22.6.15

Aposentado corre maratona no Alasca e volta cheio de esperança

Muro, parede, hora em que o urso sobe nas costas –maratonistas conhecem bem esse momento em que as forças parecem ter abandonado o corpo e já não há nada mais a fazer senão entregar ossos e músculos à mente, para que sejam obrigados a obedecer, dar mais um passo e outro mais. Às vezes, o desastre é no km 30, outras no km 32; há quem desabe metros antes de cruzar a linha de chegada.

Para mim, foi na altura no km 29, e não houve muro, parede ou barreira a brotar do chão, isso é mais comum acontecer quando a pessoa forçou demais ou não comeu direito ao longo do percurso. Para mim, o que veio foi o canto de sereia da Preguiça, incendiado e colorido pelo combustível do Cansaço, alimentado pelo Desânimo...

“Mais um pouco e dou uma caminhada”, disse para mim mesmo. “Está muito difícil, está doendo, as pernas não estão respondendo, que diferença faz seguir ou ficar, caminhar ou correr?”, eu me perguntava enquanto, ao mesmo tempo, calculava a combinação a empregar, se caminhadas de 300 metros para trotes de 2.700 metros ou mais preguiçosos trechos de 500 m por 2.500 metros.

Afinal, bastava chegar para vencer o desafio que havia proposto para meu corpo velho e machucado. Havia dois anos que não corria uma maratona, derrubado por lesões, tarefas profissionais e os males da idade. No meio tempo, tinha me tornado oficialmente um aposentado.

Ainda que continuasse na ativa, o momento da retirada é emblemático para a vida. Será que agora vou poder fazer tudo o que sonhava quando estava limitado pelo horário de trabalho? Ou será que agora serei esquecido, como um velho, abandonado e perdido, considerado inútil pela sociedade?

Foi essa uma das razões para a criação deste desafio: voltar a correr uma maratona é mais do que um esforço físico, é uma caminhada contra o esquecimento, uma jornada contra a depressão, uma campanha pela vida, por se demonstrar ativo, forte, guerreiro.

Ainda que fosse um guerreiro cansado no quilômetro 29 da Mayor`s Midnight Sun Marathon and Half Marathon, a Maratona do Sol da Meia Noite de Anchorage, Alasca, um inesperado destino mesmo para mim, que já percorri traçados maratonísticos nos cinco continentes.

A cidade, maior centro urbano do maior Estado norte-americano, é curiosa. Espalha-se por quilômetros sem fim –sua área é três vezes maior do que a de São Paulo--, a maior parte deles sem viva alma a habitar (tem apenas 300 mil habitantes, menos que o Grajaú e um pouquinho mais do que o Jardim Ângela).

Por isso, as distâncias são grandes e as ruas, largas, quase todas do tamanho de nossas avenidas; estradas de alta velocidade ligam bairros de Anchorage, e o transporte público não é exatamente o melhor do mundo: algumas linhas de ônibus circulam de hora em hora, outras mais movimentadas largam os veículos a cada meia hora!!!

Acabei indo de táxi para a largada, numa escola de segundo grau a quase 20 km do hotel onde fiquei. O prédio é impressionante, e os recursos disponíveis para os alunos mais ainda –enorme ginásio, salas para teatro e artes, auditório, corredores imensos, refeitório gigante, vários banheiros específicos para alunos com necessidades especiais...

Dez minutos antes da largada, num dia fresco e nublado, ótimo para correr –um alívio depois de dois dias de forte calor, em que as temperaturas passaram dos 22 graus--, começou a cerimônia, que incluiu algumas palavras do diretor da prova e a execução do Hino Nacional. Guardas florestais carregaram as bandeiras do Alasca e dos Estados Unidos (antes deles, fiz essa foto solitária com o portal de largada).



Éramos um punhado de corredores em busca do desconhecido  --havia gente dos 50 Estados dos EUA e de mais de dez países, sendo eu o sujeito que percorreu maior quilometragem para chegar àquele momento, voando mais de 8.000 quilômetros desde São Paulo.

O dia era cinza e o percurso também. Não há ouro nem gelo no trajeto, apenas asfalto cobrindo uma trilha de caminhada/pedaladas. De um lado, temos a autoestrada, de outro, um enorme terreno de propriedade do Exército norte-americano. Grama, pasto árvores, verde, é para lá que olho.


Nem bem dá um quilômetro e recebo o primeiro aviso: o joelho esquerdo bambeia e um raio passa pela lateral da perna, que fica frouxa, renga, incapaz de obedecer aos comandos do cérebro. Isso dura uma fração de segundo, o tempo suficiente para jogar pavor no corredor, que se recupera e pisa firme.

