29.4.15

Jornada interior é mais desafiadora, diz recordista da Transmantiqueira

Nem só de velhos e cansados como eu vive este blog. Hoje trago para você uma entrevista que fiz com um jovem quarentão, que agora está no Paquistão, percorrendo os caminhos montanhosos de lá.

O motivo da entrevista foi outra montanha; um conjunto de montanahs, para ser exato, a serra da Mantiqueira, brasileira como ela só. Pois PABLO BUCCIARELLI, engenheiro de risco por profissão, atravessou a dita cuja em tempo recorde.
Reportagem que fiz com ele foi publicada na Folha alguns dias atrás (leia AQUI). Agora, trago a íntegra de nossa conversa por e-mail.

RODOLFO LUCENA -- O que é a TRANSMANTIQUEIRA?
PABLO BUCCIARELLI - Esse nome não tem origem conhecida, pegou no montanhismo em geral, após alguns montanhistas realizarem a ligação de duas ou mais travessias das mais conhecidas numa única jornada, podendo ser feita em estilos diferentes (acampar, pegar carona, não obrigatoriamente toda a pé; pode ser rápido também, sem carona, com mochila leve, mais próximo do estilo que adotei).
As travessias mais famosas da Serra da Mantiqueira, que, ao serem conectadas numa jornada formam a Transmantiqueira são: Travessia Marins-Itaguaré; Travessia da Serra Fina; Travessia Itatiaia ao Maromba via Rancho Caído; Travessia da Serra Negra e Travessia da Serra do Papagaio.

A Transmantiqueira ou qualquer uma das travessias citadas acima não possui demarcação, manutenção por Estado ou instituição pública ou privada, são todas áreas selvagens, povoadas de trilhas e rotas, com algumas linhas principais, mais conhecidas, mas que demandam orientação por mapa + bússola ou GPS.

A serra da Mantiqueira tem mais de mais de 500 km, com formação geológica começando na região de Bragança Paulista e terminando na região de Barbacena. Atravessa muitos municípios, sendo em ordem os principais: Joanópolis, Camanducaia (Vila de Monte Verde), São Bento do Sapucaí, Campos do Jordão, Delfim Moreira, Marmelópolis, Passa Quatro, Itanhandu, Itamonte, Itatiaia, Visconde de Mauá (Vila do Maromba), Alagoa e Aiuruoca.

Por que você resolveu fazer esse percurso?
Eu sempre estive andando pela Serra da Mantiqueira, então não tenho lembrança exatamente de como nasceu esse desejo, mas por sempre estar na serra, tive um desejo incontrolável de conectar toda sua extensão.

Em 2010 tentei sem sucesso em solitário realizar a Transmantiqueira. Parei depois de 12 horas correndo, com dores muito fortes nos pés. Também não tinha tanto conhecimento das serras como tenho nos dias de hoje, logo, muito provavelmente teria muitos problemas para atravessar as serras mais selvagens, na minha opinião a Travessia Marins-Itaguaré e a Travessia da Serra Fina.

Em 2013 realizei o percurso em dupla, com meu ex-adversário de Corrida de Aventura, Pedro Alex, de Niterói. Fizemos em 8 dias 3 horas e 15 minutos em novembro daquele ano, também numa época chuvosa e em total nível de exploração, sem assistência externa.

Depois disso, minha cabeça se voltou novamente para o sonho inicial, realizar a travessia em solitário, agora com a experiência cumulada de 2013, focando naqueles pontos que considerei os maiores desafios da travessia anterior: cuidado com os pés, privação do sono e trechos menos conhecidos.

Tenho uma aptidão a entrar em lugares inóspitos sem conhecimento prévio. Gosto de explorar, especialmente lugares incomuns, na contra-mão do turismo convencional. Sou ex-corredor de aventura, acostumado ao longo de 12 anos competindo a fazer provas em lugares sem conhecimento prévio, apenas com mapa e bússola.

Seu percurso foi feito em tempo recorde, segundo li. Há alguma entidade que avaliza isso?
Como disse, foi uma travessia cheia de ineditismos, um deles o seu tamanho, em 2013 com 424 km (em dupla) e em 2015 com 397 km (solo), ambos seguindo a mesma linha de percurso. Veja os mapas no seguinte link: http://pt.wikiloc.com/wikiloc/user.do?name=Pablo+Bucciarelli&id=935299.

A diferença das distâncias se deu pelos erros ou acertos em cada uma das jornadas.
Antes dessas travessias, a maior distância percorrida e registrada no montanhismo nacional para a Transmantiqueira havia sido feita por um gaúcho, Tiago Korb, com distância de 257 km, realizados em 15 dias, em estilo distinto do nosso em 2013 e do meu em solitário em 2015.

Ele fez sozinho, mas com barraca, devagar, aproveitando e dormindo bastante. Algo mais para o turismo do que para o montanhismo de velocidade. Seu percurso foi publicado também no Wikiloc: http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=3921643<http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=3921643.

Os registros confiáveis dependem dos dados do GPS que o montanhista tenha levado para a travessia. Sem isso, não se pode acreditar no relato desse ou daquele aventureiro que tenha feito a travessia.

Tiago fez um relato detalhado da sua travessia em formato de blog com fotos e que para os montanhistas que conhecem as travessias, atestam veracidade na sua jornada, além dos dados do GPS.

Antes dele, talvez, acredito que somente os índios possam ter feito tamanha travessia, porém nunca será possível saber qual a rota exata, sua distância, tempo levado etc.

A rota realizada por mim duas vezes é um caminho muito particular, que já faz parte de um projeto escrito por membros da FEMESP (Federação de Montanhismo do Estado de SP) e CBME (Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada), de autoria de Milton Dines, para a criação da Rota Mantiqueira, que teria marcações e abrigos para dar suporte aos montanhistas, similar ao que já se vê na Estrada Real ou no Caminho de Santiago de Compostela.

Logo, resumindo, o recorde anterior ao meu de 2013 era de Tiago com 257 km em 15 dias, que em 2013 sua distância foi ampliada para 424 km em 8 dias, 3 horas e 15 minutos, batido agora com 397 km (reduzido em função de navegação) em 6 dias, 5 horas e 20 minutos, aproximadamente 46 horas mais rápido.

Qual foi o momento mais emocionante da travessia?
O momento mais emocionante da travessia foi regido pela conexão maior com a espiritualidade. Em ambos os momentos, tive que lidar com os maiores desafios, quando tive sérias dificuldades para transpor as duas serras mais longas, Serra Fina e Serra do Papagaio, e perdi em cada uma 7 horas a mais da prevista por mim, em função das fortes chuvas, frio intenso e vegetação muito alta.

Cada uma teve suas particularidades, mas apesar das grandes dificuldades, desafios, e crises vividas me colocando em situação de cheque, sofrimento e quase abandono da rota, foi quando experimentei minha maior conexão com a natureza, com a Mãe Terra ou Mãe Natureza e com Deus ou Grande Espírito.

