22.3.17

Em ataque à Constituição e à liberdade de imprensa, blogueiro é vítima de violência policial

O dia 21 de março de 2017 ficará marcado na história como a data em que a liberdade  de imprensa e de expressão sofreu ataque brutal, ao arrepio da lei ainda que sob sua proteção formal.
“Eduardo Guimarães, do blog Cidadania, acaba de ser vítima de violência judicial, ou mais especificamente, de um sequestro judicial, que é o nome que damos a essa ilegalidade chamada condução coercitiva”, anunciou nota da Central Única dos Trabalhadores distribuída  às 11h de ontem.
E o advogado Leonardo Isaac Yarochewsky resumiu: “A condução coercitiva do cidadão Eduardo Guimarães foi mais um assalto contra a Constituição da República cometido pelo juiz Federal Sérgio Moro”.
A nota da CUT explica como se deu o caso:
“A Polícia Federal chegou às cinco da manhã em seu prédio, não permitiram que o porteiro interfonasse, esmurraram sua porta, entraram no apartamento e reviraram tudo. Apreenderam seu celular e aparelhos eletrônicos. E foi levado, mediante condução coercitiva, por homens fortemente armados. Não foi permitido que ele fizesse contato com seus advogados, o que é obstrução de justiça.”
Os policiais não permitiram que a esposa de Eduardo, que estava em roupa de dormir, se trocasse. E fizeram estardalhaço na casa que é quase um hospital, pois a filha do casal, uma menina de 18 anos, sofre de graves problemas de saúde e está permanentemente sob cuidados especiais.
Sem celular, Eduardo foi mantido incomunicável  nas dependências da Polícia Federal, na Lapa, São Paulo. Sob forte pressão policial, foi forçado a iniciar seu depoimento sem a presença de seu advogado.
Queriam que ele informasse (ou confirmasse) a identidade da fonte de uma reportagem que publicaram em seu blog em março do ano passado. A CUT dá detalhes: “Segundo conhecidos, o motivo seriam investigações sobre um vazamento de notícia sobre a condução coercitiva de Lula, que o blog Cidadania antecipou com exclusividade. Não poderia haver nada mais ridículo: sequestro judicial de jornalista que divulgou vazamento de informação!”
Ao longo do dia, a blogosfera democrática brasileira, sindicatos e entidades nacionais de jornalistas, instituições de defesa da democracia e dos direitos humanos, nacionais e internacionais, se manifestaram denunciando o ataque aos direitos individuais e à liberdade de imprensa, em geral, e à integridade física de Eduardo em particular.

O criminalista Leonardo Isaac Yarochewsky publicou ótimo texto em que demonstra por A+B os atentados ao direito e à Constituição perpetrados pelo juiz Sérgio Moro no episódio.
“A condução coercitiva utilizada ilegalmente como forma de coação e espetacularização, tem sido decretada rotineiramente e a margem da lei na operação “Lava Jato”, escreve o advogado em longo e importante documento, que você pode ler na íntegra CLICANDO AQUI.
A Federação Nacional dos Jornalistas e o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo distribuíram nota em que afirmam:
“Além da arbitrariedade da condução coercitiva, sem que qualquer intimação prévia tenha sido feita ao blogueiro, a PF devassa dados pessoais e desrespeita o sigilo de fonte garantido pela Constituição Federal em seu Artigo 5º, parágrafo XIV, em que define que ´“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
“A Polícia Federal ataca, ainda, a liberdade de imprensa e de expressão do blogueiro – a mesma PF que tem vazado informações seletivamente de acordo com os próprios interesses, sem levar em consideração os interesses da sociedade.
“O SJSP e a Fenaj expressam seu veemente repúdio à arbitrariedade da Polícia Federal, pois a condução coercitiva do blogueiro também representa um terrível precedente, que coloca em risco um dos mais importantes princípios do jornalismo – garantir o direito da população à informação.”
À noite, centenas de pessoas representando entidades nacionais e internacionais –inclusive este seu jornalista e maratonista, que disse presente em nome dos Corredores Patriotas Contra o Golpe—fizeram ato em solidariedade a Eduardo e em defesa da liberdade de impresa, contra o estado de exceção que se instaura no mais depois do golpe que derrubou a presidenta Dilma Roussef.

