31.3.17

Pai de autista faz ultramaratona de 80 km no Rio para ampliar consciência sobre essa disfunção

Dia desses por aí, Narbal Fernandes levou a família para almoçar em um restaurante. Tudo ia bem até que a filhinha do casal, de três anos, começou a “reinar”. Das outras mesas, olharam feio para o grupinho: “Minha filha estava irritada, e as pessoas achando que ela estava de birra ou era falta de educação”.
A garota é autista.
“Em 2014, fui presenteado por Deus com uma linda filha perfeita e saudável. Com o decorrer de seu crescimento, os médicos suspeitaram de autismo, diagnóstico que foi confirmado no ano passado.  Desde então, acompanhamos famílias que estão na mesma luta de oferecer uma vida digna a seus filhos, superando obstáculos e vencendo preconceitos e falta de informação”, conta Nalbal.
Superar obstáculos e vencer preconceitos e a falta de informação é o objetivo da corrida que Nalbal realiza solitário neste domingo, 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo, que é “uma disfunção que afeta a capacidade de comunicação das pessoas, alterando também a forma como ela se comporta e estabelece relacionamentos”, segundo define um site especializado.
O conhecido médico Drauzio Varella, em seus domínios internéticos, amplia a definição: “Autismo é um transtorno global do desenvolvimento marcado por três características fundamentais: inabilidade para interagir socialmente; dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se ou lidar com jogos simbólicos; padrão de comportamento restritivo e repetitivo”.
O fato é que ainda se sabe muito pouco sobre o autismo e os autistas. Fernandes, que já foi professor de história, ficou um tempo desempregado e agora trabalha no comércio, no Rio de Janeiro, expõe estatísticas que dão um quadro da situação:
“O autismo afeta um a cada 68 nascimentos. No Brasil, são quase 2 milhões de autistas,sendo que cerca de 90% não recebe o diagnóstico. Por falta de campanhas de conscientização no país, muitas famílias e especialistas não conhecem os sintomas ou menosprezam seus sinais. A cada quatro meninos nasce uma menina autista. A ONU estima que existam mais de 70 milhões de autistas no planeta, sendo em crianças mais comum que o câncer, a Aids e a diabetes juntos.”

Corredor desde 2011, contando até com uma maratona do currículo, Narbal Fernandes fala sobre seu projeto: “Não faço para por mim e muito menos para o meu ego, sou movido pela causa e descobri aos 35 anos de vida qual a minha missão na terra : correr para conscientizar”.
Será uma corrida enorme, de cerca de oitenta quilômetros: “Saio da cidade de Muriqui, na  Costa Verde do RJ), e vou até Mesquita, na Baixada Fluminense, onde resido com minha família. Passarei pela Rodovia Rio - Santos e boa parte da Avenida Brasil.
O corredor, que gravou um vídeo para contar um pedacinho de sua história (clique na imagem para acessar o vídeo), afirma que pretende em toda a corrida levar a bandeira do autismo.


“Quero fazer com que as pessoas saibam o significado da falar conscientização, que não seja nada robotizado, nem modinha, mas que venha do coração . Só teremos a verdadeira inclusão quando a conscientização for verdadeira, e é para isso que pretendo chamar a atenção . Correr para conscientizar!”
Bueno, estamos aqui torcendo pelo Narbal e por sua bailarina, esperando que consigam ampliar o grau de informação sobre esse transtorno mental.
Os próprios autistas, por sinal, se engajam nessa missão de conscientização. Uma das mais conhecidas é a cientista e professora universitária Temple Grandin, norte-americana autora de vários livros sobre o assunto. Eu conversei com ela em 2013, quando lançou nos Estados Unidos mais um livro contando sua experiência em viver o autismo e como lidar com o problema.
A entrevista foi publicada na época na “Folha de S. Paulo”, e eu reproduzo o texto a seguir, como modificações e atualizações.