No sofrimento carnal senti meu espírito transcender e flutuar na mata, como que protegendo meu corpo daquele caos que enfrentava por não conseguir decifrar a rota em lugares já conhecidos, ou porque a vegetação estava modificada ou porque o ambiente era hostil pelas chuvas, ventos e neblina. Considero esses momentos vividos como ao mesmo tempo mágicos e de grande superação.

Chorei, gritei, bradei, bati no peito, sentei e orei, pedi perdão, agradeci e corri... sensações e comportamentos de padrão extremo, vividos sozinho em grande exposição no meio de regiões das mais selvagens da Serra da Mantiqueira, cheias de lendas e mistérios. Indico que assista ao documentário: Caminhos da Mantiqueira: https://www.dropbox.com/s/1npv6ba5u0scm1m/Caminhos%20da%20Mantiqueira.mp4?dl=0.

Muita gente que faz essas longas travessias solitárias fala de uma espécie de epifania. Você experimentou algo do gênero?

Minha busca foi mais do que uma performance esportiva, que tem seu valor, é claro, mas foi muito além disso. Foi uma travessia de cunho espiritual. Além de buscar uma conexão maior com a natureza e suas entidades, fui em busca de respostas íntimas. Sou adepto do xamanismo e aprendi a lidar com a energia da natureza em sua forma mais sutil, de forma que me sinto a cada dia mais conectado com ela.

Durante a travessia, diversas vezes me comuniquei com ela, em situações de pleno agradecimento, de pedidos íntimos, de leitura da geografia, nunca vi tantos animais na mata como dessa vez, talvez porque estava mais sensível e conectado.

Num dos momentos de maior sofrimento físico, ainda no início, talvez em função de correr em terreno mais duro, pedi a cura das dores que limitavam meus movimentos e me tiravam a concentração e o ânimo. Foi quando passei a mão sobre as pernas, em movimento lento, numa subida rumo à Base Marins, município de Delfim Moreira, e pedi ao meu xamã que me desse a cura se tivesse o merecimento.

Senti um sono anormal nesse momento, olhava a natureza ao meu redor e as copas das árvores moviam-se em círculos, e foi isso. Cheguei ao ponto de transição menos de uma hora depois, fiz uma parada para recuperação e sono, e sai para a travessia Marins-Itaguaré que em 2013 foi um caos para mim e Pedro Alex, um momento de grande crise e quase desistência (referência no texto de Pedro Alex: http://www.extremos.com.br/Blog/Pedro_Alex/131211_transmantiqueira_a_estetica_do_desconhecido/).

No final, prevendo realizar essa travessia em 14 horas, finalizei em apenas 8 horas e 30 minutos, e cheguei do outro lado da serra sem as dores, totalmente renovado, muito leve e solto, passando pelo pessoal da Caravana (como gosto de chamar), em especial o grupo com o fotógrafo André Dib e os cinegrafistas Samuel Oscar e Cassandra Cury a 15 km/h num trecho de trilha fechada cheio de raízes...

Você correu sozinho, mas teve apoio em alguns pontos, não é?
Sim, eu fiz a travessia toda a pé em solitário, mas em pontos demarcados da minha rota, por onde passaria, encontrei com uma equipe formada por alguns profissionais: http://www.extremos.com.br/online/2015/Transmantiqueira/noticias/0211/.

Essa equipe, como pode ser vista no link, tinha como principal objetivo registrar o feito. Com o fotógrafo André Dib e a cinegrafista Cassandra Cury foi possível obter imagens de terra profissionais na rede em tempo real, para a cobertura online, que teve grande repercussão no Montanhismo, e imagens aéreas de GoPro em drone por Samuel Oscar. Assim, a travessia tornou-se mais realística para quem acompanhava de fora. 

Também, nessa infra, a equipe de logística e suporte além de ajudar aos profissionais de imagem, me deram apoio para questões de troca de roupa, reposição de alimentos e local adequado para recuperação e sono. Meu assistente direto foi Vinícius Moysés que escreveu o diário no Portal Extremos: http://www.extremos.com.br/online/2015/Transmantiqueira/noticias/0304/.

Onde você dormia? Você mesmo carregava suas mochilas, barraca etc.?
Eu administrei o sono para tentar dormir apenas nos encontros com a equipe de suporte (Caravana Transmantiqueira). Fui bem sucedido nesse aspecto, dormindo apenas 30 minutos fora dessa área, e 5 minutos numa estrada, como descrito acima na outra pergunta. No total foram 18 horas de sono em 6 dias, 3 médias em média, sendo que minha meta era dormir 2 horas por noite.

Na travessia levei uma mochila com máximo 20 litros de volume sem equipamentos de camping ou bivouac. Nas transições fazia a reposição dos alimentos, além de alimentar e tomar meus suplementos. Mas minha alimentação básica sempre foi in natura, composto por frutas de consistência dura, lanches naturais, e guloseimas para ajudar a manter o bom humor, pois sou um chocólatra assumido.

Quanto custa um projeto desses, contando tudo?
Olha, não fiz uma conta, pois não tivemos patrocínio, nenhum membro da equipe foi por trabalho remunerado, mas por amor à montanha, amor à Mantiqueira, com o desejo de fazer voz a esse projeto que tem o propósito de chamar atenção à exploração desordenada dessa região que faz parte da transição entre os biomas do Cerrado e Mata Atlântica.

O custo desse projeto, caso fosse bancado totalmente, tanto meus gastos pessoais, como alimentação, alojamentos antes e depois, equipamentos, e da Caravana com os documentaristas e veículos de suporte, as diárias de cada profissional e o pós-travessia, a produtora com o documentário e o futuro livro, chegaria a mais de R$ 50 mil.

Por favor, fale um pouco de sua vida "civil"? Sua principal atividade qual é? Como foi sua formação? Em que sua atividade principal se relaciona ou difere de sua vida de montanhista?
Sou Físico de formação pela USP, há quase 20 anos atuando como Engenheiro de Riscos ligado ao mercado segurador, e aliando meu tempo de dedicação profissional às atividades esportivas e de exploração natural.
Minhas principais conquistas foram as vitórias na maior prova solo de Corrida de Aventura do país, a Chauás 300 km em 2010, Conquista Tu Cumbre 120 km na Argentina também em 2010, Bi-Campeonato da Haka Expedition 150 km em 2010 e 2011, Expedição Terra de Gigantes 50 km em 2010, Vice-Campeão da XK Traverse Argentina de 450 km em 2009, Vice-Campeão do Circuito Adventure Camp 2009, além de quatro participações no Desafio de los Volcanes de 500 km na Patagônia entre 2003 e 2007, considerada uma das mais difíceis provas já realizadas no mundo.