Essa dor me era conhecida. Já havia sofrido com ela em alguns treinos. Não conseguira explicação, apesar de um monte de investigações feitas pelos especialistas que me acompanham  --obrigado aí, Graziella, Marcelo, Luca, Cabrita!!! Chegamos até a fazer uma ressonância do joelho, que trouxe a feliz notícia de que minhas articulações estão em forma juvenil...

Mesmo assim, doía e me deixava a perna bamba, correndo por um músculo que vim a conhecer nos últimos meses, o tal de fibular, que leva esse nome porque acompanha o osso assemelhadamente nomeado (pelo menos, é o que eu imagino).

Bueno, já disse a sabedoria popular, o que não tem remédio remediado está. Tratei de aprumar o corpo, organizar a passada e mandar brasa, aproveitar o clima agradável e a mente desperta.

Foi muito bom!!!

Parece que a corrida é um bom tratamento para a dor, pelo menos por algum tempo. Comecei a fazer quilômetros em cima de quilômetros em ritmo melhor do que o treinado. E me disse que não era hora de economizar; não dá para sair à la louca, mas também não vou caminhar e trotar, vou dar o que tenho.



Às vezes, trazia para o dia o mantra que criei na minha segunda maratona, lá em Porto Alegre, a mais rápida que fiz até hoje: velocidade não é nada, ritmo é tudo.

Observava os corredores à minha volta, tentava marcar alguns alvos, mas logo me perdia em meus pensamentos. A corrida era comigo. E assim passei do km 10 em melhores condições do que numa corrida de dez quilômetros que fizeram em Porto Alegre.

Me animei quando vi, ao longe, uma poderosa montanha, primeiro grande sinal de vida selvagem no percurso, até então muito bem comportado.

Logo ficaria mais complicado: cruzamos sobre a rodovia e entramos numa estrada de chão batido, coberta por pedregulhos dos mais diversos tamanhos –no site da corrida, dizia que poderia haver alguns do porte de uma bola de beisebol.




Mas não era uma trilha. Por ali até carro passava. Mesmo assim, era preciso prestar bastante atenção ao terreno, evitando as depressões e morrinhos no percurso. Até uma pedra pequena poderia significar torção do pé, se a pisada entrasse de mau jeito.

Apesar do caminho civilizado, a sensação era de passar em uma floresta selvagem, pois era mato cerrado dos dois lados. Aos poucos, a trilha estreitava; de vez em quando, cruzávamos pequenas pontes sobre riachos cantantes... Eu tremia só de imaginar quão gelada a água poderia estar.



Quando passei a metade da prova, comecei a me entusiasmar. Se mantivesse o ritmo, conseguiria terminar em cinco horas cravadas, menos uns dois ou três minutos talvez, mais uns três ou quatro se diminuísse...

Fazia disso um plano, um sonho... Afinal, o esperado era completar inteiro. Ponto Final. O sonhado era terminar em cerca de seis horas. O idealizado era chegar ao fim em cinco horas e meia. Qualquer coisa abaixo disso seria motivo para comemorações infindáveis. E agora os números em meu relógio diziam que estava em ritmo para fechar em cinco horas???

Que que é isso, ô meu?   

Cada olhada no relógio instigava as pernas, os braços, o corpo todo... Conseguia correr bem –para um sujeito de quase 60 anos, com duas hérnias, costas alquebradas e musculatura ainda não totalmente consertada--, não queria descansar nem seguir os planos de caminhar e correr.

Reduzia apenas nos postos de hidratação e para me reabastecer de carboidratos de acordo com o planejado. Ali precisa mesmo caminhar, não dava para beber água em copo trotando ou correndo.

Houve momento em que até me emocionei imaginando a chegada em 4h57, talvez 4h58, mas já corri mais de 30 provas de longa distância e sei muito bem que a corrida só acaba quando termina. Do jeito que eu estava, rapidamente os quilômetros começariam a ficar mais compridos, mais demorados, viria a dor, poderia até passar das sete horas, sabe-se lá...

Desencanei do tempo, mas não do entusiasmo. Fui ficando mais lento, a musculatura das pernas se endurecia, não respondia mais aos comandos. Mesmo assim, até o km 29 a perspectiva era de chegar em menos de cinco horas, se e somente se eu mantivesse um ritmo de sete minutos por quilômetro por toda a distância que restava.

Meu ritmo já estava variando muito, chegava às vezes a oito minutos, às vezes mais. Era hora de jogar a toalha, caminhar, descansar e completar inteiro minha primeira maratona como aposentado.

Tentei, porém, correr mais um quilômetro. Deu certo, as pernas obedeceram. Então disse que seguiria correndo somente até o próximo posto de hidratação. 

