24.1.16

Corrida do Bradesco Seguros tem falha de segurança lamentável


Foi um tombo monumental.

A garota corria pelo meio da rua, cerca de dezenas de outros corredores que participaram, na manhã deste domingo, da etapa paulistana do Circuito da Longevidade Bradesco Turismo.

De repente, algo acontece. Ela tropeça e, talvez pela velocidade que vinha imprimindo, talvez porque estivesse em uma descida, talvez pela combinação desses fatores e outros tantos, sua queda foi espetacular: rolou pelo asfalto e só foi parar perto na sarjeta, quase na guia da calçada.

Mal tinha parado que rolar e já estava cercada de gente, outros corredores, que a ajudaram a se levantar e trataram de ver se havia algum prejuízo de monta.

O incidente (acidente?) ocorreu a poucos metros de mim, menos de dez metros. Quando passei pela garota, ainda abraçada por uma senhora mais velha que a ajudava a caminhar, perguntei se estava tudo bem.

A resposta foi positiva. Dava para ver que a jovem –não devia ter mais de 18 anos—não tinha se machucado, não havia sangue; mas ela parecia meio tonta, talvez ainda chocada pela queda, assustada com tudo o que tinha acontecido.

Quedas acontecem em corridas. Essa, porém, não foi acidente, e sim resultado de incúria dos organizadores ou de quem desenhou o percurso da prova, que integra um circuito apreciado por muitos iniciantes no mundo das corridas.

Desenho do percurso disponível no site da prova
Digo isso porque vi outros quase-acidentes, além do desconforto de um bom número de corredores. A causa foi uma falha absurda no desenho do percurso, desrespeitando até o traçado original da prova, apresentado no site oficial.

Segundo aquele desenho (ao lado), o percurso da corrida de 6 km era uma volta só, com largada e chegada praticamente no mesmo ponto.

Largando de dentro do parque da Independência –aquele belissimamente retratado em mural colocado na estação Alto do Ipiranga (metrô linha verde)--, os corredores sairiam pela rua dos Patriotas, descendo à esquerda na rua Bom Pastor para fazer uma longa volta que acabaria por cercar o perímetro do parque, onde entrariam novamente pela rua dos Patriotas.

Dessa forma, seria uma longa procissão, na qual dificilmente os primeiros colocados jamais encontrariam retardatários em seu caminho. Por outro lado, os corredores mais lentos jamais teriam problemas com máquinas de correr bufando ao seu redor.

Não foi o que aconteceu.

Trajeto efetivamente realizado pelos corredores
Em vez da volta bonitinha e limpa apresentada no site, o circuito foi encurtado. Assim, para completar os seis quilômetros, o que enfrentamos hoje foi uma volta e meia em torno do parque, com consequências danosas para a segurança e o conforto dos corredores.

Saímos pela rua dos Patriotas, como previsto, mas a chegada foi pelo outro lado do parque, pela avenida Nazareth. Com a tal volta e meia, os corredores  mais rápidos se encontraram com os mais lentos ao longo de mais de um quilômetro e meio.

Pior: os primeiros colocados chegaram em alta velocidade exatamente em cima da massa dos mais lentos, dos retardatários.

Eu passei pelo pórtico de largada nove minutos depois do tiro de largada; saí do parque uns quatro minutos depois e, como todos os demais, desci à esquerda na rua Bom Pastor em direção ao meu primeiro quilômetro na corrida.

Não tinha rodado 50 metros pela Bom Pastor quando comecei a ouvir buzinas e gritos de “Afasta!, Afasta”, “Vão para a esquerda, para a esquerda!”.

Eram os motoqueiros que precediam os primeiros colocados. Vinham dois batedores serpenteando pela multidão que enchia a rua de lado a outro.

Montados em suas possantes motos, o único aviso que davam ao povo eram as buzinadas e os gritos, tentando abrir espaço para os monstros de velocidade que desciam a rua Bom Pastor como se fossem salvar alguma ovelha do precipício.

A bagunça foi instaurada naqueles poucos metros em que acompanhei o movi mento das motos e a passagem dos líderes. A massa foi forçada para a esquerda, teve gente que parou, outros que gritaram, houve quem aplaudiu os líderes, supercorredores para nós outros.