E como foi o seu começo no esporte, onde e quando você nasceu?
Nasci em São Paulo em 1975, dia 01/fevereiro, aquariano. Família italiana por parte de pai e de Santa Catarina por parte de mãe, morando no bairro das Perdizes, vivendo a infância como atleta de várias modalidades esportivas no clube Sociedade Esportiva Palmeiras, onde fui criado e aprendi a tomar gosto por esportes de alto rendimento.
Aos seis anos de idade comecei a nadar, aos oitos anos de idade a jogar futebol de salão, praticar ginástica olímpica, jogar tênis de mesa, tudo muito cedo. Fiz saltos ornamentais, lutava judô ainda, pratiquei vôlei e basquete, e a cada nova modalidade, um novo fundamento que treinava.

Tive o futebol profissional na mira, em função do clube e do meu pai ser um sócio importante, de influência e trabalhar no meio esportivo na televisão. Porém, com sua morte em 1989, aos meus 14 anos tive que focar menos no esporte e mais na carreira profissional.

Comecei a estudar Física na USP em 1995 mas já trabalhava desde 1990 para ajudar em casa. Sem opção, o esporte ficou em segundo plano, como atividade complementar. Porém, nunca deixei de praticar e seguir o estilo competitivo e focado de atleta que tomei gosto desde cedo.

 Mesmo com uma lesão séria no joelho, que me tirou do futebol amador em 1997, continuei minha busca passando por algumas modalidades que me deram grande reforço, como por exemplo o polo aquático. Foi onde conheci meu primeiro treinador para corridas, Professor José Luiz Signorini da USP, responsável por recuperar minha autoestima competitiva após a lesão no joelho.

Enquanto ministrava aulas de polo aquático, me permitiu ascender na modalidade e ainda me dava suporte nos treinos de corrida, ciclismo, canoagem e musculação. Foi um grande incentivador e quem me ajudou a buscar novos horizontes.

Hoje, sou separado, tenho 2 filhos, Caio de 9 anos e Manuela de 7 anos, que já tomam gosto pelo esporte e pela montanha. Fizeram a trilha Inca comigo em 2010 quando ainda eram bem pequenos. Enfim, sou uma pessoa de grandes movimentações na vida, de buscas, que tento aliar meu estilo de vida à rotina de trabalho e família. Ainda assim, sei que estou sempre tendo que provar minha capacidade, e ser exemplo de atitude para quem está próximo de mim.

Como faz para conseguir equilibrar a vida profissional, a família e os treinos para suas travessias e provas de montanhas...
Bem, esse é quase um segredo, até para mim mesmo. Não tenho uma fórmula, sigo meu instinto, do que deve ser priorizado em cada momento.

Hoje não sou tão radical como no passado, com dietas e treinamentos que me levavam ao extremo dos relacionamentos sociais, quase totalmente dedicado ao esporte fora do trabalho formal.

Hoje, dou mais valor aos amigos, filhos e tento aliar minhas viagens a trabalho com exploração de novos roteiros. Sou privilegiado por viajar muito, gosto de pensar em grandes viagens e novos desafios. Meu coração hoje bate mais forte pela Ásia, e por isso, tenho alguns sonhos por lá, de exploração e vida.

Também sou uma pessoa muito espiritualizada, e por isso, invisto boa parte do meu tempo na minha busca interior, mergulho que só está começando, mas já me proporcionou grandes descobertas. A grande jornada interior é muito mais desafiadora que essas que tenho realizado na natureza.


27.4.15

“Não vou largar a corrida”, diz a aposentada Paula Radcliffe

Ao longo da prova, ela usou óculos escuros para esconder as lágrimas de emoção.

Mas, depois de concluída a prova que marcou o início de sua aposentadoria como corredora profissional, a indisputada recordista mundial da maratona não pode conter o choro.

“Não vou parar de correr”, prometeu Paula Radcliffe, que completou a maratona de Londres em 2h36min55, apesar de estar fora de forma e ainda sofrer os efeitos de cirurgias realizadas tempos atrás.

Mas reafirmou que sua vida de atleta profissional está encerrada: “Estou muito lenta e muito velha para ser competitiva”, disse ela, que tem 41 anos, é casada e tem um casal de filhos.

Pela primeira vez na vida, ela pode ter emoções que muitos de nós já tivemos: correu no meio da massa, conseguiu ouvir os aplausos do público.

Disse que queria completar de mãos dadas com alguém, o pai, mas fez isso em pensamento. 

“Fiquei tão cansada que só queria que a prova terminasse logo; ao mesmo tempo, queria que ela durasse para sempre”.


Vamo que vamo, Paula!!!

24.4.15

Mais rápida maratonista da história se aposenta neste domingo


Sem choro nem vela, sem se curvar de dor, sem vomitar, sem ter de massagear as pernas ou se apoiar  em alguém para conseguir ficar de pé –é assim que Paula Radcliffe, recordista mundial da maratona, pretende terminar a prova que, neste domingo, marca sua despedia das corridas de longa distância.

Assombrada por dores e por um tendão de Aquiles fragilizada, ainda com a memória das várias cirurgias que fez nos pés ao longo de sua carreira, Paula diz que quer apenas completar a maratona de Londres (no alto, foto AP)  “com um sorriso”.  

Conhecedora de suas possibilidades, ela nem sequer deve largar na elite (pelo menos, isso é o planejado; na hora, certamente será alvo de homenagens...).

“Não tenho um tempo alvo na minha cabeça, não sei o que poderá acontecer. Mas quero sentir que corri uma maratona e dei tudo de mim. É a primeira chance que eu tenho de correr uma maratona no meio da massa. Eu vou aproveitar o clima”, disse ela, que tem 41 anos e dois filhos.

Tomara que ela consiga mostrar, ao final da prova, sorriso como o que apresentou durante suas conversas com a imprensa, às vésperas da maratona. Mas não é sem dores nem sofrimento pessoal que ela chega a esta última corrida.

“Quando faltavam quatro semanas para a prova, fui até um parque em Éze (perot de Monaco, onde ela vive com o marido, Gary, e com os filhos, Isla e Raphael), que tem muitas subidas, e fiz um treino de 45 minutos. Foi meu treino mais longo em seis semanas. De lá para cá, consegui fazer outros treinos, sempre mergulhando depois os pés em baldes de gelo para controlar a dor.”

Assim, ela vai para o que for possível: “Não importa se eu terminar em três horas ou em duas horas e 45 minutos. Eu só quero chegar inteira, com saúde. Estou quase lá, e espero que meu corpo lembra os treinamentos quando eu começar a correr”.

Radcliffe se encaminha para a aposentadoria sem que suas marcas sejam desafiadas. “Espero que meu recorde perdure”, diz ela, mesmo acrescentando: “Sei que não sou melhor do que ninguém”.

No que ela está errada. No que se refere à velocidade na maratona, pelo menos, é a melhor de todas as mulheres que enfrentaram a distãncia.

Em 2003, na mesma maratona de Londres em que anuncia sua aposentadoria, ela completou a distância em 2h15min25, quebrando o recorde mundial que ela mesmo estabelecera no ano anterior, ao vencer a maratona de Chicago em 2h17min18. Era um período glorioso para Paula, que, em 2005, voltrou a estabelecer marca imbatida em Londres: 2h17min48.