Deu certo.

Não vou caminhar ainda, estava me dizendo, quando vi um sujeito parado no meio da estrada fotografando o nada, matagal e pasto do lado esquerdo, pertinho da floresta.

Bueno, nada não podia ser. Apertei os olhos e vi o bichão que o matagal escondia. Um dos famosos alces de Anchorage!!! Também parei para fotografá-lo, registrar tão preciso momento.



E Voltei a correr. Em alguns momentos, desanimava, queria descansar. Mas agora era uma briga entre quem era mais cabeça dura, se eu ou se minhas pernas.

Por enquanto, eu estava ganhando. Quando cheguei ao 39 sem ter sido obrigado a caminhar, de novo comecei a sentir lágrimas escorrendo pelo rosto.

Pensava nas minhas filhas, na minha mulher, imaginava a chegada, pensava no treinamento, nas dores e na caminhada para o conserto do corpo. 

Queria continuar correndo, apesar da Preguiça e de seu canto de sereia, do monstro do Desânimo e da poética Desesperança.

O último quilômetro traz uma íngreme subida nos derradeiros metros, curtinha e dolorida. Pois até ela enfrentei, para descer correndo em direção ao parque onde estava montado o circo da chegada.

Tinha vencido meus perrengues, correra o tempo todo, sempre no máximo que eu podia, mesmo quando o máximo foi 8min30 por quilômetro. O que vale é que a gente não afrouxa –“nóis capota mais não breca”, está escrito em ximbicas velhas que torturam o léxico e a gramática.

Estava deixando de ser um corredor da ladeira da memória e voltando a ser uma maratonista vivo e ativo, APOSENTADO CORREDOR, não corredor aposentado.




Ganhei meu beijo de prêmio, chorei com minhas filhas ao telefone. Mais tarde, fui fazer meu banquete de vencedor: cachorro-quente de linguiça feita de carne de rena. Um seria de alce??? 


19.6.15

Pensamentos dispersos pouco antes de começar a maratona do Sol da Meia Noite no Alasca

Neste momento, falta pouco para a minha primeira maratona como aposentado, minha primeira corrida de 42.195 nos últimos dois anos. Daqui a 12 horas, vou acordar, fazer o desjejum e partir para encontrar a linha de largada em um ponto distante da região central de Anchorage, a maior cidade do Alasca.

Cheguei aqui no início da quinta-feira, depois de uma longa viagem de dois voos de mais de quatro horas cada um. O primeiro passou rápido, mas o segundo foi um parto...

O que vale é que dava para se distrair vendo a paisagem e aproveitando o que parecia ser um eterno pôr do sol.


Saímos de Salt Lake City às 20h, horário local, chegando a Anchorage por volta da meia-noite, hora local. Durante todo o tempo, o céu se manteve lindo, rajado de laranja, vermelho e todas as cores no meio desse espectro , como mostra a foto feita pela Eleonora.



Valia a pena olhar para o chão. De vez em quando, cadeias de montanhas pareciam saltar do chão, como espinhaços de um enorme animal pré-histórico. Algumas eram cobertas de verdes, em outras havia somente rochas.

Ah, a chegada a Salt Lake City também é estranhíssima, a cidade é rodeada por áreas de mineração (acho eu), que deixam o terreno com um colorido de solidão e deserto, um ocre desmaiado, um tanto assustador, parece filme distópico...

Bueno, mas o que interessa é que chegamos enfim a Anchorage, por volta da meia-noite, com dia claro. A cidade nos recepciona com luz e flores –mais tarde, percebemos que há floreiras por tudo, sempre com muitas cores e cheiros (abaixo, foto que fiz  no aeroporto de Anchorage por volta da meia-noite; perceba a luminosidade).



Tratamos de descansar o que foi possível e, lá pelo meio da tarde, fomos para a feira da maratona buscar nossos números –a Eleonora vai correr a prova de 4 milhas. Fica US$ 20 de táxi do nosso hotel, que é perto do aeroporto. Isso significa que deve dar uns dez quilômetros de distância, no mínimo.



Por aqui, as distâncias são enormes, parece que todo mundo tem carro. Há um bom sistema de ônibus, que respeita seus horários com algum grau de precisão, mas a enormes intervalos (do hotel para o centro há ônibus a cada meia hora, do hotel para o Alaska Airlines Center, onde foi a feira, há ônibus a cada hora).

Esse Alaska Airlines Center é o lar dos Seawolfes, o time/clube da Universidade do Alasca –tem basquete, clube de atletismo e outras modalidades. É um superginásio, com belas quadras para esportes e ótimas poltronas; há um restaurante que se orgulha de seus pratos gourmet (mas eu achei bonzinho apenas), lanchonetes e um enorme estacionamento.