E foi nessa confusão que aconteceu a queda da moça.

Imagino que o problema tenha se repetido mais à frente, pouco depois do quilômetro cinco, porque ali houve um cruzamento: a massa seguia para a frente, rumo ao segundo quilômetro, e as motos e os líderes do percurso, que estavam no lado direito da rua, deveriam dobrar à esquerda para entrar na avenida Nazareth.

Corredores da turma dos mais lentos, como eu sobem a avenida Nazareth, perto do km 4
Nada disso, repito, estava apropriadamente sinalizado. Na bifurcação, havia pessoal da organização dando orientação aos gritos (a mim pareceu que foram colocados ali também de última hora, mas não posso afirmar). 

Quando, cerca de 15 minutos mais tarde, passei por ali retornando para fazer minha primeira subida da avenida Nazareth, havia sido improvisada uma linha divisória em parte dos pontos em que os da primeira e da segunda volta dividiam o mesmo espaço.

Ainda bem que, ao que eu saiba, nada de mais grave aconteceu. O que não significa que esse tipo de coisa seja aceitável, ainda mais em um circuito tão bacana como o da Longevidade.

Ele tem etapas no Brasil todo, sempre com jornadas que incluem uma caminha e uma corrida de percurso curto. Por isso, me parece um dos mais importantes do país como divulgador da corrida como forma de melhorar a qualidade de vida e como fator de atração de iniciantes para o mundo das corridas.

Tudo isso dá ainda mais responsabilidade aos patrocinadores, que deveriam ser mais rigorosos na cobrança dos realizadores da prova. Que, por sua vez, falharam em outros quesitos além da lamentável falha no item segurança.

O horário da largada, por exemplo, foi ótimo e muito bem escolhido: sete horas da manhã. No dia de hoje, propiciou um clima agradável, bom para uma corrida curta como a proposta pelo Circuito da Longevidade. 

A página da prova nas redes sociais, porém, apontava 7h30 como horário de largada, o que fez com que muita gente chegasse atrasado.

Mais. Havia água em profusão, em dois postos bem servidos e longos, com bastante gente para atender. 
Largados em gavetões, os copinhos estavam cobertos de gelo, também em grande quantidade. A água, no entanto, estava morna, indicando que os postos de hidratação forma montados em cima da hora. Só fui beber água gelada depois de terminar a provar a prova –menos mal.

Muvuca para encontrar uma fila para conseguir a medalha, frutas e isotônico depois da prova - fotos Rodolfo Lucena

Aparentemente, também houve problemas no período de inscrição. Digo isso por causa de comentários que ouvi durante a muvuca (outra falha) de espera para chegar a uma fila para pegar a medalha e as frutas pós-prova (havia ainda isotônico bem gelado, ótimo).

Estou registrando, mas não posso confirmar: como fui convidado pela assessoria de imprensa da prova, não tive de passar pelo processo de registro via site.

Enfim, é uma série de problemas. Alguns muito graves, como a questão de segurança do percurso, outros menos importantes –mas que incomodam o corredor.


Imagino que possam ser corrigidos com facilidade (aliás, de acordo com o site, o choque no percurso nunca deveria ter acontecido). Tomara que sejam, pois a prova é divertida e tem méritos.

Vamo que vamo!

