16.2.17

Mesmo com pé torcido, jornalista agora sexagenário persegue meta de sessenta maratonas

Escrevo sentado em minha confortável cadeira de rodinhas, modelo Diretoria, com assento e encosto reguláveis e fundilhos devidamente acolchoados. Minha perna esquerda está regularmente dobrada em um ângulo de noventa graus, e o pé da mesma perna se  apoia no chão, fazendo leve força para tentar manter o corpo erguido e um tantinho só inclinado para a frente. A perna direita, não: estende-se para a frente, semidobrada em ângulo aberto, de modo que o pé que é seu complemento fique inclinado, com os dedos apontando para a diagonal à direita, e não para cima, como seria o mais natural; o pé se apoia sobre pano de chão dobrado em quatro, que reduz a intensidade do calor emanado de bolsa de água quente colocada sobre um banco, que é o apoio de todo o conjunto –perna, pé, pano e bolsa.
Trata-se de medida profilática para tentar reduzir a dor e contribuir para a recuperação de tecidos esgarçados no lado de fora do tornozelo, fruto de entorse enquanto corria em ondulado circuito de mil metros no agradável e sombreado bosque da Cidade Universitária.
Que eu me lembre, é a primeira vez que torço o pé desde que comecei a correr, no final do último milênio. A bem da verdade, tanto quanto a memória seja confiável, é a primeira vez que torço o pé, ponto.
As torções são pesadelo para corredores. Dependendo do local, do grau, da intensidade, recuperar-se de uma delas leva mais tempo do que regenerar-se de uma fratura por estresse ou mesmo de alguns procedimentos cirúrgicos. E dói.
Não uma dor permanente; episódica, vem sem ser chamada, surpreende e maltrata. Sabendo a área atingida, a vítima –eu, neste caso--, trata de pisar com cuidado, movimentar-se quase em câmara lenta para evitar o estresse do território machucado. No instante em que se esquece, porém, lá vem a dor.
Sabia que havia risco. Em qualquer trilha há risco. O terreno é irregular pela própria natureza, há saliências e reentrâncias, vegetação, folhas caídas escondendo raízes traiçoeiras que caprichosamente serpenteiam pelo caminho dos humanos. Um delas, mimetizada entre as cores do chão, foi a vilã.
Quando pisei, senti que tinha virado vítima. A torção foi dolorida, uma fração de segundo, mas o corpo todo agiu para puxar o pé do perigo, e a passada seguinte foi firme e forte. Mantive o trote e segui.
Era minha corrida de aniversário. No dia 14 de fevereiro, saí de casa para correr e caminhar 14 quilômetros, numa solitária e particular celebração em que me reencontrei com caminhos trilhados por São Paulo nestes quase vinte anos de corrida.
Com a corrida, conquistei uma cidade que jamais descortinara antes. Fui para territórios distantes, embrenhei-me por vielas, subi pirambeiras, desci ameaçadores peraus, encontrei cidadãos que não frequentam nem leem páginas de jornal e mergulhei na memória das lutas de nosso povo por democracia, independência e melhores condições de vida.
Por isso, celebro a corrida e a homenageio com mais corrida.

Rio Pinheiros; do lado esquerdo, aquele verde todo é a Cidade Universitária

Fui embora pela zona oeste, caminhando lomba acima e rampa abaixo até chegar a lugar em que pudesse correr com menor risco de fustigar meu joelho esquerdo, quem vem desde novembro passado em arrastado processo de recuperação de uma fratura por estresse.
Corro pouquinho, apenas meio quilômetro de cada vez, seguido por outros quinhentos metros caminhados. Os períodos de trote, porém, me enchem de alegria, é quando me permito soltar o corpo, observar as pernas se mexendo, olhar para mim mesmo como se eu fosse um extraterrestre a observar o estranho vivente lá embaixo, no solo, deslocando-se no asfalto para incerto destino.
“Quem corre chega mais rápido a lugar nenhum” é uma frase que vi escrita em muro, num desses lambe-lambes que trazem poesia impressa. Talvez o dito, que, imagino, pretendia combinar humor com algum sentido outro, hermético ou contraditório, fosse grafado diferente; o texto aqui escrito é o que me vem à memória, ainda que eventualmente não seja o certo, preciso, gravado com tinta sobre papel colorido colado no corrimão protetor de um viaduto na rua Oscar Freire.
Não importa. Quem escreveu não imagina os desejos de quem corre. Talvez o corredor nem chegar queira, basta o correr; a travessia já é, a seu modo, a chegada, pois de chegança são todos os instantes da vida, assim como de partida, de quietude e de semovente.

Filosofando pelo asfalto, cheguei à Cidade Universitária e fui surpreendido pela mudança da entrada lateral que costumava usar. Acesso secundário ao terreno de mais de sete milhões de metros quadrados, custava ser apenas uma simples portinhola no alambrado, guardada por vigilante instalado em modesta guarita. Pois virou uma obra de envergadura, até com calçada ampliada, refeita e arrumada, tudo muito bonitinho.
Impressionado, adentrei o asfalto do território da cultura e da sabedoria, seguido pelo retão da raia, que, em maio de 1998, foi palco da primeira corrida de rua em que participei.
Era uma prova de oito quilômetros, se bem me lembro, com duas voltas completas por trecho demarcado no dito retão, que tem por nome oficial avenida Professor Mello Moraes. A chegada, gloriosa, ocorreu na pista do estádio da USP, sob aplauso da turma das arquibancadas -um público modesto, mas maravilhoso.
Naquele dia, eu só queria alcançar a primeira curva, que parecia tão distante, lá no final do segundo quilômetro de muitíssimos metros.
Depois do primeiro retorno, passei a lutar contra a certeza de que jamais conseguiria chegar à metade da prova, não naquele ritmo insano que empreendia.
A solução foi tentar ser ainda mais rápido, procurando encontrar alvos entre os rivais, quem sabe algum corredor que eu pudesse perseguir, alcançar, vencer.
O que me importava em suar e seguir, completar, conquistar. Exausto e satisfeito, fui abraçado e beijado por minha mulher e minhas filhas, então pitoquinhas chegando à adolescência. Elas me entregaram um troféu que haviam especialmente decorado. Foi fantástico.
Agora, no dia em que entrei no mundo dos idosos, no meu aniversário de sessenta anos, percorria de novo aqueles caminhos.

