
Daqui a exatos três meses completo 60
anos. Tenho medo do que vem depois e quero muito mais. Chegar até aqui foi uma
vitória: quando nasci, a expectativa de vida dos homens brasileiros não chegava
a 50 anos. Hoje, as estatísticas me dizem que posso viver talvez mais 20 anos,
quem sabe 30, quiçá 40. Ou não.
Há que celebrar. Maratonista que sou
por decisão, jornalista que sou por profissão, me jeito de festejar é correr. E
contar histórias. Das corridas, dos corredores, da vida que é corrida.
Assim, inventei para meus 60 anos um
projeto que tem tudo isso. E, se der sorte, ainda pode ser que traga uns trocos
pro novo veinho. Chama-se “60 maratonas aos 60 anos”.
Fiz até apresentação de PowerPoint
sobre a empreitada, para ver se conseguia adesão de alguma empresa disposta a
bancar meus sonhos. O texto de apresentação começa assim:
“60 maratonas aos 60 anos é um projeto
cultural-esportivo-jornalístico realizado pelo jornalista, escritor e
ultramaratonista Rodolfo Lucena, que chega aos 60 anos e tenta desafiar a idade
e a distância ao mesmo tempo em que conta histórias do mundo da Terceira Idade,
seus desafios e suas conquistas. Ao ingressar oficialmente na Velhice, o
jornalista iniciará uma jornada que, ao longo do ano, vai cobrir distância
equivalente à de 60 maratonas – 2.532 quilômetros.”
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Depois de fazer a meia maratona do Douro - foto Eleonora de Lucena |
Não se trata de bater recorde. Para
alguns, essa distância é café pequeno; para outros, é impossível. Para mim, é
um desafio importante, mais do que fiz em qualquer um dos anos de minha vida
corrida. Não é inédito, mas é uma forma de mostrar que pessoas comuns, mesmo
velhas e com físico apenas regular, acima do peso, com mais gordura que o
recomendado, mal e mal em forma, conseguem realizar –ou, pelo menos, podem
tentar realizar—coisas surpreendentes.
Para acrescentar sal e pimenta ao meu
projeto, já fiz logo um filhote para ele, subproduto, um sonho dentro do sonho:
o 60 maratonas aos 60 anos é um projeto embarrigado.
Assim: sem desrespeitar o plano geral
dos tais 2.532 quilômetros ao longo de 2017, queria dar uma arrancada geral
para chegar ao dia do meu aniversário, 14 de fevereiro, com uma distância
marcante, significativa, desafiadora.
Meti na cabeça que, a contar de
primeiro de janeiro de 2017 e até o dia dos tais 60 anos completos, correria
distâncias tais que me permitissem chegar, na hora de apagar as velinhas, aos
600 quilômetros acumulados.
Sonho de pobre, porém, está fadado ao
fracasso. Quando a gente pensa que as coisas estão se ajeitando, vem lá a
marvada sorte e entorta tudo.
Na manhã do dia sete de novembro,
domingo da semana passada, saí para correr com uns amigos, gente do sensacional
grupo Corredores Patriotas Contra o Golpe. Realizamos, pro exemplo, o projeto Corrida e Caminhada FORA TEMER (veja vídeo abaixo)--, e fazemos reuniões assim, correndo.
Pois estávamos na saída do Minhocão,
hoje elevado Presidente João Goulart, quando uma dor aguda no joelho me fez
parar, pedir aos companheiros para reduzir, caminhar um pouco.
Não tínhamos sequer completado dez
quilômetros, e o sofrimento impediu que eu prosseguisse.
Esperei que, com aplicação de gelo no
joelho, melhorasse.
Nada.
Fui ao pronto-socorro, raio-x saiu
limpo, o médico deu um anti-inflamatório e falou para avaliar. Na dúvida, como
a dor estava forte –eu não conseguia andar sem mancar--,pediu uma ressonância
magnética e me orientou para buscar atendimento especializado.
Resultado: fratura por estresse no
joelho esquerdo, a minha quarta nesses 18 anos de corrida. Mais precisamente:
“Aparecimento de traço de fratura subcondral com microfratura do trabeculado ósseo na periferia posterossuperior do côndilo femoral lateral, com edema da medular óssea, sem desvios. Esta fratura não era observada no exame anterior.”
O exame anterior, outra RM, havia sido
feito em junho por causa de uma dor aguda exatamente ou quase exatamente no
mesmo ponto, do lado de fora do joelho esquerdo, um pouquinho abaixo da rótula,
que hoje chamam de patela.
A fratura por estresse é o seguinte: o
osso está lanhado, machucado, ferido, trincado, mas não está quebrado.
Pela minha experiência, a fratura por
estresse é algo caótico. Acontece por acúmulo de esforço, somatório de pressões
até que uma coisinha qualquer seja a gota d`água, o grão de areia que provoca a
avalanche. Também surge a partir de um único evento, uma queda, uma torção, um
esforço extra num ponto fraco sabe-se-lá-por-quê.
