17.3.16

Assassinato de Alexandre Vannucchi Leme é faísca para retomada do movimento estudantil

“Foi suicídio”, disse o delegado do Dops de São Paulo Edsel Magnotti ao pai do estudante de geologia Alexandre Vannucchi Leme. O menino de 22 anos teria se matado usando uma lâmina de barbear, conseguida sabe-se lá como, em algum breve intervalo das sessões de tortura.

“Foi acidente”, disse ao professor José de Oliveira Leme o macabro delegado Sérgio Paranhos Fleury, de carreira entranhada com  Esquadrão da Morte e tristemente famoso pela dedicação prazerosa com que se dedicava a provocar sofrimento nos presos sob sua tutela.

Na versão de Fleury, “Minhoca” teria tentado escapar da polícia e, na fuga, foi atropelado por um caminhão. Como se fizesse um favor, chegou a oferecer ao pai de Alexandre a placa do veículo  --macabro suvenir.

Nada.

Àquela altura, por volta do dia 20 de março de 1973, o corpo de Alexandre já tinha sido enterrado como indigente em uma cova rasa no cemitério de Perus. O cadáver fora coberto com cal, para que mais rapidamente entrasse em decomposição, impedindo que eventual exumação descobrisse as marcas de tortura.

Pois, tal como acontecera antes com Virgílio Gomes da Silva e outros presos políticos, tal como aconteceria depois com Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho, Vannucchi Leme havia sido morto sob tortura.

Militante da ALN, a agremiação de Carlos Marighella, Minhoca –apelido que ganhara por causa do corpo magro-- movimentava a estudantada na USP.

“Partilhava de todas as lutas comuns aos estudantes da época: contra o ensino pago, contra a falta de verbas, contra o fechamento do CRUSP. Por outro lado, como estudante de Geologia, foi extremamente preocupado com a questão dos recursos naturais do país devastados pelo capital estrangeiro. Sobre o ciclo da exploração do ferro, editou um boletim especial do Centro Acadêmico da Escola, no qual enumerava as principais jazidas e empresas exploradoras. Tomou posição contra a Transamazônica, do modo como estava sendo feita. E passou a fazer, junto com outros colegas, exposições e palestras em outras faculdades e escolas do 2° grau”, conforme diz sua biografia no site www.desaparecidospoliticos.org.br, criado pelo  Centro de Documentação Eremias Delizoicov e pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Político.

Foi visto pela última vez no campus da USP no dia 15 de março de 1973. Sua prisão aconteceu no dia seguinte, por volta das 11 da manhã. No dia 17 de março, estava morto.

Em depoimento publicado na “Folha de S.Paulo” em 27 de abril de 1978, a ex-presa política Neide Richopo disse que, além de ser torturada e obrigada a assistir torturas, presenciou o assassinato de um rapazinho no DOI, chamado Alexandre. Segundo ela, “se ouviam os gritos de tortura de Alexandre durante dois dias; no segundo dia, ele foi arrastado, já morto, da cela onde ele se encontrava”.

Das câmaras de tortura, Alexandre foi carregado em frangalhos até a cela que compartilhava com outros presos. Ainda pode falar aos companheiros: “Meu nome é Alexandre Vannucchi Leme, sou estudante de Geologia, me acusam de ser da ALN… eu só disse meu nome”.

Não resistiu à violência e à brutalidade, conforme a biografia citada: “Por volta das 17 horas, o carcereiro conhecido pelo nome de "Peninha" foi retirá-lo da cela para levá-lo para mais uma sessão de tortura. Alexandre não respondia aos gritos do carcereiro que, intrigado, entrou na escura cela-forte e constatou que estava morto, saindo da cela aos gritos de "o homem morreu". Os torturadores correram todos para ver o corpo de Alexandre e o retiraram da cela-forte, arrastando-o pelas pernas. Tal cena, assistida por todos os demais presos recolhidos às dependências do DOI-CODI naquele dia era brutal: Alexandre sangrava abundantemente na região do abdômen.”

O assassinato de Alexandre não ficou impune. Os responsáveis diretos pelo crime não foram levados à Justiça, mas a ditadura militar, que propiciou, incentivou e disseminou a violência contra a oposição, acabou encontrando ainda mais oposição, mais forte e decidida.

A morte de Alexandre foi um rastilho, uma faísca que incendiou os ânimos dos estudantes paulistas e brasileiros.