Blogueiro Eduardo Guimarães fala durante ato em que recebeu solidariedade de entidades democráticas nacionais e internacionais

O ato foi organizado pelo Centro de estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e realizado  no auditório do Sindicato dos Engenheiros. A presidenta legítima Dilma Roussef mandou nota de apoio a Eduardo, e o ex-presidente Lula conversou com ele para manifestar sua solidariedade.
Por meu lado, além de também levar o abraço fraterno ao blogueiro, desde manhã cedo estive debatendo a crescente violência que se instala em nossas cidades, em nosso país.
Minha corrida de ontem me deu duas grandes satisfações: conhecer ao vivo e a cores o jornalista e corredor Bruno Paes Manso, estudioso da violência urbana, e conseguir, pela primeira vez desde novembro do ano passado, fazer vários blocos de corrida de mais de um quilômetro.
Bruno e eu conversamos muito ao longo de quase uma dúzia de quilômetros, percorridos em blocos de 1.200 metros por 300 metros.
Ele, que hoje faz pós-doutorado na USP sobre quetsões envolvendo cirminalidade violência policial nos centros urbanos, me deu preciosa aula sobre o assunto. Ao final, fizemos uma breve conversa transmitida pela internet para todo o planeta.
Se você não teve oportunidade de assiti-la na hora, aproveite agora, clicando na imagem abaixo.


Seguimos na luta, correndo por mais qualidade de vida, por liberdade, pela democracia e pela Pátria.

VAMO QUE VAMO!


Percurso de 22 de março de 2017
6,62 quilômetros percorridos em 1h17min42

Acumulado no projeto 40M40A
669,92 quilômetros percorridos em 123h50min54


PS.: Se você não quis clicar no link que encaminha ao texto do advogado Yarochewsky, não tem problema. A seguir, reproduzo aquele documento na íntegra.