A feira é modesta, poucos estandes, sendo a maioria deles de ONGs ou instituições ligadas à saúde; há algumas promoções, mas nada que tenha me entusiasmado. Em contrapartida, não havia fila quando chegamos nem nenhuma burocracia para pegar o número, bastou dizermos nossos nomes...



Não é de surpreender, pois se trata de um evento bem pequeno, ainda que seja a principal maratona do estado. São cerca de 4.000 participantes no total, sendo um quarto disso para a maratona.

Eu serei um deles. Há três dias, fiz minha última corrida pré-maratona, rodando no Prospect Park, em Nova York (foto abaixo).


Eu me senti bem, acho que estou em condições de enfrentar a distância e chegar bem até o fim, talvez em seis horas, talvez em mais, dificilmente em menos. Vamos ver.

Volta e meia eu volto para o assunto da corrida e de como imagino que vou me sair; é porque isso não sai da minha cabeça. Apesar da minha experiência, é realmente como se estivesse fazendo agora minha primeira maratona, fico tenso e emocionado (no voo, assisti a um filme sobre corrida e chorei o tempo todo...).

Talvez se eu retomar o fio da história e contar mais um pouco sobre a cidade de Anchorage eu me acalme.

Vou falar muito sobre ela nos próximo textos. Por enquanto, fique com minhas primeiras observações. 

Como disse, é uma cidade enorme, espalhada, com largas avenidas para tudo quanto é lado e muitos espaços vazios, campos, áreas com matagal, lagos...

Para o turista caminhante, não há nada muito interessante, especialmente para quem não quer fazer longas caminhadas nesse momento. Peguei o carro que faz um tour pela cidade, uma jardineira, e foi até bacaninha.



Há um museu que dizem ser muito bacana, vou visitar mais tarde; pelas ruas, esculturas fazem homenagem aos primeiros exploradores da região e também ao maior amigo do homem, o malamute do Alasca que é um parceirão mesmo quando o frio parece ser mortal.

A corrida vai sair dos limites da cidade, passar por trilhas, chegar ao sopé de montanhas, vai ser desafiadora e quente, muito quente –hoje passamos dos 20 graus por aqui... Mas, na crista das montanhas, ainda sobrevivem restos de neve...



Acho melhor parar por aqui,pois daqui pouco volto aos meus medos e inseguranças e tensões sobre a corrida. Eles vão ficar comigo até a hora da largada. Depois é mais tarde.


Vamo que vamo!!!

12.6.15

Povo da Cratera de Colônia corre e luta por melhores condições de vida




Participei de poucas corridas durante esta minha preparação para enfrentar uma maratona no Alasca. Elas foram escolhidas como experiência de vida, mais do que como testes do meu desempenho.

Estive em uma prova em Israel, corri com familiares em Porto Alegra, conheci a terra onde foi plantada a primeira macieira aqui no Brasil. E, no último domingo antes de viajar para os Estados Unidos, voltei aos caminhos da Cratera de Colônia, no extremo sul de São Paulo.

É a única comunidade no hemisfério sul instalada no buraco provocado pelo impacto de um corpo celeste, há milhões de anos (há apenas outra ocupação dessas no mundo, em Ries, Alemanha).




Eu visitei aquele território durante minha jornada de 460 quilômetros por São Paulo, em dezembro de 2013 (saiba mais clicando AQUI). 

Fiquei conhecendo os problemas e as lutas de uma população instalada no que deveria ser um patrimônio públiuco –aliás, desde 2007 a Cratera de Colônia integra um parque natural municipal, cuja estruturação nunca saiu do papel.

A cratera tem 3,6 km de diâmetro, uma circunferência de cerca de 14 km e, originalmente, segundo calculam os geólogos, sua profundidade passava dos 600 metros. 

Ao longo de milhões de anos, terra, bichos mortos, pedaços de rocha e sei-lá-mais-o-quê se depositaram no fundo do buraco e, hoje, essa camada sedimentar é calculado em mais de 400 metros.

No final da década de 80, o terreno, que era parte de uma fazenda, foi comprado por uma cooperativa de moradores. Que, agora, festejam com a corrida o 26º aniversário da comunidade de Vargem Grande. E também apresentam suas reivindicações.

 “Nosso principal problema é a falta de infraestrutura”, diz Marta de Jesus Pereira, 51, presidente da Achave (Associação Comunitária Habitacional de Vargem Grande). “A pavimentação ecológica começou há algum tempo, mas parou. Estamos em negociação com o governo e esperamos que os trabalhos sejam retomados em breve.”