O tratamento básico é tirar o estresse,
dar tempo ao tempo para que o corpo possa recuperar as estruturas defeituosas,
fortalecer o que está fraco, colar o que está trincado. No caso de um corredor,
suspender as corridas.
Um mês e meio de gancho, mais
provavelmente dois meses, me disse o ortopedista que viu meu exame e deu as
orientações para o tratamento. “Caminhar pode”, concedeu ele, que também é
maratonista e conhece o grau de fissura que o corredor tem pelas corridas.
A frase acendeu uma luzinha na minha
mente, que já estava perdida, enveredando pela depressão, calculando que o
projeto dos 60 anos estava perdido, que nunca mais conseguiria correr daquele
jeito, que quando voltasse aos treinos estaria tão gordo que era melhor já ir
subindo num carrinho de lomba...
Caminhar pouco, disse o médico, e ir só
até o limite da dor. Melhor: descobrir quando e por que começa a doer e parar
antes disso.
Bom, melhor do que nada.
Nos meandros do turbilhão de
pensamentos negativos, positivos e muito pelo contrário que me dominavam,
aos poucos vai surgindo a ideia: “Não vamo nos entregrar pros homi”, velha
frase brizolista que pregava a resistência política e até militar mesmo nas
condições mais adversas e que bem servi de resposta para a maldita fratura, a
gordura, a dor nas costas, a cabeça inchada, os ombros doloridos, a garganta
inflamada, os ouvidos entupidos.
Decidi tocar o projeto para a frente.
Ao longo do ano, dá para fazer os 2.532
quilômetros; afinal, sou brasileiro, e não desisto nunca, sou gremista e vou à
luta para o que der e vier.
Talvez seja impossível completar os 600
quilômetros até o dia do meu aniversário, se eu começar a contar desde primeiro
de janeiro de 2017. Então, por que não começar agora, já, neste momento?
Uma professora de canto e impostação de
voz, muito querida, costuma dizer: “Primeiro, a gente vai lá e faz com o que
tem; depois, melhora”.
O que temos é esse corpo alquebrado,
mas decidido. Então, vamo que vamo. Se não dá para correr, vou caminhar. Se não
dá para ser depois, há de ser agora.
Começo aqui minha jornada.
Hoje caminhei três quilômetros e
quatrocentos e cincoenta metros em um terreno plano, nas calçadas da avenida
Doutor Arnaldo, pedaço do espigão da Paulista, uma das regiões mais alta de São
Paulo. Não tive dor na jornada, mas, depois, o joelho reclamou e lhe dei uma
dose de gelo.
Volto amanhã e depois e depois e ainda
no outro dia. Pelo menos, é meu plano. Enquanto der, como der.
Primeiro vou completar 600 quilômetros
até meu aniversário; depois sigo para os outros 1.932 quilômetros. Se não der,
não deu, mas não vou desistir antes de começar.
Minha histórias não serão só das
corridas ou caminhadas. Vou falar da velhice, de amor, de esperança, de
dinheiro e falta de grana, da aposentadoria e da desaposentadoria, de
comilanças e dietas, de exercícios e de política, do que vier na cabeça ao
longo do caminho –não são apenas as melancias que se ajeitam no andar da
carroça, os pensamentos tomam tento na vereda do percurso.
Tenho o apoio da Eleonora, minha
companheira de vida, paixão, trabalho e luta, e das minhas filhas. E com elas e
por elas que ando e saio todo dia a dar mais um passo, sempre mais um passo.
Não conto com patrocinadores (por
enquanto, espero), mas tenho a parceria amiga e incentivadora do pessoal da
Força Dinâmica. Alexandre Blass é meu treinador, Marcelo Semiatzh o guru do
movimento –os dois me ajudaram a combater minhas dores e a voltar a correr e a
enfrentar maratonas.
Não tenho agora (ainda?), como em
outras empreitadas, suporte institucional de centros médicos, de fisioterapia e
nutrição. Mas ouço a orientação abalizada do ortopedista Henrique
Cabrita, médico maratonista que também virou amigo ao longo dos anos.
Seria sensacional ter mecenas
–empresas, associações, instituições—a bancarem viagens maravilhosas em que eu
possa contar para você aventuras incríveis de um velhinho no mundo das
maratonas.
Espero que isso venha a acontecer. Mas,
se não vier, não há problema, combateremos à sombra.
O mais importante é seguir sempre com a
sua companhia amiga, sua leitura simpática, seus comentários de crítica e
incentivo. Diariamente, temos aqui um encontro marcado para jogar conversa fora
e aprender mais um pouquinho sobre cada um, desafinar o coro dos contentes e
desfrutar a vida como ela vem, tentando sempre que ela fique do jeitinho que a
gente gosta.
Vamo que vamo!
600 aos 60 – etapa 1 – 2016 nov 14
3,45 km caminhados em 36min28
Quilometragem acumulada: 3,45 km
Tempo acumulado: 36min38
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