21.1.16

Cadeirante biamputado desafia ultramaratona mais difícil do Brasil

Em 2003, o estudante norte-americano de química Andre Kajlich, então com 24 anos, fazia uma temporada na Universidade de Praga. Certa noite, depois de uma festa, começou a voltar para casa e só acordou no hospital, todo enfaixado e entubado.
Tinha sido atropelado pelo metrô. Perdeu as duas pernas e a esperança de viver. Esta, pelo menos, recuperou: hoje é um dos mais conhecidos paratriatletas de aventura do mundo.
Há três anos, tornou-se o primeiro cadeirante a enfrentar aquela ultramaratona nas montanhas da serra da Mantiqueira, desafiando e vencendo os 217 quilômetros da BR135.
Agora, volta para um desafio ainda maior. Aquela ultra cresceu, virou BR135+, chega a 260 quilômetros.
A prova começou nesta quinta-feira. Segundo Monica Otero, que acompanha Andre, ele vai enfrentar o caminho aos poucos.
“A prova começa em São João da Boa Vista, e o atleta tem a escolha de ir até Paraisópolis (217 km) ou até o pesqueiro da Montanha, próximo a Campos do Jordão (260 km). Se ele chegar bem a Paraisópolis, vamos prosseguir.”
Desta vez eu não consegui conversar com o Andre, mas, em 2013, fiz uma bela entrevista com ele, que resultou em reportagens publicadas na Folha (CLIQUE AQUI) e no meu blog, então na página da Folha na internet (CLIQUE AQUI).
Reproduzo a seguir o texto publicado na época, contando a sensacional história do Andre (fotos Arquivo Pessoal). Como você vai perceber, quando publiquei o texto ainda não sabia do resultado da prova; mesmo assim, mantive o formato original. Andre completou o desafio.

 Cadeirante dos EUA enfrenta ultramaratona na serra da Mantiqueira
POR RODOLFO LUCENA
19/01/13  12:27
O cadeirante norte-americano Andre Kajlich, de 33 anos, é o primeiro cadeirante a se aventurar pelas estradas, grotas e montanhas que integram o percurso da Brazil 135, considerada por muitos a mais difícil ultramaratona do Brasil. Prova classificatória para a temível Badwater, nos EUA, tem 217 km e começou ontem em São João do Boa Vista, na divisa entre São Paulo e Minas.

Não consegui falar com ninguém, ainda, para saber em que pé está a corrida. Mas vale aquele ditado: “O milagre não é que eu consegui terminar, o milagre é que tive coragem de estar na linha de largada”.

Para Kajlich, com quem conversei na última quarta-feira, em São Paulo, o surpreendente mesmo é estar vivo, pois suas chances de sobrevivência eram mínimas depois do acidente que o deixou sem a perna esquerda e com apenas parte da coxa direita, além de muitas cicatrizes pelo corpo todo.

Ele conta como foi: “O acidente aconteceu quando eu tinha 24 anos, em dezembro de 2003. Tivemos uma festa em minha casa, em Praga, onde eu estudava química. Fiz burritos para todos, e daí saímos para as baladas. Normalmente a gente ficava fazendo festa a noite toda, tomava café na rua na madrugada. Finalmente, quando cada um pegou seu caminho, eu disse tchau para um amigo e acordei três semanas depois em um hospital, sem as pernas. Ninguém sabe como aconteceu, mas eu caí nos trilhos do metrô, o condutor me viu, mas não pode fazer nada. Basicamente, o trem inteiro passou por cima de mim.”

Ele continua: “Quando me tiraram dos trilhos, eu estava praticamente morto, sem pressão sanguínea, e mesmo assim eles foram capazes de me salvar. Muito sortudo. Perdi toda a perna esquerda, e a direita foi cortada uma pouco acima do joelho. Quebrei costelas, o pulmão foi perfurado, o fígado também foi atingido. Quase perdi o braço esquerdo, quebrado perto do cotovelo. Os médicos pensaram que eu jamais seria capaz de me movimentar. Talvez pudesse andar de cadeira de rodas e comandar o corpo para poder, por exemplo, lavar as mãos”.

E mais: “Não houve um momento em que acordei e me vi sem as pernasEu estava inconsciente e tinha momentos de lucidez, aos poucos recobrava a consciência e depois desmaiava novamente. Finalmente, quando comecei a perceber o que tinha acontecido, fiquei muito preocupado com o futuro, sem saber o que eu seria capaz de fazer. Não sabia se seria capaz de andar ou se algum dia poderia ser feliz novamente”.

Depois de quase três meses no hospital, foi transferido de volta para os EUA, para sua família: os pais são tchecos, emigraram em 1967, Andre nasceu em Edmonds, no Estado de Washington, em 1979. 

Em um ano, já conseguia caminha com pernas mecânicas e bengala, também começava a dominar melhor a cadeira de rodas.

Voltou a Praga para terminar o curso e continuar as festas. Acabou se apaixonando por Mariana, uma fotógrafa romena um ano mais velha que ele. 