Percurso de minha corrida aniversário
Foi também buscando os escaninhos da memória que me embrenhei no bosque, cenário de tantas caminhadas com minha e mulher e as crianças desde muito antes que eu começasse a correr. Nós pulávamos por lá, experimentávamos os equipamentos de exercícios, inventávamos brincadeiras, cheirávamos flores, sentíamos o perfume daquilo que parecia uma floresta...
Lembrar é um dos prazeres dos velhos –pelo menos, enquanto a memória está viva, pulsante, contando os instantes que se foram, colorindo as cenas do percurso.
Quero ter a alegria das lembranças, mas quero também construir mais história.
Por isso sigo.
Meu percurso de aniversário inclui a subida da Biologia, rampa de mais de um quilômetro que enfrento com galhardia e satisfação, recordando as tantas vezes que já cruzei por ali, as centenas de treinos que fiz naquelas alamedas.
O mais sensacional talvez tenha sido a última etapa de minha preparação para minha primeira ultramaratona. Fiz quatro vezes a “volta da USP”, percurso encabritado de dez quilômetros que inclui a dita subida. Uma corrida solitária, em que tive o apoio da Eleonora, minha mulher muito amada, a me entregar água a cada cinco quilômetros, incentivando sempre e enfrentando, como eu, o sol que tomava a manhã depois de uma amena madrugada.
Daquela vez descobri a música na corrida. Não ouvindo canções em fones de ouvido simples ou gigantes, coisa de que não gosto: prende os sentidos e dificulta a apreensão do mundo. Cantei sem cantar, só deixando o som rolar na memória. Fiz de uma canção de Djavan meu hino de então candidato a ultramaratonista:
Vou andar, vou voar, pra ver o mundo; nem que eu bebesse o mar encheria o que tenho de fundo.”
De fato, sabe-se lá.
Atravesso o portão principal da USP, estou de novo na rua, rodando o trecho final de meu percurso de aniversário. Termino em frente a um estação de metrô, onde vou testar um dos poucos benefícios que a idade dá: viajar sem pagar pelos trens urbanos de São Paulo.


Não tem burocracia. O agente Miquéas conferiu meu RG, até me cumprimentou pelo aniversário, e liberou a passagem, pela catraca.
Minha corrida tinha terminado, mas eu iniciava um novo percurso.
Quando cliquei o botão de encerramento das atividades de meu relógio com GPS naquele dia também encerrei a primeira etapa deste meu projeto jornalístico-esportivo-cultural que faz da corrida instrumento para debater questões de saúde, qualidade de vida e inserção social dos maiores de sessenta anos.
Terminei ali, de fato, a meta de inteirar seiscentos quilômetros no dia de meu aniversário, contando desde três meses anos, em jornada iniciada em 14 de novembro de 2016.
A festa-corrida foi no dia 12, quando suplantei os seiscentos quilômetros com a gloriosa companhia de grandes corredores, cidadãos do mundo e do meu coração.
Agora foi o encerramento, solitário como o dia da largada.
O projeto 600 aos 60 durou 93 dias, sendo nove deles de descanso. Nos 84 dias de ação, percorri um total de 621.360 metros, que exigiram esforço ao longo de 122 horas, 42 minutos e 32 segundos.



O ganho de elevação (diferença entre o total de subidas e o acumulado de descidas em longo de todo o percurso) chegou quase ao topo do Aconcágua: 6.737 metros, contra os 6.962 metros do maior pico do Ocidente.
Minha velocidade média foi de pedestrianíssimos 5,1 km/h –segundos abaixo de doze minutos por quilômetro, que é a velocidade calculada na linguagem dos corredores. Obtive esse ritmo dando em média 55 passos por minuto.
O projeto 600 aos 60 se embrenha em outro plano, o de percorrer, ao longo deste ano de 2017, distância equivalente à de sessenta maratonas, o que totaliza 2.532 quilômetros. Trata-se do projeto 60 MARATONAS AOS 60 ANOS, que acaba de ganhar marca especial criada pelo meu irmão caçula, João de Lucena.
É um objetivo inédito para mim. Na maior parte de minha vida corrida, completei em média 2.400 quilômetros por ano; nesta década, o volume total caiu bastante, ficando em torno dos 1.900 quilômetros por anos, chegando mesmo a mirrados 1.800 quilometrozinhos em uma certa feita.
Apesar disso, acho que dá para conseguir –confiança que é compartilhada por meu treinador, Alexandre Blass, e os amigos e apoiadores da Força Dinâmica e do Instituto Vita.
É bem verdade que a torção no pé direito assusta, incomoda e me obriga a ter inesperado dias de descanso antes da retomada dói projeto. Apesar disso, ontem tratei de voltar ao asfalto, fazendo minha primeira caminhada depois do aniversário, a primeira jornada no entrudo da Terceira Idade.
Foi até o serviço municipal que cuida do Bilhete Único do Idoso, passaporte para maiores de sessenta anos andarem gratuitamente de ônibus por São Paulo. Só o terei dentro de vinte dias –pelo menos, essa foi a promessa da simpática atendente.
Tomara que chegue logo, pois esse é um dos tantos direitos dos veteranos da vida que estão ameaçados do Brasil de hoje, mantido sob o tacão de um governo golpista e entreguista, que trabalha para destruir as riquezas da pátria e as condições de sobrevivência do nosso povo.
Lutar contra isso é um dos objetivos da vida deste novo velho brasileiro.
VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de dia 15 de fevereiro de 2017
6,69 km percorridos em 1h20min25

Acumulado no projeto 600 aos 60, iniciado em 14 de novembro de 2016 e encerrado em 14 de fevereiro de 2017
621,36 km percorridos em 122h42min32

Acumulado no projeto 60 Maratonas aos 60 Anos desde 1º de janeiro de 2017
404,84 km percorridos em 77h04min04



13.2.17

Festa-corrida na avenida Paulista celebra etapa final do projeto 600 quilômetros aos 60 anos

Somos poucos, os velhos no Brasil. Chegar aos sessenta anos, passar dessa marca, é coisa de um tantinho só de gente, um em cada dez e olhe lá.
Pois mais raro ainda é quem fica casado, juntinho com seu amor, por esses tais sessenta anos. É difícil, mas acontece. Doutor Rosarinho é uma dessas figuras: vem de mãos dadas com dona Elza desde 1957, o exato ano em que nasci.
João Rosário, corredor veterano, participou da gloriosa São Silvestre de 1953, que foi vencida pela Locomotiva Humana, o tcheco Emil Zatopec, único ser no universo a conquistar o ouro olímpico na maratona e nas provas de 5.000 m e 10.000 m –o feito se deu em Helsinque, em 1952.
Doutor Rosarinho, decano dos corredores - foto RL
Pois neste último domingo Rosarinho voltou à avenida Paulista para outra corrida, bem mais modesta que aquela de 1953, mas igualmente festiva. O corredor de 89 anos foi o decano entre nós, os que comemorávamos a conclusão do meu projeto de percorrer 600 quilômetros até a data de meu aniversário de sessenta anos. 
O dia, mesmo, oficial, de papel passado e registrado em cartório, é amanhã, 14 de fevereiro. Para compartilhar a alegria, porém, tratei de correr e caminhar um bocadinho mais a cada etapa para conseguir completar a jornada no domingão de sol, naquela avenida que já virou uma espécie de praia paulistana, local de encontro de pedestres e ciclistas, skatistas e patinadores, caminhantes e vendedores, artistas e consumidores, famílias e solitários, cachorros e corredores, todos circulando pelo asfalto naquelas poucas, curtas horas em que o trânsito fica fechado para os veículos, aberto para o povo.
A marca de seiscentos quilômetros foi atingida em um período de 91 dias, incluindo nove folgas, o que deixa 82 dias de efetiva caminhada ou corrida. Não se trata de nenhum recorde mundial, mas, para mim, é um feito inédito, marca interplanetária, quiçá intergalática.