O melhor tratamento para as crianças autistas é descobrir seus pontos fortes e desenvolver essas habilidades, de modo que elas possam vir a ter uma vida independente e garantir o próprio sustento. Essa é a mensagem de Temple Grandin, 69, uma das mais reconhecidas autoridades em autismo no mundo, autora de vários livros sobre o assunto, como "The Autistic Brain: Thinking Across The Spectrum" (O cérebro autista: pensando através do espectro), lançado em 2013.
No livro, ela mostra evidências de que o cérebro dos autistas é fisicamente diferente e diz que isso deve ser levado em consideração na identificação e no tratamento de pessoas com o distúrbio. Também discute as definições de autismo na nova edição da chamada "bíblia" da psiquiatria, o DSM (Manual de Estatísticas de Diagnósticos), cuja versão mais recente foi lançada nos EUA.
A nova edição elimina as diversas classificações de autismo e as junta numa categoria só com diferentes graus de severidade. Mas, principalmente, Grandin procura mostrar como pensam os autistas e como eles podem ser orientados. Ela mesma autista, inventou uma "máquina de abraçar", que a ajudava a controlar a ansiedade provocada por sua condição.
Cientista especializada em comportamento dos animais, sua história virou um filme ("Temple Grandin", de 2010), que ganhou prêmios em penca, inclusive sete Emmy. "O autismo é parte de quem eu sou", escreve ela. "Mas não vou permitir que ele me defina. Sou uma expert em animais, professora, cientista, consultora."
Foi de seu escritório na Universidade do Estado do Colorado, onde dá aulas e realiza pesquisas, que ela concedeu por telefone esta entrevista.
RODOLFO LUCENA -  Qual sua avaliação da nova definição de autismo estabelecida no novo manual de psiquiatria, o DSM-5?
TEMPLE GRANDIN -  Alguns indivíduos não vão mais ser considerados autistas depois das novas definições. Elas terão impacto também sobre o acesso que essas pessoas têm ao seguro de saúde. O diagnóstico é todo baseado em análise do perfil de comportamento da pessoa. Não são levados em consideração os conhecimentos que temos sobre o cérebro dos autistas.
RODOLFO LUCENA -  Seu novo livro trata do cérebro dos autistas. Em que ele é diferente?
TEMPLE GRANDIN - As ligações são diferentes, meu cérebro é diferente do cérebro de um neurotípico [pessoa sem o transtorno]. Não é culpa da mãe ou da educação, autistas nascem com diferenças físicas.
RODOLFO LUCENA -  Como deve ser o tratamento das crianças com autismo na escola?
TEMPLE GRANDIN -  A educação deve levar em consideração as habilidades da criança, investindo nelas. Se a criança tem habilidade para as artes, vamos investir nisso. É preciso trabalhar com a criança para enfrentar suas dificuldades. Se ela tem problemas para se relacionar, é preciso ensinar aos poucos as habilidades sociais, ensiná-la a cumprimentar, a dar a mão. Se não consegue falar, é preciso atacar esse problema, uma palavra de cada vez, ou usar música.
RODOLFO LUCENA -  Como os pais podem saber se seu filho é autista?
TEMPLE GRANDIN - Não é preciso fazer ressonância magnética do cérebro para identificar autistas ou crianças com problemas de desenvolvimento. Se uma criança chega aos três anos e ainda não consegue falar, existe algum problema.
RODOLFO LUCENA -  Como a família pode ajudar a criança?
TEMPLE GRANDIN - A melhor forma é ficar muito tempo com a criança, horas a fio, conversando com ela, tentando ensinar uma palavra, um gesto de cada vez. Avós são muito boas para isso; em geral, têm tempo para se dedicar aos netos e habilidades pedagógicas.
RODOLFO LUCENA -  Na escola, devem ser colocadas em classes especiais?
TEMPLE GRANDIN - As crianças com autismo podem frequentar escolas comuns, mas os professores precisam saber que elas têm necessidades e habilidades especiais. Uma criança autista pode ser muito fraca na escrita, mas ótima com os números. Então, ela deve receber atendimento extra para aprender a escrever ou ler e ser incentivada a progredir naquilo em que for boa --no exemplo, pode passar adiante da classe em matemática.
RODOLFO LUCENA -  O que precisa mudar no atendimento à criança autista?
TEMPLE GRANDIN - Os educadores devem focar nas habilidades das crianças autistas, não só nas suas deficiências, para que elas tenham melhores condições de se integrar à sociedade. As crianças autistas devem ser incentivadas a se especializar em alguma atividade.
Quando eu estive na escola, sofri muito com as críticas e as gozações dos outros. Eu me refugiei no desenho, no trabalho com os animais. A atividade especializada é muito boa para os autistas: música, artes, robótica, seja o que for.
RODOLFO LUCENA -  O que fazer para que os autistas possam ter uma vida independente?
TEMPLE GRANDIN - É preciso entender que os autistas pensam diferente. Alguns pensam em padrões, outros por imagens. É preciso aproveitar isso para ajudá-los, para que possam contribuir com a sociedade. Mas é preciso ajudá-los. Eu sugiro que, a partir dos 12 anos, as crianças recebam orientações e treinamento em áreas que possam lhes ser úteis para que venham a ter um emprego, seja atendendo em uma loja, seja trabalhando com animais ou qualquer outra coisa.


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