10.1.17

Treinador Flavio Freire corre e festeja a passagem do tempo

Hoje exagerei de novo. A planilha pedia doze quilômetros, mandei quase um quilômetro e meio a mais. Isso não é coisa que se faça quando se está em processo de recuperação, quando se está tentando deixar ossos e músculos em boas condições de retomar as corridas da vida.
O fato é que me perdi na conversa. Convidei o treinador Flávio Freire, um dos mais experientes da cidade, para me acompanhar no treino de hoje. Eu sabia que o cara era bom de corrida, mas não imaginava que conversasse tanto –é que ele tem a maior cara de bravo, está sempre sério, concentrado.
Que nada, o sujeito fala pelos cotovelos, contando ótimas histórias. E ele tem muita história para contar, basta dizer que contabiliza mais anos de corrida do que a maioria da população brasileira tem de vida: começou a correr por volta dos 15 anos, neste ano completa 52 anos, faça as contas.
Mas não foi só por isso que convidei o Flávio para a etapa de hoje do projeto 60 Maratonas aos 60 Anos. O convite foi porque ele é um sujeito que respeita e festeja a passagem do tempo. Há dois anos, quando chegou aos 50 anos, tratou de comemorar como é do feitio dos corredores: correndo.
Juro que a gente não combinou a roupa de corrida
Inventou um desafio: participar de 50 provas ao longo do ano. “Isso á fácil”, você pode dizer. De fato, pode ter alguns complicômetros logísticos e financeiros, mas, para corredores experientes, enfrentar esse volume de corridas em distâncias médias, de 5 km a meia maratona, não é exatamente a coisa mais difícil do mundo.
Bueno, Flávio também sabia disso e inventou um desafio dentro do desafio. Competitivo que é, se propôs a ficar entre os cinco primeiros de sua faixa etária no maior número de provas. Tem de ser veloz e resistente: em média, para pegar pódio na categoria 50-54, é preciso correr os cinco quilômetros em 19 minutos e fazer os 10 km em no máximo 40 minutos.
Para ele, conforme me contou hoje enquanto corríamos pelas alamedas do parque Ibirapuera, não se tratava apenas de cumprir um desafio, mas sim de fazer uma espécie de manifesto de vida, de dizer a si mesmo que estava se preparando bem para a sua segunda metade de vida, que poderia fazer a nova etapa ainda melhor do que a primeira.
Os resultados comprovaram a excelente forma do treinador: em 88% das provas, chegou entre os cinco primeiros da sua faixa etária, sendo campeão da categoria em 27 corridas.
Que beleza, hein!
É bom saber, ainda, que Flávio não está sempre e apenas focado na obtenção de resultados na corrida. Busca orientar seus alunos para a conquista de melhor qualidade de vida e faz trabalho voluntário em um asilo de idosos.
Esses foram alguns dos temas da entrevista que, na manhã de hoje, transmiti ao vivo pela internet. Agora, especial para você, reproduzo o vídeo. 


Clique nele para acompanhar a conversa sobre esporte e saúde para os mais velhos e sobre um pouco da história das corridas de rua no Brasil.
Sobre isso, por sinal, Flávio tem muito a contar. Ainda vamos voltar a conversar bastante sobre os primórdios da corrida no Brasil. Enquanto isso, aproveite para conhecer a história dos primeiros passos desse importante treinador e atleta dedicado, que um dia conseguiu dar um “perdido” nas suas missões como Office-boy em um escritório na avenida Faria Lima para correr até o clube Pinheiros e se apresentar para um teste.
Os detalhes desse início Flávio me contou em um texto que mandou dias antes de nossa corrida de hoje –toda ela com intervalos, 300 metros correndo, 700 metros caminha.  É o que reproduzo a seguir (a foto é do arquivo pessoal de Flávio Freire).

