14.2.15

Além dos 42: o tamanho exato dos metros quebrados ao final de cada maratona

Tá, tá, você já sabe isso, está cansado de saber: são cento e noventa e cinco os metros que vêm depois do quilômetro quarenta e dois e servem para completar a maratona.
Não só sabe, mas já fez todas as piadas sobre o assunto, começando por aquela tal que diz que os quarenta e dois são fáceis, o que mata mesmo são aqueles cento e noventa e cinco metrinhos no final.
Se você fizer parte da turma que também adora estudar um pouco de história do esporte e acompanha o mundo das maratonas com alguma atenção, talvez saiba até mesmo a razão e o porquê da existência desses metricos quebradinhos depois dos tão elegantes e redondos quarenta e dois quilometrozões.
Se não sabe, eu conto: essa distância foi estabelecida na maratona dos Jogos Olímpicos de Londres em 1908. O trajeto da corrida foi aumentado para que a família real britânica pudesse ver a largada das janelas do castelo onde vivia e, depois, aplaudir a chegada bem defronte ao camarote real, no estádio olímpico.
Alguns anos mais tarde, as 26 milhas 365 jardas traduzidas em 42.195 metros foram referendadas como distância oficial da maratona pela entidade internacional que rege o atletismo.
Pois isso é o que está escrito na regra; nas ruas, a coisa é diferente.
Aqui, cada vez que a gente sai para um treino é uma maratona que enfrentamos. Talvez não a épica, gloriosa, oficial e assustadora em sua monumental distância; mas a das calçadas quebradas, do suor que entra no olho, do calor abrasador, da preguiça maldita que precisa ser derrotada, da barriga que teima em crescer apesar dos esforços em contrário.
Há até a maratona da idade, a maratona da luta para enfim se ver livre do trabalho enlouquecedor. Como você sabe, uma delas eu venci faz pouco tempo: depois de 40 anos de carteira assinada e mais de 35 anos de contribuição à previdência, finalmente consegui minha aposentadoria.
Sou um dos poucos –menos de 10% do conjunto—dos aposentados por tempo de contribuição. A vantagem é que saímos quando ainda não estamos totalmente acabados pelo tempo. Dá até para comemorar um aniversário ou mesmo vários...
Pois foi o que fiz hoje. Saí para correr em homenagem aos 58 anos que completei por volta das dez da manhã desde 14 de fevereiro.
Aproveitei o dia para acordar tarde e fui para a rua quando o sol já estava alto. Não era para correr muito; afinal, como talvez você saiba, estou retomando o treinamento para maratona depois de quase dois anos sem conseguir me dedicar a essa distância tão querida.
Apesar de minhas mais de trinta provas de longa distância e dos quase quarenta mil quilômetros percorridos em treinos, hoje começo como um debutante, que aos poucos acumula volume corrido, metro sobre metro.
Na minha planilha, por exemplo, estava escrito que minha “maratona” de hoje teria um total de seis quilômetros. E nem todos corridos. Para tentar fugir de lesões e, mesmo assim, ganhar quilometragem, meus treinos são quebrados entre caminhada e corrida. Hoje seriam quatro blocos de 1.100 metros corridos e 400 metros caminhados.
Escrevia “seriam” porque pretendia festejar na corrida meu aniversário. Pensei em chegar, por exemplo, aos catorze quilômetros, por causa da data. Mas, considerando a hora tardia em que comecei o treino e a canícula que já dominava o dia, parti para algo mais modesto.
Faria o treino comme Il faut, tal e qual o mestre mandou. No final, porém, não terminaria (gostou dessa? Deve haver alguma figura de linguagem que explique a contradição...); seguiria em frente por mais 580 metros, dez para cada ano de vida. Uma homenagem a mim mesmo, se é que isso é permitido, e um agradecimento à corrida, ao asfalto, à terra, à grama, às árvores, ao ar, às montanhas e a todas as gentes deste mundo velho sem porteira.
Vai daí que os metricos quebrados de minha “maratona” seriam 580 depois dos seis quilometrões oficiais (finalmente, eis aqui explicado aquele título, que parecia não ter coisa com coisa).
O último bloco, subindo a Sumaré, foi bem sofrido. Saí sem dinheiro, sem cinto de água, sem lenço nem documento, só eu e meu GPS. Já na metade do treino tinha sentido a falta de água, fiquei me recriminando pelo desleixo com o treino, supostamente pequeno. Isso que eu sempre digo: qualquer distância é distância, precisa ser coberta e enfrentada, respeitada e admirada...
A sorte é que havia um vendedor de água de coco instalado numa sombra pouco antes de iniciar a parte mais íngreme, digamos assim (“digamos” porque aquele trecho está longe de ser íngreme, é apenas uma subidinha leve que fica mais acentuada). Eu não tinha dinheiro para comprar uma água gelada, mas meti as caras e perguntei: “Consegue um pedaço de gelo aí, chefia??!!”
