20.2.16

Contra o preconceito e a discriminação, esportistas realizam Caminhada pela Inclusão Social

Negra e cega, Dinacleia Galdino não se apequena frente às adversidades que a vida lhe impôs nem se rende ao preconceito. Trabalha e garante o próprio sustento, circula pela cidade acompanhada por Ellie, seu cão-guia, e pratica esporte com rara determinação.

Cleia, como é chamada pelos amigos, é uma corredora entusiasmada. Afinal, o esporte foi uma das formas que ela encontrou para se manter disposta e de espírito alerta depois que perdeu a visão em 2005, aos 28 anos, por causa de um tipo de retinose.

Dinacleia Galdino, 39, maratonista cega que foi insultada por cilcista enquanto treinava nas alamedas da USP - fotos Eleonora de Lucena

Claro que os primeiros tempos foram duros, mas aos poucos a batalhadora Cleia foi se reaprumando. Manteve, por algum tempo, o trabalho que desenvolvia antes da doença –é formada em fonoaudiologia—, e descobriu a corrida.

Foi por incentivo de um amigo que começou a dar seus primeiros trotes, em 2008. No início, foi só para se manter alerta, mas logo vieram as corridas de rua.

Para encurtar a história: em janeiro de 2015, sete anos depois das primeiras e tímidas passadas, Cleia virou maratonista. Fez sua estreia em uma prova na Disney, nos Estados Unidos.

Como tinha de treinar bastante, resolveu logo de cara chutar o pau da barraca, enfrentando pedreira que muito maratonista experiente prefere evitar.

Fez o Desafio do Dunga, que consiste em correr, em quatro dias seguidos, uma prova de 5 km, uma de 10 km, uma meia maratona e uma maratona. 

Coisa para poucos, tontos ou doidinhos como era o simpático anão Dunga, da história da Branca de Neve e os Sete Anões.

Claro que ela arrastou na empreitada sua guia, parceira de corrida de todas as horas. A fisioterapeuta Lúcia Guimarães, 52, corre desde 2003 e atua como guia há dois anos.

Lucia, Cleia e Ellie lideram a cCaminhada pela Inclusão realizada nas alamedas da Cidade Universitária - Foto Rodolfo Lucena

Foi pegar logo uma figura entusiasmada e decida como a Cleia; o resultado é que, também para a Lúcia, a primeira maratona não teve só os tradicionais 42.195 metros, mas sim um pacote de quase 80 quilômetros em quatro dias seguidos.

É com Lucia que Cleia treina, nas alamedas da USP, três vezes por semana. 

E foi com ela que a deficiente visual ouviu a reclamação feita por um ciclista, em altos brados: “Puxa, agora até cego treina aqui na USP?!?!”  Como a dizer: “Sai daqui, coisa ruim!”

Quando a notícia se espalhou, muitos corredores e outros deficientes físicos que praticam esporte na USP também ficaram revoltados.


Dessa indignação nasceu a Caminhada Pela Inclusão Social, realizada hoje nas alamedas da USP, o mesmo terreno em que, há uma semana, Cleia foi ofendida e humilhada.

Decidi fazer um breve intervalo em meu mergulho corrido na história de Manoel Fiel Filho para participar da jornada pela inclusão. Acredito que meu homenageado, que era um batalhador pela democracia, apoiaria minha decisão.

A concentração foi em uma das travessas da chamada rua da Raia, entre o Velódromo e o Crusp, o centro residencial dos universitários.

Éramos umas poucas dezenas. Havia cegos, gente sem braço, deficientes auditivos, esportistas em cadeiras de rodas; e havia gente com visão, pernas, braços e audição, todos juntos na mesma jornada, que é um dos aspectos da luta contra a discriminação, a luta pela democracia.



Alguns vestidos de branco, outros com as camisetas coloridas de guia, seguimos todos em duplas unidas pela tradicional cordinha usada por deficientes visuais e guias durante treinos e corridas. Os que temos visão caminhamos de óculos escuros, como a dizer que estamos todos juntos na mesma balada.

Que, como várias pessoas destacaram, ao longo da caminhada, não é para pedir espaço para um cego ou para alguém que perdeu uma perna ou um braço ou não ouve ou não fala bem: o espaço é de todos e a sociedade tem de se abrir para todos e dar oportunidade a todos –é um dos caminhos para termos uma mundo melhor, mais justo e solidário.


Ou, como disse Dinacleia Galdino: “Eu gostaria que todos se conscientizassem de que tem espaço para todo mundo, que qualquer pessoa com deficiência pode praticar esporte, desde que tenha adaptação para isso. Assim como todo atleta gosta de ser respeitado, ele também tem de respeitar os outros”.



CAMINHADA POR MANOEL - Dia 4

Percurso de 4 km na Cidade Universitária, realizado em 1h04min
Quilometragem acumulada: 36,58 km


1 comment:

  1. Parabéns Rodolfo pela reportagem e pela cobertura do evento.

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