Acima de qualquer consideração esportiva, completar seiscentos quilômetros aos sessenta anos significa acordar a cada dia disposto a se mexer, planejar atividades, organizá-las, executá-las, sair da cama, arrastar-se para calçar os tênis e ir à rua para mandar um recado à vida: Aqui estou, ativo e operante.
Há que ter uma certa determinação e um tanto de cabeça dura para enfrentar os perrengues que a idade e a vida impõem ao corpo. Passei todo esse tempo me digladiando com uma fratura por estresse no fêmur esquerdo, sem contar as dores tantas que me vêm pelas costas, escalam os ombros e se arvoram em tendinite disso e daquilo, inflamação daquiloutro, hérnia ali um pouquinho mais para  baixo e, ainda por cima, alguma gripezinha sem-vergonha ou mesmo uma irascível gastrite.

A turma toda antes da largada - foto EL

Há dores, mas também há amores.
Um dos tantos prazeres que a corrida dá é que ela serve para a gente descobrir coisas. Neste projeto de 60 maratonas aos 60 anos, do qual os seiscentos quilômetros foram a primeira etapa, a corrida é uma ferramenta para que a gente discuta, cá nestas páginas, questões de saúde, qualidade de vida e inserção social dos mais velhos.
Por isso, busquei parceiros nas minhas caminhadas, convidados que pudessem trazer informação e sabedoria sobre o mundo dos veteranos. Já estiveram correndo e caminhando comigo treinadores, fisioterapeuta, psicólogos, artistas, dirigentes sindicais e ativistas políticos, uma gente variada e divertida.
Foi com o apoio, a presença e a companhia deles que cheguei até aqui, até o hoje. Mais exatamente, ao ontem, domingão em que cruzei, derrotei, superei a marca dos seiscentos quilômetros.
A festa-corrida estava marcada para as dez horas da manhã, que é o horário em que a Paulista fecha para os veículos e se entrega aos pés do povo. Concentração desde as 9h30, por aí, em frente ao prédio da Gazeta, no número 900 da avenida, local de chegada da mais tradicional corrida de rua do país, a São Silvestre.
Com o que deu para dormir um pouquinho a mais, ainda que a noite tivesse sido movimentada, tensa, cheia de emoções. Como um adolescente, acordei algumas vezes com a pergunta martelando o cérebro: E se não aparecer ninguém?
Ficava meditabundo por uns momentos, até decidir pelo óbvio: correria sozinho, não seria a primeira nem a última vez.
A solução me dava paz por algum tempo, me deixava voltar a dormir, mas as angústias que vêm pelos corredores da mente voltavam a me atropelar, mostrando que não basta ser velho e experiente e veterano e dono de si para ser velho, veterano e dono de si; há que lutar por si a cada dia e se conquistar, crescer e construir e reconstruir o ser que somos.
A luz do dia chegou e, meio tonto de sono, atravesso a cozinha para encher de água a chaleira para o chá matinal. No caminho, o revesgueio do olho direito pega uma sombra mais escura na porta da geladeira, que devia estar branquinha que só ela.
Na hora, não dou bola. Depois de aceso o fogo, volto à geladeira para tentar entender o que tinha visto, se é que tinha visto algo especial.
De fato, a geladeira já não estava mais branquinha da silva, mas sim coberta de adesivos, imãs, magnetos, cada um deles igualzinho ao outro, cada um uma homenagem, lembrança, referência ao dia que nascia, o dia em que completaria seiscentos quilômetros aos sessenta anos.
Para me acalmar, tive de puxar uma cadeira, sentar um pouco, ficar rindo admirando a criação idealizada por Eleonora e por minhas filhas –fiquei sabendo mais tarde. De algum canto, veio até um jeito de choro...
O desenho era “filhote” de uma aquarela criada pelo artista gráfico, designer e historiador Pedro Penafiel, que foi colega de faculdade  minha filha mais velha e vem a ser filho do fotógrafo e artista gráfico Carlos Penafiel  (1936-2009).

O velho “Penan”, como era chamado, ajudava a produzir documentos falsos para o povo da ALN, durante a ditadura militar; no final do século passado, foi diretor de arte do “Hora do Povo”, onde tive a honra de trabalhar com ele durante alguns meses.
Os detalhes da produção só fiquei sabendo depois. Na hora matinal, estávamos todos nos acertando para sairmos sem demora rumo ao encontro dos corredores que participariam de nossa celebração.
Será que haveria alguém lá?
Havia.
De longe dava para ver grupinhos no local marcado.  A multidão, mesmo, não tinha nada a ver comigo nem com corrida nem com seiscentos quilômetros nem como “Fora, Temer!”, era apenas um grupo que queria promover alguma coisa que não consegui entender o que era.
Antes deles, porém, um pouquinho mais para cá, pertinho da guia da calçada, conversando como quem não quer nada, havia um trio que me deu calafrios, a própria história da corrida de rua brasileira reunida ali.

Edgard, eu, Rosarinho, Del Roio e Losada - foto Eleonora de Lucena

Começo pelo mais velho da turma, o já citado João Rosário, Doutor Rosarinho, a quem tenho a honra de  ter como amigo. É um dos criadores do grupo Vovocops, poderosos corredores vetereanos. Esportista na juventude, largou o exercício para ganhar a vida e sustentar a família, só voltando às lides corredísticas aos 67 anos.
Retornou em grande estilo: no ano seguinte fez sua primeira maratona e completou em décimo-primeiro lugar em sua categoria. O que mostra que a turma dos velhinhos é supercompetitiva, pois Rosarinho cravou 4h11 em seu debute maratonístico. Hoje, caminhando para os 90 anos, já não voa no asfalto, mas segue firme e forte e decidido com a alegria dos que amam o mundo.
Rosarinho batia um papo com Edgard José dos Santos, administrador de empresas por profissão, corredor por missão, um dos ativistas que ajudaram a Corpore (Corredores Paulistas Reunidos) a ter uma superexpansão na derradeira década do século passado. Também é o cara que construiu a planilha que me infernizou a vida durante os últimos noventa dias, a cada manhã me desafiando a prosseguir e a conquistar.
Momento baguncinha durante a nossa jornada domingueira - foto Eleonora de Lucena

Explico melhor. Por pura gentileza e entusiasmo com a corrida, Edgard construiu uma planilha para acompanhar meu progresso diário na jornada iniciada em 14 de novembro passado e prevista para terminar neste 14 de fevereiro.
Eu deveria alimentar as planilhas com dados, informando a quilometragem realizada a cada dia. A soma aparece em barras no gráfico, que é cortado por uma linha diagonal azul, a meta prevista que deveria ser alcançada a cada dia.
Caminhando meros 3.000 metros por dia ao longo do primeiro mês e, depois, passando a 4.000 metros, a 5.000 metros e 6.000 metros, tudo caminhado e tudo ordenado pelo meu ortopedista para que eu me recuperasse de uma fratura por estresse, fiquei por muito tempo muito aquém da meta.
Para ser exato, foram 80 dias de sofrimento e frustração em que eu parecia o corredor de um maravilhoso cartum criado pela maravilhosa Laerte. É uma história em quadrinhos, em que aparece primeiro um corredor fazendo o maior esforço; no segundo quadrinho, ele avista uma placa, que diz: “Falta muito”. Mais suado, esforçado, sofrido, o corredor ocupa todo o terceiro quadrinho, imaginando (ou, pelo menos, é o que gostaríamos), que assim chegará mais cedo ao seu destino. Ledo engano, pois, no último quadrinho, o sofrido corredor dá de cara com outra placa, maldita, que anuncia: “FALTA MAIS AINDA”.

