17.9.18

Homenagem a Tiradentes encerra Corrida dos Joaquins


Num dia histórico para o atletismo mundial, uma jornada de nove quilômetros até as ruínas do Presídio Tiradentes marcou o final do projeto Rumo aos 100, série de corridas em homenagem a meu pai, Joaquim de Lucena, e aos joaquins de luta de nossa história.
Neste domingo, 16 de setembro de 2018, meu pai faria 89 anos. Complicações resultantes de um câncer no estômago o levaram antes: morreu no último dia 10 de julho. Em 2017, passou no hospital seu derradeiro aniversário, ainda falante e forte, consideradas as contingências. Depois do bolo, do apagar das velinhas, da cantoria de praxe e dos presentes, fui me despedir dele e, com um abraço, lhe disse: “Oitenta e oito anos, hein! Que beleza!”
Ao que ele respondeu, na lata: “Rumo aos 100!”, enchendo de risadas o quarto do hospital e de lágrimas escondidas todos nós que o acompanhávamos.
Foi esse espírito, de luta e galhardia sem perder algum humor, que tentei preservar e celebrar nesta série de corridas, iniciada no dia primeiro de setembro. O objetivo era completar, até o dia do aniversário de meu pai, um total de cem quilômetros percorridos em corridas com “destinos joaquins”.
Para mim, neste momento, não era tarefa simples. Em recuperação de lesões e complicações de lesões, vinha correndo e caminhando um total de menos de trinta quilômetros por semana; no projeto, quase dobraria isso.
O que acabou provocando dores inesperadas, mas que não impossibilitaram a conquista. Na manhã de domingo, já contabilizava mais de 95 quilômetros percorridos, bastava mesmo fazer a volta final.
Na Corrida dos Joaquins, a maioria de minhas jornadas foi solitária. Desta vez, não: saí com meu irmão, Rafael, mais os amigos Gregório, Elisa e Luiz. Eleonora nos acompanhou na largada e nos encontrou na chegada.
Rodolfo, Eleonora, Luiz, Elisa, Rafel (de boné) e Gregório em frente ao Presídio Tiradentes
Fizemos um percurso superhipermegapaulistano. Descemos a Sumaré, circulamos pelo parque da Água Branca, percorremos o Minhocão, que tem por nome oficial elevado Presidente João Goulart, seguimos pela Duque de Caxias para passar pela Sala São Paulo e pelo Memorial da Resistência. Dali continuamos entre o parque da Luz e o belíssimo, histórico prédio da estação da Luz. Lamentamos as ruínas do Museu da Língua Portuguesa –visita que, anos atrás, meu pai adorou milhões--, ladeamos a maravilhosa Pinacoteca, que ostenta a excepcional exposição “Mulheres Radicais”, e enfim chegamos às ruínas do antigo Presídio Tiradentes, do qual só resta um pórtico centenário.
O destino escolhido para a etapa final da Corrida dos Joaquins fazia, assim, dupla homenagem, celebrando a memória de Joaquim José da Silva Xavier, que na escola primária chamávamos de protomártir da Independência, e lembramos as vítimas da repressão, heróis da resistência contra a ditadura que ficaram detidos naquelas masmorras.
Para falar sobre o herói enforcado e esquartejado, peço emprestado um trecho da entrevista feita no TUTAMÉIA com o jornalista Lucas Figueiredo, autor de “O Tiradentes”. Eleonora e eu conversamos com ele via internet, e ele nos contou o que você pode acompanhar no vídeo abaixo.


Dar o nome de Tiradentes a um presídio é uma contradição em termos (ou nos termos, como querem os mais castiços): o herói da Inconfidência é o próprio símbolo da ânsia por liberdade. Tanto que dele se canta, no espetáculo “Arena Conta Tiradentes: “Dez dias eu tivesse, dez dias eu daria, pelo bem da liberdade, nem que fosse por um dia”.
O fato é que todos os que estiveram detidos no Tiradentes, por qualquer motivo de fosse, sempre sonharam e lutaram pela liberdade –a própria ou a da Nação, como nos contou o ex-preso político Ivan Seixas. Ele, no ano passado, participou de um outro evento organizado por nós, a Caminhada da Resistência, e seu depoimento está no vídeo a seguir.