Com isso, ela tem nada menos do que os três melhores tempos na história da maratona. Nos últimos anos, ninguém, nem chegou perto daquelas marcas; aliás, se os tempos atuais fossem estabelecidos na mesma corrida em que Paula correu o recorde, as atuais supercampeãs ficariam a quilômetros da britânica.

O quarto melhor tempo da história foi estabelecido em 2011 pela russa Liliya Shobokhova, 2h18min20; depois vem a queniana Mary Keitany, que venceu em Londres com 2h18min47 em 2012.

Radcliffe encerra sua vitoriosa carreira sem ter tido bom desempenho nas maratonas olímpicas. O mundo se lembra como ela passou mal em Atenas-2004 e de seu sofrimento em outras competições. Ela também se aposenta limpa –nunca esteve envolvida em caso de doping, ainda que o fato de ela usar bombinha contra asma tenha despertado rumores. Mas nunca foi abertamente acusada de qualquer tipo de trapaça.

Além de tudo, ela é uma simpatia. Recomendo a você, prezado leitor, querida leitora, que faça uma visita ao Twitter da atleta (basta colocar “Paula Radcliffe” na janela de busca). Ela conta seu dia a dia e coloca fotos como esta (a do sorriso eu também peguei do Twitter dela).



Longa vida a Paula Radcliffe! Que ela seja feliz no mundo dos aposentados!

22.4.15

Do Piauí a Pequim, a jornada de um maratonista olímpico


Ele ainda não está na Terceira Idade, mas, para o mundo das maratonas, já passou do cabo da Boa Esperança. E se aposentou já lá se vão três anos.

Mesmo assim, continua lépido e fagueiro, fazendo treininhos em São Paulo que derrubam qualquer folgado que tentar acompanhar seu ritmo.

Estou falando de José Teles de Souza, maratonista olímpico que hoje completa 44 anos.

Para homenageá-lo, publico a seguir –com a devida autorização—texto do jornalista e corredor Vicent Sobrinho, a quem agradeço a colaboração. Na foto (COB), Teles durante sua participação na maratona em Pequim-2008.

"Hoje é aniversário do maratonista olímpico José Teles de Souza, 44 anos, que foi o único brasileiro a cruzar a linha de chegada da maratona da Olimpiada de Pequim em 2008.

Teles concluiu a maratona na 38ª colocação com o tempo de 2h 20:25. Os outros dois brasileiros na prova eram mais conhecidos do grande público:  Franck Caldeira e Marílson dos Santos; ambos abandonaram a prova, respectivamente próximo dos quilômetros 25 e 35.

“Eu lembro que consegui a vaga juntamente com o momento de minha melhor forma ao fazer o meu recorde pessoal de 2h 12:24, em dezembro de 2007 e conquistara sexta colocação na Maratona de Milão.”

Assim contou-me Teles como foi que carimbou o passaporte para ir a Pequim, disse também que antes sua melhor marca tinha sido também na Itália, na Maratona de Turim - 2h13min25 em abril de 1999.

Teles nasceu na cidade de Rio Grande do Piauí, e veio em 1989 para São Paulo: “Mudei a convite de meu irmão, vim mesmo para trabalhar. A situação estava muito complicada eu precisava de um emprego. Em pouco tempo contando com o apoio do meu irmão Adalberto arrumei como operador de empilhadeira.”

As corridas começaram para José Teles também apoiado pelo irmão que já era corredor e participava de muitas provas de corrida de rua, inclusive vencendo muitas. Convencido a treinar a sério pelo irmão Teles inicia pelo Sesi e evolui rapidamente a ponto de seus treinamentos impedirem a rotina de trabalho.

 “A minha carreira de atleta existe por causa do Adalberto, que se dedicou totalmente ao trabalho, deixou de correr para que eu apenas treinasse e assim virei um corredor profissional.”

Em 1999, foi bicampeão na Gonzaguinha e venceu a Corrida de Reis, em São Caetano do Sul, que também voltaria a vencer no ano seguinte. E foi exatamente no ano 2000 que Teles chegou a beira do pódio, em sexto colocado na Maratona de Los Angeles e na décima colocação da Maratona de Berlim. Em 2001, ganha o Troféu Cidade de São Paulo e em 2005, levou o título da Maratona de São Paulo. Foi com 41 anos que o atleta do Esporte Clube Pinheiros se aposentou das competições internacionais.


Teles está formado em Educação Física e tem assessoria própria e quer muito contribuir com sua experiência na formação de novos corredores e faz uma previsão: “Eu fico contente porque em pouco mais de 20 anos corri de 5000 à Maratona e cheguei ao sonho de todo atleta, o de participar de uma olimpíada, lugar especial onde estão os mais importantes e melhores do mundo. Outra alegria que tenho é ter meus dois filhos Julio e Alexandre e meu sobrinho Renan realizando boas marcas em suas categorias e começando como deve ser... ainda na juventude e não como eu, que iniciei tarde já perto dos 23 anos.” 

Melhores marcas de José Teles - 
5000 m – 14min15
10000m – 28min46
15k – 44min
½ Maratona – 1h03
Maratona – 2h12 (Milão)

17.4.15

Aos 87, veterano paulista que correu com Zatopek persegue medalha nº 200

O cara é um foguete!!! Correu sua primeira maratona com 68 anos e, de cara, terminou em 11º kugar na sua categoria –completou em 4h11. Hoje, aos 87 anos, continua ativo, firme na paçoca. Participou recentemente de uma meia maratona em São Paulo e se prepara para uma prova de 10 km em maio, rumo à conquista de sua medalha de número 200.

Estou falando de João Rosário, o Rosarinho, um cavalheiro simpático e magricelo, feito de puro músculo –e um tanto de pele também, que a vida deixa marcas. 

Ele até corria quando era guri e seguiu pelas provas da vida na juventude. Mas parou depois da São Silvestre de 1953, aquela mesma em que participou a Locomotiva Humana, o tcheco Emil Zatopek, considerado por muitos o maior corredor da história –em Helsinque-1952, foi campeão olímpico dos 5.000 m, 10.000 m e da maratona.

Passaram-se mais de 40 anos, mas a corrida reconquistou João Rosário. Depois de aposentado, ele passou a colecionar medalhas. E se revelou também um bom organizador: participou da criação da equipe Vovocops, que já completou 15 anos de vida.

Há alguns anos, entrevistei Rosarinho para a Folha. Agora, voltei a conversar com ele por e-mail. Trocamos ideias, ele me contou mais coisas sobre a vida. A seguir, publico os principais trechos de nosos papo eletrônico, que começa com uma espécie de crônica em que o veterano corredor fala um pouco dos seus dias atuais. Depois, segue a entrevista (as fotos são do arquivo pessoal de Rosarinho).



“Acordo normalmente às quatro da manhã, sento na beirada da cama e faço as minhas orações e meditações.  Em seguida, levanto os braços, dobro os joelhos e meneio o pescoço. Tudo faz “crec”. Cheguei a uma conclusão: não estou velho, estou crocante. Mas não quero ser comido.

