25.5.17

Reflexões sobre tombo de um corredor maior de sessenta anos

Ontem, pela primeira vez desde o último dia quatro de maio, consegui amassar a banana de meu café da manhã usando a mão direita, quebrada em uma queda quando recém passava da marca dos dez quilômetros em um treino que deveria se prolongar três vezes mais.
Quebrei o dedo anular direito em vários pontos, afetando as articulações. Também quebrei o dedo mingo e ainda fiz uma baita de uma fratura no rádio, que é um dos ossos do braço (aquele que se liga ao dedão, a “antena” do rádio).
Tudo doeu muito. Nestas três semanas que se passaram desde o acidente, porém, o pior não são os reclames dos dedos, que ficaram torcidos na queda, nem tampouco os lamentos do cotovelo, em que o tal osso está rachado de fora a fora.
O pior são as dores musculares, as pontadas em tendões e tecidos do braço e do antebraço. Conjuminantemente, a falta de força.
Falta força por duas razões: não posso utilizar os dedos quebrados, é claro –eles não são muito “pegadores”, mas dão sustentação e substância à ação da mão; e os músculos estão em forte contratura, impedindo ou dificultando alguns movimentos do braço.
Torcer a chave na fechadura, por exemplo, ainda manda ao cérebro sensação de dor aguda, alfinentada cruel. Tentar abrir ou fechar a porta do carro provoca humilhante experiência de fracasso, e eu sou obrigado a recorrer aos bons serviços de meu braço esquerdo.

Na terça-feira passada, a órtese que protege aos dedos quebrados foi mais uma vez ajustada, pois aos poucos a mão, que esteve superinchada, volta ao seu tamanho normal. Também foi um pouco reduzida, deixando de fora a ponta do dedo anular, o que é um grande avanço e, ao mesmo tempo, pouco assustador, porque o deixa mais vulnerável.
Como não tenho um controle perfeito da ponta do dedo, temo batê-la onde não devo ou mesmo torcer... A boa notícia é que consigo movê-la apenas com impulsos cerebrais, sem precisar usar força mecânica.
Melhor que nada.
Esses avanços, porém, não deixam de lado a lembrança da queda. Imagino que todo corredor de rua –ou quase todos ou muitos ou um grande número, sei lá—já sofreu algum escorrega, algum tombo , algum perrengue ao longo de sua vida corrida.
Cair não é desdouro para ninguém. Mas não deixa de ser resultado de uma falha. Por mais que as calçadas de São Paulo sejam uma porcaria, território minado, circuito de cross country repleto de malvadezas, quem corre na rua sabe disso e sabe que precisa ficar sempre atento.
Do que meu lembro, minha queda se deveu a um momento de entusiasmo. Eu vinha fazendo planos para o treino, que chegaria aos trinta e dois quilômetros. Também fazia cálculos sobre o andamento de meu projeto, as tais sessenta maratonas aos sessenta anos, e sonhava acordado com a conquista de apoiadores e patrocinadores.
Combinando-se a isso, vi pela primeira vez uma calçada larga e livre à minha frente. Quis aproveitar, acelerar, e não notei as falhas no cimento do piso. Meu pé direito foi travado no desnível do terreno, e eu me fui.
Pausa literária. Ao escrever a última oração, me lembrei de que no Rio Grande do Sul grandes declamadores de poesia arrancam aplausos entusiasmados e lágrimas emocionadas e sofridas da plateia com um singelo poema que tem apenas este texto: “E ME FUI”, repetido dezenas, centenas de vezes, com raiva, desânimo, entusiasmo, lamento, um canto gaúcho à vida e à morte. Coisa de gaudério.
Pois me fui. Restam do tombo as dores e essa humilhação, vergonha de errar, de falhar na brincadeira.
Não foi a primeira vez.
Meu primeiro tombo em corrida aconteceu no século passado, em Paris. Corria pela primeira vez no Bosque de Bolonha (Bois de Bologne) e não percebi que, sabe-se lá por qual perversa razão, alguns gramados e calçadas são cercado por um fio quase invisível armado a cerca de vinte centímetros do solo.
Para mim, foi totalmente invisível. Ao cruzar uma daquelas alamedas, minha passada ficou presa no fio e lá fui eu ao chão, atingido o solo com meu joelho esquerdo.
Rasgou a calça do agasalho que eu usava –estava muito frio naquela manhã—e lanhou a carne, deixando perna e calça bem ensanguentados...
A pele curou logo, mas a calça só foi consertada na volta ao Brasil. Eleonora não só fez um belo cerzido como também costurou por sobre as marcas da queda um brasão muito elegante que eu levara da França.
Essa foi a única queda sem efeitos colaterais. Nas outras –não foram muitas, mais quatro apenas, que eu me lembre--, enfrentei muitas dores musculares, arreganhei tendões e, finalmente, quebrei ossos.
Caí na avenida Sumaré e caí na Oscar Freire. Nas duas, protegi o corpo com o ombro, na primeira o esquerdo, na outra o direito. Foi quando conheci o manguito rotador, músculo que fica atrás do bíceps e é responsável pela rotação do braço. É muito lindinho, querido e eficiente, mas, quando se machuca, é o cão.
A inflamação dói, e o tratamento é chatérrimo, tudo responsabilidade do próprio paciente –eu, no caso--, que precisa fazer exercícios com precisão e acuidade. Demora, mas tudo volta aos seu lugar.
As outras duas quedas aconteceram nestes tempos de quase-velhice e início da Terceira Idade. Ambas tiveram consequências bem mais graves...
Em Passo Fundo, há dois anos, tropecei numa “tartaruga”, esses marcos separadores de faixas de rua, e fui deslizando pelo asfalto. Lanhei testa, mão, braço, perna, joelho, uma sangueira só.
O pessoal de uma padaria de esquina foi gentil o suficiente para deixar que eu lavasse um pouco as feridas. Mesmo assim, liguei para a Eleonora avisando que eu ia chegar ao hotel sangrando, mas que estava tudo bem.
De fato, no entando, não estava, e eu só fui sentir o drama dias depois. Além do manguito machucado de novo surgiu uma tal de capsulite adesiva, tudo combinando com inflamação de tendão. Uma beleza.
Essa tal capsulite adesiva “cola” tecidos de modo que a gente não consegue mandar os necessários impulsos para avisar o braço para se mover. Nos primeiros dias, eu não conseguia nem fazer sinal para o ônibus parar –precisa ficar todo torto e suar o braço esquerdo...
O tratamento é bem demorado, pelo menos seis meses, e MUITO DOLORIDO: um passei aos berros TODAS as sessões de fisioterapia. Nelas, a terapeuta basicamente força o braço a se mexer,a ganhar amplitude de movimento, para “descolar”  à força aquela tal c´psula colada.
E agora me veio esse tombo na Domingos de Morais, em plena Vila Mariana...
A queda não fui suficiente para me fazer parar. Dois dias depois do atendimento de urgência eu já tinha voltado aos treinos.


E ontem, depois de comer a tal banana amassada com minha mão direita, ainda meti um treino de dezessete quilômetros sem dor e sem cair.
Pode ser pouco para alguns, muito para outros tantos. Para mim, é melhor do que nada. Não tá morto quem peleia.

VAMO QUE VAMO!!! 

12.5.17

Histórias de Aquiles, do MPB4, guerreiro da democracia e da música popular brasileira

Uma das coisas boas de escrever no próprio blog é que não se precisa dar bola a regras, regrinhas e regrões bestas (ou nem tanto) inventados por chefes, chefinhos, chefões, chefetes, patrões et caterva. Apesar de gostar de manter uma saudável distância crítica e cética dos assuntos de que trato e dos meus entrevistados, de vez em quando é salutar soltar a franga, mergulhar no dito “new journalism”, fazer jornalismo gonzo e virar tiete. Como agora.
Adoro o MPB-4. Sempre gostei e hoje gosto mais ainda desse grupo vocal, que, na minha adolescência, aparecia sempre como parceiro inquebrantável de Chico Buarque. Os dois, Chico e MPB4, eram símbolos da resistência à ditadura, da coragem, do enfrentamento, da rebeldia.
Eu devia ter uns dezesseis anos quando assisti pela primeira vez a um espetáculo ao vivo do Chico com o MPB-4. A ditadura estava firme e forte, Brasil Grande, ame-o ou deixe-o, tortura correndo solta, a esquerda armada destruída, o general Médici servindo-se dos louros do tricampeonato mundial da seleção brasileira.
O show foi em Porto Alegre, no ginásio do Grêmio Náutico União, e a galera inteira cantava junto, com raiva e ódio, cada música entoada por Chico, secundada pelo MPB-4. Numa dessas, acho que estavam cantando “PESADELO”, ouve-se um estouro e as luzes se vão, o ginásio fica às escuras (CLIQUE AQUI PARA VER UM CLIPE DE “PESADELO”).
Isqueirinho para cá, isqueirinho para lá, fósforos, todo mundo meio receoso, será que haveria algum ataque, era a polícia ou só sabotagem de algum filho da puta?
Naquela confusão, de repente se ouviu um sonzinho. Sei lá quem, se o Chico ou os caras do MPB4, metia a boca no trombone, seguia com “Pesadelo” à capella, e, aos poucos, todos nós, o público, fomos também cantando juntos.

Foi maravilhoso.

Depois voltou a luz, tudo transcorreu em paz em sossego.
Passaram-se mais de quarenta anos e, pela primeira vez, conversei ao vivo, cara a cara, como se fôssemos iguais, com um daqueles monstros sagrados do MPB4.
Encontrei o fulano nas redes sociais e nem acreditei quando ele respondeu ao meu chamado. AQUILES RIQUE REIS, o Aquiles do MPB-4, aceitou se somar à CORRIDA POR MANOEL, evento esportivo-político-cultural-jornalístico que realizei no ano passado (CLIQUE AQUI PARA SABER MAIS).
Aquiles, de camisa salmão, na ponta esquerda do grupo
Participou em pessoa da jornada de abertura daquele projeto, que produzi para marcar a passagem de quarenta anos do assassinato do metalúrgico Manoel Fiel Filho nos porões da ditadura militar.
De lá para cá, conversamos algumas vezes. No meio da confusão da luta contra o governo golpista no Brasil, ajudei a organizar, com o grupo CORREDORES PATRIOTAS CONTRA O GOLPE, a primeira CORRIDA FORA TEMER. Pois Aquiles estava lá para ajudar na divulgação do evento. Até gravou um filme para apoiar a convocação de manifestantes para a corrida e caminhada na avenida Paulista.

Agora, para este projeto de sessenta maratonas aos sessenta anos, Aquiles concordou em falar comigo sobre o envelhecimento.
Nas nossas conversas anteriores, Aquiles, que faz sessenta e nove anos neste mês,  sempre foi muito simpático. Na entrevista, ele se derramou, contou histórias de infância, discorreu sobre os males e alegrias da envelhescência, falando sem peias até sobre questões mais intimas, como separações e depressão.
Foram horas de conversa, com idas e vindas, que tento agora traduzir em uma nova ordem, começando pelas descobertas que Aquiles fez na maturidade.