ESTADO DE EXCEÇÃO, CENSURA E AUTORITARISMO: AMORDAÇARAM A CIDADANIA
Por Leonardo Isaac Yarochewsky*
 1 – Dos fatos:
A Polícia Federal em São Paulo cumpriu na manhã desta terça-feira (21), na capital paulista, mandado de condução coercitiva contra o blogueiro Eduardo Guimarães. Ele é editor do “Blog da Cidadania”. Eduardo Guimarães tem uma trajetória política na defesa dos direitos fundamentais, defensor de bandeiras da esquerda, além de severo crítico de política de Michel Temer (PMDB) e dos questionáveis métodos utilizados pela Operação Lava Jato, que acaba de completar três anos.
Segundo consta, Eduardo Guimarães que também concorreu à Câmara de Vereadores de São Paulo, na eleição de 2016, pelo PCdoB – na chapa do então candidato à reeleição, Fernando Haddad (PT) – foi levado pela Polícia Federal sob a “acusação” de suposto vazamento de informação sobre a condução coercitiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocorrida em 04 de março de 2016.
Tudo indica que a arbitrária, abusiva e autoritária condução coercitiva de Eduardo Guimarães, além de apreensão de computadores e telefones celulares seu e de familiares, tem como intento abjeto forçar que o conduzido revele suas fontes.
2 – Da repercussão:
“Ação de Moro que determinou a prisão do blogueiro Eduardo Guimarães é clara violação da Constituição Federal e afronta o Estado Democrático de Direito”, protesta o deputado Paulo Pimenta (PT-RS); o motivo é a investigação da fonte que vazou para Guimarães a condução coercitiva do ex-presidente Lula, em março do ano passado; o juiz Sergio Moro, que autorizou a condução coercitiva contra Guimarães, argumentou ao deputado Paulo Teixeira (PT-SP) que Guimarães não é jornalista; “Dr. Moro, o Brasil não exige formação específica para o jornalismo. Isso é censura“, criticou Teixeira;[1]
A Bancada dos deputados estaduais na Assembleia Legislativa de São Paulo divulgou a seguinte nota:
“A Bancada dos deputados estaduais na Assembleia Legislativa se junta ao elo de protestos e indignação ao atentado à democracia e a liberdade de imprensa que atingiu o blogueiro Eduardo Guimarães, editor do Blog da Cidadania levado coercitivamente à Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, nesta terça- feira, às 6h da manhã. Aos moldes dos tempos sombrios da ditadura militar, o blogueiro está incomunicável, sem acesso a advogados e direito de e direito de defesa, sob a acusação de supostos vazamentos sobre a condução coercitiva do ex- presidente Lula, em março do ano passado”, diz a nota, que chama a ação da PF de “censura” e a classificam como “autoritária”.
3 – Do direito ao sigilo da fonte:
Segundo a Constituição da República “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (art. 5º, XIV).
O sigilo da fonte não é um privilégio de jornalistas, mas “meio essencial de plena realização do direito constitucional de informar”. Para o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, trata-se de uma prerrogativa dos profissionais da imprensa, a ser usada “a critério do próprio jornalista, quando este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional”.[2]
Por isso, assevera Celso de Mello, é dever do Estado e do Poder Público respeitar esse direito, que se origina na própria Constituição da República.
O ordenamento constitucional brasileiro, por isso mesmo, prescreve que nenhum jornalista poderá ser compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Mais do que isso, e como precedentemente assinalado, esse profissional, ao exercer a prerrogativa em questão, não poderá sofrer qualquer sanção motivada por seu silêncio ou por sua legítima recusa em responder às indagações que lhe sejam eventualmente dirigidas com o objetivo de romper o sigilo da fonte.
STF – AG.REG. NA RECLAMAÇÃO AgR Rcl 21504 SP SÃO PAULO 0005000-67.2015.1.00.0000 (STF)
Data de publicação: 11/12/2015
Ementa: E M E N T A: RECLAMAÇÃO – ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À AUTORIDADE DO JULGAMENTO PLENÁRIO DA ADPF 130/DF – EFICÁCIA VINCULANTE DESSA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – POSSIBILIDADE DE CONTROLE, MEDIANTE RECLAMAÇÃO, DE ATOS QUE TENHAM TRANSGREDIDO TAL JULGAMENTO – LEGITIMIDADE ATIVA DE TERCEIROS QUE NÃO INTERVIERAM NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA – LIBERDADE DE EXPRESSÃO – JORNALISMO DIGITAL – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL – DIREITO DE INFORMAR: PRERROGATIVA FUNDAMENTAL QUE SE COMPREENDE NA LIBERDADE CONSTITUCIONAL DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DE COMUNICAÇÃO – INADMISSIBILIDADE DE CENSURA ESTATAL, INCLUSIVE DAQUELA IMPOSTA PELO PODER JUDICIÁRIO, À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, NESTA COMPREENDIDA A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA – TEMA EFETIVAMENTE VERSADO NA ADPF 130/DF, CUJO JULGAMENTO FOI INVOCADO, DE MODO INTEIRAMENTE PERTINENTE, COMO PARÂMETRO DE CONFRONTO – PRECEDENTES – SIGILO DA FONTE COMO DIREITO BÁSICO DO JORNALISTA: RECONHECIMENTO, em “obiter dictum”, DE QUE SE TRATA DE PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUALIFICADA COMO GARANTIA INSTITUCIONAL DA PRÓPRIA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO –
Encontrado em: monocráticas citadas: (LIBERDADE DE IMPRENSA, INTERVENÇÃO JUDICIAL, SIGILO DA FONTE) Inq 870. (ADPF 130) Rcl
Ressalta-se que embora Eduardo Guimarães não tenha o diploma de curso superior em jornalismo, já exerce a atividade jornalística há mais de uma década através, inclusive, do seu Blog da Cidadania.