“A vida é boa, quero viver mais um bom tempo. Gosto da vida. É provável eu só agora, pela primeira vez em minha vida, eu me sinta como a pessoa que sempre quis ser. Conforme envelheci, tornei-me mais amável, mais social, menos crítico comigo mesmo.  Tornei-me meu melhor amigo.

“Testemunhei a partida precoce deste mundo de muitos irmãos, irmãs, parentes, filho, gente famosa e amigos queridos. Por isso, com esses meus 87 anos de vida bem vividos, serei meu próprio parceiro num treinamento de percurso ao ritmo das músicas inesquecíveis dos anos 40, 50, 60, 70. Se ao mesmo tempo quiser chorar ou sorrir, posso fazê-lo.

“Caminharei pela praia num traje de banho colado a este corpo magricelo e mergulharei no mar, despreocupadamente se assim o desejar, apesar dos olhares críticos das pessoas mais jovens, que também vão envelhecer. Tenho a marca da minha juventude gravada nas profundas rugas do meu rosto.

“Conforme envelhecemos é mais fácil sermos otimistas. Não nos policiamos mais. Tenho até o direito de estar errado. Gosto de ser idoso, gosto da pessoa na qual me tornei. Não vou viver para sempre, mas enquanto ainda estiver por aqui não desperdiçarei um só segundo lamentando o que poderia ter sido feito e não foi. Posso agora comer todas as sobremesas que quiser e tomar todos os aperitivos que quiser.”

RODOLFO LUCENA – Por favor, faça sua apresentação, qual sua formação, como era sua família...
JOÃO ROSÁRIO – Fui batizado João, filho de Lucas do Rosário e Gertrudes Corrêa. Meus pais tiveram quatro filhas e dois filhos. A primeira irmã é Augusta, depois Rosalina,  Maria, em seguida Sebastião, depois João e finalmente Aparecida. Permanecem vivos Maria, com 94 anos, muito doente, maradora de Itaquera, João (eu), com 87, que continua correndo, e Aparecida com 84, caçula e bastante saudável morando em Garça, interior de São Paulo.

Meus pais foram lavradores na fazenda São Mariano, hoje pertencente à comarca de Garça, onde nasci a 20 de dezembro de 1927 e fui registrado no já extinto distrito de Corredeira (por isso que sou um corredor nato). Na década de 1930, mudamos para a fazenda Carlos Ferrari, mais perto de Garça, onde fomos trabalhar como colonos; depois, quando eu já tinha quatro para cinco anos, mudamos para a cidade, morando em uma casa de madeira.

Meus pais continuaram na lavoura e minhas irmãs e irmão arrumaram empregos na cidade.  Ele como tintureiro; elas,  uma como domestica e as outras como catadeiras de café nas máquinas de benefícios do produto.

Aos sete anos entrei para o grupo escolar; levei outros sete anos para concluir o primário. Não gostava de estudar. Gostava de brincar, jogar bola, caçar passarinhos com estilingue, pescar e nadar nos riachos e lagoas próximos à cidade, empinar papagaio (pipa) nos terrenos baldios.

Ao final do primário, já estava trabalhando num salão de barbeiro de um futuro cunhado, onde engraxava sapatos e aprendia a cortar cabelo e fazer a barba dos caboclos. Foi aí que ganhei meus primeiros trocados, para ir à matinê aos domingos assistir aos seriados de Flash Gordon no planeta Marte, Zorro, Besouro Verde, Os Três Patetas e outros filmes de aventuras. Nas horas de folga, catava recicláveis para vender no ferro velho. 

Depois, em 1940/41, meu irmão, que trabalhava numa tinturaria, abriu seu próprio estabelecimento, e eu fui trabalhar com ele. Comecei lavando roupas e aprendendo a passar e engomar, ganhando o suficiente para me manter e ajudar nas despesas de casa.

Meu pai começou a trabalhar em um sítio nas imediações de Garça. Era meeiro, plantava e colhia verduras, legumes e frutas e nós vendíamos na feira de domingo na cidade. Ele ia ao sítio a cavalo e eu ia na garupa ou correndo atrás até chegar à lavoura.

Já estava praticando atividade física com muita intensidade. Às vezes jogava duas partidas de futebol no mesmo dia. Fazia percurso três vezes por semana na estrada, de madrugada, como faço nos dias de hoje, numa distância de 14 a 15 km ida e volta. Treinava à tarde futebol com os profissionais do Garça Esporte Clube, que sempre disputava a segunda divisão e tinha um bom time. Cheguei a ser profissional por um ano, depois voltei ao amadorismo.

Saí da tinturaria e fui para o primeiro cartório de notas e anexos da cidade. Entrei como continuo e depois passei a escrevente habilitado. Fazia escrituras, procurações, reconhecimento de firmas e autenticação de documentos. Lia sentença para os presos na cadeia. Era tudo feito manualmente. Eu tinha caligrafia bonita e melhorou, pois escrevia o dia inteiro. 

Meu pai morreu ainda muito novo, em relação à minha mãe, que viveu 101 anos.  Minhas irmãs e irmão já estavam casados e eu que comandava a casa.

Fiquei noivo em 1957 e me casei em 1959 com dona Elza Barbeiro Rosário. 

Ela morava em frente à minha casa e não era difícil encontrá-la. Filha de português e espanhola. Já viu, hein! Tive muita dificuldade para conquistar a família, mas conquistei.

Em 1960 nasceu nosso primeiro filho, Lucas Rosário Neto. Em 1962, devido a dificuldades financeiras, deixei o emprego onde estava havia seis anos, no departamento jurídico de uma empresa, e segui para Três Lagoas, no Mato Grosso, onde já tinha dois cunhados trabalhando na barragem de Urubupungá, na construção da usina do mesmo nome.

Fiz o teste, fui aprovado. Fiquei alguns meses na casa de meu cunhado, até conseguir uma casa na Vila Piloto, em fase de construção. Levei minha família: mulher e filho. Lá nasceram minhas filhas Rose Mary e Ângela Renata.

Por algumas divergências e injustiças, pedi demissão e voltei para Garça. Logo fui para São Paulo procurar emprego. Foi complicado, pois estava com 34 anos. Acabei conseguindo uma vaga de taquígrafo, mas nossa situação financeira continuava difícil: nasceu minha terceira filha, Ana Luíza, em Garça, longe de minhas vistas, pois tive de apelar para ajuda de meus sogros.

 Mais tarde consegui trazer minha família para São Paulo: Elza, minha mulher, o filhos e as três filhas. Minha esposa fazia balas de coco, e eu e meu filho íamos vender de porta em porta no Alto da Lapa e imediações para arrecadar alguma importância para as despesas da semana. Fazíamos isso aos sábados e domingos, quando eu estava de folga. Foi mais ou menos um ano nessa luta incessante.

Em 1965, passei num teste para uma vaga na RCA Victor, quando passei a ganhar  um salário que dava para sustentar a família, pagar o aluguel e fazer uns passeios com a família nos fins de semana. Não precisava mais vender balas.