A cada dia parecia faltar mais, mas, no 81º dia do projeto, 2 de fevereiro, a barra verde cortou a linha azul e me deu certeza de que, se nada de errado acontecesse, eu conseguiria atingir a meta, superar a meta e dar um banho de bola nessa meta folgada que estava a me provocar ao longo de quase três meses.
Volta e meia voltava ao tal gráfico criado pelo Edgard, que agora, neste domingo, me dava a alegria e a satisfação de comparecer á festa-corrida e estava ali, conversando com a lenda Doutor Rosarinho e trocando ideia com outra figura histórica das corridas de rua, o Cachorrão.


Trata-se de Roberto Losada Pratti, um varapau, esquálido coberto por longos cabelos loiros (que já estão ficando um tanto esbranquiçados).  Professor de matemática em duas faculdades, o cara encontra tempo para correr todos os dias quilômetros sem fim, coisa que faz desde o final da década de 1970, primórdios dos anos 1980, o que o torna um dos pioneiros das corridas de rua no país.
Claro que há mais corredores mais velhos, pois Roberto entrou há pouco na Terceira Idade e ainda apresenta com orgulho e satisfação seu bilhete único de idoso. O próprio Rosarinho correu a São Silvestre em 1953, mas parou por décadas, só voltando às ruas em 1995.
Losada não só corre, é um militante da atividade física, um incentivador do exercício. Durante anos manteve o jornal “Atividade Física” (hoje apenas virtual, em portal do mesmo nome), em que tive a satisfação de publicar alguns de meus primeiros textos sobre corredores e corrida de rua, no final do século passado, ajuda a organizar corridas e está sempre incentivando  a turma do fundão a se manter firme e seguir até o final.



Esse trio de eminências era o abre-alas da turma que já se reunia por ali, perto da banca de revistas em frente ao número 900 da Paulista.
Outro representante da chamada Velha Guarda era ninguém menos que o senador italiano José Luiz Del Roio, comunista da gema, um dos participantes da criação da ALN, militando ombro a ombro com Marighella e Joaquim Câmara Ferreira.
Jornalista e escritor, ele recentemente me deu a subida honra de organizar uma homenagem corrida à militante da ALN Ísis Dias de Oliveira, com quem foi casado, e que foi sequestrada e assassinada sob tortura durante a ditadura militar. Ontem, esteve na Paulista com a filha, Lavínia.
Assim, fomos aos poucos nos organizando para a largada, que teve ainda a presença de Gregório Silva e Jan Lempens-Doenraedt, ambos do grupo Corredores Patriotas Contra o Golpe.

Laura e Mercedes aguardam os corredores - foto EL
Austríaco, o artista gráfico Jan deu, ao lado de Del Roio, caráter internacional à nossa baguncinha na Paulista, que ganhou ainda mais diversidade patriótica com a chegada da nicaraguense Maria Mercedes Salgado, amiga de minha mãe,  socióloga e sandinista.
A jornalista Anne Dias chegou a tempo de ver crescer o nosso grupo, pois logo se agregaram a educadora Claudia Aratangy e o jornalista Ari Meneghini, assim como o sensacional professor de educação física Jopa Sabóia Fiuza, mentor de minhas filhas no saudoso e extinto Logos.
Sob os olhos da minha maravilhosa Eleonora e de minha filha mais velha, Laura (a caçula, Claudia, viria para a  confraternização da chegada), partimos enfim para a volta na avenida, todos respeitando o ritmo deste atleta machucado.
Claudia, Eleonora e Laura

Fizemos blocos de 500 metros correndo e 500 metros caminhando, o que dava mais tempo para a gente conversar, contar piadas e relembrar histórias de vida.
Rosarinho se revelou um poeta de fôlego, capaz de declamar peças de sua autoria sem perder o ritmo e a passada na avenida.
Acompanhe uma das poesias do jovem quase nonagenário:

“Acordo e, dia sim, dia não, no portão fazer longão.
O sol ainda não nasceu pra clarear,  mas aos poucos vai clareando sem parar.
Sentir essa magia contagia, dá mais energia pra correr.
Pensamento positivo sempre, vendo tudo mudar na natureza.
Corredor determinado é assim.
Todo mundo vive correndo: correndo atrasado pro trabalho, correndo pra sair do trabalho, da chuva que está pra cair ou para pegar o ônibus que está saindo.
Mas eu corro por outra razão.
Corro pelo calor da alma, pela batida do coração, a pressa pelo indefinido, o limite que se amplia a cada dia, o suor que renova, o vento no rosto, a luz do sol, o brilho da lua e o cintilar das estrelas.
Isso sim é corrida.
É isso que eu acho da vida.”

Claudia, Jan, Jopa, eu e Meneghini; atrás, Rosarinho e Losada - foto EL

Eu bem que desconfiava da verve do veterano corredor, pois, em entrevistas passadas, ele sempre me aparecia com frases de bom ritmo, às vezes até rimadas, uma espécie de RAP de veterano...
Exemplo é esta mensagem, que ele mandou para mim há dois anos: “Testemunhei a partida precoce deste mundo de muitos irmãos, irmãs, parentes, filho, gente famosa e amigos queridos. Por isso, com esses meus 87 anos de vida bem vividos, serei meu próprio parceiro num treinamento de percurso ao ritmo das músicas inesquecíveis dos anos 40, 50, 60, 70. Se ao mesmo tempo quiser chorar ou sorrir, posso fazê-lo. Caminharei pela praia num traje de banho colado a este corpo magricelo e mergulharei no mar, despreocupadamente se assim o desejar, apesar dos olhares críticos das pessoas mais jovens, que também vão envelhecer. Tenho a marca da minha juventude gravada nas profundas rugas do meu rosto”.
Esbaforida, Eleonora corria à frente do grupo, tirando fotos. Seu desempenho foi testemunhado pelo triatleta Gregório, que nos acompanhava de bicicleta e fez o vídeo a seguir.


De vez em quando, algum passante reconhecia alguém do grupo, acenava, cumprimentava.

Lá pelas tantas nos encontramos com a jornalista Yara Achoa, corredora dedicada e autora de boas reportagens sobre nosso mundinho esportivo.

Marcante foi o encontro com a meta, a passagem da marca dos seiscentos quilômetros, que ocorreu quase em frente ao hospital santa Catarina, um dos mais tradicionais da cidade. Nos reunimos em abraço, cantamos parabéns, contei que minhas filhas tinham nascido ali –as do Jopa também, assim como as do Gregório, se não me engano.


Passados, enfim, os seiscentos quilômetros, precisávamos apenas voltar à base. E assim fomos, primeiro uma caminhadinha, depois trote e enfim uma passada mais larga.

Eleonora delegou a missão de fotógrafo para Tadeu Anderson, e veio correndo, as faces afogueadas, encontrar com a gente para de mãos dadas seguirmos até a meta.