Ela aponta ainda a falta de opção de diversão para os cerca de 50 mil moradores da área.  “Precisamos de áreas de lazer e centros culturais –os mais perto ficam a 20 km, 30 km de distância’, afirma a dirigente comunitária.


Há planos governamentais para fazer da área um museu a céu aberto. Para proteger a área, considerada de “relevância histórica, cultural e científica”, foi criado em 2007 o Parque Natural Municipal de Cratera de Colônia.

De fato, tudo ali merece ser protegido e estudado, 
afirma o geólogo Victor Velázquez, 51, professor da USP e líder do Grupo de Pesquisa do CNPq sobre geodiversidade e patrimônio geológico.

“A cratera de Colônia é detentora do maior registro de sedimentos quaternários, com potencialidade científica de documentar a história das mudanças climáticas da América do Sul, em no mínimo, desde 3 milhões de anos atrás até o presente”, diz ele.

Mas, segundo os moradores, praticamente nada ainda saiu do papel, apesar de diversas reuniões já terem sido realizadas, inclusive com a participação de representantes da associação comunitária.

Também não há nada concreto para resolver o caso das quase 900 famílias –cerca de 10 mil pessoas, segundo Marta Pereira— que vivem em área de risco na parte central da cratera.

“O terreno ali é muito mole, não é apropriado para a construção de casas; já estamos conversando sobre isso há mais de quatro anos”.

Os problemas, porém, não impedem que os moradores confraternizem. A corrida reuniu cerca de 140 pessoas, que percorreram um trajeto de 5 km dentro da comunidade.



Vimos esgoto a céu aberto, enfrentamos longas subidas, nos equilibramos em descidas que pareciam chegar ao centro da terra (lomba a baixo, dava para ver a região central da cratera, onde estão as casas em situação de risco.

Além da corrida, houve festa ao longo de todo o final de semana.


Pouco tempo depois da premiação da prova –o pintor Marcos Francisco de Paula, 40, do Jardim Ângela, sagrou-se bicampeão, e a técnica química Denise Pereira, 39, de Horizonte Azul, venceu a corrida pela terceira vez_, o palco instalado na avenida Primavera começou a ser ocupado por grupos musicais.




Teve som para todos os gostos –rock, rap, gospel e forró--, além de apresentação de dança e uma muito esperada batalha do break.



PS.: Com exceção dos retratos dos campeões, que eu fiz, as demais fotos são de Moacyr Lopes Júnior, fotógrafo da Folha que esteve comigo na cobertura do evento na Cratera de Colônia

11.6.15

Antes de viajar, aposentado questiona se está preparado para correr no Alasca


Nos últimos dias, os amigos e conhecidos que encontram se despedem desejando boa prova na minha volta à maratona e, meio brincando, meio desafiando, acabam sempre por lançar a pergunta: Você está preparado para correr no Alasca?

Eu sempre digo que não, nunca vou estar preparado. 

Aliás, conheço pouca gente que chega a uma maratona e diz que está pronto para corrê-la. Alguns passaram mal a noite, outros não conseguiram treinar direito nos últimos dias, há os insatisfeitos com o clima e os que reclamam de lesão.

O fato é que nossa preparação nunca é tão boa quanto gostaríamos, simplesmente porque o que gostaríamos é algo que está no terreno dos sonhos, das ambições, dos projetos, do imaginário. E a preparação para a maratona, ao contrário de tudo aquilo, é dura, fria, concreta, feita de milhares de passos.

Alguns movimentam as pernas mais rapidamente, dedicam seis ou sete dias aos treinos; outros precisam dar mais descanso ao corpo. Enfim, cada um tem seu cada qual.

Hoje fiz meu último treino no Brasil, rumo à maratona de Anchorage, cujo nome completo é Mayor`s Midnight Sun Marathon & Half Marathon. Foram 20 quilômetros sob o sol de outuno, rodando boa parte deles no Ibirapuera, percorrendo todas as trilhas onde tantas vezes passei ao longo dos últimos 17 anos, gozando da sombra de enormes árvores.

No quilômetro sete, minha perna esquerda bambeou. Por alguns segundos, simplesmente perdi o controle de tudo o que havia do joelho para baixo. Pensei que fosse me esborrachar no chão, mas consegui movimentar o pé esquerdo e, assim, recuperei o domínio da perna. Recuperei ma non troppo: por algumas centenas de metros, segui mancando.

O músculo que acompanha a tíbia parecia ter se rompido. Não havia dor nem nada, apenas o dito cujo não funcionava. Mesmo assim segui até o km 8, quando iria dar uma parada para tomar água e, em seguida, caminhar por 300 metros –todos os meus treinos são assim, formados por blocos de corrida e caminhada.