O cara talvez não tenha gostado muito, mas, na maior simpatia, catou um gelão lá do meio do carrinho e deu para este esfaimado de líquido (pode isso, produção, ter fome de bebida??). Foi um Carnaval nas internas deste corpo cinquentaoitão. Ainda tive a cara de pau de meditar sobre a assepsia do gelo, mas o pensamento foi muito mais lerdo do que o ato...
Refrescado, completei os seis quilômetros, passei mais um pouco, quando me dou conta já estou nos 490 metros. Olhei firme para o relógio, caminhei uns passos para ter parâmetros das mudanças de metragem no visor, combinei comigo mesmo que voltaria a olhar nos 550 metros, e segui viagem.
Pois viajei mesmo, me perdi em pensamentos, planos, projetos, sonhos. É incrível o quanto a corrida permite ao vivente mergulhar em si mesmo em breves instantes.
Cadê?, me perguntei, onde estou?, olhei para o relógio, e o GPS foi inclemente: 6.61 (ele marca assim, com ponto em vez de vírgula).
Fiquei furioso! Quase me bati, arranquei os cabelos, imaginei até se seria possível fazer algo para voltar a algum ponto antes dos 580 metros. Claro que o tempo não para, não volta, tal como a flecha disparada, mas a gente pensa cada coisa na hora do aperto.
Pensei então que não havia o que fazer, só parar o cronômetro, desligar o relógio, me maldizer por mais essa falha, essa desatenção, esse descuido  --pelo menos, não foi tão grave quanto aquele em que deixei escorregar a faca para me atorar o dedo indicador esquerdo...
Assuntei comigo mesmo se os 61 não seriam um sinal, uma indicação, um prenúncio, um presságio. Mas, ai de mim!, sou incréu de carteirinha, papel passado, carimbado e registrado em cartório; nem em bruxas acredito, ainda que, dizem, que las hay las hay.
Assim meus 58 anos não foram homenageados por 580 metros extras, quebraditos no final da corrida do dia, mas por 610 metros exatos, calculados e registrados pela alta tecnologia gepessística mais modernosa que meu dinheiro pôde comprar. E também quebrados depois de quilometrozões, tal como os cento e noventa e cinco que servem para completar a maratona.
Fiquei chateado, peço desculpas a mim mesmo e ao leitor pela falta de precisão, mas devo dizer que me perdi nos cuidados do GPS por boas razões: aqueles tais sonhos de que falei antes.
Durante aqueles metros corridos entre a marca de 6,49 km e 6,61 km, fiz toda uma história sobre o ano que vem, teci planos, imaginei projetos. Até ganhei dinheiro!
É que em maio de 2016 completam-se dez anos do lançamento de meu primeiro livro de corridas, o “MARATONANDO”.
Claro que isso estava sabido desde o dia em que foi lançado, bastava fazer uma conta simples na própria sessão de lançamento (foto). Mas a marca me veio à cabeça naquela subida ensolarada da avenida Sumaré, e fiquei imaginando as comemorações.
Talvez fazer uma nova edição, mais bonita, cheia de fotos, comemorativa, celebrativa e muito cara –uma obra de arte para ter na estante. Quem sabe produzir uma versão revista, ampliada e melhorada, em formato eletrônico, muito barata, para todo mundo poder comprar, ler, discutir...
Fiquei pensado nas cartas que recebi de leitores do “MARATONANDO”, em gente que disse ter começado a correr por causa do livro ou ter escolhido essa ou aquela prova graças às coisas lá escritas. Fiquei muito agradecido a todos os leitores, pensei que iria precisar de muito apoio, patrocínio, que preciso ir atrás disso logo se quiser realmente produzir algo...
Pensei, sonhei, viajei e passei dos 580 metros... Mas ganhei mais um projeto na vida.
Se você souber de empresas, instituições ou pessoas que possam querer apoiar esse sonho novo, não se avexe, não: avise, mande mensagem eletrônica, zapzap , o que quiser. A gente está sempre correndo; qualquer hora se encontra pelo asfalto do mundo.

Vamo que vamo! 

8 comments:

  1. gostei do blog! Muito legal

    depois quero marcar um dia para conversar-mos. Quem sabe dêr uma mãozinha em meu projeto

    se precisar de ajuda, grita eu!

    até +

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  2. Parabéns pela data, pela trajetória.
    Saúde e muitos quilômetros de vida pela frente!

    Ps. Sou um dos inspirados pelo "Maratonando"

    Abços
    Marco
    @marcoprimeiro

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  3. Isso é uma grande verdade..... cada treino tem seus desafios e limites..... as vezes quebrados ou nao..... seja longo ou curto ... com hidratacao ou sem .... rsrarra.... isso ja aconteceu comigo ... so nao tinha o cara do gelo .... mas venci aquele desafio .... e aasim sao os corredores ....q lutam e vencem todos os dias....

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