Foto Tadeu Anderson

E assim foi. Uma chegada épica, disseram alguns. Uma festa, uma reencontro, um abraço, um aperto de mão, encontros, reencontros, dizeres de saudades, promessas de parcerias, brados de militância, corações ao vento.

VAMO QUE VAMO!!!!


Percurso de 12 de fevereiro de 2017
4,88 km percorridos em 54min49

Acumulado no projeto 600 km aos 60 anos
601,69 km percorridos em 119h11min36

Acumulado no projeto 60M60A
378,49 km percorridos em 72h12min43

10.2.17

Grupo Corrida Amiga ajuda a descobrir a atividade física

Já não estou mais me segurando, falta muito pouco para atingir meu primeiro objetivo do ano. Se não cair um raio ni mim, como diz o outro, se eu não ficar podre nem for atropelado, vou inteirar 600 quilômetros de jornada neste domingo, dia 12, com uma festa-corrida em que gostaria muito de ter a sua participação (o encontro é às 9h30 na avenida Paulista, 900; largada às 10h, percurso de  5 km).
Aliás, você pode ficar à vontade para participar de outras etapas desta trajetória, que não é só minha, mas de todos os maiores de sessenta anos e de todos os menores de sessenta anos que entendem que a atividade física é um dos caminhos para conquistar melhor qualidade de vida.
Esse é o mote de meu projeto jornalístico-esportivo-cultural. É por isso que vou às ruas, muitas vezes levando convidados para debater, ao longo do caminho, questões da nossa vida corrida.
Foi o que fiz hoje, penúltima etapa do percurso de seiscentos quilômetros que foi iniciado no dia 14 de novembro passado e será concluído neste domingo, dois dias antes da data prevista ---14 de fevereiro, quando completo sessenta anos e ingresso oficialmente na velhice.
Meu convidado foi um ultramaratonista, empresário e ativista social. Estou falando de Renato Cavallieri Mello, 47, um dos fundadores da ONG Corrida Amiga, que procura difundir e incentivar o uso da corrida e das caminhadas como meio de transporte.
Ou a combinação de corridas e caminhadas com transporte público –enfim, o que for possível para diminuir o uso do carro e, ao mesmo tempo, propiciar ao cidadão bons minutos de imprescindível atividade física.


O Renato não é apenas evangelista da corrida e das caminhadas. O cara é militante das corridas de alto coturno. Tem no currículo duas provas de 24 horas, outras duas de cem quilômetros e gosta mesmo de corridas em montanha, bem casca grossa.
Não por outra razão, já enfrentou por três vezes a formidável BR 135, dificílima prova de mais de duzentos quilômetros na serra da Mantiqueira. Para não dizer que só pega montanha, é useiro e vezeiro na Bertioga-Maresias, conhecida ultramaratona praieira.
Também enfrentou e superou um câncer na garganta. No último dia quatro, Dia Mundial de Combate ao Câncer, publicou na internet uma foto dele durante o tratamento e escreveu: “Esta minha foto é de 2015, quando passei o ano todo na briga com o cara, mas, como sabem, venci, então fica a mensagem de força e coragem para quem ainda está na briga: vai na fé que o bicho não aguenta o tranco não, somos muito mais fortes”.  
Fizemos um percurso de dez quilômetros pela avenida Sumaré, e Renato foi gentil o suficiente para aguentar meu regime de corrida aos soluços: 500 metros correndo, 500 metros caminhando. De mansinho, a gente vai cobrindo uma boa distância (tipo seiscentos quilômetros).
Ao final de nossa jornada, fiz uma entrevista com Renato, transmitindo nossa conversa ao vivo pela internet. Ficou tudo gravado e, se você não viu na hora, pode assistir agora.


