudesse acionar algum serviço de emergência.
Encontrei uma dupla –um homem e uma mulher—de policiais na praça Oswaldo Cruz, onde se concentrava o povo que iria participar do Grito dos Excluídos. Ambos me ouviram e resolveram ir até o local do acidente.
Àquela altura já havia mais gente em torno do acidentado, e vários moradores do prédio manifestação indignação contra o que consideravam omissão do hospital.
Foi quando, do outro lado da rua, o segurança da guarita do hospital fez sinal de positivo, avisando que o atendimento estava chegando. De longe, pude ver duas pessoas de uniforme azul, de atendente de hospital, empurrando uma cadeira de rodas.
O comentário entre nós, que estávamos em volta de Jean Vieira, era o óbvio: aquilo não ia servir, precisam vir com maca para atendimento de emergência.
Os atendentes com a tal cadeira de rodas não chegaram nem à guarita de entrada do hospital; deram a volta. Ninguém do hospital deu a mínima notícia do que estavam fazendo, pretendiam fazer ou não fazer.
O jornalista Celso, que se somou ao nosso grupo, e a dona Lígia, moradora do prédio, foram mais uma vez até a portaria do hospital clamar por ajuda.
Nós todos estávamos indignados, os policiais que estavam ali com o grupo pareciam querer ajudar, mas também não faziam, até aquele momento, nada de prático. Não vinha ajuda.
Vimos um médico saindo do hospital. Eleonora atravessou a rua para pedir que ele fosse dar uma olhada no ferido, acionar ajuda do hospital. Eu a acompanhei e ainda ouvi o médico dizer que isso era coisa para o resgate: “O procedimento é chamar o resgate”.
Pouco depois, ele tirou seu jaleco branco, virou as costas e foi embora.
Ao fundo, à direita, o médico que recusou atendimento sai de jaleco no braço

Dona Lígia, indignada, denunciava a omissão de socorro do hospital.
Foi quando, depois das 9h10, passou pelo local uma ambulância da Samu, que foi parada pelos policiais. Foi puro acaso: o pessoal da ambulância não sabia do caso, não tinha sido acionado (apesar dos telefonemas); pararam apenas porque os policiais fizeram sinal.
Desceram, começaram o atendimento de emergência.
Quando a equipe da ambulância Samu 0856-9 já tinha enfaixado a cabeça de Jean e feito o primeiro processo de imobilização, apareceu do outro lado da rua uma equipe do Hospital Oswaldo Cruz.
Chegaram três pessoas --uma enfermeira e dois atendentes—de mãos vazias, sem nenhum material para atendimento de emergência. Para quem estava ali acompanhando o caso, pareceu que vieram apenas dar sinal de vida.
O soldado PM disse para a enfermeira que o resgate chegara por acaso. O fato é que, até aquela hora, cerca de 40 minutos depois de ocorrido o acidente, o Oswaldo Cruz não tinha feito nada para ajudar um homem ferido, sangrando no asfalto em frente às fulgurantes instalações hospitalares.
Dona Lígia, moradora do prédio, mais os soldados PM que ajudaram a buscar socorro e a equipe do Oswaldo Cruz, que chegou depois do resgate

Jean enfim foi colocado na ambulância, que partiu às 9h17 rumo aos Hospital Vergueiro, onde o jardineiro seria atendido. O zelador do prédio acompanhou o ferido.
No início da tarde, falei por telefone com Maria Teresa, assessora de imprensa do Hospital Oswaldo Cruz.
Ela disse que o hospital mandou inicialmente uma equipe com cadeira de rodas, que voltou ao perceber que o caso era de politraumatismo –eu esclareci a ela que a dupla de atendentes não chegou a sair do hospital.
A assessora disse que, uma vez tendo a noção de que era caso de politraumatismo, foi acionada uma equipe de atendimento especializado. E que, quando a equipe chegou ao local –de novo, que fique bem claro, o local é em frente ao hospital do outro lado da rua--, a vítima já estava sendo atendida por uma equipe de resgate.
Além de falar sobre esses procedimentos de comunicação interna, a assessora não me informou sobre as razões da demora.
Disse, porém, que a vítima “seria atendida pela equipe do hospital, se o resgate não tivesse chegado antes”.

Pouco antes de escrever este texto, falei com dona Lígia, moradora do prédio. Ela me disse que Jean fora atendido no hospital Vergueiro, que sua situação era “estável” e que ele estava sendo submetido a alguns exames.

Acidentado em frente a hospital fica 40 minutos sem socorro

Trabalhador acidentado caído no asfalto em frente ao Hospital Oswaldo Cruz - foto Eleonora de Lucena