Muita gente fala da crise dos 40. Eu não tive “porra” nenhuma. Para mim 40, ou 38, 41, 42, foi a mesma coisa. Minha primeira grande crise, essa sim bem existencial, foi aos 50. Quando eu fiz 60, a crise veio dobrada.”
Como foi essa crise existencial?, pergunto eu.
Um sentimento de falta de perspectiva. “Pô, mas eu estou fazendo um trabalho importante, eu consegui uma coisa dificílima na vida, que foi ganhar a vida fazendo aquilo que gosto. Sendo dono do próprio nariz. Faço o que eu quiser. Se eu quiser eu não faço. E se eu não fizer eu não ganho dinheiro, então tem que fazer.”. Não tem como. Nesse momento, quando eu fiz 60 anos, eu estava recém começando na descoberta de que eu sabia escrever. Isso me dava um alento. Aí eu fiquei deslumbrado com essa possibilidade, que começou a ficar cada vez mais palpável porque aí eu comecei a escrever para um jornal, dois, três. Apesar de serem jornais de médio porte, para mim era como se eu estivesse escrevendo no “The New York Times”.”
Aquiles escreveu nas páginas de Esporte da “Folha de S. Paulo”, e publicou crônicas da editoria de Cidades do “Jornal do Brasil”. Até que, em plena democracia, enfrentou censura no jornalismo. O caso se deu assim:
Eu já era contratado do JB, que tinha sido comprado pelo “O Dia”. O Aldir Blanc tinha uma coluna no “Dia”, e eu fiquei sabendo que ele foi dispensado. Ele tinha escrito algumas coisas falando mal do governador da época, nem lembro quem era, perdeu o emprego. Eu soube daquilo e escrevi um último parágrafo na minha coluna falando que considerava um absurdo aquilo e que essa coisa tinha que ser mais falada, mais divulgada. E dizia: “Com a palavra os donos do jornal “O Dia”.”
"Quando saiu a minha coluna, o cara tinha cortado esse parágrafo final. Eu liguei para lá, não atendeu. Era Nilo Dantes, diretor de redação na época. Atendeu um outro rapaz, que foi quem, talvez inocentemente, me disse o que aconteceu: “O Nilo pediu para tirar.”. Eu mandei um e-mail, já que ele não me atendia, dizendo que não tinha mais o que fazer ali.

“Eu tomei essa decisão, mas fiquei muito chateado, porque tinha sido uma conquista. Assim como fora uma conquista, anos antes, quando eu consegui escrever em alguns números no “Pasquim”. Essa possibilidade de escrever me trouxe um ânimo muito grande. Porque é uma coisa que chega já quase como doso. Quando eu cheguei aos sessenta anos, já escrevia. Aí passou mais um tempo, nos anos 60,  quando eu comecei a escrever só sobre música. É o que eu faço hoje.”
Depois de escrever muito sobre política, Aquiles hoje faz resenhas semanais de discos, tratando cada novato ou artista superexperiente com muito carinho. Os textos são publicados em vários jornais e se espalham fácil pela internet afora.
Dá uma trabalheira danada ao cantor-escritor, que vê seu escritório atulhado de CDs, e passa horas ouvindo música para escolher o tema da coluna da semana.
Enquanto ele ouve seus discos, a gente volta no tempo para contar um pouco do início da jornada desse artista, que sempre teve sua vida entremeada com a política e as lutas populares.
Aquiles nasceu em 1948 em Niterói, que então era capital do Estado do Rio de Janeiro. A mãe era assistente social, o pai, professor de português, e a família “respirava política”.
Tudo começou com o CPC, o Centro Popular de Cultura de Niterói, que foi criado na minha casa. O CPC da UNE, que já existia, mandou um emissário, o ator Carlos Verezza, que foi a Niterói para nos orientar como constituir o CPC de Niterói, para apresentar os esquetes, apresentar as músicas, isso tudo foi feito na minha casa.
“Meu pai e minha mãe convidaram uma série de pessoas, que fizeram parte do CPC original. A essa altura, eu devia ter 15 anos, eu não me sensibilizava com aquilo, apesar de ser feito na minha casa. Eu ficava no meu quarto. Eu não me metia. E não serei capaz hoje de me lembrar o que fez me aproximar.”
Apesar dessa distância da gênese do grupinho teatral-musical engajado, Aquiles não estava afastado da militância política, como se vê nesta história:
A primeira vez em que eu fui preso foi antes do Golpe de 64, eu estava filiado ao Partidão (Partido Comunista Brasileiro). Num lugar perto de Niterói, Cachoeira do Macacu, houve uma invasão de terra. E me deram a tarefa – na época eu tinha uns 14, 15 anos— de ajudar a levar mantimentos.

“O pessoal do Sindicato dos Ferroviários, que era um sindicato muito ativo, muito forte, tinha feito uma assembleia para conseguir dinheiro para comprar gêneros de primeira necessidade, para levar para onde os caras estavam, tinham invadido, era São José da Boa Morte.
“Os ferroviários eram muito solidários. Eu fui com eles, a gente comprou saco de feijão, saco de arroz, saco de farinha. Enchemos um jipe de um dos caras e fomos para São José da Boa Morte. Chegamos lá, tinha gente para chuchu, famílias, crianças, velhos. Tinha assim, duas ou três lideranças, tinha um que era o líder geral, que encaminhava as discussões e que resolvia.
“Chegou a notícia que estavam vindo dois ônibus de Niterói com a Polícia Militar. Para desocupar. A Justiça tinha dado reintegração de posse.
“Começou aquela mobilização lá dos caras, esse líder principal afastou mulher, criança, idosos: “Vão embora. Vocês sabem como é que vai ser a chegada dos caras.” Foram embora. Ficou um pequeno grupo, e quem disse que eu vim embora? Com 15 anos, eu ia perder uma chance daquelas?

“Chegaram os caras, a polícia, e vieram alguns à paisana. Cercaram os caras, o grupo reduzido que ficou. Logo eles sacaram quem eram os líderes dos caras. Eram os que respondiam. “E quem é aquele ali?”, perguntou um polícia. Era eu. “Vem cá, vem cá.”. Eu fui. O cara com a arma desse tamanho na mão, “Como é seu nome? Você estuda?”. “Estudo.”. “Aonde?”. Eu falei o nome do colégio. “E seu pai e sua mãe sabem que você está aqui?”. Eu falei: “Sabem.”. “Como é o nome do seu pai?” Eu falei: “Geraldo Reis.”. “É mesmo? Quer dizer que o velho Geraldo agora não vem mais e manda o filho.”. Rapaz, aí meu sangue começou a ferver, e o cara, o líder dos camponeses, Gabriel, eu me lembro bem porque a minha mãe sempre se referia a ele como Anjo Gabriel, me segurou: “Calma, ele está querendo isso, ele está te provocando.”.
A história segue. Aquiles e os líderes dos camponeses foram levados para a delegacia de polícia local, para a cadeia. Mas estavam as coisas se arrumando, a polícia começando a fazer as burocracias da detenção, ouviu-se uma gritaria lá longe. Algum polícia foi ver o que acontecia e voltou assustado, apavorado até: do alto do morro desciam os camponeses, homens, mulheres e crianças, gritando e com suas ferramentas nas mãos. Vinham libertar os presos, vinham para o que desse e viesse.
Não sobrou polícia na delegacia. Quando os campônios chegaram foi só abrir as celas, soltar os companheiros. Aquiles não chegou sequer a passar a noite na gaiola.
Se isso contribuiu ou não para mudanças na atitude do garoto, o homem sessentão quase setentão não lembra nem afirma. Mas conta como nasceu o MPB4.
Eu aí me aproximei do grupo, do CPC de Niterói, e tinha o Miltinho, que chegou também. Não era para fazer grupo vocal, a gente funcionava mais como atores. Tinha músicas, claro, mas aí todo mundo cantava. Era horrível, muito desafinado. Foi aí, numa seleção quase natural, a gente foi pegando os que tinham um pouco mais de afinação.
O MPB4 em 1966

“O Miltinho tocava violão. O Rui chegou, e o Rui já vinha com uma experiência de um trio de bolero. A gente fez um quarteto, eu, o Rui, o Miltinho e a Ana, que era uma menina que participava do CPC que tinha uma voz muito legal. A parte musical do CPC ficou a encargo desse quarteto do CPC.

“A gente foi criando alguns repertórios fora da ideologia do CPC. O Miltinho na época fazia faculdade de Engenharia, era colega de turma do Magro. E ele sabia que o Magro era músico, o Magro tinha um conjunto de baile. O Magro tocava vibrafone nesse conjunto. O Miltinho convidou o Magro para ir assistir um ensaio. E o Magro, ao final do ensaio, se ofereceu.

“A essa altura a gente tinha virado um trio do CPC. A Ana tinha outras coisas para fazer, tinha ficado só o trio. Aí o Magro se propôs a fazer um quarteto. A gente fez o quarteto. Isso foi 1963. A gente ficou como quarteto do CPC até o golpe de abril de 1964 –quando a gente não usou mais o nome. O CPC acabou. Queimaram a UNE.
“O Miltinho e o Magro, estudavam na Faculdade de Engenharia. O Rui já era formado, trabalhava. E eu estava fazendo o segundo grau. A gente ficava vendo, lá em Niterói, os programas de televisão, shows, principalmente o da Elis Regina e do Jair Rodrigues, que era O Fino da Bossa. Era o sonho de uns caipiras de Niterói.
“Resolvemos tentar. Em julho de 1965, férias, nós pegamos um ônibus e viemos para São Paulo. Rapidamente a gente conheceu o Chico de Assis, um teatrólogo, ele juntou, nos apresentou o Chico Buarque, o Quarteto em Cy. Junto com o Quarteto em Cy, ele elaborou um roteiro, que musical, sambas antigos. Muito legal. O Magro cuidava dos vocais.
“A gente já veio para São Paulo como MPB4. Na época, antes do golpe, o Miltinho e o Magro fizeram um conjunto instrumental na faculdade, e eles inventaram esse nome de MPB5. Quando a gente montou o quarteto, ficou o nome, MPB4. O Chico de Assis nos apresentou para os diretores de O Fino da Bossa, o Milton Travesso e o Manoel Carlos, nós estávamos num camarim, nós cantamos para os caras ouvirem.
“O Fino da Bossa, na época, era num auditório da Record, tinha uma primeira parte que não era gravada. Era só um show para quem estava na plateia. A segunda parte é que era gravada, com o mesmo público. Era gravada e ia ao ar. Então iniciantes, de um modo geral, cantavam na primeira parte.
“Os dois diretores ficaram muito empolgados com aquilo, se encantaram, e já nos escalaram na segunda parte, ia ser gravada para ir ao ar, em seguida. E nós cantamos até com a Elis Regina.
“Isso, para nós que vínhamos para tentar ver se conseguíamos, foi um deslumbre! Isso foi logo no início do mês de julho. E começou a surgir: “Agora vocês não querem fazer o programa da Hebe Camargo?”. Ou então: “Vamos gravar um programa de entrevista?”  E a gente começava a ir nisso tudo, a essa altura a gente já tinha até um empresário, etava aparecendo para colocar a gente nos lugares. A gente dizia: “Até dia 31. Depois disso a gente volta.”.
“A gente fazia isso tudo, mas não tinha cachê. Não recebia dinheiro para isso. O dinheiro que a gente tinha trazido de Niterói já tinha acabado faz tempo. Na segunda noite já acabou o dinheiro. A gente fazia esses programas na Record, e em troca eles nos hospedavam no hotel, que na época era um máximo, que era o hotel Normandia. Ali na Ipiranga com a Santa Ifigênia. A gente ficava num “puta” hotel, sem ter dinheiro para almoçar e para jantar.
“A gente aproveitava, deixava para ir tomar café na última hora,  comia bastante, pegava algumas coisas, tinham uns queijinhos,  umas frutas, e levava. Foi um mês especialíssimo. De noite a gente passava fome, não tinha grana. Aí chega um amigo do Miltinho, que o Miltinho conhecia, o cara sacou que a gente estava meio a perigo e levou a gente para comer pizza. Que pizza maravilhosa! Que delícia!