Não é despiciendo salientar que o STF por 8 votos contra 1 já decidiu sobre a matéria conforme amplamente noticiado na mídia. O então ministro Carlos Ayres Britto ressaltou que o jornalismo pode ser exercido pelos que optam por se profissionalizar na carreira ou por aqueles que apenas têm “intimidade com a palavra” ou “olho clínico”. O ministro Celso de Mello afirmou que preservar a comunicação de ideias é fundamental para uma sociedade democrática e que restrições, ainda que por meios indiretos, como a obrigatoriedade do diploma, devem ser combatidas.
Assim, a alegação de que Eduardo Guimarães não é jornalista, é apenas e tão somente uma tentativa vil de retirar dele os direitos assegurados na Constituição da República e proclamados pelo STF para quem exerce a atividade independente de formação superior.
4 – Da condução coercitiva:
A condução coercitiva utilizada ilegalmente como forma de coação e espetacularização, tem sido decretada rotineiramente e a margem da lei na operação “Lava Jato”.  Quando o ex-Presidente Lula, no dia 4 de março de 2016, foi conduzido coercitivamente, por determinação do juiz Federal Sérgio Moro, inúmeros juristas questionaram e criticaram a medida coerciva.  Por todos, Lenio Luiz Streck para quem:
o ex-presidente Lula e todas as pessoas que até hoje foram “conduzidas coercitivamente” (dentro ou fora da “lava jato”) o foram à revelia do ordenamento jurídico. Que coisa impressionante é essa que está ocorrendo no país. Desde o Supremo Tribunal Federal até o juiz do juizado especial de pequenas causas se descumpre a lei e a Constituição. [3]
Mais adiante, Lenio assevera que:
A polícia diz que foi para resguardar a segurança do ex-presidente. Ah, bom. Estado de exceção é sempre feito para resguardar a segurança. O establishment juspunitivo (MP, PJ e PF) suspendeu mais uma vez a lei. Pois é. Soberano é quem decide sobre o estado de exceção. E o estado de exceção pode ser definido, segundo Agamben, pela máxima latina necessitas legem non habet (necessidade não tem lei). [4]
Ao indagar sobre a motivação da figura da condução coercitiva, Alexandre Morais da Rosa e Michelle Aguiar, observam:
Por mais que se negue, é nítido que há a configuração de verdadeiro meio cerceador de liberdade, ainda que seu caráter seja temporário. Além disto, essa prática constantemente se traduz como mecanismo intimidatório frente ao investigado, muitas vezes sendo utilizada para que dele se “extraída a verdade”[1]. Representaria, portanto, claro resquício da matriz inquisitiva.
“Ocorre que tal procedimento não é autorizado, sequer, pelo vetusto, autoritário, inquisitorial e fascista Código de Processo Penal de 1942, pois o art. 260 só autoriza a tal condução coercitiva se o acusado (ou o indiciado) “não atender à intimação para o interrogatório”, situação diversa da decorrente de flagrante delito em que o suspeito pode ser conduzido para autoridade policial (CPP, art. 6º III, V e art. 144, § 4º, da Constituição da República). Aliás, a regularidade da ação policial tão logo cometido o crime já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (HC 107.644/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski)[i], [5]
Em outro artigo Alexandre Morais da Rosa e Rômulo de Andrade Moreira afirmam que:
É uma pena que os atores processuais e a doutrina nacional tenham se acostumado (e se calado, em sua maioria, ao menos) com esta prática judicial consistente na expedição de mandados de condução coercitiva em relação a investigados desprovido de fundamento legal. No atual ordenamento processual penal brasileiro, tal proceder só é possível se houver desobediência da testemunha e da vítima, nos exatos termos dos arts. 218, 219 e 201, do Código de Processo Penal, ou ao conduzido na modalidade de flagrante delito, sob pena de grave violação da Constituição Federal e dos Pactos Internacionais. É preciso que o Supremo Tribunal Federal seja urgentemente acionado para que cesse esta prática odiosa, em sede de controle difuso de constitucionalidade (ou mesmo de convencionalidade), porque a invocação do Habeas Corpus n. 107.644-SP, como legitimador da prática é um engodo. Por fim, com alguns defendendo a investigação pelo Ministério Púbico e mesmo pela Polícia Militar, em breve, a condução coercitiva será determinada em situações inimagináveis. Logo, condução coercitiva de investigados é abusiva e ilegal.[6]
A condução coercitiva do cidadão Eduardo Guimarães foi mais um assalto contra a Constituição da República cometido pelo juiz Federal Sérgio Moro.

5- Conclusão:
Diante de mais esta arbitrariedade cometida no seio da operação “Lava Jato” por determinação de um juiz Federal, sem que o Supremo Tribunal Federal tenha, até o momento, agido para conter o avanço do estado de exceção, necessário será recorrer aos tribunais internacionais para que possa prevalecer no Brasil o Estado democrático de direito, que tem na manifestação do pensamento, na criação, na expressão e informação, um dos seus mais sagrados pilares.

*Leonardo Isaac Yarochewsky é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1994) e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004). Advogado criminalista – sócio do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados. Professor de Direito Penal da Graduação e da Pós-Graduação da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Com mais de 20 anos de experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal. Autor dos livros: Da inexigibilidade de conduta diversa ( ed. Del Rey) e Da reincidência criminal (ed. Mandamentos) além de diversos artigos. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

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