Namoraram e, quando Andrés enfim viu que era hora de voltar mesmo aos EUA, em 2008, casaram. Ele já praticava um pouco de esporte na cadeira de rodas e fazia algumas caminhadas, além de gostar de nadar.
Tudo isso deu um quilo: nos EUA, participou de um triatlo de revezamento e adorou: “. Era muito bom sentir o coração batendo forte novamente. A partir dali eu fui em frente, tive sucesso.”

Sucesso é pouco: teve uma evolução impressionante em seu desempenho esportivo. Passou a treinar forte, entrou em competições de paratriatlo, fez um meio Ironman e se classificou para o pai de todos, o Ironman de Kona, no Havaí. Tirou o segundo lugar em 2011, foi campeão em 2012. E é bom também em provas curtas: foi medalhista de prata nos Mundiais de paratriatlo de Pequim-2011 e Auckland-2012.

Com as conquistas, chegaram mais apoios. No início, ele tirava do seu salário –trabalha com pesquisas em medicina de reabilitação na Universidade de Washington, em Seattle—e contava com contribuições de parentes e amigos. Tudo muito necessário: só as próteses que usa para caminhar custam mais de US$ 100 mil. E ele caminha bem.

“Não consigo correr, mas talvez seja o melhor caminhante do mundo com esse nível de amputação”, diz ele. Tão bom que vem sendo convidado pelo Exército dos EUA para ajudar nos trabalhos de reabilitação de soldados feridos nas guerras em que o país participa.

Kajlich não cansa de procurar novos desafios, como a Brazil 135, que conheceu ao ouvir no rádio uma entrevista de outro atleta cadeirante, o brasileiro Carlos Moleda. Ficou entusiasmado, entrou em contato com os organizadores e tratou de treinar. 

Não sabia exatamente como se preparar, mas subiu montanhas nevadas com sua cadeira de rodas, enfrentou gelo e barro e vai fazer o que der na serra da Mantiqueira.

“Acho que em alguns trechos terei de sair da cadeira e puxá-la com uma corda”, diz ele, que montou um equipamento especial para enfrentar trilhas, usando rodas de mountain bike em sua cadeira e martelando o equipamento até que ficasse do jeitinho que ele considerava adequado.

E vai para a luta com um sorriso: “Depois de meu acidente e do processo de recuperação, aprendi que esses grandes desafios, cheios de incertezas, são realmente onde você aprende mais, eles te dão os momentos mais definitivos da vida. Eu aprendi muito com tudo isso, de forma que hoje vejo meu acidente de uma forma muito positiva, por causa das poderosas experiências de vida que pude ter depois, como o Ironman ou esta Brazil 135. Essas conquistas me dão base e consistência para enfrentar os próximos desafios”.


18.1.16

Fisioterapeuta contesta “consenso do saber” e dá dicas sobre postura de corrida

Rola pelas redes sociais uma reportagem publicada pela edição espanhola da revista “Runner`s World” para mulheres em que são oferecidas dicas sobre postura de corrida.

A reportagem tem uma ilustração muito bacaninha que mostra uma moça na suposta posição ideal de corrida.

A ilustração é acompanhada de pequenos textos que explicam e orientam sobre como devem ficar as diversas partes do corpo envolvidas no movimento (claro que o corpo todo está se movimentando, mas alguns membros são destacados).

Quando esse material chegou até mim achei tudo muito bacana, como disse no início. Numa primeira olhada, parecia consolidar o que costumeiramente se lê a respeito de corrida, da postura no movimento, do “gesto ideal” de corrida.

Comprime em uma ilustração o que se poderia chamar de “consenso do saber” sobre o corredor em ação. A ilustração é esta que publico a seguir.



Bom, mas sempre fui muito desconfiado de consensos e de saberes absolutos. Para ser jornalista, há que ser cético e desconfiado. E lembrar que há muitas opiniões sobre cada assunto.

Vai daí que resolvi fazer uma breve consulta a uma fisioterapeuta que já dedica décadas de trabalho  e pesquisa ao estudo do movimento. Trata-se de Marcelo Semiatzh, um dos fundadores da clínica Força Dinâmica (outro dos envolvidos é o meu treinador, Alexandre Blass).