No final de 1965, começo de 1966, saiu a notícia de que Osasco passaria a comarca e seriam criados os cartórios de notas e anexos, bem como cartório de registro de imóveis, de títulos e documentos. Graças à minha experiência, consegui uma vaga no 2º Cartório de Notas e Anexos de Osasco. Aí começou minha ascensão.

Aos poucos, fui sendo promovido, fiquei chefe de sessão. Quando nasceu minha quarta filha, Fernanda, nós já tínhamos condições de ir para uma casa maior, mais perto de Osasco, para onde nos mudamos mais tarde. Em 1969, comprei meu primeiro fusca, vermelho, ano 1966, e só foi alegria para a criançada.

Com a melhora da situação, pude voltar a estudar. Prestei vestibular em Itu, para direito. Comecei em 1974, terminei em 1978, prestei exame da OAB em 1981, passando de primeira, mas não podia advogar porque trabalhava em cartório.

Em 1985, me aposentei, depois de uma úlcera nervosa, a primeira de uma série

Por favor, conte um pouco sobre suas primeiras corridas
Quem corre se diverte.  Eu corri desde criança até a juventude porque me sentia muito bem, tanto para o trabalho como para jogar futebol.

A minha primeira corrida competitiva foi na cidade de Adamantina (interior de SP) num percurso de  dez quilômetros, em 1953.  Fiquei em quinto lugar no geral, pois senti uma dor no abdômen e tive de diminuir o ritmo num momento em que estava liderando a prova.

Eu estava me estava preparando para a corrida de Garça, que aconteceria no dia 7 de setembro daquele ano. Eram duas voltas de cinco quilômetros pelas ruas da cidade: ganhei o primeiro lugar geral, conquistando um troféu e uma medalha que guardo até hoje.

Fiz tudo isso, treinos e participação em corridas, de olho na minha primeira São Silvestre. Sabendo, pelas notícias de rádio, que seria uma corrida comemorativa aos 400 anos de São Paulo e que estaria presente o campeão de corridas Emil Zatopek.

Decidi participar dessa corrida que seria uma marco na minha vida. [No ano passado, Rosarinho levou à SS levando um cartaz em que lembrava aquela primeira participação; ele é o da direita na foto abaixo]



A maior emoção foi saber que Zatopek estava lá na frente. Mas houve também outro fato memorável:  o tiro de largada foi confundido com um tiro de foguete, o que deixou muitos atletas a ver navios, como eu, que estava atrás fazendo massagem e alongamentos.

O tiro de largada seria dado pelo então governador de São Paulo, Ademar de Barros, às 23h45. Mas houve um disparo de foguete às 23h30. E quem ia segurar os ponteiros? Havia aproximadamente 4.500 atletas, mas somente 400 ganhariam medalhas.

Com a confusão, eu devia ter mais de 3.000 atletas à minha frente, mas mesmo assim não desanimei.  Quando começaram a gritar que já tinha acontecido a largada, os que estavam lá atrás, inclusive eu, saímos em disparada.

Estava bem preparado e só fui ultrapassando, enquanto a assistência gritava “vocês não vão ganhar nada!”. Cheguei em 356º lugar e ganhei a tão sonhada medalha, que  perdi nas muitas mudanças feitas. mas ficou na recordação.

Aquela foi minha última corrida. Só retornei mais de 40 anos depois, em 1995, já com 67 anos. Devo ter feito umas 14 São Silvestre com inscrição...

Comparando as provas antigas com as de hoje, posso dizer que melhorou consideravelmente, em relação às organizações. Surgiram algumas  empresas especializadas em corridas de rua e aos poucos, com a ajuda da revista “Contra-Relógio”, as corridas ficaram  bem mais organizadas. O uso do chip, o número de peito com o nome do atleta, os tapetes colocados a intervalos no percurso e a classificação por tempo líquido melhoraram muito os eventos.

Fale um pouco de suas maratonas. Quando foi a primeira?
Participei de 37 maratonas e uma super de 50 km, na cidade do Rio Grande, no sul do país.  Fiz as maratonas de São Paulo, algumas no interior, Rio, Curitiba, Florianópolis, Blumenau, Porto Alegre.

No ano de 2001, eu fiz cinco maratonas. É loucura e não é recomendável, mas eu fiz.

Quando corri minha primeira maratona, tinha 68 anos. Foi em São Paulo, em 1996, com largada no Pacaembu. Estava chuviscando e fazia bastante frio.
Cheguei um pouco atrasado ao evento devido ao trânsito. Quando adentrei a área de largada faltava apenas dez minutos. Pretendia fazer a prova em menos de cinco horas. Completei em 4h11, ficando em 11º lugar na categoria 65-69 anos. Foi um sucesso entre os familiares e amigos.

Até agora, quantas medalhas o senhor já conquistou? E qual foi sua maratona mais bacana?
Contando todas as provas em que participei com inscrição, são 196 medalhas e 78 troféus.

O troféu mais recente conquistei no ano passado na corrida da Tribuna FM de Santos. Terminei em primeiro lugar na categoria 85/89, 10 km com o tempo de  1h04min55 em 18 de maio de 2014. Neste ano estarei lá mais uma vez.

A mais bacana das maratonas que fiz foi a da Rodovia dos Bandeirantes, na inauguração de um trecho asfaltado dessa estrada. Se não me falha a memória foi no ano 2.001. Foi a única realizada, com transmissão da TV Bandeirantes. Foi uma visão espetacular. 

Quando os atletas começaram a chegar para o evento encontraram dezenas e dezenas de tendas com mesas postas com frutas de todo tipo, bebidas, energéticos, água à vontade e atendimento maravilhoso aos atletas. Parecia uma “ilha da fantasia”. Nunca vi antes e nem depois um acontecimento igual.  

Ficou na memória. Percurso difícil, sol quente, asfalto novo, mas fui segundo colocado na categoria 70 anos acima, ganhei medalha, troféu e R$ 600.

Como o senhor voltou ao mundo das corridas?
A volta ao mundo das corridas foi por acaso. Eu levava minha filha caçula para o trabalho, em Aldeia da Serra, e ficava duas a três horas esperando por ela. Nesse intervalo, fazia caminhadas. Depois, passei a dar trotes e comecei a sentir uma transformação radical no meu corpo e na minha mente. Dormia melhor, me alimentava bem e o humor  modificou para melhor.

No mês de setembro daquele ano de 1995, num domingo, minha esposa, Elza, foi à missa na matriz da Vila dos Remédios e voltou dizendo que ia ter uma corrida de 5 km domingo seguinte. Ela insistiu que eu fizesse a prova, e eu concordei: a inscrição foi um quilo de alimento.  

Compareci no domingo, calção, tênis, camiseta do evento. Lá estava eu no meio daquela juventude, meio sem graça. Dada a largada, eu me senti muito bem, suportando o percurso com algumas  subidas. Fiquei em segundo lugar na categoria maiores de 40 anos, segundo lugar como o mais idoso. Recebi medalha e troféu. Quer coisa melhor??? Minha esposa e filhos estavam presentes e foi uma grande festa.