A história é contada com brevidade pelo Diretório Central de Estudantes da USP, que homenageia Vannucchi Leme no nome:

“Outros estudantes também haviam sido presos e era preciso tomar alguma atitude. O Conselho de Centros Acadêmicos declara luto na USP e os alunos pressionam por uma intervenção do então reitor Miguel Reale que, num ofício à Secretaria de Segurança Pública do Estado, solicita informações sobre a morte de Alexandre “aos órgãos competentes”. A resposta, porém, contem as mesmas informações já divulgadas pelos jornais: atropelamento.

“Surge a idéia de convidar dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, para realizar uma missa em memória do colega assassinado. Entidades da sociedade civil, que até então preferiam fechar os olhos, começam a se levantar contra a tortura. Reunindo milhares de pessoas, o ato após a missa transforma-se na primeira grande manifestação pública de oposição à ditadura desde as manifestações de 1968.



“A revolta contra o assassinato do colega e outras 44 prisões de alunos da USP faz ressurgir o movimento estudantil. Em um dos momentos mais críticos da ditadura, em condições totalmente hostis, Gilberto Gil é chamado para denunciar as prisões em curso. Num claro gesto de desobediência civil, durante o show na Escola Politécnica, o cantor levanta assuntos delicados: política, movimento estudantil, arte engajada versus arte pura, o imperialismo americano. O show que deveria ser de 30 minutos dura três horas.

“No campus da USP, nas salas de aula, nos centros acadêmicos, os estudantes se mobilizam. Depois do silêncio imposto pelo AI-5, em 1968, os estudantes voltam a se reagrupar e, no dia 26 de março de 1976, criam, em assembléia, o DCE-Livre da USP, agora reconstituído e batizado com o nome de Alexandre Vannucchi Leme.”

Foi para Alexandre o dia de hoje da CORRIDA POR MANOEL. No 43º aniversário da morte do estudante, corri 17 km até a praça nomeada em homenagem a ele.


Fica no Jardim Catanduva, sob as ordens da subprefeitura de Campo Limpo, um dos mais populosos distritos de São Paulo, no extremo sudoeste da cidade, quase na fronteira com Taboão da Serra.



Aliás, para chegar até a praça, há que passar ao largo do pórtico que marca a entrada da cidade vizinha. Em quilometragem, não é muito longe: são pouco mais de 15 quilômetros do espigão da Paulista.

Há, porém, um mundo inteiro de distância desde os conglomerados financeiros que se erguem como contas de rosário ao longo dos dois quilômetros da rica avenida central e as favelas que pipocam nas laterais e encostas da estrada do Campo Limpo.



Para chegar até lá, desci praticamente toda a avenida Francisco Morato, até avistar o tal pórtico de Taboão. Era hora de entrar á esquerda, seguindo pela Estrada de Campo Limpo.

Vai-se enquanto se puder, depois há que dobrar numas quebradas, curva para cá e lá, seguir mais um pouco e, enfim, entrar à direita.

É claro e evidente o descuido com a praça. Há lixo em vários locais, grama alta, equipamentos de parquinho quebrados, equipamentos de ginástica abandonados, as quadras de basquete e futebol de salão estão em petição de miséria.



Caminhei e corri por lá para tentar criar no mapa o desenho do perímetro da praça, que é uma espécie de triângulo com degraus. Na parte mais próxima à rua principal da área, é apenas uma nesguinha, uma faixa, uma tripa, que vai engordando e ganhando corpo à medida que a gente avança para o bairro.

Fica mais larga: cabem duas quadras de esporte, que parecem largadas à própria sorte. Mais para a frente, há uma área de lazer, um pátio de cimento onde ainda sobrevive um aparelho de ginástica –um outro está jogado no meio da grama alta.



No extremo desse plano, ficam os restos de um parquinho para crianças, que um dia deve ter sido muito bacana. É daqueles em que os brinquedos são criados com grossas toras de árvores; do conjunto de balanços, porém, só restou a estrutura.

Uma escadaria dá acesso aos platôs mais altos da praça. Lá em cima, quase escondido no meio da grama, há uma mesa e bancos que seriam ótimos para reunião da comunidade, piqueniques, encontros de amigos, mas estão largados.

Ou estavam. Apesar do abandono evidente, a praça não está totalmente esquecida. Quando estive lá, na manhã de hoje, 43º aniversário da morte do Minhoca, equipes de limpeza e jardinagem trabalhavam a mil.



O som dos cortadores de grama enlouquecia quem porventura buscasse
paz e silêncio, e pelo menos meia dúzia de trabalhadores cuidava de varrer e deixar tudo em condições mais apresentáveis.

Falta muito para ficar boa, mas é melhor que nada.


CORRIDA POR MANOEL – 26º dia

Destino – praça Alexandre Vannucchi Leme, percurso de 17,55 km


Distância percorrida até agora: 281,29 km 

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