Não foi uma entrevista, apenas uma consulta por meio de redes sociais. O Marcelo está fazendo doutorado e não tem tempo para nada. Mesmo assim, mando uma breve resposta que pode instigar em cada um de nós novas perguntas, questionamentos sobre o que faz, como corre, como se movimenta.

Mostrando a ilustração, perguntei a ele se 
considerava corretas aquelas dicas. Eis a resposta.

“Não está correto”, disse Marcelo (foto). E explicou: “Correr é um ato de fazer força e não de relaxar, portanto o corpo deve estar coordenado para aplicar e transmitir força. Não se deve pensar somente em corrigir a posição das partes do corpo, mas corrigir a força que essas partes aplicam”.

Esse me parece um raciocínio muito legal. A gente esquece da vida quando corre, relaxa em relação ao estresse do dia a dia, voa pelo pensamento, viaja na maionese. Mas correr é um ato de fazer força.

Sobre a postura, Marcelo pode falar horas. Mas, analisando a ilustração, fez algumas breves frases que podem ajudar cada um de nós a pensar sobre o que faz. Eis o que ele afirma:

“A cabeça, apesar de olhando para frente, apresenta leve rotação no plano horizontal. Os ombros não devem ficar, mas sim fazer força para baixo, o que ajuda a ação dos músculos abdominais na corrida.”

Ele segue fazendo considerações sobre ombros e movimentos dos braços. O texto está meio complicado: “O ombro relaxado pode atrapalhar se o braço que está indo para trás colaborar impulsionando o tórax para trás, aumentando a carga de inércia do tórax, impedindo que o tronco esteja a frente”.

Sobre as mãos, que também não ficam relaxadas: “Podem estar abertas ou fechadas, mas sempre impulsionando o corpo à frente”.

Quanto às pernocas propriamente ditas, Marcelo dá a seguinte orientação:

“A ênfase deve ser na extensão da perna de trás, com quadril, joelhos e pé em extensão trabalhando o impulso horizontalmente do corpo. A perna da frente deve ter boa flexão e com joelho bem levantado. A flexão do membro da frente com a extensão do membro de trás devem ser bastante treinados.”

Sei, sei, sei, cada frase dessas vale uma dissertação de mestrado. Não chegaremos a tanto, mas vou tentar conseguir espaço na agenda do Marcelo para obter mais explicações sobre as teorias da Força Dinâmica sobre a postura da corrida.

Fique com a gente que vem mais por aí.

Vamo que vamo!


8.1.16

Apesar da crise, velhinho faz percurso inédito de 16 km em homenagem ao Ano Novo

Quase não acreditei: finalmente, enfim, fiz minha primeira corrida deste novo ano. Para marcar a data, resolvi tentar completar –e consegui—um percurso de 16 km, saudando os 16 anos deste milênio.
Pode parecer pouco para você, mas, para mim, foi um verdadeiro sucesso internacional!!
Não corria desde o ano passado, jogado às traças por dores e uma tristeza profunda, causada por sucessivas falhas em completar treinos de longa distância.
Era o sol forte, a lombar, a preguiça, e tudo somado dava como conta final falta de determinação, de garra, de ânimo. Um cansaçozinho à toa, e eu parava nos 20 quilômetros de um treino de 24 ...
Quando era para fazer 32, então, ficava dias me preparando, como se o desafio fosse grande coisa. Planejava percurso, organizava alimentação, bebia água mais que um camelo se preparando para a travessia do Saara, dormia cedo, acordava de madrugada... E voltava a dormir.
Tanto que, somatizando ou não, sabe-se lá por quê, a musculatura se engruvinhou toda, a panturrilha travou... Pelo menos, tive uma razão para suspender por uns dias as corridas.
Daí não teve treino no primeiro do ano, nem no segundo nem no terceiro... Será que ia continuar assim?
Pois continuou, até que a dor pareceu arrefecer. Foi quando eu me disse: não tem tu, vai tu mesmo. Acordei mais tarde do que deveria, mas o dia estava nublado, colaborou comigo, e eu enfiei no tênis a tristeza, nas meias a depressão, e saí pro asfalto, que a gente aqui é corredor de rua.
Saí para um percurso inédito em minha carreira. A bem da verdade, conhecia e já percorrer boa parte do trajeto que imaginava ser capaz de fazer. Menos o coração do caminho, aquele que faria a diferença.