A DESCOBERTA DA CORRIDA
“Quando eu era pequeno, tinha receio de participar de qualquer coisa que dependesse da velocidade da corrida: "pega-pega" e "esconde-esconde" eram algumas brincadeiras em que normalmente eu não era bem sucedido.
Na minha adolescência, meu pai aos finais de semana sempre gostava  ir correndo de uma casa para outra, comigo e o meu irmão mais velho. Percorríamos de três a cinco quilômetros, imagino, pelo menos era a sensação que eu tinha, pois quando somos pequenos tudo parece muito grande e muito distante. Também nessas "corridinhas" eu era sempre o último a chegar.
Quando eu tinha onze anos e estava na quinta série do ginásio, houve uma prova seletiva para definir quem ia representar a escola no evento de atletismo entre as escolas regionais. Fui o segundo colocado e fui um dos selecionados.
Estudava em uma escola que fica ao lado da USP, e esse teste foi realizado no quarteirão da antiga garagem de ônibus da Veterinária. Portanto desde pequeno  frequentei a Cidade Universitária, ora para fazer atletismo ou jogando futebol nas aulas de educação física da  escola, ora jogando futebol com os amigos da rua e do bairro.
Quando íamos com um grupo de amigos jogar futebol na USP, passávamos nas casas dos amigos para acordá-los e assim íamos fazendo até completar o grupo que ia a pé em um trajeto de dois quilômetros, mais ou menos. No caminho, sempre passávamos em frente do bosque da USP, víamos as pessoas dando voltas num lugar cercado, ficávamos curiosos sobre as razões delas e qual seria a distância da volta.
Na hora de escolher o time, não precisa dizer que eu sempre era um dos últimos, pois eu corria bastante durante o jogo inteiro, mas não tinha habilidade para ajudar o time.
Um belo dia, após o futebol, eu resolvi entrar naquele bosque que tanto me deixava curioso. Entrei e perguntei para uma das poucas pessoas que lá estavam, qual era a distância de cada volta e a resposta foi que tinha um quilômetro. Então eu pensei, vou tentar fazer uma volta, ou seja, mil metros, pois falando assim fica a impressão de muita coisa, "mil metros". Fiquei até com receio de me perder, mas estava mais preocupado em conseguir completar uma volta.
Consegui! Cheguei em casa eufórico, orgulhoso de mim mesmo, pois achava que toda aquela sensação de impotência quando dependia da corrida tinha acabado. Agora eu era um corredor de " mil metros". A partir de então, sempre após o futebol de final de semana eu passava no bosque para correr os meus infinitos "mil metros".
 Vale a pena lembrar que eu sempre fui motivado a praticar esporte, pelo exemplo do meu pai, que fazia musculação, boxe e judô, e pelo belo exemplo do meu avô paterno, que costumava acordar por volta das cinco horas da manhã e fazia uma serie de exercícios de calistenia na área  da minha avô, ele não falhava um dia. Ele também caminhava muito rápido para fazer a suas coisas e eu sempre tinha muita dificuldade para acompanhá-lo.
 Todos os dias eu fazia barras e alguns exercícios; quando completei 13 anos fiquei sócio da Associação Cristã de Moços (ACM) do centro da cidade. Lá eu fazia uma rotina de exercícios denominada “ condicionamento físico”. Tive vários professores, que sempre foram muito atenciosos comigo, mas vale a pena ressaltar um deles, ainda o vejo correndo pelas ruas da USP e em competições.
É o senhor  Araya, que adorava corrida e jogava xadrez na ACM. Jogávamos algumas partidas, mas eu ainda não gostava da corrida como ele. Ele era responsável por um departamento que levava os sócios para as competições e um dia me convidou para representar a ACM-Centro em um evento em Sorocaba. No dia da prova, como não tinha nenhuma experiência e nem orientação, comecei errado na minha rotina alimentar pré-prova, que era às 17h. Foi horrível,  mas ainda consegui ficar bem colocado na geral e fazer bons pontos para a minha unidade em SP.  
No começo de 1980, ano em que eu iria completar quinze anos de idade, resolvi fazer o famoso teste para tentar ser atleta do Clube Pinheiros. Foi um dia muito marcante na minha vida!
Conversei com o professor Valdir Barbanti, que era o técnico do clube, e ele me disse para falar com a Miriam Inês Braga Castelo Branco, professora de iniciação. Ela fez algumas perguntas e logo me orientou para fazer o aquecimento e pediu para chama-lá quando estivesse pronto. 
 O teste consistia em fazer em doze minutos a maior distância possível. No soar do apito dela terminava assim o teste, e  eu tinha que permanecer no local para ela aferir a distância total percorrida. Foi muito emocionante e até hoje fico arrepiado quando conto essa historia.
Na pista tinha muita gente treinando, atletas de várias modalidades, e eu um moleque franzino, fazendo um teste que poderia ser o início da minha carreira como atleta do maior clube do Brasil --um sonho de qualquer pessoa da minha idade na época.
Na medida em que fui dando as voltas, percebia e ouvia vozes de pessoas que estavam treinando e que pararam de treinar só para gritar, torcendo por mim, mesmo não me conhecendo. Não entendi nada, só pensava que tinha que continuar correndo e cada vez mais rápido.
Só hoje sou capaz de entender o motivo, pois eles talvez estivessem impressionados, como aquele menino tão magrinho estava tão compenetrado e correndo em um ritmo próximo de três minutos e três segundos por quilometro. Para um menino de quinze anos eu acho que justificava a torcida.
Quando terminou o teste, a professora Miriam logo me disse que eu tinha sido aprovado. Imagine a minha felicidade que pode compartilhar  com várias pessoas que vieram falar comigo. Foi fantástico!!! Foi um momento muito especial na minha vida.” 