“A gente dizia: “Até dia 31.” Uma semana antes de acabar o mês, o empresário e o próprio Chico de Assis nos deram uma prensa: “Não dá para ficar brincando de ficar aparecendo na Record, aparecendo na Tupi. Isso vai acabar. Vocês decidem. Ou a gente continua para fazer direito, ou vocês, por favor, comprem a passagem de ônibus e vão embora.”. Nós passamos uma noite num botequim, na diagonal do hotel. A gente passou a noite ali, bebendo para pensar no que ia fazer. Decidimos ali, naquela noitada, que a gente queria fazer isso mesmo. Todo mundo largaria o que tivesse fazendo, e assim foi.”


De fato. Apesar de problemas internos e das desgraças da vida –a morte precoce do Magro-, o MPB4 fez um enorme sucesso, construiu uma carreira honesta, combativa, apaixonada pela democracia, pelo Brasil e pela música popular brasileira. Assim o grupo completou em 2015 cinquenta anos de carreira, festejados com show e disco especiais.
Pedi a Aquiles que fizesse uma pequena lista com fatos marcantes, bons e ruins, na carreira do grupo.
O AI-5, Ato Institucional Número Cinco, de dezembro de 1968, que marcou o acirramento da violência e da brutalidade da ação da ditadura, foi a primeira lembrança ruim citada por Aquiles.
Nossa cabeça sempre teve muito a ver com política, inclusive por causa do nosso passado. Em 1968, quando teve o AI-5, a gente ficou na iminência de parar o grupo, porque estava um clima... O Chico, no  início dos anos 1970, viajou para a Itália. O Caetano e o Gil foram expulsos, foram para Londres. O próprio Edu Lobo... Houve uma revoada, e a gente, na condição de intérprete, se sentia sem matéria-prima.
“Esse momento foi muito marcante, pelo recrudescimento da ditadura, e pela impossibilidade de conseguir música nova para seguir a carreira.
“Até que outro fato importante veio na sequência desse, foi quando a gente já pensando seriamente em acabar. Surgiu uma possibilidade de participação num festival universitário lá no Rio, com uma música de um compositor que hoje em dia acho que nem faz mais música. Sílvio Silva Junior. Com parceria com Aldir Blanc.
“Eles pediram que a gente defendesse a música deles, que era “Amigo É Para Essas Coisas”. Até hoje é um dos nossos carros-chefes. Ali naquele momento deu uma arribada de novo. O moral da tropa subiu.
“Outro momento importante foi em meados dos anos 1970, quando o Chico decidiu que não ia mais fazer shows.
“Aqui cabe um parêntese, a gente começou a trabalhar com o Chico desde a primeira apresentação dele, logo depois da “A Banda”, que ele ganhou. A gente fez, desde o primeiro show numa boate com ele lá no Rio, até depois, no circuito universitário. Por exigência dele,  ele só fazia show se a gente estivesse junto. A gente dava um suporte, naquela época então ele tinha pânico de cena, uma coisa. Então ele se sentia respaldado não só musicalmente, mas até, sabe, a gente tinha uma ligação forte.
“Até que, em meados dos anos 1970, o Chico decidiu que não ia mais fazer show. A gente já tinha nossa vida profissional, decidimos seguir. Preparamos um texto, gente queria fazer um show em teatro, um show que tivesse texto. Comédia.
“A gente montou um espetáculo chamado “República do Peru”. Tratava de quatro caras que viviam num apartamento, e que tinha sempre uma entidade que vinha e dizia que ia levar esses quatro caras para fazer não sei o quê aonde. Foi, imagino eu, o princípio do que hoje se chama “besteirol”.  Era uma comédia que juntamos nós quatro, mais o Chico, o Rui Guerra, cineasta, e o Antônio Pedro, ator.
“Nós conseguimos fazer dois shows nesse embalo, e aí a gente começou a ter problema com a censura. Esse show, o “República do Peru”, nós estreamos numa quarta-feira. Fazíamos de quarta a domingo.
“Na quarta-feira seguinte, quando a gente foi retomar a semana de shows, a censura fechou o teatro. Proibiu. Todo o território nacional não pode mais.
Lista de mortos e desaparecidos na ditadura, homenagem do MPB4 aos combatentes pela democracia no Brasil

A gente ficou algumas semanas, alguns poucos meses tentando liberar a coisa. Nós fomos à Brasília. Eu me lembro do Rui indo à Brasília. Me lembro de nós dois na antessala do cara que mandava lá.
“A gente saiu de lá com o show liberado, a única coisa que eles quiseram, “Então você faz uma coisa, não chama ‘República do Peru’, chama ‘Rua República do Peru. Senão vocês vão me arrumar um problema internacional.”. “Tudo bem, vai ser ‘Rua República do Peru”. A gente fez. Foi muito sucesso. Ficamos todos muito contentes.”
A vida seguiu. A ditadura foi derrubada, começou a redemocratização no país. Aquiles e o MPB4 acompanharam o processo.
“A gente sempre foi muito político no palco. Não é à toa que os caras proibiam nosso show. Era muito atrevido. Quando veio a redemocratização, decidimos: “Vamos fazer um disco mais leve agora. Uma coisa que não tivesse tanta preocupação de estar indo de encontro aos caras, denunciando...”. E fizemos um disco que se chamou “Vira Virou”. Que, de fato, significou uma virada. A gente passou a encarar a música também como uma forma de distrair o público, de dar prazer às pessoas, de ouvir uma coisa bonita. Um vocal bem esquematizado. Esse disco deu uma presença muito boa para a gente. A gente começou a tocar no rádio, coisa que a gente já não tocava mais

O grupo também enfrentou uma grande tristeza, processos definitivos.
Um dos momentos mais importantes para o MPB4 é recente, foi a morte do Magro. Foi quando eu e o Miltinho –o Rui já tinha saído fazia tempo— conversamos depois do velório, a gente não sabia exatamente o que ia fazer. Chegamos a cogitar não fazer mais nada. A Mônica, viúva do Magro, nos falou ainda, não me lembro se foi um pouquinho antes da cremação ou se já foi no final, “Ele queria muito que vocês continuassem.”. Isso ficou na nossa cabeça.
“A gente tinha um show uma semana depois, resolvemos continuar, até como uma homenagem a ele, e a gente fala isso nos shows, para mostrar para todo mundo a importância que o Magro teve na carreira profissional do MPB4. A presença do Magro e a ausência do Magro foram duas coisas que marcaram. A gente traz isso até hoje, nos cinquenta anos do grupo.”
Enquanto faziam música, cantavam em shows, produziam discos, cada um levava sua vida. Aquiles está hoje no terceiro casamento, tem cinco filhos, dois netos.
As pessoas, quando falam em separação, já se lembram logo do Vinícius fazendo folclore... Vinícius dizia que para cada casamento que ele tinha ele comprava uma Barsa: “Vocês não fazem ideia de quantas enciclopédias Barsas eu tenho.”
“Não é assim. É muito sofrimento. Separação é uma coisa trágica. Eu não estou nem entrando no mérito se o casal devia ou não devia. Quando chega a hora, seja lá quem decidiu, foi um ou o outro. Ou se foi de comum acordo. Seja lá o que for, é um sofrimento. É muito forte. Muito forte. Felizmente depois desse segundo casamento, que nasceram os três, eu fiquei um tempo... Eu morava no Rio essa época. Até que eu conheci a Nilza, nós temos a Isabel, que fez 13 anos agora. Nós estamos juntos há vinte e poucos anos. Não desejo separação para o meu pior inimigo.”


As separações e outras amarguras levaram tristeza a Aquiles.
Eu tive grandes crises de depressão, crises brabas. Chegou um momento em que eu fazia cinco sessões de terapia por semana. É uma coisa muito desgastante. Quando você está na crise, é como entrar num lugar escuro, que você tem medo, não sabe onde você está pisando. Você imagina que tem um buraco no lugar. São coisas que você não consegue materializar, não consegue visualizar, mas que te incomodam.
“Sosseguei minha cabeça e resolvi vir para São Paulo, morar com a Nilza. Eu consegui nesses anos alguns mecanismos de defesa para perceber a hora que baixa a depressão. Tem momentos que parece que a depressão é muito forte. Você não identifica como começou, de onde vem. Às vezes é alguma coisa besta.”
Ao lado da análise e dos remédios, da escrita e da música, Aquiles também caminha.
Desde que eu morava no Rio eu gostava de andar. Logo que eu comecei a cantar eu tinha um apartamento em Ipanema. Eu andava até o Arpoador, depois vinha e andava até o canal do Jardim de Alá, que é o final de Ipanema. Depois eu me mudei para o Leblon. Aí eu andava pela areia... Depois eu me mudei para o Jardim Botânico. Aí eu andava em volta da lagoa Rodrigo de Freitas.

“Dá um distanciamento, a gente fica meio aéreo, o pensamento vai embora. Não tem um assunto que seja constante. Uma coisa que passa na cabeça e vai. Eu não paro. Caminhando. Mas eu não me desligo completamente. Isso é uma coisa que eu acho muito prazeirosa. Se desligar.”
No final do ano passado, porém, as caminhadas se transformaram em dor: “O meu pé doía muito, pé esquerdo doía na sola do calcanhar. Às vezes doía do lado. Mas doía muito. Eu andava mancando.”
O pé de uma perna muito “judiada”, como diz Aquiles, lembrando que a perna sofre desde que ele era garoto...
“Aos seis, sete anos de idade, quebrei o braço em uma queda na fazenda de meu avô, no norte de Minas. Foi fratura exposta, eu caí num curral. Subi, pulei do alto da cerca do curral, caí em cima da bosta, e o médico da cidade, lá do interior, não fez a assepsia, a limpeza que teria de ser feita. Aí me trouxeram correndo para a cidade, eu cheguei ao hospital já em choque em choque, infecção generalizada.

