10.11.15

“O Brasil é cheio de caminhos”, diz maestro que andou duzentos quilômetros até o Pico da Bandeira



A atividade de Cesar é supercerebral. Precisa prestar atenção a detalhes, ouvir muito bem, concentrar-se no que está ocorrendo ao seu redor, reagir de acordo com os estímulos e sons de cada momento.
Cesar Cerasomma, paulista de Santo André, é mastro –“regente coral”, diz ele. Aos 50 anos, comanda os corais Alphaville, Monte Líbano e Fundap.
Nas horas de folga, busca opções que lhe deixem amente voar. Em casa, faz arte com vidro, cria cores e formas. No mundo externo, caminha.
Ele completou no mês passado o Caminho da Luz, por montanhas mineiras, chegando até o Pico da Bandeira, numa jornada de 200 quilômetros até o terceiro ponto mais alto do país.
“É uma rota magnética que fascina a todos”, diz ele nesta entrevista que serve também como guia para quem quiser se testar nessa caminhada (as fotos são do arquivo pessoal de Cesar).

Quando e por que você começou a fazer grandes caminhadas?
A primeira grande caminhada que fiz foi em 2012, o Caminho de Santiago, 800km atravessando a Espanha desde Saint Jean Pied de Port (França) até Santiago de Compostela.
Desde os meus 15-16 anos sempre tive vontade de percorrer esse caminho. Há uns dez anos me associei à ACACS (Associação de Confrades e Amigos do Caminho de Santiago) e comecei  a fazer umas caminhadas preparatórias de um ou dois dias com eles. E depois dessa tenho feito outras mais. O Brasil é cheio de “caminhos”.

Uma vez tendo começado, o que achou de bom nelas? O que achou de ruim?
Gosto muito de andar sozinho, para mim é um período de reflexão além de ter contato com cultura local, culinárias, pessoas que vc vai encontrando.
Coisas ruins fazem parte da caminhada: administrar algumas bolhas, uma eventual dor nos músculos, ... mas nada  tira o prazer da caminhada em si.

Como é a rota do pico da Bandeira?
O Caminho da Luz é um caminho localizado na Zona da Mata Mineira, precisamente na divisa com o norte Rio de Janeiro e o sul do Espírito Santo, e o mesmo presta-se para aqueles amantes de longas caminhadas.
O seu trajeto é bastante acidentado, pois possuí uma grande variação de altitudes entre Tombos (238m) e o alto do Pico da Bandeira (2.890m). A abertura do caminho foi feita em 14 de julho de 2001 e a partir dessa data, tornou-se um caminho misto de peregrinação religiosa, ecológica e histórica.


Alguns consideram o caminho mágico tanto pelas belezas naturais que encontramos durante o percurso quanto pelo povo da região. Os moradores passaram a fazer parte do caminho, recebendo os caminhantes com aquele peculiar carinho, ajudando e prestando todas as informações solicitadas pelos mesmos.
O percurso tem cerca de 200 quilômetros de extensão, saindo da cidade de Tombos (Portal de Minas), passando por Catuné, Água Santa, Pedra Dourada, Faria Lemos, Carangola, Caiana, Espera Feliz, Caparaó, terminando em plena serra no Alto do Caparaó, ao lado da Igreja de São Paulo, o Apóstolo.
O famoso pico da Bandeira encontra-se na proximidade, pois se situa em plena Serra do Caparaó no Parque Nacional do mesmo nome. O caminho encontra-se todo demarcado e devidamente sinalizado.
O trajeto tem início na base da cachoeira que dá nome à cidade (Tombos), sendo a quinta maior em volume d’água do Brasil e que possui a segunda hidrelétrica implantada no Brasil ainda em funcionamento. Termina no Pico da Bandeira, o terceiro maior do Brasil e o primeiro mais alto acessível.
Durante todo o percurso do Caminho da Luz fragmentos de mica e cristais emergem do solo, proporcionando-lhe um brilho especial. São 200 quilômetros percorridos pelas montanhas de Minas, passando por fazendas centenárias, matas, cachoeiras, santuários e antigas estações ferroviárias. A rota é carregada de um magnetismo que fascina a todos.

Quando e por que decidiu fazer a rota do pico da Bandeira?
Já havia feito este caminho em dezembro de 2013 (sozinho) porque tinha uns nove dias de folga e busquei na internet algum caminho que desse tempo de percorrer inteiro. Gostei tanto que levei a proposta de montar um grupo na Acacs e fazê-lo novamente. Dessa vez fomos em 26 pessoas.