Bem antes disso, no final do ano passado, havia conversado com a outra fundadora da Corrida Amiga, Sílvia Cruz. Formada em gestão ambiental, com mestrado e doutorado na área, a jovem de 32 anos hoje se dedica em tempo integral à entidade.
Por e-mail, Sílvia respondeu a algumas perguntas sobre a gênese do grupo e suas atividades. Acompanhe a seguir trechos da entrevista.
RODOLFO LUCENA - O que é a CORRIDA AMIGA? Quais seus propósitos?
SÍLVIA CRUZ - Somos uma ONG (organização não governamental) formalizada em 2015 com o nome de Instituto Corrida Amiga. Trabalhamos em três vertentes, que chamamos de os três pés da Corrida Amiga.
Social: Por meio de nossos voluntários, orientamos e estimulamos as pessoas e usarem os pés como deslocamento, recebendo os pedidos pelo nosso site e interligando corredores amigos voluntários com os solicitantes. Nossa rede está apta a receber os pedidos, entrar em contato com as pessoas solicitantes, identificar seus problemas ou dúvidas e traçar planos e metas para juntos resolvermos e ajudarmos essas pessoas a usarem os pés em seus deslocamentos, correndo ou caminhando.
Políticas Públicas: Foi inevitável interagir com os poderes públicos quando passamos a usar com maior profundidade os espaços públicos e perceber suas deficiências. Temos membros do Instituto Corrida Amiga em cadeiras e posições em órgãos como ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) e CMTT (Conselho Municipal de Trânsito e Transporte). Com isso, passamos a poder, além de cobrar melhorias e maior ação dos nossos gestores em assuntos de mobilidade, atuar e interferir positivamente em decisões e influenciar nossos gestores.
Cidadania: Quando colocamos as pessoas nas ruas e atuamos para a melhoria dos espaços públicos, percebemos que estávamos formando também novas cidadãs e cidadãos. Pessoas que perceberam seu poder e sua força, principalmente no coletivo, em relação a seu poder de interferir e mobilizar outras pessoas e gestores para que nossas vozes fossem mais ouvidas.
RODOLFO LUCENA - Como surgiu a ideia da criação da ONG?
SÍLVIA CRUZ - No período em que estudei na Europa, conheci e utilizei o transporte ativo. Ao voltar ao Brasil, senti novamente na pele os efeitos de nosso trânsito caótico e nosso deficiente sistema de mobilidade urbana, voltado quase que exclusivamente para os carros. Tive então a necessidade de voltar ao transporte ativo, e mais ainda, de compartilhar com o maior número de pessoas possível essa alternativa.
RODOLFO LUCENA - Como a ONG conseguiu recursos para seu financiamento?
SÍLVIA CRUZ - Nossos recursos são provenientes de fontes diferentes e todos eles são conquistados junto a outras ONGs ou entidades  que financiam atividades como a nossa. Participamos de seleções de projetos (grants), tentamos financiamento junto ao governo (Leis de Incentivo) e outras atividades ainda em planejamento.
Nossos recursos são poucos e ainda estamos organizando um departamento de captação, que vai atuar junto aos órgãos do governo e a iniciativa privada sempre buscando novas possibilidades de financiamento.
RODOLFO LUCENA – O que a Corrida Amiga faz?
SÍLVIA CRUZ - Podemos resumir esta pergunta com a nossa missão: contribuir para a melhoria da mobilidade urbana por meio do engajamento de voluntários e da interferência em políticas públicas voltadas à mobilidade a pé de forma a promover cidades mais acessíveis e caminháveis.
A Corrida Amiga, através do voluntariado, conectando pessoas e estabelecendo relações humanas mais saudáveis, deseja transformar o cotidiano dos cidadãos e cidadãs a partir da perspectiva da mobilidade ativa, combatendo o sedentarismo, promovendo saúde e qualidade e vida e otimizando o tempo daqueles que optam pelo deslocamento a pé.
RODOLFO LUCENA  - Como a Corrida Amiga funciona? Hoje tem funcionários, os próprios fundadores fazem tudo para a rotina diária?
SÍLVIA CRUZ - Hoje somos em cinco voluntários fixos em nossa base, cada um destinando cargas horárias diferentes. Alguns trabalham diariamente e outros algumas horas por semana. Temos reuniões semanais e estamos todos os dias em contato, tomando decisões e resolvendo assuntos online. Existem alguns voluntários que prestam serviços mais objetivos (alimentar nosso iInstagram, por exemplo), que trabalham sob demanda. Os fundadores e participantes da direção do instituto estão incluídos nesses cinco citados.
RODOLFO LUCENA – E como funciona a rede de voluntários?
SÍLVIA CRUZ - Hoje temos centenas de voluntários espalhados por todo o Brasil e também uma rede na Austrália. Nossa busca por voluntários é constante, através de campanhas de engajamento, ações online e presenciais. Recentemente realizamos nossa primeira FoCA – Formação Corrida Amiga, onde durante uma manhã de sábado treinamos na teoria e na prática cerca de 20 possíveis voluntários.
Há voluntários da Corrida Amiga em várias regiões do Brasil (SP – Rio – Campinas – Brasília – Recife – Minas Gerais)
Nossos voluntários ganham uma camiseta e material didático (manual do voluntário), mas acreditamos que o maior ganho é a realização de poder ajudar os outros e se engajar na questão da melhoria da mobilidade urbana, tema dos mais importantes e fundamentais para todas as cidades.
RODOLFO LUCENA - O que é o projeto de acompanhar iniciantes em pequenas caminhadas ou corridas? Quantas dessas caminhadas já foram realizadas? O que vocês ganham com isso? O que as pessoas que participam ganham?
SÍLVIA CRUZ - Esse projeto é nosso Pé social, é o embrião da Corrida Amiga, dele veio inclusive a escolha do nome. Qualquer pessoa que queira se deslocar a pé, correndo ou caminhando, mas tem dúvidas ou mesmo medo, pode entrar no site corridaamiga.org e fazer um cadastro pedindo uma corrida amiga. Imediatamente nosso sistema filtra algumas informações e coloca um voluntário em contato com esta pessoa, viabilizando seu pedido. Já conectamos mais de 400 pessoas em várias partes do Brasil.
RODOLFO LUCENA _ E o que é o projeto Calçada Cilada?
SÍLVIA CRUZ – É uma campanha, que realizamos por meio de um aplicativo. Até 2016 o aplicativo que utilizamos como parceiro era o CIDADERA, nele qualquer pessoa com um smartphone poderia baixar de graça o aplicativo e usar em suas denúncias. Com uma simples foto e um pequeno relato do tipo de problema encontrado na calçada em questão o aplicativo automaticamente coloca esta reclamação no mapa. Em 2016 foram mais de 2000 denúncias em 80 municípios brasileiros. Todas elas foram encaminhadas para os órgãos competentes em cada município, este trabalho foi feito por nossos voluntários em todo o Brasil.
A partir deste ano usaremos uma nova plataforma --ainda em finalização-- com novidades, em especial, no que tange à proximidade do canal "cidadão- prefeitura" para facilitar a chegada das informações aos órgãos responsáveis.
Pois, no momento após a campanha, temos a força tarefa de contatar cada  prefeitura/órgão responsável pelas calçadas,  encaminhando informação por informação... E nem sempre é muito efetivo. Enviamos também a carta anexa devidamente preenchida, bem como as denúncias e sua localização.
Entendemos que encaminhar ao conhecimento do órgão local não garantirá por si só a solução (esse tampouco seria nosso papel), mas certamente endossará a causa e proporcionará oportunidades para construirmos cidades mais caminháveis.
RODOLFO LUCENA - Como vocês atuam em relação ao poder público?
SÍLVIA CRUZ - Na ONG existem pessoas que fazem parte da ANTP e do CMTT, com essas atuações conseguimos manter em nosso radar todas as questões referentes ao tema que estão sendo debatidas e podemos participar ativamente das mesmas. A corrida Amiga é 100% apartidária, acreditamos num bem maior para a cidade ACIMA de legendas e de nomes, atuamos para melhoria de leis, criação de novas possibilidades para os pedestres de uma maneira definitiva e que sirva para todas e todos os usuários da cidade.
RODOLFO LUCENA – Por que a corrida pode ser amiga do cidadão?
SÍLVIA CRUZ - O que me vem primeiro à mente é o fato de não perder um precioso tempo sofrendo parada no trânsito. Isso realmente me entristece e me enlouquece. Acredito que somos seres dinâmicos,  e o enclausuramento ocasionado pelo trânsito é muito torturante. A principal motivação para fazer funcionar a Corrida Amiga é justamente mostrar que existem alternativas a este cenário. Basta estar aberto e disposto a encarar esta mudança de paradigma.
Correr para mim é equiparado à sensação de meditar. Não necessariamente a meditação precisa ser realizada parada. Há também possibilidade de meditar em ação. A corrida pede e estimula a capacidade de concentrar, a partir do momento que percebemos nossos passos e o nosso corpo...
Quando corro, estou presente em cada movimento, sinto profundamente cada respiração... E isso faz bem tanto para a mente como para o corpo.

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Bom, assim termina a conversa com a Sílvia, mas é bom lembrar que nosso percurso continua.

Nossa jornada deste domingo é o final de uma etapa. Ao longo do ano, sigo com o projeto 60 MARATONAS AOS 60 ANOS (60M60A)e espero ter sua companhia nessa trajetória, seja acompanhando o projeto aqui no blog, seja participando de eventos ou treinos que a gente vai montar e divulgar por aqui e pelas redes sociais.

VAMO QUE VAMO!!!