Quando chegou a hora de voltar a correr, parecia que nada tinha acontecido. Segui mais lento e temeroso, mas fui em frente. 



Corri no asfalto e na terra batida, sobre a grama e nos pedregulhos da pista de Cooper, até que resolvi ir embora para aproveitar a corrida até o ponto de ônibus.

Para mostrar que aqui ninguém tem medo de lomba, completei o percurso subindo a Brigadeiro até a avenida Paulista.

Com o percurso de hoje, completei 729,34 km no processo de preparação orientado pelo Alexandre Blass, da Força Dinâmica, e apoiado pela turma do Instituto Vita, sob a coordenação de Luca Mameri. De fato, talvez tenha chegado aos 800 km, pois a maioria dos treinos exclusivamente de caminhada não registrei com o GPS.

O resumo da ópera, considerando o que meu relógio marcou, é este aqui:



Maratonistas experiente podem torcer o nariz e fazer pouco desses índices. De fato, eles são modestos. Mas digo-lhe com orgulho que, há 15 dias, fiz um treino de 32 km sem sentir dor.

Na primeira semana deste projeto de Aposentado Corredor, no início de fevereiro, eu me arrastava e sofria para conseguir completar 12 km generosamente distribuídos em oito blocos de 1.100 m de corrida por 400 metros de caminhada.

Tinha fortes dores nas costas, no quadril, na coxa, o pé esquerdo me incomodava e o ânimo era quase nenhum. Hoje à tarde, na fisioterapia, nenhum músculo doeu.

Não quero parecer um sujeito otimista –mesmo porque eu não sou um sujeito otimista. Mas é fato que meu corpo está menos doente do que há quatro meses; e é fato que eu acredito que vou conseguir.

O que não dá camisa a ninguém. Na maratona, assim como na vida, “a prática é o critério da verdade” (donde se conclui que Lênin, autor da frase entre aspas, além de ser especialista em vida também entendia de maratona –ou não, sei lá). No dia 20 de junho de 2015, a gente vai saber.

Como bom torcedor do Grêmio, vou para a linha de largada para o que der e vier.

Vamo que vamo!!!


5.6.15

Dois anos mais velho, aposentado volta a enfrentar a subida da Brigadeiro


Quando a gente chega a certa idade, a um certo conjunto de males do corpo, a um certo conjunto de atribulações psicológicas (que são também do corpo, por supuesto), há que aceitar a vida como ela é, um minuto de cada vez, metro a metro, sabendo que qualquer um, minuto ou metro, pode guardar surpresas desagradáveis. O que não nos deixa mais preparados ou em melhores condições para enfrentá-las, pois a natureza da surpresa é (...) ser surpreendente.

Eu cá comigo estou surpreso porque chego ao final de uma sequência de semanas com volume crescente de treinos, sem dores de monta, sem cansaço exagerado, sem músculos arrebentados, sem quase nada para reclamar.

Ao contrário, venho festejando cada dia de treinos, adorando os longões que me rejuvenescem e entusiasmam, renovam minha disposição de explorar a metrópole paulistana.

A cada treino, saio de casa com a quilometragem na mente, sem destino –o percurso vai se formando no asfalto, sigo meu nariz, evito o trânsito, encaro um subida, aproveito uma sombra, vou no contrafluxo.

Nestes dias de quase feriadão, fiz vários treinos bacanas, encarando a poeira paulista e suas idiossincrasias.

O mais legal foi o do feriado propriamente dito, pois aproveitei o Minhocão, apreciando a multitude de gente que por lá circula quando o elevado está fechado para o trânsito de veículos  --se você não é de São Paulo, esclareço: trata-se de um superviaduto de mais ou menos 3 km de extensão que corta parte da área central da cidade.

Cheguei por lá quando o sol já ia alto. Muita gente circulando de bicicleta, levando os cachorros para passear ou simplesmente sacudindo o esqueleto.

Eu gosto de ficar bisbilhotando a vizinhança, olhando as janelas, tentando imaginar como é a vida dos que vivem por lá. De vez em quando, alguém aparece.



Numa das janelas, um grupo de artistas fazia uma performance sobre a cidade –não parei muito tempo, não consegui entender direito o que rolava. Até parecia interessante, mas os caras não estavam conseguindo atrair muita atenção naquela hora: só eu parei para fotografar (pode ser que, mais tarde ou mais cedo, houvesse público).

O que tinha em profusão era gente tirando foto. Acho que algum curso de fotografia soltou uma turma por lá para pegar cliques da cidade... 

Havia também pelo menos dois grupos de fotógrafos  profissionais fazendo coisas para publicidade de moda, pelo que percebi; e um trupe registrando as palhaçadas e discursos dos performistas daquele já cidade apartamento –estes, eu fotografei também.