“Eu tive uma gangrena brutal. Foi um momento difícil também para os meus pais, porque eles tiveram que optar entre amputar, fazer uma prótese, ou deixar. Várias operações. A gangrena elimina o osso, cartilagem, tudo. Eu perdi o movimento do braço. Os médicos tiraram um pedaço do perônio (osso) da perna esquerda e botaram no braço, não deu certo. Anos mais tarde, jogando futebol, rompi os ligamentos do tornozelo e fraturei de novo o perônio...”
As caminhadas fizeram falta.
Se eu parar de fazer exercício e ficar muito sedentário, eu engordo.  Chegou uma época, uns dois anos atrás, três anos atrás, eu cheguei a ter 93 quilos. Encarei de novo caminhada, e tentei uma mudança alimentar, voltei para 85. Agora, sem as caminhadas, já devo estar chegando nos 90 de novo. E agora com essa dificuldade.
“Quando você faz exercício, você se sente saudável. Eu me sentia saudável. Quando eu chegava de uma caminhada, tomava um banho, eu me sentia bem. Não só ficar bem fisicamente, é você sentir que você está se cuidando. Ou seja, é aquela velha história, gostando um pouco mais de você mesmo. Quando você não gosta de você, não faz porra nenhuma.”
De minha parte, espero que o Aquiles continue gostando muito dele mesmo, cantando bastante, escrevendo bastante e caminhando bastante.
Dias antes de finalmente publicar este texto, baseado em entrevista que fiz com ele no início de dezembro do ano passado, voltei a conversar com Aquiles, que me deu ótimas notícias: as dores no pé tinham passado, e ele estava novamente fazendo suas caminhadas.
Mais, muito mais: ele estava metido até o último fio de cabelo da montagem e nos ensaios de um novo show do MPB, “Você corta um verso, eu escrevo outro”, que estrearia em São Paulo no início deste mês.


Foram apenas duas apresentações no primeiro fim de semana de maio. Que apresentações!!! Maravilhosas, emocionantes, deliciosas.
Só música boa, cada uma recheada de história, cada nota um libelo pela liberdade, contra a censura, o arrocho, as arbitrariedades, a ditadura –a de 1964 e a que tenta se instalar no país depois do golpe jurídico-parlamentar –midiático.
Chorei no início, chorei no meio, chorei no fim, prenhe de lembranças de minha vida e da vida do Brasil. E chorei o tempo todo em que o MPB4 e Bárbara Rodrix fizeram o bis, cantando “O Bêbado e a Equlibrista” emoldurados por sucessão de imagens dos duros tempos da ditadura, dos tempos gloriosos de resistência e de conquista (ASSISTA CLICANDO AQUI).
Tinha de terminar como terminou, um hino de luta, de rebeldia, de revolta, um grito de guerra: “FORA, TEMER!!!”

VAMO QUE VAMO!!!



Percurso realizado no dia 12 de maio de 2017

17,24 quilômetros em 2h47min09

Acumulado no projeto 60M60A
1.072,40 quilômetros percorridos em 190h34min18

PS.: No dia em que fiz a entrevista em que baseie esta reportagem, em dezembro do ano passado, também gravei um pequeno vídeo com depoimento de Aquiles sobre outro assunto de interesse deste blogueiro: o envelhecimento.
Um dia mostro o vídeo inteiro; agora, fica aqui apenas um trechinho das reflexões de Aquiles sobre a terceira idade. Resumo da ópera: “Aproveite a vida, amigo!”





9.5.17

Tombo de corredor na rua deixa dedo sem movimento e provoca reflexões doloridas em sexagenário militante

Catador de milho.
Não se trata de nobre profissão ligada às lides agrícolas, muito menos atividade do ramo da culinária. É tão somente apelido pejorativo, gravado em tom de deboche por experientes datilógrafos nos novatos, inexperientes e incompetentes no trato das máquinas de escrever.
São conceitos, profissões, alcunhas e equipamentos, todos eles, do século passado. Merecem explicação.
As máquinas de escrever, diz o noticiário internacional, continuaram no mercado até o início desta década. Em abril de 2011, a empresa indiana Godrej and Boyce encerrou a produção do equipamento –era, ao que se sabe, a última fabricante de máquinas de escrever ainda ativa no mundo.
A decadência viera a cavalo. Desde muitos anos antes a venda do produto era decadente. Por volta de 2008, nenhum dos repórteres que eu comandava, na redação do caderno Informática, da “Folha de S. Paulo”, jamais havia usado uma máquina de escrever.
Perderam (acho).
A máquina de escrever era uma obra de arte. Os conceitos que permitiram sua construção datam do século 18, mas muito antes, em 1575, um tipógrafo italiano, Francesco Rampazzetto, já inventara um equipamento para imprimir letras em papel.
O equipamento que chegou ao século 20, porém, é fruto de evolução ocorrida ao longo do século anterior, quando muitos inventores criaram modelos os mais diversos. Até um brasileiro entrou na dança, o padre paraibano Francisco João de Azevedo, que apresentou seu invento em exposições em Pernambuco e no Rio, em 1861, sendo premiado pelo imperador dom Pedro Segundo.


As primeiras fábricas são da segunda metade do século 19. Quando chegou o novo século, os escritórios mais modernos já contavam com máquinas reluzentes, produzidas em ferro.
A estrutura básica ficou sempre a mesma: um rolo por onde rodava o papel, uma fita de impressão movida por roldanas e um teclado que comandava as teclas em cuja ponta estavam colocadas as letras. Quando a tecla batia na fita, deixava impresso no papel a letra desejada.
O processo de escrever era muito barulhento. Girar o rolo por onde passava o papel, para que ele subisse e pudesse uma nova linha ser escrita, produzia o clec-clang das engrenagens; havia uma campainha que avisava que tinha terminado a linha. E, sobre tudo isso, como uma nuvem sonora, reinava o tec-tec-tec nas teclas batendo no papel, impacto só um pouquinho, um tantinho apenas diminuído pela fita tintada, que podia ser preta, vermelha ou preta e vermelha.
Teclado lembra o da máquina de meu avô
Meu avô Ary, o único que conheci, tinha em seu escritório, na casa mesmo em que morava, uma enorme máquina de escrever. Preta, toda preta –quase toda: as teclas, redondas, em baixo relevo, tinham fundo verde escuro onde era escrita em branco (ou bege ou gelo, qualquer coisa meio desmaiada) a letra em questão.
Nunca usei a máquina de meu avô, que eu saiba. A primeira que usei foi a de meu pai, vários anos depois.
Era um modelo bem mais moderno, ainda que também todo feito em ferro. Clara, em tons de bege e marrom claro, ficava montada sobre um estrutura feita  –hoje imagino eu—de grosso papelão e couro de ótima qualidade. Tinha tampa também de couro, tudo de um laranja escuro bem elegante; quando fechado, o conjunto se assemelhava a uma maleta de boas proporções. A máquina era portátil.
Máquina semelhante à de meu pai
Foi nela que escrevi meus primeiros contos. Foi nela que produzi meu primeiro livro. Foi nela que treinei aloucadamente datilografia para enfrentar um concurso para o que seria meu primeiro emprego de carteira assinada, em meios de minha adolescência.
Precisava treinar mesmo, porque datilografia era uma arte, uma técnica, uma habilidade muito prezada nos escritórios de então. Secretárias da diretoria deveriam ser “exímias datilógrafas”; mesmo para vagas muito subalternas, como a de auxiliar, que eu pretendia, havia exigência de desempenho e produção.
Pois datilografar não significa apenas grafar com os dedos, como indica a etimologia da palavra. Há muito mais. Envolve especialmente a capacidade de copiar textos batucando no teclado com os dez dedos, sem olhar as teclas ou o papel em que o artigo está sendo impresso.
A habilidade se desenvolvia por ensaio e erro, repetição em cima de repetição, memorização completa e absoluta do posicionamento de cada letra no teclado. A memória da letra ficava na ponta dos dedos, talvez.
Um bom datilógrafo escrevia um ditado no escuro ou de olhos fechados.
Havia cursos, aulas especiais para ensinar a arte. Mas eram caros, assim como os ensinamentos por correspondência, comuns na segunda metade do século passado. Se nem isso fosse possível, manuais baratinhos garantiam que, com persistência, qualquer um aprenderia o riscado.
Eu não.
Tentei muitas vezes, usando livrinhos ensebados como orientação. Olhe apenas o texto a ser copiado, não desvie os olhos para o teclado, deixe as mãos pousadas acima das teclas, soltas, pairando no ar, enquanto os dedos se movimentam...
Nada disso funcionava comigo. De tanto tentar, pelo menos memorizei a posição das teclas. Mas jamais consegui imprimir o “A” com a mesma intensidade, força e cor do “S”. Para acionar a primeira tecla, era preciso usar o mindinho da mão esquerda; para o “S”, o forte indicador dava verdadeiro coice na tecla, repetido em seguida no “G” das primeiras lições, que envolviam escrever vezes sem conta a maldita sequência ASDF e, na evolução, ASDFG. Com a mão direita, fazia-se ÇLKJ e, depois, ÇLKJH. Na evolução dos exercícios, era preciso alternar as sequências na mesma linha, produzindo blocos e blocos de ASDFG ÇLKJH.
Algumas letras nem sequer eram impressas, nas minhas tentativas. Outras ficavam fortes demais. Muitas vezes, me esquecia de acionar a barra de espaços, o que deveria ser feito com o dedão, ora o da mão direita, ora o da esquerda.
Com o que me tornei catador de milho, ou seja, o sujeito que, incapaz de usar os dez dedos das mãos para comandar o teclado, emprega apenas o indicador da mão direita e faz uso da esquerda somente para apoio –troca de linha, acionamento da maiúscula e outras particularidades.
Cartuns da época, que reverberavam o termo pejorativo, mostravam o catador de milho como uma espécie de deficiente mental, deficiente motor ou sei lá que mais. Vem-me à memória ilustração ou desenho animado  em que um sujeito de olhos revirados, cabeça girada para um lado, babão, tenta acionar uma tecla com um indicador em riste. Enfim, o complemento do perfil de um débil mental seria a inabilidade para acionar o teclado da máquina de escrever ... Dã!
Descobri que usar os dois indicadores não era boa prática. O resto da mão ficava pesando do lado e havia pouca agilidade dos movimentos. Aos poucos, fui acrescentando à dedografia o “pai de todos”, batucando alternadamente com um e outro, usando as mãos esquerda e direita com algum grau de agilidade.
Claro que tinha (tenho) de ficar sempre olhando o teclado, conferindo de vez em quando se aquilo que eu havia datilografado (ou pensado que tinha datilografado) era exatamente o o que havia sido impresso no papel em frente. Se fosse para copiar algum documento, sai de baixo, tinha de ficar olhando para o original, olhando para o teclado e olhando para o papel na máquina!!!.
Mas dava certo. Tanto é que passei com alguma facilidade pelo tal teste para me tornar auxiliar de escritório em um banco de Porto Alegre. Era preciso datilografar a um ritmo de 160 toques por minuto; minha média, se bem me lembro, estava em 180. Melhor do que nada para um dedógrafo catador de milho.
O emprego no banco não durou quase nada, três dias apenas entre o registro da admissão e minha carta de demissão, mas segui escrevendo à máquina, usando a máquina de escrever com habilidade crescente. Nunca cheguei a ser exímio datilógrafo (ou digitador, nos termos informáticos de hoje), mas ganhei capacidade mais do que suficiente para não ser chamado de catador de milho.
Escrevi em dezenas de máquinas diferentes, conheci os primeiros teclados dos primeiros terminais de computador a funcionar no Brasil, experimentei teclas de plástico e de baquelite, de computadores portáteis e de equipamentos de mesa, as minúsculas teclinhas malditas dos primeiros telefones com teclado e os teclados virtuais que aparecem nos brilhantes vidros (telas) sensíveis ao toque de nossos laptops, tabuletas eletrônicas e telefones celulares.
Agora mudou tudo. Um tombo na manhã da última quinta-feira machucou profundamente minha mão, esmigalhou a base de um dedo por quem tinha grande simpatia e ainda provocou fartura no cotovelo, reduzindo minhas forças e a capacidade de movimentação do braço direito. 