Percurso do dia dez de fevereiro de 2017
9,89 km percorridos em 1h33min23

Acumulado no projeto 600 km aos 60 anos
596,82 km percorridos em 118h16min47

Acumulado no projeto 60M60A
373,61 km percorridos em 71h17min54

7.2.17

Aos poucos, jornalista fraturado chega perto de atingir primeira meta e quer festejar os 60 anos e 600 km correndo com você

Esta mensagem é um convite especial para você, pessoal e intransferível, mas totalmente compartilhável e ampliável (isso significa que você pode levar quem você quiser e também passar adiante este chamado).
Ocorre o seguinte fato: apesar de todas as dificuldades e perrengues, tudo indica que vou completar seiscentos quilômetros antes mesmo do dia de meu aniversário de sessenta anos. A etapa final será neste domingo, dia 12. A partir das 9h30 estarei em frente ao prédio da Gazeta (avenida Paulista, 900); às 10h, parto para uma volta de cinco quilômetros na Paulista. Será um prazer e uma honra ter a sua companhia nesse momento de alegria e conquista. Se não quiser correr nem caminhar, leve seu abraço amigo.
Não foi fácil chegar até aqui. Não está sendo fácil. Ainda não posso correr nem sequer um quilômetro direto –talvez seja capaz, mas o médico e o treinador não recomendam nem liberam. Todo o cuidado é pouco para propiciar ao corpo as condições necessárias para a regeneração de uma fratura por estresse no fêmur esquerdo.
Essa maldita me pegou bem quando eu estava afinando o planejamento para colocar no ar este projeto jornalístico-esportivo e cultural, que usa a corrida como ferramenta para discutir questões de saúde, qualidade de vida e inserção social dos maiores de 60 anos. Por causa dela, seria impossível fazer o programa tal e qual eu havia planejado.
Então modifiquei o programa. Comecei no dia 14 de novembro a perseguição aos seiscentos quilômetros. Como não podia correr, caminhava o quanto me permitia o médico –minguados três mil metros por dia durante um mês; depois um pouquinho mais de cada vez.
Correr mesmo só comecei neste ano, de forma absolutamente contida e calculada: blocos de 300 metros de corrida por 700 metros de caminhada. Hoje já faço, em alguns dias, blocos de 500 metros correndo por 500 metros caminhando –é deste jeito que vou completar a etapa final na avenida Paulista.
Por causa dessas limitações, cada nova manhã chegava com incerteza e insegurança. Durante 81 dias, fiquei sempre abaixo da meta prevista, apontada num belo gráfico criado especialmente para o projeto por Edgard José dos Santos, 69, veterano corredor e diretor da Corpore.


Só a dois de fevereiro, Dia de Iemanjá, a soma de meus esforços enfim não apenas alcançou a meta como superou a meta. Fiquei muito satisfeito, bati no peito como Tarzan, fiz uh-hú em silêncio contido e segui em frente.
Para muitos corredores, o exercício que venho fazendo pode ser pouco. Para outros, pode parecer impossível. Para mim, é um desafio, uma jornada inédita. Não quebro recordes nem me transformo em primeiro de coisa nenhuma, mas saio a cada dia para mandar um recado para o mundo: estou aqui, vivo, ativo e operante.
E tentando dar algum tipo de contribuição para o debate sobre a situação dos mais velhos em nossa sociedade.

Feliz da vida depois de um treino de corrida e caminhada no parque Ibirapuera

Tenho ouvido lideranças sindicais, médicos,psicólogos, atletas, especialistas os mais diversos –e não especialistas também—que contam suas histórias, apresentam suas análises, colocam na mesa suas sugestões para que melhore a vida dos maiores de sessenta anos.
Também meto minha colher torta no assunto, além de trazer minhas impressões sobre o que rola no mundo.
Nestes três meses, ajudei a organizar uma CORRIDA FORA TEMER e realizei vários treinos em homenagem a lutadores pela democracia, como Ísis Dias de Oliveira e os mártires da Chacina da Lapa.


Chorei com o Brasil e o mundo as mortes de Fidel, de dona Marisa Letícia Lula da Silva e do time da Chapecoense. E me alegrei com as vitórias do Grêmio e a conquista do penta da Copa do Brasil.

É o que pretendo continuar a fazer neste espaço, nas ruas e avenidas do Brasil e do mundo, nas trilhas e praias do planeta. 
Afinal, o desafio que se encerra neste domingo, a esperada conquista dos seiscentos quilômetros aos sessenta anos, é apenas uma etapa de minha jornada de entrada no mundo da velhice.
As corridas e caminhadas prosseguem ao longo deste ano em que completo sessenta anos. Até o final de 2017, pretende percorrer distância equivalente à de sessenta maratonas –2.532 quilômetros, dando de lambuja uns metrinhos a mais.
Espero continuar tendo sua companhia durante toda esta jornada.
VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de sete de fevereiro de 2017
10,04 km percorridos em 1h57min06

Acumulado no projeto 600 aos 60
566,48 km percorridos em 112h58min44

Acumulado no projeto 60M60A
343,28 km percorridos em 65h59min51


5.2.17

Psicóloga debuta no asfalto e fala sobre depressão em idosos

Foi a primeira vez dela.
Primeira vez mesmo, tipo: nunca antes na história deste país ela tinha feito tal coisa.
Não sabia se conseguiria. Na noite 
anterior, acalentou pensamentos de fuga: “Vou ligar para ele e dizer que estou doente, que estou indisposta”.
Mas veio. E foi.
Em pleno vigor de seus bem vividos 56 anos, a psicóloga Márcia Scazufca, doutora em psicologia com pós-doutorado na unidade de psiquiatria da Universidade de Bristol, mestre em epidemiologia e em psicologia social, colocou os calçados de corrida e veio para o asfalto.
Na manhã cinzenta da última quinta-feira, nos encontramos na rua Oscar Freire em frente à saída da estação Sumaré do Metrô, tradicional ponto de partida de minhas jornadas neste programa jornalístico-esportivo-cultural que usa a corrida para debater questões de saúde, qualidade de vida e inserção social dos maiores de sessenta anos.
Saímos para fazer uns dez quilômetros, mais caminhando que correndo, mas com portentosos blocos de trotes, trezentos metros de cada vez. A corrida pouca não era por ela, mas por mim, que ainda me recupero de uma fratura por estresse no fêmur esquerdo.
Para quem nunca tinha corrido antes, Márcia tirou de letra os desafios do asfalto, das calçadas pedregulhosas, das paradas abruptas em sinais de trânsito e todos os outros perrengues e alegrias que integram o maravilhoso pacote das corridas e caminhadas nas ruas de São Paulo.
Está certo que ela, santista de nascimento, tem as caminhadas quase como segunda natureza, desde a infância batendo pernas no calçadão da cidade praieira. Mesmo assim, há que elogiar sua galhardia enfrentando as ondulações da avenida Sumaré na sua corrida de debutante.
Mas não foi (apenas) para propiciar a Márcia uma nova experiência esportiva que a convidei para participar desse projeto de velho corredor (quase-velho, ainda faltam alguns dias para que eu atinja a provecta idade de sessenta anos, portal oficial da velhice).
Não. Pesquisadora científica atuando no Laboratório de Psicopatologia e Terapêutica Psiquiátrica do Hospital de Clínicas da USP, Márcia vem dedicando anos de trabalho acadêmico a estudos sobre a condição de vida dos idosos.
Sua pesquisa mais recente, que está prestes a ser finalizada, busca validar um método de baixo custo para identificação e tratamento da depressão entre os maiores de sessenta anos.
“O Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes. Se você considerar que dez por cento são idosos, é uma população de 20 milhões de pessoas. Você pode imaginar que, desses 20 milhões de idosos, tem de todos os jeitos possível. Se eu falar que dez por cento tem depressão são dois milhões de pessoas. Para tratar essa quantidade de gente, preciso de uma arma forte”, me disse ela em entrevista realizada em seu escritório no HC, dias antes de nossa corrida.


