27.3.15

Aposentado faz mais longo treino do ano, cansa, mas não chora

Na manhã de hoje fiz o meu mais longo treino deste ano, cumprindo a maior distância desde que iniciei este projeto de me reinventar como maratonista. 

Doeu, cansei, mas completei. Foram 14 km, começando sob uma temperatura agradável e terminando sob sol forte nesta primavera paulistana.

Já lá se vão dois anos sem que eu tenha sequer conseguido arrebanhar coragem e músculos capazes de enfrentar a preparação para a rainha de todas as distâncias. Agora, não. Com condições ou nem tanto, estou me preparando para reaprender as delícias e as desgraças que envolvem o treinamento maratonístico.

Uma delas, ao mesmo tempo delícia e desgraça, é o treino longo –longão, dizem alguns, longa, falam outros. Não importa. É o dia em que a gente executa a corrida de maior distância na semana. É quando a gente começa a testar a preparação, começa a ver como o corpo reage a ficar tanto tempo sob estresse.

Talvez pela ausência de treinamento organizado ao longo de tanto tempo, acabei pegando um certo receio do dito longão –a distância é relativa, pois cada etapa do treinamento encerra seus próprios desafios; no início, por exemplo, uma pernada de cinco quilômetros já pode ser considerada treino longo para alguns corredores.

Já na semana anterior fico pensando em como vai ser e organizo trajetos possíveis, sempre imaginando duas possibilidades: ida e volta correndo ou ir para sempre e voltar com auxílio motorizado, seja ônibus, seja metrô. Gosto mais desta última, ainda que acabe tomando mais tempo.

Bueno, o meu primeiro longo do ano seria ontem. Dormi pouco, acordei mais tarde do que deveria, larguei às 9h já com sol alto e temperatura acima de 24 graus. Saí para fazer 14 km, fracionados em sete blocos de 1.700 m de corrida por 300 m de caminhada.

Desde que criei barbas brancas e que as dores dificultam a movimentação mais escorreita, meus treinos vêm sendo assim, divididos em blocos, combinando corrida e caminhada. O arquiteto desse desenho é o treinador Alexandre Blass, que você pode conhecer melhor CLICANDO AQUI.

Pois saí ontem lépido e fagueiro, queimando o chão. Apesar do sol, as pernas saíram leves e fiz o primeiro bloco em ritmo imprevisto, fechando os dois quilômetros iniciais em cerca de 12 min, mesmo com o trecho de caminhada.

Beleza, pensei, e segui na mesma balada no segundo bloco. Na metade dele, ao longo da avenida Brasil, já vi que tinha feito c***. As pernas não rendiam, a respiração estava irregular, e a mente dizia: Que saco! Não tinha dores, mas também não tinha vontade de seguir no treino.

Quando deu o quinto quilômetro, metade do terceiro bloco, já estava no Ibirapuera. Finalmente, parei para beber alguma coisa, sorvi de gut-gut uma garrafa de água inteira, em cima de um dulcíssimo sachê de carboidrato.

Nada disso adiantou. Quinhentos metros para a frente e de novo eu estava remelento, inquieto, cansado. Caminhei mais um pouco, volteia  correr e chutei o pau da barraca: Chega!

Bem que eu poderia ter sido mais esperto e abortado o treino mais perto de um ponto de ônibus: caminhei ainda um quilômetro e meio, me xingando o tempo todo e prevendo o fracasso do treinamento, a degringolada da maratona, a vergonha e a débâcle moral  completa.

No ônibus, no caminho de volta, fui colocando a mente em ordem –se é quem dá para se dizer algo assim de minha mente—e comecei a preparação para dar a volta por cima. Só tinha um caminho: fazer o longão no dia seguinte, hoje.

De novo, acordei mais tarde do que tinha planejado, mas nada que me prejudicasse: 6h30 em vez de 6h não é a pior coisa do mundo. Até dar água e comida pros cachorros e alimentar o esqueleto deste quase idoso, abluções matinais e tal e coisa e coisa e tal, uma hora se foi.

O treino iniciou de verdade às 7h28, e meu primeiro objetivo era completar inteiro o terceiro bloco, onde tinha parado na tentativa anterior.

Pois fui. Estou longe de ser um corredor elegante e com boas passadas; as dores velhas rondam meu espírito e, ao correr, meu corpo busca fugir de cada dor passada; assim, músculos se contraem em lugares errados, tentando evitar dores que não vêm e, assim, tornando-se eles mesmos artesãos de novos problemas.

Enfim, vou com calma, devagar, tentando deixar as costas eretas, com o tronco levemente inclinado. Posso ir mais rápido, mas não posso descuidar de como os pés batem no chão. Também não quero me cansar antes da hora.

Mesmo com todas essas tensões chamando minha atenção, consigo acompanhar o que está rolando à minha volta. Afinal, é por isso que corro na rua (veja abaixo o meu caminho de hoje); afinal, corredor de rua corre na rua, precisa aproveitar surpresas do terreno e eventuais sustos com automóveis e bicicletas, fazer de tudo aprendizado para ficar mais esperto na hora da corrida propriamente dita.



Passos pelos Jardins e, mais uma vez, fico impressionado com a riqueza das mansões. Desço até a marginal Pinheiros e sigo para o parque do Povo, onde corri poucos dias depois da inauguração. Para chegar lá, cruzo essa bela passarela...



Eu gosto tanto dessa ponte sobre os automóveis que passam chispando que resolvi fazer uma selfie (autorretrato, como se dizia em outros tempos).
A imagem ficou uma porcaria, mas, enquanto, remexia o celular para devolvê-lo à minha pochete, saiu mais uma chapa. Esta, mais inusitada, vale a pena compartilhar. 


Mal comparando (bem mal comparando, para ser mais preciso), lembra o estilo de certo fotógrafo que costumava produzir imagens geniais, mas absolutamente incompreensíveis (aquilo ali é o quê?, às vezes a gente tinha de perguntar para o cara).

Bom, passei dos dez quilômetros sem parar, com dores, mas sem desânimo. No parque, cheguei aos 12 km e ainda pude cumprir um objetivo de minha jornada, que era fotografar mais uma vez uma escultura  que considero a cara de São Paulo.



Trata-se de “Executivo Fugindo da Chuva”, de Christina Mota. O engravatado corredor estava de novo com seu guarda-chuva, que foi roubado algum tempo atrás...

Assim, enganando o corpo com pequenos prêmios, engatei marcha final para completar o último bloco, que finalizei em frente ao Museu da Casa Brasileira –recomendo a visita; o restaurante também é muito bom--, na Faria Lima.

Sentado, esperando o ônibus, suado, fedendo, contabilizava as dores do primeiro longo do ano, o primeiro longo do resto da minha vida. Foram apenas 14 km e ainda misturados com caminhadas –com certeza, há quem ria desse esforço, mas, aviso aos navegantes: cada um com seu cada qual--, mas me dão esperança de ser capaz de enfrentar meu caminho.

Ainda mais que tenho apoios maravilhosos. Ao chegar em casa, fui longo cuidar da recuperação do velho corpitcho, comendo e bebendo enquanto aproveitava o balouçar da rede.




Assim sim! Vamo que vamo!

1 comment:

  1. Parabéns Rodolfo!
    Que este retorno às maratonas te traga muita realização e km's conquistados.
    Estou na torcida!

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