Sempre me emociono quando chego à curva do elevado que me permite ver o centrão lá longe, o prédio do ex-Banespa, um dos símbolos paulistanos. 

O elevado também é privilegiado ponto de observação sobre as mazelas da cidade, as favelas que se formam no seu entorno, os molambos humanos que lá circulam...

Dá dó e dor, mas há que seguir.

Cheguei ao centrão e me dei conta de que o feriado do dia tinha motivos religiosos. Várias igrejas tradicionais colocaram um altar na porta, com religiosos ou laicos por ali chamando o povo para as orações. Numa delas, na Santa Ifigênia, esse coral todo vestido de azul era o chamariz.



Mais para a frente, no largo de São Bento, os monges esperavam uma enorme procissão, que tomou rua e calçadas da região central, dificultando a jornada de um certo corredor aposentado.



Como eu estava devagar mesmo, não me incomodei muito. Cada um com seu cada qual.

Sem cantorias, outro grupo se concentrava ali pelo centrão, nas ruas selecionadas para os pedestres. Estavam em fila enorme, que serpenteava por vários quarteirões, aguardando a hora de apreciar a exposição de obras de Picasso, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil. Quem disse que nosso povo não gosta de cultura?

Fiz minha tradicional volta em torno da praça de Sé e desci a rampa para chegar ao pé da subida que almejava: a Brigadeiro.

Trata-se da avenida Brigadeiro Luiz Antonio, que é um dos trechos mais temidos e aguardados na principal e mais tradicional corrida de rua do Brasil, a São Silvestre. São quase dois quilômetros lomba acima, onde a prova costuma ser decidida.

Já lá se vão quase dois desde a última vez que subi aquela ladeira. Foi na São Silvestre de 2013, e não pude correr. Estava com uma fratura por estresse no alto da tíbia direita, logo ali onde ela se encontra com a rótula. Mesmo assim, não modifiquei em nada meus planos de percorrer 460 quilômetros por São Paulo em homenagem às comemorações que a cidade faria em 2014.

A São Silvestre foi parte do percurso, e a história daquela corrida vocêpode ler AQUI.

Nesta quinta-feira, tudo que eu queria era ser capaz de subir sem caminhar. Não queria parar, não queria diminuir o ritmo, não queria me refrescar nem fazer nenhuma pausa, ainda que por breves segundos.

Segui então direto, direito e reto morro acima. 

Engatei um ritmo que me pareceu adequado e fui em frente, depois de mais de 13 quilômetros já percorridos pela cidade.

Foi um momento de lembrar do processo de treinamento e me maravilhar com a capacidade do corpo humano. Poucos meses atrás, em outubro ou novembro, eu mal conseguia correr um quilômetro sem parar. TODOS, absolutamente todos os meus treinos incluíam longos trechos de caminhada e NADA, absolutamente nada, de subidas.

Por meses, a quilometragem semanal mal chegava aos 20 quilômetros. Mesmo assim, sofria com dores. Não raro, tive de suspender treinos por causa de um joelho chateado, um pé bambo, costas arrebentadas, quadril interrompido, falta de  ânimo ou simplesmente saco cheio.

Hoje, não. Subi sem parar, olhando a fieira de teatros da parte baixa da Brigadeiro, me divertindo em imaginar a Paulista cheia de gente para saudar os corredores na São Silvestre. E cheguei ao topo sem parar, sem interromper, sem dor.

Quando eu digo sem dor, estou falando daquelas malditas, que atrapalham e apavoram. Dores, sempre as tenho. Atualmente, por exemplo, uma pontada fina perturba a lateral de meu joelho. Gelo nela!, é o que eu digo, e vou em frente.

O certo é que estou mais inteiro, pelo menos agora. 

O equilíbrio é desequilibrado, como sempre. A instabilidade é a marca registrada, mas, pelo menos agora, ela não me apavora.


Meu caminho para a Maratona do Alasca passa pelas ruas de São Paulo.

1.6.15

Longão na chuva faz corredor de barbas brancas voltar aos tempos de infância

Meu amigo, minha amiga, veteranos da corrida e iniciantes nas artes de colocar uma perna na frente e outra atrás: está chegando a hora.

Já estamos no mês do desafio, quando acontece a maratona do Alasca: se tudo der certo e nada der errado, ela será minha primeira prova de 42.195 metros como aposentado.

Apesar de minhas hérnias, tendinetes, fasciites e outras porcarias mais que atrapalham o movimento de meu corpo, devo dizer que estou conseguindo –o trabalho de meus apoiadores na área de fisioterapia e na organização de meu processo de treinamento tem sido fundamental para essa conquista.