Não se trata de um mal apenas dos idosos ou do Brasil: a depressão é tida como o mal do século por organismos internacionais de saúde. Em 2014, eu cobri seminário realizado em Londres em que o Kofi Annan, ex-secretário geral das Nações Unidas, afirmou:
"A depressão atinge hoje quase 7% da população mundial –cerca de 400 milhões de pessoas. Incapacita os atingidos pela doença, coloca enorme peso em suas famílias e rouba da economia a energia e o talento das pessoas."
Isso cobra um alto preço da economia, pois, segundo Annan, em 2010 os custos diretos e indiretos da depressão eram estimados em US$ 800 bilhões (mais de R$ 2,4 trilhões) no mundo todo. "E, de acordo com as previsões, esse custo deve mais do que dobrar nos próximos vinte anos", alertou.
Os números apontam que a abordagem tradicional, superespecializada, não tem chances no combate à doença, que já ganhou ares de epidemia internacional. “Não existem psiquiatras no Brasil nem no mundo em quantidade suficiente para tratar as pessoas com depressão. Nunca vai existir. É um número muito grande de gente”, afirma Márcia Scazufca.
Pensando nisso e nos custos do tratamento que ela e sua equipe bolaram uma nova forma de ataque ao mal, convidando para o tratamento profissionais não especializados, mas treinados e com supervisão de especialistas. Entram em cena os agentes comunitários de saúde que atuam no programa Estratégia de Saúde da Família.
“Nosso programa foi todo desenhado e planejado para ser feito na atenção primária, pela atenção primária”, diz Márcia. “Eu penso, desenho, planejo, conheço o sistema, mas quem atende é um funcionário do sistema de saúde. Uso a mão de obra existente. É um programa adaptado ao programa Saúde da Família, que agora se chama Estratégia de Saúde da Família.”
O primeiro problema que o programa procurou atacar foi a identificação dos idosos com depressão.
“A depressão é uma doença que pode ser muito silenciosa. A pessoa fica quietinha, e muitos acham que é normal o idoso quietinho, as pessoas assumem que é assim porque ele é velho. Ele já se aposentou, está na dele, quieto.”
O estigma da velhice se combina com o estigma da depressão para criar uma cortina de fumaça sobre a doença entre os maiores de sessenta anos. É esperado que o velho seja rabugento, cheio de manias, que fiquei em silêncio, que não se mexa, fique só vendo televisão...
É bem possível que, na maior parte dos casos, aconteça assim mesmo. Mas em um número considerável de situações, atingindo cerca de dez por cento da população maior de sessenta anos, trata-se de uma doença, que pode ser identificada e tratada, dando à pessoa mais qualidade de vida.
No programa ProActive, criado por Márcia e seu colega pesquisador Ricardo Araya, London School of Hygiene & Tropical Medicine, os agentes comunitários de saúde são treinados para identificar a depressão e para fazer um tratamento básico, que visa mudar a atitude, o comportamento da pessoa deprimida.
É o que Márcia chama de ativação de comportamento. “A gente vai costurando isso devagarzinho. Aos poucos, para chegar ao objetivo, ajudar o idoso a entender que o que ele faz pode ajudá-lo a se sentir melhor ou pior. Se não fizer nada para se sentir melhor, ele se sente ainda pior. Se a pessoas não faz nada para se sentir melhor, ela fica ainda mais triste.”
A pesquisa do ProActive foi realizada em duas Unidades Básicas de Saúde da periferia de São Paulo, nos altos da zona norte da cidade. Depois de mais de dois anos de preparação, o programa entrou em campo no ano passado, como Márcia conta a seguir.
“Escolhemos aleatoriamente 800 pessoas com 60 anos ou mais. Foi feito sorteio, cada unidade tem mais de 2.000 idosos. Desses sorteados, o meu grupo de pesquisa foi na casa deles ver quem tinha depressão. Incluímos no grupo controle, ao qual não demos tratamento do nosso projeto, 25 pessoas; no grupo de tratamento, nós incluímos 33 pessoas.”
Grupo controle, em pesquisa, significa aquele grupo de pessoas que não recebe o tratamento ou o medicamento que está sendo testado no projeto. No caso, em uma das UBS, as pessoas identificadas com depressão receberam atendimento tradicional: “Nós apenas informamos quem eram e deixamos que a UBS tratasse como sempre trataram”, diz Márcia.
O programa ProActive foi aplicado no chamado grupo de intervenção. “Criamos um programa de atendimento, que se baseia em alguns pilares: uso de tecnologia, colaboração entre os profissionais, tratamento em etapas (recebe mais quem precisa mais) e mudança de papéis. Treinamos 11 pessoas,  que faziam o atendimento com ajuda de um tablet. Eram auxiliares de enfermagem e atendentes comunitários de saúde treinados para usar o programa que nós desenvolvemos.”
No computadorzinho de mão, o atendente achava questionário que aplicava ao idoso e também atividades para realizarem em conjunto, além de vídeos curtos que serviam de estímulo para as conversas, sempre visando modificar o comportamento –de apático a ativo.
O tratamento durou cinco meses, e cada pessoa recebeu oito ou onze visitas. Todos os atendimentos começaram com três encontros semanais. Dependendo dos resultados dessas sessões, o idoso participava a seguior de mais cinco ou mais oito encontros, a intervalos predeterminados, em que cada sessão seguia um roteiro estabelecido pelos pesquisadores.

Avenida Paulo 6º (con tinuação da Sumaré), onde a psicóloga Márcia Scazuf teve um aperitivo do que é correr nas ruas de São Paulo (fotos Rodolfo Lucena)

Os resultados foram, no mínimo, estimulantes. Praticamente todos os atendidos pelo grupo de intervenção mudaram de comportamento, saíram da depressão –em comparação, praticamente não houve alteração na situação dos atendido no grupo de controle.
E olhe que esse não era exatamente o objetivo da pesquisa –testar a efetividade do tratamento será objetivo de um trabalho muito maior, que ainda está em preparação e deverá envolver mais de 1.400 pacientes.
No programa atual, o objetivo era ver se um projeto como esse era factível, exequível, se era possível treinar atendentes de enfermagem e agentes comunitários de saúde para fazer o trabalho, se os pacientes iriam aceitar esse tipo de atendimento, como seria o uso da tecnologia...
A tudo, as respostas foram positivas. Agora é partir para a nova etapa, de validação do método de tratamento e verificação de custos, tendo como objetivo uma futura incorporação do método pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Donde se conclui que a psicóloga Márcia Scazufca está bastante satisfeita com seu trabalho. E também ficou bem animada com sua estreia no mundo das corridas, alegre como uma debutante –o que, de fato, era.
O exercício físico, por sinal, é um dos métodos, uma das ferramentas para combater a depressão, não só entre os idosos, mas em qualquer idade. Essa é uma das observações que Márcia fez ao longo da entrevista que realizei com ela ao final de nossa corrida. A conversa foi transmitida ao vivo, mas eu guardei cópia do vídeo especialmente para você não perder nenhum detalhe dos ensinamentos e observações feitas por Scazufca. Veja a seguir.

VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de quatro de fevereiro de 2017
9,50 km realizados em 1h35min58

Acumulado no projeto 600 aos 60
544,34 km percorridos em 108h53min34

Acumulado no projeto 60M60A
321,14 km percorridos em 61h54min41