Pelo que me lembro, foi assim: eu tinha acabado de completar dez quilômetros de um treino em que deveria inteirar vinte e sete quilômetros, na minha busca de sexagenário para completar, ao longo deste ano, distância equivalente à de sessenta maratonas somadas todas elas e transformados em um pacote só.
O treino, como todos os outros que venho fazendo desde que sofri uma fratura por estresse no joelho direito, era aos soluços: corrida oitocentos metros, caminhava duzentos metros, corria de novo, caminhava novamente e assim por diante. Seriam 25 blocos dessa sequência, mais um quilômetro caminhado antes e outro depois.
Era para ser um treino de 27 quilômetros; o tombo atoru a distância para apenas dez quilômetros e trezentos metros

É um exercício de paciência, um teste de concentração, mas dificulta chegar àquele estágio gostoso dos treinos longos, em que o pensamento viaja, e o corpo parece imune às vicissitudes da vida.
Apesar disso, eu conseguia deixar a mente livre dos problemas do dia a dia, da velhice, do viver. Ficava contando quilômetros, sentia que estava mais rápido do que em treino anterior, começava a calcular em quanto tempo completaria o treino, sonhava com reconhecimento de meu esforço, imaginava que conseguiria, enfim, patrocínio ou, pelo menos, apoio que tornasse menos custosa a trajetória até o final deste ano.
Completei o décimo quilômetro em sete minutos e cinquenta e um segundos. A mim, pareceria que eu estava acelerando sempre –noto agora, porém, ao revisitar o mapa de desenho produzido pelo relógio com GPS, que foi aquele exatamente o quilômetro mais lerdo de todo o treino.
Não era a sensação que tinha. Ao contrário, me imaginava melhorando tempos, completando mo treino todo com vantagem, talvez, de mais de cinco minutos em relação à ultima experiência em distância semelhante.
Não quer dizer nada, ninguém ganha nada com isso e está longe de ser um assombro, mas significa que alguma coisa certa estou fazendo ao longo dessa minha preparação. É uma preparação, de certa forma, sui generis, pois não tenho por objetivo alcançar um tempo, quero apenas continuar correndo e, se possível, aumentando a quilometragem sem me machucar. Assim, eu me preparo para estar preparado e fico preparado para me preparar.
Preciso treinar. Meu corpo nunca foi e nunca será o de um atleta; nasci para ler, escrever, ficar atirado num sofá vendo televisão e comendo batatas fritas.
Bueno. Não costumo comer batatas fritas, não vejo televisão e, de certa forma, ainda que com muitas limitações, sou um atleta. Velho, cansado, machucado, mas construindo um caminho, mesmo torto e nem sempre elegante.  
Assim é que, pouco depois do décimo quilômetro de corrida na manhã daquela quinta-feira fria, que tinha começado com grande nebulosidade, uma cerração firme mais comum em dias invernais, eu me sentia satisfeito, tinha a mente limpa e parecia até veloz.
Para melhorar as coisas, atravessei a rua Doutor Pinto Ferraz, que foi um professor de direito, para chegar a um raro quarteirão largo da rua Domingos de Morais, que presidiu a Companhia de Bondes de São Paulo no final do século dezenove. Não só largo como também razoavelmente vazio...
Mesmo com a mente à voltas com cálculos de tempo e sonhos de patrocínio, percebi que havia ali uma janela de oportunidade para a velocidade. Acelerei, movi as pernas mais rapidamente, inclinei um pouco mais o corpo para a frente.
E tropecei. E caí.
Do jeito que vinha, não deu tempo nem para me proteger na queda. Vi o chão chegar e percebi que ia bater de cara no concreto. Ainda pude notar o desvão no cimento que interrompeu minha caminhada, ainda deu para mexer o corpo de jeito tal que não sei qual.


Senti a cabeça, de lado, encostar no chão, no cimento, ralar o concreto. Desmaiei, talvez, imagino, por alguns décimos, centésimos de segundo... Se não desmaiado, com certeza imóvel, talvez tentando perceber e avaliar o grau do estrago.
De cada lado, alguém pegou meus ombros, começaram a me ajudar a me virar, a me levantar. Consegui dizer: “Quebrei o braço!”, e foi só, estava absolutamente sem saber o que fazer.
Perguntei a um dos homens que me ajudaram se havia sangue na minha cabeça, no meu rosto. Nada, me disseram, e ainda perguntaram se eu precisava de ajuda. Agradeci, disse que não. E então, só então vi minha mão direita.
O dedo anular tinha saltado, se transformado em ponte sobre o “pai de todos”, numa versão aterrorizante de dedos cruzados –no passado, entrelaçar os dedos significava ficar liberado de um juramento ou que se estava dizendo uma mentira, com pleno conhecimento do fato, mas perdoado pelos poderes do universo graças ao tal sinal.
Essa espécie de figa protetora, usada pelos primeiros cristãos como forma de fazer uma cruz sem atrair a atenção de perseguidores de sua fé, porém, era sempre construída com o indicador e o “pai de todos”, o dedo médio, nunca com o coitado do anular, cujos ligamentos tinham sido arrebentados na queda, assim como fora sua base fraturada em três pontos.
Na hora, não percebi; mais tarde, porém, dores no braço e no antebraço indicaram outra vítima do tombo: também o úmero tinha sofrido fratura, na ânsia do corpo de evitar choque mais desagradável entre a cabeça e o chão.
Rale o joelho, as mãos, havia sangue por tudo, mas não jorrando: arranhões grandes, vermelhos.
Consegui reunir bom senso que chega para ligar para um médico, o ortopedista maratonista que me acompanha há vários anos. O melhor mesmo era seguir para o pronto-socorro e cuidar logo do prejuízo para depois ver o que poderia ser feito.
No final das contas, não houve quase nada a ser feito. A fratura no braço era “boa”, não precisava nem sequer de imobilização, haveria de colar por si provavelmente na posição correta. É ela, porém, a que mais dores provoca, pois o braço está sem forças. Consigo levantar uma xícara, mas não um prato.
O dedo, porém, era outra história. A articulação havia sido atingida, queriam operar o quanto antes, o melhor seria ali mesmo, na hora.
Calma, cocada. Cirurgia não é assim coisa que se faz a qualquer momento, sem pensar, sem refletir, apenas porque parece ser o mais indicado para o ferimento. Pode não ser o mais indicado ou o desejado pelo ferido.
Vai daí que, conversa vai, conversa vem, noves fora, optei por deixar tudo nãos da natureza. Dando-lhe alguma ajudinha, mas nada muito dramático nem drástico.
Por isso, estou com a mão parcialmente presa por uma órtese que mantém meu dedo anular direito no lugar desejado pelos médicos, sem pender loucamente mão abaixo, mas também se ter tido a articulação consertada, coisa que envolveria placa, fios de arame e outras alquimias e arquiteturas que provocariam muitas atribulação ao corpo velho e cansado.

Posso correr com a órtese, que é uma espécie de tala mais moderna, mais leve, mais elegante. Posso tomar banho com ela e tenho a mão capaz de fazer muitas coisas, assim como impossibilitada de fazer outras tantas.
Digitar com elegância, por exemplo, está fora de cogitação.
Nos primeiros dias em que tentei batucar no teclado, experimentei fazê-lo com o indicador, apontando a mão para baixo, deixando o indicador apoiado no dedão. Não havia dor, nem sempre, pelo menos, mas também não havia muita produtividade.
Eu estava catando milho, tinha de novo virado catador de milho, como vozes pouco gentis se fizeram ouvir na minha memória, na minha mente, nas imagens de tempos passados.
Catar milho, nos teclados de hoje, é ainda mais problemático por causa da alta sensibilidade das teclas. A gente batuca com o indicador na tecla certa, mas, ao mesmo tempo, de forma solerte, o resto da mão esbarra em teclas outras, provocando  erros e confusões, atrasos e demora.
A mão direita, então, é vítima ainda maior, pois carrega o artefato de plástico moldável, uma peça agora rígida em azul royal, presa à mão por simples pressão, garantida por atilhos de velcro vermelho.
Consigo agora, depois de alguns dias de experimentação, usar os dedos médios para digitar, não mais catar milho. Há sempre dores, por que o movimento dos braços aciona músculos e tendões endurecidos e amarfanhados, ainda sofrendo os efeitos do trauma ou, talvez, de alguma forma maltratados pela lesão na cabeça do úmero.
Não sei. O que sei é que estou de pé. Tenho a mão inchada, o dedo anular preso e amarrado a ele o mindinho. Há dores que vêm e vão, há dores que ficam, não saem. Não é a pior situação do mundo, mas também não é a melhor.
Não paro de correr.
O acidente foi na quinta-feira, eu adiantei o longão de sábado, pois no sábado tinha compromisso, iria ouvir a fala inspirada de Pepe Mujica, o legendário ex-presidente do Uruguai.
Pois no domingo já corri cinco quilômetros, na segunda caminhei dez quilômetros e hoje fiz um treino de onze quilômetros.
Estou um pouco abatido. Sinto cansaço.
Azar. Parafraseando o poeta, digo que ainda tenho a corrida e o sentimento do mundo.
VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de nove de maio de 2017
11,37 quilômetros percorridos em 1h42min14

Acumulado no projeto 60M60A
1.055,16 quilômetros percorridos em 187h47min09






3.5.17

Mil quilômetros já se foram na corrida de sexagenário contra o tempo e a distância, pela vida, pela alegria e pela democracia