Na última semana fiz meu último longão de mais de 30 quilômtros. Como de costume, ataquei a distância em blocos de caminhada e corrida; dessa vez, foram oito séries de 300 m caminhando e 3.700 m correndo. Terminei sem dores outras que cansaço muscular e pés maltratados.

O mais importante: terminei alegre, confiante e rejuvenescido.

Talvez a chuva que atingiu a cidade naquele dia tenha contribuído para desanuviar meu espírito, sempre às voltas com a redução dos ganhos na aposentadoria, com as arrumações da casa e outras incomodações.

Foi no quilômetro 21 que a chuva começou. De início, fiquei apreensivo: pretendia terminar a rodagem no parque Villa Lobos, que é um local superaberto, onde há risco de ser atingido por um raio.

Lá ocorreram duas das 16 mortes por raio registradas na cidade de São Paulo em um período de dez anos 2000-2010.

Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a chance de uma pessoa ser atingida por um raio se estiver caminhando em uma área aberta de um parque na capital paulista  é de seis para 1.000, probabilidade mil vezes maior do que a média geral do Estado, que foi de seis para um milhão na década estudada.

A chuva estava fininha, e eu tinha acabado de chegar à praça Conde de Barcelos, que é uma das delícias da cidade. Super-hiperarborizada, tem lugar para aas brincadeiras da criançada, calçada que faz o perímetro (juntando com uma pracinha próxima, dá uma volta de mil metros, que beleza!) e alamedas internas.




Tudo limpo, lindo e vigiado de perto por seguranças que rondam aquelas ruas pontilhadas por mansões, com garagens repletas de carros importados. Fico pensando o que diria disso tudo o homenageado da praça, o tal conde português, que foi também poeta e músico (saiba mais sobre ele clicando AQUI).

O que importa é que, ali, estou protegido –ou acredito estar—de eventuais raios na manhã chuvosa.


As descargas elétricas não vêm, e eu sigo com meus planos, depois de já ter rodado por boa parte da cidade, bordejando parques que costumam ser territórios dos corredores (veja o mapa abaixo).




Seguindo pela Estados Unidos, havia chegado ao lado do Ibirapuera; descendo pela Juscelino, fui até a Faria Lima, rodei pelo Parque do Povo, cruzei a marginal para seguir até próximo do parque Alfredo Volpi, que muitos chamamos de parque do Morumbi.

Era madrugada e ainda estava seco, mas os trabalhadores e trabalhadoras da noite, que costumam ficar na Cidade Jardim, já tinham abandonados seus postos quando por lá passei em direção à Cidade Universitária.

Na USP, encontrei velhas amigas, as capivaras que descansam às margens da imundície do córrego Pirajussara. Atravessei de volta o rio Pinheiros para ir até à já citada praça Conde de Barcelos, de onde me encaminhei para o Villa Lobos.




Foi lá que a chuva apertou, ficou mais fina, célere, fria. O melhor seria ficar pelado, mas, já que os costumes não permitem, pelo menos tirei a camisa para o banho público reparador.

Quantas vezes não fiz isso na infância, em Porto Alegre? As ruas próximas de minha casa inundavam, e a gurizada ia pilotar barquinhos de papel na correnteza formada nas sarjetas. Ninguém dava bola para os gritos de “Não vai me ficar doente, menino!”; se alguém algum dia ficou mal por causa das águas sujas, não sei.

O certo é que estou vivo e correndo, mais de 50 anos depois daquelas aventuras. E ainda, lá pelos meus 30 e poucos, 40 e poucos, voltei aos banhos de chuva, correndo com minhas filha pelas calçadas, pulando e gritando. Ê, coisa boa!




Aqui e agora, a alegria me deixa mais corajoso. Com mais de 25 km de treino, mais de três horas na rua, resolvo pegar as rampas do parque Cândido Portinari, vizinho de menor tamanho do Villa Lobos.

Sigo do músico ao pintor e do pintor ao músico, ao som do pingolejar do céu, vendo os desenhos que a água cria no asfalto, as poças que também me encharcam.

O treino já passa de quatro horas, vou até o fim, mais um quilômetro e outro, chego aos 32 desejados.
O quadril reclama, o joelho esquerdo avisa que existe, a lombar diz qualquer coisa, os pés pulsam vigorosamente. Mas dor, aquela dor desgraçada, intimidante, vexatória, abusiva, deprimente, esta não aparece.

Para o cronômetro e começo a fazer meus cálculos. Acho que vou conseguir completar a maratona. A musculatura vai sofrer, vai ser demorado, vou cansar. Mas vai dar.

Ou não. O certo é que, pelo menos durante um banho de chuva, é permitido a um aposentado sonhar.


Vamo que vamo!