Havia que rodear um morro, enfrentar estrada que só tinha visto no mapa, imaginava perigosa, solitária.
De fato, ela tem uns tantos quilômetros de asfalto e bloquete, mas depois sobe um morrinho, rodeia a montanha e vira puro chão batido. De cada lado, mato e montanha.
Medo de nada. Receio de cachorros soltos, essas propriedades rurais sempre têm uns cuscos meio ladinos. Depois de passar por dois ou três que só latiram de longe, peguei umas pedras e passei a correr preparado para enfrentar eventuais ataques.
Não houve nenhum. Eu que me ataquei com a paisagem. Vi morros ao longe, coroados por nuvens escuras,  e fui me acalmando. Aos poucos, ganhei confiança, passei a acreditar que poderia voltar a correr, a cumprir o treino dado.
É que eu não sou um corredor de nascença, um sujeito musculoso e longilíneo, pau para toda obra, saltador, atlético, flexível e veloz.
Que nada. Sou mais baixo do que gostaria, mais pesado do que deveria, lento e preguiçoso.
Para correr, tenho de treinar. Fazer das tripas coração para ganhar coragem de sair da cama e, aos poucos, botar uma perna à frente da outra, dar um passo e mais outro.
O peso além do recomendado pelas tábuas dos mestres do exercício cobra sua conta, a velocidade não é a mesma, tudo precisa de esforço, concentração, determinação...
E é tão fácil desistir, tão fácil parar, tão fácil cair na preguiça.
Mas não quero. Passo por um riacho que corta a estrada pelas profundezas da terra e só vai aparecer murmurante lá embaixo, no meio da mata. Me alegro com ele.

Descanso subindo mais um morrinho, percebo que a estradinha rural está prestes a acabar, estou terminando o contorno da montanha, em breve volto para terreno conhecido.
É quando a preguiça me chama, pede para eu desistir. Negocio: vamos correr até a praia, convido meu corpo.
Será uma espécie de desafio à autoridade: meu treinador desrecomenda fortemente qualquer treino nas areias da praia. Mas é tão bom correr com a brisa marinha refrescando o corpo, o mar se fazendo de infinito ao meu lado...
Chego às areias da praia de constato que meu treinador tem razão: o terreno é por demais inclinado, cheio de ondulações perigosas, melhor obedecer às regras traçadas e seguir por outro caminho. Apenas capturo uma imagem para me acompanhar pelos quilômetros restantes.

São os piores. Mais duros, menos interessantes, mais quentes. O corpo já está dolorido, a idade pesa e a falta de determinação ajuda, mas um pouco de cabeça dura é suficiente para dar o contra na preguiça, na malemolência e no mimimi.
Sigo. E completo minha primeira corrida do ano. Dezesseis quilômetros suados e sofridos, mas alegres e bisbilhoteiros, pesquisadores de meus demônios internos, desafiadores de minhas fraquezas e fragilidades. Uma homenagem a 2016.
Que venham outros.

Vamo que vamo!! Feliz Ano Novo!

4.1.16

Primeiras impressões a respeito de um calçado de corrida chinês



A China vai dominar o mundo, dizem os entendidos, brandindo estatísticas econômicas e demográficas. Os quatro maiores bancos do mundo são chineses, o que já parece suficiente para exemplificar o poder desse grande país oriental.

No terreno esportivo, fizeram maravilhas nos Jogos Olímpicos de 2008, assombrando o planeta com os resultados de seus atletas, com a beleza das construções.

Naquele ano, aliás, o mundo foi brindado com o que talvez tenha sido o mais impressionante desempenho de um corredor em uma maratona olímpica, com a estupenda vitória do jovem Sammy Wanjiru.

Não surpreende, pois, que o país queira se estabelecer também como fornecedor de material esportivo para o mundo. É essa a missão da empresa que tem o estranho nome 361º (lê-se trezentos e 
sessenta e um graus).