Com aquele resultado, começamos a fazer prognósticos para o futuro. Naquele mesmo ano, fiz a São Silvestre. 15 km de pura adrenalina. Sucesso absoluto. 

No ano seguinte, como disse anteriormente, fiz minha primeira maratona. Assim começou minha carreira nesta terceira e melhor idade.

Em geral, treino três vezes por semana, às segundas, quartas e sextas. Fora isso, colaboro com Elza nos afazeres de casa: faço compras, ajudo na cozinha, o dia inteiro estou fazendo alguma coisa.

E como surgiu a equipe Vovocps?
A equipe Vovocops nasceu no ano 2000, fundada para participar da maratona de revezamento do Pão de Açúcar.

No ano anterior, eu havia participado da prova em dupla com meu genro, mas, no ano 2000, ele não quis correr. Tratei de convidar um atleta que conheci pelas corridas, Erculano Goulart  da Silva. Ele disse que gostaria de fazer dupla comigo, mas precisava falar com o seu parceiro do ano anterior, Gustave Busch.

Como o senhor Busch (já falecido) queria participar, sugeri que eu buscasse mais um colega e a gente fizesse o revezamento em um quarteto. Procurei o Augusto Trindade, um veterano muito conhecido nos meios de corridas de rua. Ele topou a parada, mas sugeriu que a gente buscasse mais quatro colegas para um octeto.

Assim, criamos a equipe, que Augusto sugeriu chamar “Velhinhos Malucos”. 

Nossa primeira reunião foi no pátio da igreja da Consolação, para tratarmos da inscrição e compor a equipe. Isso foi lá pelo mês de abril, ano 200. Fizemos várias reuniões até o dia do revezamento, em setembro. Todos compareceram. Estava chovendo bastante no dia da prova, mas tudo correu a contento.

No ano seguinte, 2001, novamente nos encontramos no pátio da igreja da Consolação para avaliar nosso desempenho do ano anterior e todos concordaram com a continuidade da equipe. Continuamos a nos encontrar no mesmo local com novos atletas que aderiram à equipe. Miha filha Renata, que hoje  faz parte do grupo, fez uma relação de nomes para substituir o nome antigo.

Vovocops foi o nome escolhido. Fizemos o revezamento de 2001 com esse nome, com a participação de atletas como Rosarinho (eu), Augusto Trindade, Erculano Goulart da Silva, Gustave Busch, Pedro Pinto de Oliveira Júnior, Aurélio Esteves Alves e a professor Walter.

Seguimos participando do revezamento nos anos seguintes. A partir de 2005, nossos encontros passaram a ser realizados no parque do Ibirapuera, no ultimo sábado de cada mês, como acontece até hoje.  É um grupo unido, entusiasmado.

O senhor continua correndo? Quais seus planos mais imediatos?
Minha corrida mais recente foi a meia maratona de São Paulo, no dia primeiro de março. Fiquei muito feliz porque o objetivo foi cumprido: chegar antes das três horas. Fui o mais idoso da corrida.

Senti muitas câimbras nos quilômetros finais. Não dava mais para correr, somente caminhar e com muito cuidado para não sofrer uma lesão. Mas cheguei. Confesso que não me preparei adequadamente para fazer essa meia, pois só fiz um longo  uma semana antes. Não pode. Vou me cuidar melhor e ver se faço outra meia em melhores condições.

Meu plano agora é chegar a ter 200 medalhas em corridas. Tenho 196, faltam quatro. Não será difícil.


14.4.15

Quarentão quebra recorde mundial da maratona na categoria veteranos

Tá certo que o cara está longe de nossa faixa etária e, ao que parece, não pretende se aposentar tão cedo. Mas, para o mundo das maratonas competitivas, em que o objetiva é levar uma grana para sustentar a vida, quarenta anos já é praticamente um ancião.

Mesmo assim, o queniano Keneth Mungara, 41, corre como um garotinho. Neste último domingo (12.4), detonou o recorde mundial da maratona, categoria veteranos, que já durava mais de dez anos.

Ele venceu a maratona de Milão em 2h08min44, o que lhe deu apenas dois segundos de vantagem sobre a marca anterior, estabelecida pelo mexicano Andres Espinosa em 2003, em Berlim.

Mungara vem “comendo pelas bordas” no circuito internacional de maratonas, participando de provas menos concorridas e com menor pagamento –foi quarto vezes campeão da maratona de Toronto, por exemplo.

Ele começou a correr há menos de dez anos, quando já tinha passado dos 30 e trabalhava em uma barbearia. Muitos de seus clientes eram corredores famosos, mas Mungara não dava muito por eles: “Posso ganhar desses caras”, pensava ele.

Não conseguiu, mas também não fez feio. Conquistou sua primeira vitória em Praga em 2008; lá também estabeleceu o melhor tempo de sua carreira, 2h07min36 em 2011.


Pode não ser grande coisa, considerando os resultados das grandes maratonas internacionais de hoje em dia. Mas, em toda a história, há apenas dois corredores brasileiros com tempos melhores do que o do veterano campeão: Ronaldo da Costa e Marílson Gomes dos Santos.

9.4.15

Turma dos velhinhos é a que mais cresce no mundo das maratonas

O grupo de corredores maiores de 50 anos é o que mais cresce no mundo das maratonas, segundo revelou recente estudo realizado por pesquisadores dinamarqueses que analisaram resultados de nada menos que 131 maratonas em todo o mundo, de 2008 a 2014.

Segundo o ex-corredor Jens Jakob Andersen, especialista em estatística que liderou o trabalho, trata-se do mais abrangente estudo de resultados de maratonas em toda a história: foram examinados dados de 1.815.091 concluintes de provas de 42.195 metros.

Para efeito da análise, os concluintes foram distribuídos conforme sexo, idade, tempo final, tempos intermediários e outros critérios, que darão origem a diversas pesquisas mais específicas.

Nem todas as maratonas tinham todos os registros; quando a sexo, por exemplo, foram identificados 1.423.160 concluintes –68,48% deles homens. Quanto às idades ou faixas etárias,  422.003 estavam adequadamente identificados.

As faixas etárias da terceira idade são as que apresentaram crescimento mais acentuado no período 2008-2014, como você pode notar no gráfico abaixo.



Mais especificamente, a classe de 65 a 69 é a que teve maior crescimento de participação, tanto para mulheres quanto para homens –entre estes, você pode notar que o crescimento mais forte é na faixa de maiores de 80 anos. Isso, no entanto, deve ser desconsiderado, segundo me disse Andersen, por causo do baixo número de participantes nesse segmento.

Também é notável o aumento da participação de mulheres veteranos, que é mais acentuado do que o de homens. Na categoria 50+, o crescimento da presença feminina é de 89,70%, contra 54,56% entre os homens. A diferença na faixa de mulheres de 60-64 é de cerca de 110%; na faixa seguinte, beira nos 150%!!!!