VAMO QUE VAMO!!!


Percurso de 10 de janeiro de 2017
13,46 km realizados em 2h27min18

Acumulado no projeto 600 aos 60
299,38 km realizados em 61h41min41

Acumulado no projeto 60 M 60 A
76,17 km realizados em 14h42min48



9.1.17

Primeira maratona já era; agora faltam apenas outras 59

Não teve pompa nem circunstância, fanfarra nem banda de música: a primeira maratona de meu projeto de percorrer, ao longo deste ano, a distância de sessenta maratonas, passou quase em branco.
Não havia, no ponto exato da imaginária linha de chegada, nenhum marco importante. Desde o início de minha caminhada de sábado, sete de janeiro de 2017, fiquei imaginando onde se daria a passagem dos primeiros 41.195 metros acumulados desde o dia primeiro de janeiro.
O percurso era pela avenida Doutor Arnaldo, que homenageia o médico Arnaldo Vieira de Carvalho, fundador da faculdade de Medica de São Paulo e um entusiasta da eugenia, que é o movimento que prega a limpeza da raça humana de fatores que a empobreceriam –a suposta existência desses fatores é uma justificativa para o racismo.
No primeiro quilômetro, passaria pelo famoso mercado de flores, que fica em frente ao cemitério do Araçá. Estava torcendo para que a marca dos 910 metros (quando totalizaria a distância da primeira maratona) caísse em frente a uma banca bonita, colorida; ou, pelo menos, em frente a um dos grandes portões de ferro do cemitério.


Nananina. Foi num lugar insosso, em frente ao muro do Araçá, onde nem sequer havia uma pichação qualquer que servisse para identificação do ponto exato de minha queridíssima primeira maratona. Recentemente caiada, a parede escondia uma inscrição. Com algum esforço do passante ainda era possível ler, sob a tinta branca, o grito de protesto amplo, geral e irrestrito, quase desesperado: “Fora Todos”.
A maioria dos transeuntes, porém, não chegaria a notar o palavreado. A própria fotografia mal registra as letras perdidas em uma das camadas do palimpsesto que virou o muro do Araçá.
Uns trinta metros além, em direção à avenida Paulista, sim, a parede se somava de peito aberto às manifestações de parte da população brasileira, afirmando: “Temer Golpe”.
E, logo à frente, o muro do Araçá virava tela para a arte urbana, um desenho que sempre me intriga. É um copo meio cheio de água? Ou é uma boca de fogão montada em surpreendente plataforma? Alguma coisa há de ser.
Passei pelos muros que me olhavam, segui pensando nas dores que rondavam meu joelho. Não pode doer, preciso prosseguir.
E fui, fazendo desta segunda corrida – de novo, apenas trechinhos de 300 metros intercalados por caminhadas mais longas—uma incursão à avenida Paulista, desde seu final até nascimento, no Paraíso.


É muito bom correr, mesmo que pouquinho. Ainda corro cheio de dúvidas, tateando o movimento, tentando reaprender a colocar uma perna à frente da outra, organizando meu corpo, examinando o que faço de errado, sentindo os músculos acordarem e as engrenagens se mexerem, ainda um tanto enferrujadas.
Queria fazer do domingo mais um treino, mas obedeci às ordens conservadores de meu fisioterapeuta, que defende intercalar um dia com corridas com outro de apenas caminhada.
Resolvemos, então, caminhar jutos, Marcelo Semiatzh e eu. Aproveitamos para discutir todos os problemas do mundo, sem resolver nenhum; e conversamos também sobre o próprio ato do caminhar, a importância do andar para o correr.
Ao longo do caminho, depois de mais de dez quilômetros percorridos, fizemos uma transmissão ao vivo pela internet apresentando essas discussões. Veja só como foi.