No dia primeiro de maio, por volta das nove e quarenta da manhã, completei os primeiros mil quilômetros de minha jornada deste ano, em que pretendo inteirar distância equivalente à de sessenta maratonas: 2.532 quilômetros.
O ponto exato, não sei dizer. Desde o acordar, pensava, calculava onde cairia a marca que, para mim, era esplendorosa. Cheguei ao primeiro de maio com 993 quilômetros acumulados, mais uns metrinhos. O ponto preciso, então, seria na altura dos 6.990 metros e mais uns quebradinhos.
Bobagem precisar isso. Meti na cabeça que seria nos sete quilômetros e pronto. Assim a gente não corre o risco de festejar antes, que é sempre perigoso, como já me ensinava minha querida vó Alda, há mais de meio século: “Não se deve contar com o ovo no c* da galinha”. Um amigo meu, conhecido das corridas, estabeleceu outro dito, que também me parece de respeito: “Primeiro a gente faz, depois a gente fala”.
Vai daí que deixei os metros passarem e ajustei a quilometragem para a conta redonda dos sete. Mas desde os seis e quinhentos estava assuntando os arredores, olhando para a frente, tentando calcular onde cairia o lugar, se haveria algum marco fantástico, uma espécie de pórtico que deixaria registrado para a eternidade o lugar exato dos primeiros mil quilômetros da jornada de um sexagenário em defesa da vida e da inclusão dos mais velhos na sociedade, do direito dos mais velhos ao sonho, à alegria e à busca da felicidade.
Percurso realizado no dia Primeiro de Maio; os mil quilômetros foram atingidos na altura do parque Villa Lobos
Já estava calejado com as dores de decepções e frustrações. Quando, lá no início de janeiro, completei a primeira maratona das sessenta que pretendo inteirar neste ano, também fui em busca de um marco, de um sinal físico na cidade que indicasse minha passagem.
Que nada! O ponto em que somei 42.195 metros foi sem graça, sem elegância e sem memória, ao lado de um muro branco do cemitério do Araçá. Nem sequer pichado estava o muro naquela altura exata! Tentei o outro lado da avenida Doutor Arnaldo, que foi onde alcancei os 42,2, km, mas também era assim, anódino, insosso, insípido e incolor naquela manhã turva, cinzenta, sem sol em pleno verão.
Nos mil, não. O sol brilhava neste primeiro de maio, enquanto eu procurava minha marca. Calculando metros e somando centímetros, sorri para dentro ao perceber que o ponto seria marcado por um monumento!!!

Que beleza!!! Uma coisa muito urbana, muito paulistana, muito pós-moderna, muito triquetriquerrolimã: uma parede, um muro, um retângulo de cimento erguido de través no canteiro de uma grande avenida da zona oeste e totalmente pichado (ou pixado, como quer a turma do pixo), pintado, desenhado, com algo que me pareceu abelhas fazendo sabe-se lá o quê (ou seriam moscas????).
Não importa. Meu esforço estaria recompensado, reconhecido. Ainda que nada fosse registrado, eu e a cidade saberíamos que por ali passei, havia uma lembrança sólida da travessia do solitário sexagenário colecionador de fragmentos urbanos.

Nananina. Já tinha até fotografado a tal parede, o monolito do pixo, quando me lembrei de olhar a marca registrada pelo meu GPS para confirmar o feito.
Ai, que decepção! Nem sequer tinha chegado aos seis mil e novecentos metros, faltavam ainda algumas dezenas de passos para inteirar os mil quilômetros. Sai prá lá!
Reiniciei minha jornada, com tempo suficiente para refletir, buscar as razões de a gente, não só os corredores, mas nós todos, da raça humana, buscarmos sempre esses pontos de referência, querendo estabelecer registros de vitória, de transcurso, como se eles efetivamente o fossem. Não são: por que mil seria melhor, mais válido ou mais poderoso do que novecentos e setenta e quatro ou do que mil cento e triunta e sete, qual o valor especial da marca redonda, como se costuma dizer?
Não sei, como também não sei muito mais respostas para outras tantas perguntas bestas que me vêm à cabeça enquanto corro pelo mundo afora. São multidões de dúvidas. Elas me dão, às vezes, a dimensão da minha ignorância. Também refletem quão doidivanas o pensamento é, pulando de galho em galho pelos pedaços de nossa existência.
O certo é que eu tinha ainda mais alguns metros a percorrer até completar os sete quilômetros, que foram inteirados ao pé de um jardinzinho montado no canteiro central da avenida Professor Fonseca Rodrigues, assim nomeada em homenagem a um engenheiro que deu aulas na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo na primeira metade do século passado. Havia uma flor amarela, sozinha e solitária, brilhando e bebendo o sol que vinha das alturas. Ela foi meu registro, meu marco, o pórtico dos meus mil quilômetros.



Passei por ela também sozinho, solitário. Nem sequer corria, caminhava.  O corpo ainda estava cansado e dolorido dos esforços do dia anterior, quando completei de uma talagada só trinta e dois quilômetros.
Tinha sido uma jornada feita aos soluços, como chamo os bloquinho de corrida e caminhada com que ergo os prédios de meus trajetos pelo mundo. Naquele “longão”, que é como a gente chama esses treinos especiais, de maior distância, fiz trinta blocos alternando oitocentos metros de corrida e duzentos metros de caminhada.
O método, construído por meu treinador, Alexandre Blass, da Força Dinâmica,  tem por objetivo tentar preservar um pouco o corpitcho velho, oferecendo mais chances de uma recuperação mais rápida. Porque é disto que preciso nesta jornada: correr, andar e me recuperar para o esforço seguinte, não perder ânimo nem disposição, não ficar gripado nem torcer o pé.
A bem da verdade ou, para não entrar em questões filosóficas sobre o ser e estar da verdade: de fato, ter somado mil quilômetros, por si, não significa nada nem dá camisa a ninguém, nem prêmio nem satisfação do dever cumprido, pois este só o será quando eu inteirar dois mil quinhentos e trinta e dois quilômetros.
Pelo menos, já cheguei até aqui. E estou disposto a prosseguir, obedecendo a outra máxima, esta ensinada por uma professora de música: “Primeiro a gente vai lá e faz; depois, melhora”.
Apesar de já correr há quase vinte anos, estes dias todos têm sido de aprendizado, de experimentações: o corpo envelhece e cria dores onde nunca tinha antes havido sofrimento. Não só as musculares, as de tendões, ossos, pele rachada, cabelo caído, entranhas machucadas: as dores de viver mesmo.
Parecem diferentes, mais intensas e poderosas, exigindo a cada momento mais atenção e fortitude para serem enfrentadas, superadas. Ou apenas para que o convívio com elas seja suportável, para que haja uma convivência pacífica, ainda que instável e complexa, entre a dor e a tranquilidade –às vezes, a alegria, a satisfação e a completude.
Para tudo a corrida tem uma resposta, nem que seja apenas a exigência de colocar um pé na frente do outro, o outro na frente do um e repetir.
Foi o que fiz no Primeiro de Maio dos Mil Quilômetros, que me reservaria ainda alegrias para os sentidos e programação espetacular para o intelecto.
Completei minha jornada daquele dia chegando à casa de um amigo, Gregório Silva, um dos Corredores Patriotas Contra o Golpe, turma de atletas da corrida e da democracia. Nosso pequeno grupo teria ali numa reunião para discutir nosso futuro, por onde andaríamos e para onde queríamos ir.
É o que todos queremos saber sempre, mas a própria metafísica teve de sair de cena e abrir espaço para o mais absoluto materialismo quando Gregório colocou na mesa uma espécie de molho ou creme ou suco ou combinação de tudo isso feito puramente como tomates ralados.
Havia temperos, por certo, mas a essência foi o resultado de trabalho de nosso anfitrião, caprichosamente amassando as frutas vermelhas escolhidas com carinho.
Cobrir com aquela alquimia um pãozinho corado, colocar sobre o molho fatia generosa de queijo da serra da Canastra e levar o conjunto ao forno consubstanciou uma obra de arte culinária, transformada enfim em bocaditos degustados, saboreados, mordidos e engolidos. Tudo com certo cuidado para evitar que o tomate se espalhasse por minhas barbas brancas –a proteção não deu muito resultado, mas essa é a consequência do que a gente chama de se empapuçar.
Alimentado, me fui para a segunda etapa da jornada: acompanhar as manifestações do Primeiro de Maio, encontro dos trabalhadores e do povo para protestar contra as ações do governo golpista e afirmar seu –NOSSO—desejo de mudança, de luta pela construção de um país livre, democrático e soberano.


O Primeiro de Maio deste ano veio na esteira da maior GREVE GERAL da história do país, que mobilizou cerca de quarenta milhões de pessoas e foi um exemplo da capacidade de organização e concatenação de operações dos movimentos populares e das organizações sindicais em todo o país.

De toda a cidade partiram grupos para se somar à concentração no Largo da Batata, na GRANDE GREVE GERAL; aqui, a turma da POMPEIA SEM MEDO

Realizada no dia 28 de abril, a GREVE teve como antecedentes não apenas as óbvias reuniões preparatórias, mas também muitos encontros não diretamente ligados ao movimento, ainda que totalmente envolvidos com a luta pela salvação nacional contra o processo de destruição que o governo entreguista está levando a cabo com sofreguidão nunca vista.
Um desses momentos foi o lançamento do manifesto do PROJETO BRASIL NAÇÃO, de que tive a satisfação de participar. O documento foi resultado de meses de discussão em que participaram gentes das mais diversas origens, todos angustiados com os destinos do país.
A jornalista Eleonora de Lucena, que foi uma das principais construtoras do movimento, liderado pelo ex-ministro Luiz Carlso Bresser-Pereira, escreveu artigo em que resume motivações do grupo. Publicado na “Folha de S. Paulo” no dia 27 de abril, quando aconteceria o lançamento, o texto de Eleonora é o seguinte:



PROJETO BRASIL NAÇÃO
O que há em comum entre o massacre de Colniza (MT), o fim da CLT, o esquartejamento da Petrobras e a reforma da Previdência? Existe ligação entre o desemprego alarmante, o sufocamento da indústria e a estratosférica taxa de juros?
E qual a conexão entre as centenas de jovens negros e pobres mortos pela PM paulista, o fim de programas científicos e culturais e o aniquilamento da Constituição de 1988?
Os dados fragmentados do noticiário remetem para o contexto maior de uma realidade aflitiva: a destruição do país e a violência contra os mais fracos e pobres. É a sanha para desmantelar o Estado, atacar direitos, beneficiar rentistas e enxovalhar a soberania que está no pano de fundo da torrente de retrocessos civilizatórios, assaltos a direitos e sequestros da democracia e da autonomia nacional.
Passado um ano do início do processo de impeachment, o país está bem pior. Sob o governo golpista, retrocedeu anos. A meta dos mandantes parece ser voltar à República Velha, destroçando conquistas sociais e submetendo abertamente o país a interesses externos. É possível que, no futuro, crimes de lesa-pátria possam ser julgados, jogando no lixo os atos da súcia.
Aturdida, a população assistiu à avalanche de prepotência, arrogância e desrespeito. Agora, começa a reagir com mais força. Sindicatos e movimentos sociais atuam de forma mais ativa e suas mobilizações repercutem na sociedade.
A greve geral, marcada para esta sexta (28/4), promete ser um repúdio vigoroso ao amontoado de sandices em maquinação pelo governo antinacional e antipopular. Há mais.
A igreja católica saiu do silêncio e passou a se manifestar contra os ataques a direitos. Padres fazem convocações para as mobilizações de protesto. Ecoam, finalmente, os repetidos alertas do papa Francisco.
O empresariado está desapontado com as ações do governo ilegítimo. De um lado, há desilusão com as promessas róseas de recuperação. De outro, há frustração pelos sucessivos golpes para as empresas nacionais, que só vislumbram encolhimento de mercados, aqui e no exterior. Simplesmente o golpe não surtiu o efeito esperado por certa elite.
No Congresso, as manobras são cada vez mais custosas, e a chamada base aliada se esfarela. Do exterior, vozes expressam crítica ao golpe que feriu a democracia brasileira e ameaça o processo eleitoral do ano que vem. O capitalismo financeiro, entrando no seu décimo ano de crise profunda, desgosta da vontade popular e esfrangalha as sociedades.
Nesse quadro, intelectuais, artistas, empresários, profissionais liberais, cientistas, sindicalistas e lideranças de movimentos sociais decidiram falar. Lançam nesta quinta (27) o manifesto do Projeto Brasil Nação.
O texto, criação coletiva de dezenas de pessoas de diferentes matizes, afirma que o atual desmonte do país "só levará à dependência colonial e ao empobrecimento dos cidadãos, minando qualquer projeto de desenvolvimento".
O grupo, apartidário, aponta que o ataque em curso foi desfechado num momento em que o Brasil se projetava como nação, se unindo a países fora da órbita exclusiva de Washington. Com isso, contrariou interesses poderosos do Norte.
O documento recupera os objetivos gerais que cimentam a sociedade brasileira: democracia, soberania, diminuição da desigualdade, desenvolvimento, proteção ao ambiente. Esboça propostas econômicas e conclama ao debate para a formulação de um projeto de nação com autonomia e inclusão.
É hora de reflexão e ação. Hoje, às 18h, no largo do São Francisco, o Projeto Brasil Nação está sendo colocado na rua. Saiba mais pelo site www.bresserpereira.org.br.

Pois o PROJETO BRASIL NAÇÃO foi para a rua, lançado na histórica Sala do Estudante, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com a presença de centenas de pessoas e a companhia de milhares outras, que acompanharam o evento por meios eletrônicos.


A noite toda foi de uma emoção só, marcada por brasilidade militante, encarnada no canto do Hino Nacional interpretado pela soprano Lucila Tragtenberg (a professora de música que citei lá no alto, aquele me ensinou que primeiro a genet faz, depois, melhora). Ela foi apresentada pelos nossos anfitriões, a turma do Centro Acadêmico XI de Agosto, representada por João Ricardo Munhoz.
Eleonora dirigiu o ato, que teve falas da professora Leda Paulani, do ex-ministro Celso Amorim, do jovem senador Lindbergh Farias, do decano do direito professor Fabio Konder Comparato, do engenheiro Pedro Celestino, que comanda no Rio articulação de espírito semelhante, do ex-ministro Ciro Gomes. Mensagens especiais do “pai do pé-sal”, Guilherme Estrella, e do histórico militante dos direitos humanos Paulo Sérgio Pinheiro foram lidas na cerimônia, encerrada com discurso de Bresser-Pereira.
E eu encerro por aqui, publicando a seguir o texto do manifesto com a lista dos chamados subscritores originais. As fotos do lançamento são de Anderson Tadeu.



MANIFESTO DO PROJETO BRASIL NAÇÃO 

O Brasil vive uma crise sem precedentes. O desemprego atinge níveis assustadores. Endividadas, empresas cortam investimentos e vagas. A indústria definha, esmagada pelos juros reais mais altos do mundo e pelo câmbio sobreapreciado. Patrimônios construídos ao longo de décadas são desnacionalizados.

Mudanças nas regras de conteúdo local atingem a produção nacional. A indústria naval, que havia renascido, decai. Na infraestrutura e na construção civil, o quadro é de recuo. Ciência, cultura, educação e tecnologia sofrem cortes.

Programas e direitos sociais estão ameaçados. Na saúde e na Previdência, os mais pobres, os mais velhos, os mais vulneráveis são alvo de abandono.

A desigualdade volta a aumentar, após um período de ascensão dos mais pobres. A sociedade se divide e se radicaliza, abrindo espaço para o ódio e o preconceito.

No conjunto, são as ideias de nação e da solidariedade nacional que estão em jogo. Todo esse retrocesso tem apoio de uma coalizão de classes financeiro-rentista que estimula o país a incorrer em deficits em conta corrente, facilitando assim, de um lado, a apreciação cambial de longo prazo e a perda de competitividade de nossas empresas, e, de outro, a ocupação de nosso mercado interno pelas multinacionais, os financiamentos externos e o comércio desigual.


Ex-ministro Celso Amorim e Raduan Nassar, maior escritor de língua portuguesa


Esse ataque foi desfechado num momento em que o Brasil se projetava como nação, se unindo a países fora da órbita exclusiva de Washington. Buscava alianças com países em desenvolvimento e com seus vizinhos do continente, realizando uma política externa de autonomia e cooperação. O país construía projetos com autonomia no campo do petróleo, da defesa, das relações internacionais, realizava políticas de ascensão social, reduzia desigualdades, em que pesem os efeitos danosos da manutenção dos juros altos e do câmbio apreciado.

Para o governo, a causa da grande recessão atual é a irresponsabilidade fiscal; para nós, o que ocorre é uma armadilha de juros altos e de câmbio apreciado que inviabiliza o investimento privado. A política macroeconômica que o governo impõe à nação apenas agravou a recessão. Quanto aos juros altíssimos, alega que são “naturais”, decorrendo dos déficits fiscais, quando, na verdade, permaneceram muito altos mesmo no período em que o país atingiu suas metas de superávit primário (1999-2012).

Buscando reduzir o Estado a qualquer custo, o governo corta gastos e investimentos públicos, esvazia o BNDES, esquarteja a Petrobrás, desnacionaliza serviços públicos, oferece grandes obras públicas apenas a empresas estrangeiras, abandona a política de conteúdo nacional, enfraquece a indústria nacional e os programas de defesa do país, e liberaliza a venda de terras a estrangeiros, inclusive em áreas sensíveis ao interesse nacional.

Privatizar e desnacionalizar monopólios serve apenas para aumentar os ganhos de rentistas nacionais e estrangeiros e endividar o país.

O governo antinacional e antipopular conta com o fim da recessão para se declarar vitorioso. A recuperação econômica virá em algum momento, mas não significará a retomada do desenvolvimento, com ascensão das famílias e avanço das empresas. Ao contrário, o desmonte do país só levará à dependência colonial e ao empobrecimento dos cidadãos, minando qualquer projeto de desenvolvimento.

Eterno senador por São Paulo, Eduardo Suplicy também participou da celebração


Para voltar a crescer de forma consistente, com inclusão e independência, temos que nos unir, reconstruir nossa nação e definir um projeto nacional. Um projeto que esteja baseado nas nossas necessidades, potencialidades e no que queremos ser no futuro. Um projeto que seja fruto de um amplo debate.
É isto que propomos neste manifesto: o resgate do Brasil, a construção nacional.

Temos todas as condições para isso. Temos milhões de cidadãos criativos, que compõem uma sociedade rica e diversificada. Temos música, poesia, ciência, cinema, literatura, arte, esporte – vitais para a construção de nossa identidade.

Temos riquezas naturais, um parque produtivo amplo e sofisticado, dimensão continental, a maior biodiversidade do mundo. Temos posição e peso estratégicos no planeta. Temos histórico de cooperação multilateral, em defesa da autodeterminação dos povos e da não intervenção.

O governo reacionário e carente de legitimidade não tem um projeto para o Brasil. Nem pode tê-lo, porque a ideia de construção nacional é inexistente no liberalismo econômico e na financeirização planetária.

Cabe a nós repensarmos o Brasil para projetar o seu futuro – hoje bloqueado, fadado à extinção do empresariado privado industrial e à miséria dos cidadãos.
Nossos pilares são: autonomia nacional, democracia, liberdade individual, desenvolvimento econômico, diminuição da desigualdade, segurança e proteção do ambiente – os pilares de um regime desenvolvimentista e social.

Para termos autonomia nacional, precisamos de uma política externa independente, que valorize um maior entendimento entre os países em desenvolvimento e um mundo multipolar.
Para termos democracia, precisamos recuperar a credibilidade e a transparência dos poderes da República. Precisamos garantir diversidade e pluralidade nos meios de comunicação. Precisamos reduzir o custo das campanhas eleitorais, e diminuir a influência do poder econômico no processo político, para evitar que as instituições sejam cooptadas pelos interesses dos mais ricos.

Para termos Justiça, precisamos de um Poder Judiciário que atue nos limites da Constituição e seja eficaz no exercício de seu papel. Para termos segurança, precisamos de uma polícia capacitada, agindo de acordo com os direitos humanos.

Para termos liberdade, precisamos que cada cidadão se julgue responsável pelo interesse público.

Precisamos estimular a cultura, dimensão fundamental para o desenvolvimento humano pleno, protegendo e incentivando as manifestações que incorporem a diversidade dos brasileiros.

Para termos desenvolvimento econômico, precisamos de investimentos públicos (financiados por poupança pública) e principalmente investimentos privados. E para os termos precisamos de uma política fiscal, cambial socialmente responsáveis; precisamos juros baixos e taxa de câmbio competitiva; e precisamos ciência e tecnologia.

Para termos diminuição da desigualdade, precisamos de impostos progressivos e de um Estado de bem-estar social amplo, que garanta de forma universal educação, saúde e renda básica. E precisamos garantir às mulheres, aos negros, aos indígenas e aos LGBT direitos iguais aos dos homens brancos e ricos.
Para termos proteção do ambiente, precisamos cuidar de nossas florestas, economizar energia, desenvolver fontes renováveis e participar do esforço para evitar o aquecimento global.

Neste manifesto inaugural estamos nos limitando a definir as políticas públicas de caráter econômico. Apresentamos, assim, os cinco pontos econômicos do Projeto Brasil Nação.

1 Regra fiscal que permita a atuação contracíclica do gasto público e assegure prioridade à educação e à saúde
2 Taxa básica de juros em nível mais baixo, compatível com o praticado por economias de estatura e grau de desenvolvimento semelhantes aos do Brasil
3 Superávit na conta corrente do balanço de pagamentos, que é necessário para que a taxa de câmbio seja competitiva
4 Retomada do investimento público em nível capaz de estimular a economia e garantir investimento rentável para empresários e salários que reflitam uma política de redução da desigualdade
5 Reforma tributária que torne os impostos progressivos

Esses cinco pontos são metas intermediárias, são políticas que levam ao desenvolvimento econômico com estabilidade de preços, estabilidade financeira e diminuição da desigualdade. São políticas que atendem a todas as classes, exceto a dos rentistas.