Caído ao chão, com a cabeça sangrando, dores nas costas e no pescoço, sem condições de se mover, Jean Vieira ficou mais de 40 minutos estendido no asfalto em frente ao Hospital Oswaldo Cruz, um dos melhores, mais ricos e famosos de São Paulo, sem receber atendimento.
Jean, que aparenta ter em torno de 40 anos, estava podando uma árvore em frente ao prédio número 1.838 na rua Treze de Maio, quando perdeu o equilíbrio e caiu.
Gregório Silva, um dos Corredores Patriotas Contra o Golpe, viu a cena e saiu correndo o meio quarteirão que o separava do acidente. Eu, que estava um pouco atrás de Gregório, também fui, e logo todos os outros corredores de nosso grupo estavam juntos, em torno do acidentado.
O zelador do prédio estava de pé, atrás de Jean, sustentando as costas do jardineiro, que ainda estava sentado no asfalto, escorado no amigo. Ninguém do nosso grupo entende nada de primeiros socorros além do que se vê na TV, mas vimos que aquela posição não era boa.
Enquanto Gregório tentava chamar o resgate, outros buscaram um papelão e coisas para deixar Jean deitado e com um mínimo de conforto.
Havia muito sangue do lado esquerdo da cabeça do ferido.
A resposta que Gregório ouviu do serviço 192, depois de ter de responder a um imenso questionário, é que o atendimento de emergência “tinha outras prioridades”.
Decidimos fazer o que parecia óbvio: pedir ajuda ao pessoal do Hospital Oswaldo Cruz, que ficava exatamente em frente, do outro lado da rua.
Corri até a portaria, avisei a atendente, falei que o sujeito estava estendido no chão, com sangue na cabeça e não conseguia se mexer. Ela disse que iria informar o pessoal do atendimento.
Mais de 15 minutos já tinham se passado desde a hora do acidente, ocorrido por volta das 8h36 (o treino havia parado às 8h34min02 e estávamos a passo já havia um tempinho, atravessando a rua quando percebemos o ocorrido).
Achei que o hospital não ia fazer nada, também não esperava nada do resgate. Saí a procurar algum PM que pudesse acionar algum serviço de emergência.
Encontrei uma dupla –um homem e uma mulher—de policiais na praça Oswaldo Cruz, onde se concentrava o povo que iria participar do Grito dos Excluídos. Ambos me ouviram e resolveram ir até o local do acidente.
Àquela altura já havia mais gente em torno do acidentado, e vários moradores do prédio manifestação indignação contra o que consideravam omissão do hospital.
Foi quando, do outro lado da rua, o segurança da guarita do hospital fez sinal de positivo, avisando que o atendimento estava chegando. De longe, pude ver duas pessoas de uniforme azul, de atendente de hospital, empurrando uma cadeira de rodas.
O comentário entre nós, que estávamos em volta de Jean Vieira, era o óbvio: aquilo não ia servir, precisam vir com maca para atendimento de emergência.
Os atendentes com a tal cadeira de rodas não chegaram nem à guarita de entrada do hospital; deram a volta. Ninguém do hospital deu a mínima notícia do que estavam fazendo, pretendiam fazer ou não fazer.
O jornalista Celso, que se somou ao nosso grupo, e a dona Lígia, moradora do prédio, foram mais uma vez até a portaria do hospital clamar por ajuda.
Nós todos estávamos indignados, os policiais que estavam ali com o grupo pareciam querer ajudar, mas também não faziam, até aquele momento, nada de prático. Não vinha ajuda.
Vimos um médico saindo do hospital. Eleonora atravessou a rua para pedir que ele fosse dar uma olhada no ferido, acionar ajuda do hospital. Eu a acompanhei e ainda ouvi o médico dizer que isso era coisa para o resgate: “O procedimento é chamar o resgate”.
Pouco depois, ele tirou seu jaleco branco, virou as costas e foi embora.
Dona Lígia, indignada, denunciava a omissão de socorro do hospital.
Foi quando, depois das 9h10, passou pelo local uma ambulância da Samu, que foi parada pelos policiais. Foi puro acaso: o pessoal da ambulância não sabia do caso, não tinha sido acionado (apesar dos telefonemas); pararam apenas porque os policiais fizeram sinal.
Desceram, começaram o atendimento de emergência.
Quando a equipe da ambulância Samu 0856-9 já tinha enfaixado a cabeça de Jean e feito o primeiro processo de imobilização, apareceu do outro lado da rua uma equipe do Hospital Oswaldo Cruz.
Chegaram três pessoas --uma enfermeira e dois atendentes—de mãos vazias, sem nenhum material para atendimento de emergência. Para quem estava ali acompanhando o caso, pareceu que vieram apenas dar sinal de vida.
O soldado PM disse para a enfermeira que o resgate chegara por acaso. O fato é que, até aquela hora, cerca de 40 minutos depois de ocorrido o acidente, o Oswaldo Cruz não tinha feito nada para ajudar um homem ferido, sangrando no asfalto em frente às fulgurantes instalações hospitalares.
Jean enfim foi colocado na ambulância, que partiu às 9h17 rumo aos Hospital Vergueiro, onde o jardineiro seria atendido. O zelador do prédio acompanhou o ferido.
No início da tarde, falei por telefone com Maria Teresa, assessora de imprensa do Hospital Oswaldo Cruz.
Ela disse que o hospital mandou inicialmente uma equipe com cadeira de rodas, que voltou ao perceber que o caso era de politraumatismo –eu esclareci a ela que a dupla de atendentes não chegou a sair do hospital.
A assessora disse que, uma vez tendo a noção de que era caso de politraumatismo, foi acionada uma equipe de atendimento especializado. E que, quando a equipe chegou ao local –de novo, que fique bem claro, o local é em frente ao hospital do outro lado da rua--, a vítima já estava sendo atendida por uma equipe de resgate.
Além de falar sobre esses procedimentos de comunicação interna, a assessora não me informou sobre as razões da demora.
Disse, porém, que a vítima “seria atendida pela equipe do hospital, se o resgate não tivesse chegado antes”.

Pouco antes de escrever este texto, falei com dona Lígia, moradora do prédio. Ela me disse que Jean fora atendido no hospital Vergueiro, que sua situação era “estável” e que ele estava sendo submetido a alguns exames.