O coordenador da pesquisa, publicada no RunRepeat (cliqueAQUI para ler a íntegra do texto em inglês), na conversa que tive com ele, preferiu não formular hipótese sobre as razões dessa acentuada expansão na participação da turma mais velha.

Talvez a aposentadoria seja uma explicação. A vontade de retardar o envelhecimento pela prática de exercícios físicos e o uso da corrida como terapia e forma de ampliar o círculo de amizades também podem ser boas justificativas.

O certo é que os velhinhos estão firmes na paçoca, como a gente costumava dizer no Rio Grande do Sul quando eu era guri.


Vamo que vamo!

6.4.15

Aposentado corre pelos caminhos do Che menino

Celia era uma garota linda, aventureira e rebelde. Fumava, mantinha curta a cabeleira, pregava a autonomia das mulheres e não se filiava a religião nenhuma –muito pelo contrário. Só isso bastaria para escandalizar a sociedade argentina naquele fim dos anos 1920, ainda mais que a moçoila era a caçulinha dileta de uma família de poderosos estancieiros.

Pois ela não estava nem aí. Além de tudo, defendia e praticava, no frescor de seus 20 aninhos, a independência sexual.

Vai daí que, quando se engraçou com um rapagão desempenado, que se apresentava como engenheiro e se dizia empreendedor do ramo da construção civil, não demorou muito para ficar grávida, fora do casamento!!!, e sem a benção paterna!!!

Para obrigar a família a aceitar o inevitável, engendrou com Ernesto Guevara uma fuga de casa. Papá La Cerna se rendeu ao fogo da filha, e não só se fez o casório como também ela, ainda menor de idade, ganhou o direito de levar sua parte na herança.

Com a grana, Ernesto e Célia compraram uma plantação de erva mate em Puerto Caraguatay, uma zona rural da província de Misiones, no distrito de Montecarlo, a 1.200 quilômetros ao norte de Buenos Aires. Lá o intrépido engenheiro poderia trabalhar e manter a gravidez da mulher longe de línguas fofoqueiras.

Não só, como o próprio Guevara pai conta em seu livro "Meu Filho, o Che", de 1981: "Era um lugar emocionante, cheio de animais ferozes, trabalho perigoso, roubos e assassinatos, ventos com chuvas intermináveis e doenças tropicais. Lá, na misteriosa Missiones, tudo atrai e emociona. Atrai como tudo o que é perigo e emociona como toda paixão".



A citadina Celia se deu bem no meio do mato. Sua barriga de grávida vicejou saudável e, em meados de maio, avisou o marido que tinha chegado a hora. Foi só baixar até a praia, no próprio terreno Guevarista, nas barrancas do rio Paraná, para pegar um barquinho ruma a Buenos Aires.

Para o parto do primogênito, a família queria a segurança e os recursos da capital. Mas a natureza falou mais alto: na descida do rio, passando por Rosario, as dores se fizeram sentir. Ela estava com oito meses e meio de gravidez, não havia como prosseguir.

Assim, às 15h05 do dia 14 de maio de 1928, nasceu no hospital Centenário aquele que o mundo conheceria por Che, comandante Guevara, herói da humanidade, combatente da liberdade e da justiça. Nos registros oficiais, Ernestito veio à luz no dia 14 de junho, de “parto prematuro”, explicação dada para encobrir o fato de que o garoto fora gerado antes do casamento, realizado em dezembro de 1927.

Passadas as naturais celebrações com a família e o período de resguardo, o trio calafrio voltou para as barrancas do rio Paraná, no distrito de Montecarlo.

E foi lá que este aposentado corredor –mas não corredor aposentado—se encontrou a treinar dias atrás, em uma manhã fresquinha...



A cidade de Montecarlo é o principal ponto turístico na região, ficando entre Foz do Iguaçu e as reduções jesuíticas de Santo Inácio. Também é famosa pela produção de orquídeas –lá se realiza uma festa nacional dedicada a essa flor (este site AQUI traz informações turísticas sobre a região).

Implantada em região encoxilhada, praticamente não há trecho plano. No meu curto treino, feito para desencaroçar as juntas depois de longa viagem, estive sempre subindo ou descendo longas e suaves (às vezes, nem tanto).

A cidade ainda dormia enquanto eu corria, mas deu para perceber a quantidade de lojas de flores e o uso generoso da palavra orquídea nos nomes de lojas, restaurantes, oficinas, hotéis e pousadas –a que eu fiquei, por sinal, era bem boazinha, ainda que bastante simples; em contrapartida, o café da manhã era esquálido.

Com cerca de três quilômetros de corrida já chegara à estrada que corta os arrabaldes de Montecarlo; por algumas centenas de metros, corri ao lado de uma plantação de árvores. A madeira seria destinada a fabricação de móveis, outro dos orgulhos locais –há várias lojas de mesas, cadeiras, camas e armários apresentados como “artísticos”.

Lá do alto, só me restava voltar. E assim fiz, cumprindo seis gostosos quilometrozinhos sem dor, cheios de curiosidade pelo território desconhecido e de emoção por trilhar percursos que possivelmente foram percorridos pela família Guevera, já lá se vão mais de 80 anos (clique AQUI para saber mais sobre os caminhos de Che na Argentina).

Dali partiria, já alimentado, limpo e de roupas civis, para visitar a joia mais rara da região: el Hogar Misionero del Che.


Do lar dos Guevara, construído por Ernesto pai com as próprias mãos (não sem ajuda de algum empregado, por supuesto, pois a família era simples e aventureira, mas tinha recursos), sobram ruínas tomadas pela grama, cobertas de limo e musgo, debilmente protegidas por uma cerquinha de madeira que fecha o perímetro do quadrilátero quase nonagenário.


Uma casa apresentada como réplica daquela em que Che viveu sua primeira infância abriga um museu simples e emocionante. A inscrição “Caraguatay – Aqui comenzó la historia”, escrita em cartaz que encima a entrada geral do museu dá o tom do que o visitante vai encontrar nas salas quase desnudas.


A riqueza maior do memorial são fotos de Che menino, com a mãe e o pai, em cenas domésticas.

Em uma delas, por exemplo, o garoto testa com o pé a temperatura do arroio Salamanca, que serpenteia cantante por trás da propriedade, gerando pequena cascata e piscina natural.

Há ainda cartazes, pinturas, imagens lembrando a trajetória do Comandante. Uma pintura, em especial, marca o lugar, posicionando o Che guerreiro em meio à paisagem missioneira.

No terreno em frente à casa, uma pequena rótula apresenta árvores plantadas por filhos de Che quando da reinauguração do memorial, há quase dez anos. Lá estão os nomes de Camilo, Aleida e Celia. 

E há também a indefectível lojinha, onde o visitante encontra recuerdos do passeio, como botoms, chaveiros, canetas, camisetas e erva mate guevarista.



Sai-se de lá de espírito leve, ainda que circunspecto. A história de Che pode ter começado ali, mas sua luta continua, abraçada por milhares e milhões no mundo, emocionando até velhinhos de barba branca.


Vamo que vamo!