Alegria ao final do encontro


A missão do Projeto Brasil Nação é pensar o Brasil, é ajudar a refundar a nação brasileira, é unir os brasileiros em torno das ideias de nação e desenvolvimento – não apenas do ponto de vista econômico, mas de forma integral: desenvolvimento político, social, cultural, ambiental; em síntese, desenvolvimento humano. Os cinco pontos econômicos do Projeto Brasil são seus instrumentos – não os únicos instrumentos, mas aqueles que mostram que há uma alternativa viável e responsável para o Brasil.

Estamos hoje, os abaixo assinados, lançando o Projeto Brasil Nação e solicitando que você também seja um dos seus subscritores e defensores.

30 de março de 2017 






SUBSCRITORES ORIGINAIS


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, economista
ELEONORA DE LUCENA, jornalista
CELSO AMORIM, embaixador
RADUAN NASSAR, escritor
CHICO BUARQUE DE HOLLANDA, músico e escritor
MARIO BERNARDINI, engenheiro
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, físico
ROBERTO SCHWARZ, crítico literário
PEDRO CELESTINO, engenheiro
FÁBIO KONDER COMPARATO, jurista
KLEBER MENDONÇA FILHO, cineasta
LAERTE, cartunista
JOÃO PEDRO STEDILE, ativista social
WAGNER MOURA, ator e cineasta
VAGNER FREITAS, sindicalista
MARGARIDA GENEVOIS, ativista de direitos humanos
FERNANDO HADDAD, professor universitário
MARCELO RUBENS PAIVA, escritor
MARIA VICTORIA BENEVIDES, socióloga
LUIZ COSTA LIMA, crítico literário
CIRO GOMES, político
LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO, economista
ALFREDO BOSI, crítico e historiador
ECLEA BOSI, psicóloga
LUIS FERNANDO VERÍSSIMO, escritor
MANUELA CARNEIRO DA CUNHA, antropóloga
FERNANDO MORAIS, jornalista
LEDA PAULANI, economista
ANDRÉ SINGER, cientista político
LUIZ CARLOS BARRETO, cineasta
PAULO SÉRGIO PINHEIRO, sociólogo
MARIA RITA KEHL, psicanalista
ERIC NEPOMUCENO, jornalista
CARINA VITRAL, estudante
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO, historiador
ROBERTO SATURNINO BRAGA, engenheiro e político
ROBERTO AMARAL, cientista político
EUGENIO ARAGÃO, subprocurador geral da república
ERMÍNIA MARICATO, arquiteta
TATA AMARAL, cineasta
MARCIA TIBURI, filósofa
NELSON BRASIL, engenheiro
GILBERTO BERCOVICI, advogado
OTAVIO VELHO, antropólogo
GUILHERME ESTRELLA, geólogo
JOSÉ GOMES TEMPORÃO, médico
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ BANDEIRA, historiador
FREI BETTO, religioso e escritor
HÉLGIO TRINDADE, cientista político
RENATO JANINE RIBEIRO, filósofo
ENNIO CANDOTTI, físico
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES, embaixador
FRANKLIN MARTINS, jornalista
MARCELO LAVENERE, advogado
BETE MENDES, atriz
JOSÉ LUIZ DEL ROIO, ativista político
VERA BRESSER-PEREIRA, psicanalista
AQUILES RIQUE REIS, músico
RODOLFO LUCENA, jornalista
MARIA IZABEL AZEVEDO NORONHA, professora
JOSÉ MARCIO REGO, economista
OLÍMPIO ALVES DOS SANTOS, engenheiro
GABRIEL COHN, sociólogo
AMÉLIA COHN, socióloga
ALTAMIRO BORGES, jornalista
REGINALDO MATTAR NASSER, sociólogo
JOSÉ JOFFILY, cineasta
ISABEL LUSTOSA, historiadora
ODAIR DIAS GONÇALVES, físico
PEDRO DUTRA FONSECA, economista
ALEXANDRE PADILHA, médico
RICARDO CARNEIRO, economista
JOSÉ VIEGAS FILHO, diplomata
PAULO HENRIQUE AMORIM, jornalista
PEDRO SERRANO, advogado
MINO CARTA, jornalista
LUIZ FERNANDO DE PAULA, economista
IRAN DO ESPÍRITO SANTOS, artista
HILDEGARD ANGEL, jornalista
PEDRO PAULO ZALUTH BASTOS, economista
SEBASTIÃO VELASCO E CRUZ, cientista político
MARCIO POCHMANN, economista
LUÍS AUGUSTO FISCHER, professor de literatura
MARIA AUXILIADORA ARANTES, psicanalista
ELEUTÉRIO PRADO, economista
HÉLIO CAMPOS MELLO, jornalista
ENY MOREIRA, advogada
NELSON MARCONI, economista
LUCAS JOSÉ DIB, cientista político
SÉRGIO MAMBERTI, ator
JOSÉ CARLOS GUEDES, psicanalista
JOÃO SICSÚ, economista
RAFAEL VALIM, advogado
MARCOS GALLON, curador
MARIA RITA LOUREIRO, socióloga
ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA, economista
LADISLAU DOWBOR, economista
CLEMENTE LÚCIO, economista
ARTHUR CHIORO, médico
TELMA MARIA GONÇALVES MENICUCCI, cientista política
NEY MARINHO, psicanalista
FELIPE LOUREIRO, historiador
EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA, procuradora
CARLOS GADELHA, economista
PEDRO GOMES, psicanalista
CLAUDIO ACCURSO, economista
EDUARDO GUIMARÃES, jornalista
REINALDO GUIMARÃES, médico
CÍCERO ARAÚJO, cientista político
VICENTE AMORIM, cineasta
EMIR SADER, sociólogo
SÉRGIO MENDONÇA, economista
FERNANDA MARINHO, psicanalista
FÁBIO CYPRIANO, jornalista
VALESKA MARTINS, advogada
LAURA DA VEIGA, socióloga
JOÃO SETTE WHITAKER FERREIRA, urbanista
FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA DA SILVA, historiador
CRISTIANO ZANIN MARTINS, advogado
SÉRGIO BARBOSA DE ALMEIDA, engenheiro
FABIANO SANTOS, cientista político
NABIL ARAÚJO, professor de letras
MARIA NILZA CAMPOS, psicanalista
LEOPOLDO NOSEK, psicanalista
WILSON AMENDOEIRA, psicanalista
NILCE ARAVECCHIA BOTAS, arquiteta
PAULO TIMM, economista
MARIA DA GRAÇA PINTO BULHÕES, socióloga
OLÍMPIO CRUZ NETO, jornalista
RENATO RABELO, político
MAURÍCIO REINERT DO NASCIMENTO, administrador
ADHEMAR BAHADIAN, embaixador
ANGELO DEL VECCHIO, sociólogo
MARIA THERESA DA COSTA BARROS, psicóloga
GENTIL CORAZZA, economista
LUCIANA SANTOS, deputada
RICARDO AMARAL, jornalista
BENEDITO TADEU CÉSAR, economista
AÍRTON DOS SANTOS, economista
JANDIRA FEGHALI, deputada
LAURINDO LEAL FILHO, jornalista
ALEXANDRE ABDAL, sociólogo
LEONARDO FRANCISCHELLI, psicanalista
MARIO CANIVELLO, jornalista
MARIO RUY ZACOUTEGUY, economista
ANNE GUIMARÃES, cineasta
ROSÂNGELA RENNÓ, artista
EDUARDO FAGNANI, economista
REBECA SCHWARTZ, psicóloga
MOACIR DOS ANJOS, curador
REGINA GLORIA NUNES DE ANDRADE, psicóloga 
RODRIGO VIANNA, jornalista
WILLIAM ANTONIO BORGES, administrador
PAULO NOGUEIRA, jornalista
OSWALDO DORETO CAMPANARI, médico 
CARMEM DA COSTA BARROS, advogada
EDUARDO PLASTINO, consultor
ANA LILA LEJARRAGA, psicóloga
CASSIO SILVA MOREIRA, economista
MARIZE MUNIZ, jornalista
VALTON MIRANDA, psicanalista
MIGUEL DO ROSÁRIO, jornalista
HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI, advogado
FABIAN DOMINGUES, economista
KIKO NOGUEIRA, jornalista
FANIA IZHAKI, psicóloga
CARLOS HENRIQUE HORN, economista
BETO ALMEIDA, jornalista
JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO, advogado
PAULO SALVADOR, jornalista
WALTER NIQUE, economista
CLAUDIA GARCIA, psicóloga
LUIZ CARLOS AZENHA, jornalista
RICARDO DATHEIN, economista
ETZEL RITTER VON STOCKERT, matemático
ALBERTO PASSOS GUIMARÃES FILHO, físico
BERNARDO KUCINSKI, jornalista e escritor
DOM PEDRO CASALDÁLIGA, religioso
ENIO SQUEFF, artista plástico
FERNANDO CARDIM DE CARVALHO, economista
GABRIEL PRIOLLI, jornalista
GILBERTO MARINGONI, professor de relações internacionais
HAROLDO CERAVOLO SEREZA, jornalista e editor
HAROLDO LIMA, político e engenheiro
HAROLDO SABOIA, constituinte de 88, economista
AFRÂNIO GARCIA, cientista social
IGOR FELIPPE DOS SANTOS, jornalista
JOSÉ EDUARDO CASSIOLATO, economista
JOSÉ GERALDO COUTO, jornalista e tradutor
LISZT VIEIRA, advogado e professor universitário
LÚCIA MURAT, cineasta
LUIZ ANTONIO CINTRA, jornalista
LUIZ PINGUELLI ROSA, físico, professor universitário
MARCELO SEMIATZH, fisioterapeuta
MICHEL MISSE, sociólogo
ROGÉRIO SOTTILI, historiador
TONI VENTURI, cineasta
VLADIMIR SACCHETTA, jornalista 
ADRIANO DIOGO, político
MARCELO AULER, jornalista
MARCOS COSTA LIMA, cientista político
RAUL PONT, historiador
DANILO ARAUJO FERNANDES, economista
DIEGO PANTASSO, cientista político
ENNO DAGOBERTO LIEDKE FILHO, sociólogo
JOÃO CARLOS COIMBRA, biólogo
JORGE VARASCHIN, economista
RUALDO MENEGAT, geólogo
PATRÍCIA BERTOLIN, professora universitária
MARISA SOARES GRASSI, procuradora aposentada
MARIA ZOPPIROLLI, Advogada
MARIA DE LOURDES ROLLEMBERG MOLLO, economista
LUIZ ANTONIO TIMM GRASSI, ENGENHEIRO
LIÉGE GOUVÊIA, juíza
LUIZ JACOMINI, jornalista
LORENA HOLZMANN, socióloga
LUIZ ROBERTO PECOITS TARGA, economista

VAMO QUE VAMO!!!!

Percurso de dois de maio de 2017
14,2 km percorridos em 2h12min20

Acumulado no projeto 60M60A
1.017,93 km percorridos em 181h54min12