Dê uma geral da caminhada: quantas dias levou, como foi o clima, o que você encontrou pelo caminho, quantos quilômetros percorreu por dia em média.
Foram 12 horas em ônibus até Tombos e depois oito dias de caminhada:
Tombos – Catuné (25 km)
Catuné – Pedra Dourada (20 km)
Pedra Dourada – Faria Lemos( 25 Km)
Faria Lemos – Carangola  (21 km)
Carangola – Caiana (26 km)
Caiana–Espera Feliz–Galileia(Caparaó) (27km)
Galileia(Caparaó) – Alto Caparaó (13 km)
Alto Caparaó – Pico da Bandeira (15km)
Em cada etapa ficamos hospedados em pousadas ou mesmo em casa de família, o que pode ser organizado através de um operador local que reserva os locais (O Vitor da Rastro de Luz).
Quanto ao clima, foram oito dias caminhando embaixo de muito sol (em outubro), bem diferente de quando vim em dezembro quando praticamente andei debaixo de chuva todos os dias) mas as paisagens compensaram muito.
Basicamente se anda em estradas de terra (uns 70% do trajeto), uns 10% em estradas e cortando cidades e uns 20% em trilhas. No caminho encontramos cacheiras, pequenos vilarejos, muitas fazendas, etc.



Equipamento: que tipo de roupa você usou, o que levava na mochila, quantos quilos tinha sua mochila, foi suficiente? Como se abasteceu de água e comida?
Levei: lanterna, mochila, um par de botas de caminhada (já amaciadas), cantil de água, roupas leves para caminhar (duas camisetas dry-fit), uma calça e duas bermudas, três pares de meias coolmax, três cuecas,  Fleece, corta-vento, chapéu de abas,  capa de chuva,  medicamentos pessoais,  repelente,  protetor solar,  bastão de caminhada (dois), chinelos, celular, saquinhos de lixo para colocar roupas e tênis molhados, nécessaire. (A mochila dava uns dez quilos).
Água é possível abastecer nas casas ao longo do caminho e é bom levar um lanche (fruta, sanduíche, barrinha, etc)

Qual foi o pior dia da caminhada? Por que?
O primeiro dia foi bastante difícil, o corpo ainda não está acostumado e encontramos uma fazenda com um pasto muito íngreme para atravessar, uma subida muito forte e o calor de mais de 30 graus dificultou um pouco.

Qual foi o melhor dia da caminhada? Por que?
A chegada no Pico da Bandeira, a vista é espetacular e a sensação de meta cumprida é deliciosa.

Como é a alimentação no percurso?
No trajeto não se encontram muitos lugares para comer, a não ser nas cidades, mas comi bastante bem e muita comida mineira. Na casa onde dormimos em Catuné fomos muito bem recebidos com um superjantar.

O que você pensava na caminhada?
Alguns momentos caminhava junto com outras pessoas que andavam no mesmo passo que eu, e quase sempre o assunto eram outros caminhos legais a se percorrer, equipamentos, bolhas, ... E  quando andava sozinho pensava em tudo ... desde a minha cachorra que ficou em casa, nos trabalhos que deixei ainda por terminar, na família, amigos, ... ...

Você cantou? O que cantou? Compôs?
Tinha um  outro caminhante que tocava violão muito bem (O Hugo), sempre que encontrávamos um instrumento disponível cantávamos muito, tomando umas cervejas (mas sempre nas cidades de chegada).



Como foi a chegada ao pico?
A última subida é um desafio à parte, extremamente íngreme mas com o facilitante de existir uma trilha já bem demarcada. Demoramos umas quatro horas para chegar ao topo e ficamos mais de uma hora lá olhando a paisagem.

E a volta?
Foram mais umas três horas de descida até a tronqueira (local onde carros chegam) e aí pegamos um jipe de retorno até a pousada. Depois disso fomos jantar para comemorar a chegada e no dia seguinte cedo encaramos mais 12 horas de ônibus de retorno a SP.

Essa caminhada foi preparatória a outras jornadas?
Possivelmente em dezembro estarei trilhando o Caminho Frei Galvão que sai de São Bento do Sapucaí e vai até a casa de Frei Galvão em Guaratinguetá.

Nos próximos anos quero voltar ao Caminho de Santiago fazendo outra rota, conhecer a via Francígena, Caminho de Le Pui, e outros.

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