Nunca tinha ouvido falar dela até o ano passado, o que apenas mostro com sou ignorante: a empresa nasceu em 2002 e a marca foi lançada dois anos mais tarde. Fornece equipamentos para seleções chinesas de várias modalidades e está hoje estabelecida na Europa, Estados Unidos e Brasil.

Ao longo dos últimos 20 dias, tive a oportunidade de testar seu modelo de ponta para corrida, o Spire. Trata-se de um calçado com bom amortecimento, para corredores de pisada neutra.

Segundo o material distribuído pela assessoria de imprensa, “o Spire é o top de linha da 361°, com o sistema de amortecimento QDP (Quick Dynamic Performance) – formado pela palmilha e entressola Quikfoam (EVA de diferentes densidades) e uma fina placa de EVA ainda mais densa (dura) sob a entressola para estabilização. O solado é de borracha, com esponja de borracha no antepé para reduzir o peso do tênis e aumentar o amortecimento e arco de TPU injetado para estabilidade. O cabedal é de Air Mesh para melhor ventilação, sem costuras no calcanhar, com aplicações estratégicas de TPU no contraforte. Tecido refletivo na biqueira e no calcanhar.”

Eu não dou muita bola para essas descrições supostamente mais técnicas. Quero saber, ver sentir o calçado, verificar se ele é firme onde tem de ser e flexível quando necessário.

Basicamente, o que todo aquele palavreado aí de cima quer dizer é que o Spire tem uma estrutura mais mais rija, sobre a qual são colocadas camadas para ampliar o conforto e o amortecimento.

O importante é que o objetivo é atingido. Ainda que não tenha o design feérico que as grandes marcas vêm adotando, o Spire é um calçado de boa qualidade, pronto para o trabalho.

Como se pode ver pela foto que ilustra este texto, trata-se de um modelo tradicional, nada daquela história de minimalismo ou drop 2 , drop 1, drop 0 (diferença, em milímetros, entre a altura do calcanhar e da parte da frente do calçado.

Donde se conclui que corredores ortodoxos, como eu, vão se sentir à vontade com o pisante. Ele é bem estruturado, firme; no calcanhar, isso é até um pouco exagerado para o meu gosto, mas não chega a causar desconforto. Corredores acostumados a calçados que “abraçam” o calcanhar talvez não gostem das “paredes” do Spire.

Do ponto de vista de amortecimento, me senti à vontade durante todo o tempo –fiz treinos de até 20 quilômetros com ele, rodando um total de mais de cem quilômetros no período de testes.

Quanto à aparência geral, achei meio mangolão; lembra os tênis que eu comprava no início do século... Talvez as combinações de vários tons de azul escuro tenham contribuído para essa impressão.

O preço sugerido no Brasil, R$ 549, é condizente com os modelos concorrente. O que me parece um erro; marcas que entram no mercado e querem cavar seu espaço costumam oferecer preços mais atraentes que os dos competidores.

Duvido que um consumidor vá deixar de comprar um produto que conhece tem preço semelhante apenas para experimentar um novo fornecedor. Mas os caras devem saber muito mais do que eu a respeito do comportamento do consumidor.

Aliás, essa parece ser a política da empresa nos vários mercados em que atua: nos EUA, por exemplo, o Spire custa US$ 140. O que o coloca na mesma faixa de preço dos top de linha de marcas mais conhecidas.

Enfim, é um tênis bom, confortável mesmo para corredores mais pesados. O preço, porém, não me parece compensador. E, para o meu gosto, não é dos mais bonitos.

Ah, faltou falar do nome da empresa, que me pareceu muito estranho. Qual seria o significado? Dar uma volta (360 graus) e andar mais um grau? Qual a vantagem disso? Não seria muito pouquinho?


Em minha defesa, registro que a própria empresa reconhece que muitos não entendem o raciocínio que existe por trás da marca. Mas eles explicam: “Um grau além dos 360 é um ponto que poucos alcançam e que muitos jamais entenderão. Para nós, um grau a mais é ir além. Além dos muros, além da zona de conforto, além do que se convencionou "o suficiente". Não importa se o limite parece próximo, se você está apenas iniciando a jornada ou se está recomeçando do zero”.