Entre nós mesmos, corredores, o presídio inspira lembranças doloridas: “Minha mãe, por muito tempo, era para nós aquele jornal abanando de uma janela do presídio Tiradentes”, conta Gregório, filho de Ilda Gomes Martinsda Silva e Virgílio Gomes da Silva (veja o depoimento dele no vídeo ao final deste texto).
Eu comecei dizendo que este domingo em que encerramos a Corrida dos Joaquins foi um dia histórico para o atletismo. De fato, algumas horas antes de iniciarmos nossa jornada em São Paulo, em Berlim o queniano Eliud Kipchoge (eu falo mais dele no vídeo) simplesmente esmigalhou, triturou, reduziu a pó o recorde mundial da maratona, superando a marca anterior em mais de um minuto e se tornando o primeiro ser humano a correr os 42.195 metros em menos de duas horas e dois minutos. Aponta o caminho da possibilidade da quebra das duas horas quem sabe ainda nesta década.
Kipchoge, campeão olímpico, completou em 2h01min39 (no vídeo, eu falo em 40 segundos, que era o número então disponível) e terminou inteiro, festejando, abraçando seu treinador. Sem desmaio, sem vômito, sem se atirar no chão, apenas radiantes.
Para quem gosta de números –tenho a impressão de que todos os corredores adoram números, estamos sempre calculando tempos, distância, tempo sobre distância, distância sobre tempo--, montei uma tabela da evolução das “quebras de minuto” nos últimos trinta anos.

Sub 2h07 – 1988, abril, 17 – Roterdã – Belayneh Dinsamo, Etiopia – 2h06min50
Sub 2h06 – 1999, out., 24 – Chicago – Kalid Khannouchi, Marrocos – 2h05min42
Sub 2h05 – 2003, set., 28 – Berlim – Paul Tergat, Quênia – 2h04min55 (1º recorde IAAF)
Sub 2h04 – 2008, set., 28 –  Berlim – Haile Gebrselassie, Etópia – 2h03min59
Sub 2h03 – 2014, set., 28 – Berlim – Dennis Kimetto, Quênia – 2h02min57
Sub 2h02 – 2018, set.,16 – Berlim – Eliud Kipchoge, Quênia – 2h01min39

Há que se registrar ainda que, na maratona de Berlim, depois da celebração ao novo recordista mundial, foi feita uma bela homenagem ao brasileiro Ronaldo da Costa. Afinal, sua quebra de recorde em 1998 marcou o início de uma nova era para maratona alemã.
Com o que volto à nossa Corrida dos Joaquins, que atingiu um total de 104,55 quilômetros, percorridos em 17h53min40. Foram dez etapas, começando com uma visita à estação São Joaquim do Metrô. Foram homenageados joaquins diversos, todos de luta, como o Câmara Ferreira, o Seixas, o Nabuco, o Távora, o Machado de Assis e até uma revista de cultura, a “Joaquim”. Também celebrei minha mãe, Cecília, no aniversário de sua morte, correndo até a sala de leitura Cecília Meireles. E saudamos a luta contra desigualdade correndo até a largada da caminhada do Grito dos Excluídos –nesse dia, fui com meu irmão Rafael; percorremos os últimos metros daquela etapa com minha mulher e minha filha mais velha.
A irmã caçula de meu pai, minha Tia Ana, deu belo depoimento que incluí no primeiro texto do projeto Rumo aos Cem. Grandes amigos dele, dos tempos de faculdade às lutas pela democracia, também mandaram vídeos que ajudam a contar a história de Joaquim. Meu irmão João fez a arte que identifica o projeto. 
Obrigado a todos que contribuíram para a construção da Corrida dos Joaquins, parentes, amigos, colegas corredores, camaradas de luta. Especialmente, agradeço às minhas filhas, Laura e Claudia, e à minha companheira de vida, Eleonora.

JOAQUIM DE LUCENA, presente, agora e sempre!
VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de dia: 9,08 km (assista ao vídeo abaixo para saber mais sobre a última jornada do projeto Rumo aos 100)
Quilometragem total: 104,55 km




  

No comments:

Post a Comment