Com o que, em dois dias, percorri pouco mais de uma meia maratona.
Falta muito, mais é menos do que faltava no dia primeiro de janeiro.

Vamo que vamo!



Percurso de domingo, 8 de janeiro de 
2107
11,42 km percorridos em 2h17min13
Acumulado no projeto 600 aos 60
285,92 km em 59h14 min23
Acumulado do projeto 60 M 60 A

62,71 km em 12h15min30

6.1.17

Nunca é tarde para começar (reflexões sobre a velhice)

Hoje eu gostaria de contar para você como foi meu segundo dia de retorno às corridas, a emoção do trote, a sensação de vida nos músculos, o gosto de liberdade nos cabelos, o suor queimando os olhos, a velocidade limpando a alma.
Não vai ser possível.
Não corri hoje. Não foi por dor nem sofrimento, mas por orientação de meu fisioterapeuta, o guru do movimento Marcelo Semiatzh. Ele se mostrou mais conservador do que o ortopedista, recomendou um pouquinho mais de cautela na volta às corridas.
Corpos mais velhos apresentam mais lentidão na recuperação de tecidos e estruturas do corpo; as exigências devem ser mais comedidas. Assim, ainda que, do ponto de vista médico, eu esteja em condições de correr em dias seguidos, Marcelo propôs uma alternância, com dias de apenas caminhadas.
Neste momento, estou perdendo a corrida contra o tempo e a distância. Se repetir quarenta dias o que fiz nos últimos quarenta dias, não vou atingir seiscentos quilômetros percorridos até o dia de meu aniversário. Logo, as caminhadas também precisam ser mais longas.
Hoje foram onze quilômetros em pouco mais de duas horas, tempo sufiente para permitir à mente voos diversos. Deu para sonhar acordado e também para refletir sobre este período da vida, o da velhice –ou da chegada à Terceira Idade.
Lembrei recente entrevista que fiz com um dos maiores especialista em velhice em São Paulo, talvez no Brasil. O geriatra Wilson Jacob Filho não só tem mais títulos acadêmicos que a gente pode imaginar como também é um ativo militante da luta por maior qualidade de vida para os mais velhos. Professor da USP, coordena o programa Gera Saúde no Hospital de Clínicas, de promoção de saúde dos maiores de sessenta anos.
“Eu não quero um idoso alvo das benesses. Eu não quero um idoso passivo. Eu não quero um idoso para o qual eu desenvolvo estratégias. Eu quero um idoso arqueiro, participando do desenvolvimento de estratégias que beneficiam o idoso. Eu não quero dar o tom para o idoso. Eu quero que ele venha fazer o tom”, diz Jacob Filho.
Aos 63 anos completos, o geriatra é exemplo vivo de sua tese em defesa da atividade física. Corre, caminha, faz musculação e, nos finais de semana ou quando lhe é possível, faz atividades ligadas à vida rural: “Eu monto a cavalo, eu planto, eu capino, eu faço coisas numa chácara que me dão um bem-estar incomensurável. No final do dia estou cansadíssimo, muito mais do que se eu tivesse corrido 20 quilômetros. Ou andado 60 quilômetros de bicicleta. Eu estou exausto. Agora, a sensação de bem-estar, de fazer isto ao sol, é incomparável”, diz ele.
A conversa com Jacob Filho foi longa, um bate-papo entre ex-colegas –ele foi colunista na caderno Equilíbrio, da “Folha de S. Paulo”, na mesma época em que eu mantinha lá minha coluna “+Corrida”. Reproduzo a seguir alguns dos principais trechos, começando com os efeitos do envelhicemento no corpo humano.



RODOLFO LUCENA – Aos sessenta anos, a pessoa entre na Terceira Idade, segundo critérios da Organização Mundial de Saúde. O que acontece quando a gente envelhece?

WILSON JACOB FILHO – Existem divisões que são evidentemente mais didáticas do que propriamente biológicas, que demarcam o ciclo da vida em diferentes fases. O que acontece no exato momento em que um homem faz 60 anos? Nada, absolutamente nada. O que difere um homem de 59 de um homem de 60, de um homem de 61?
Nada. Do ponto de vista biológico, salvo por uma doença, ele é exatamente igual. Porém, no processo que o leva dos 30 aos 60 e dos 60 aos 90, usando 60 como divisor de águas, certamente muita coisa acontece. Se eu tivesse que usar uma definição muito restrita, eu diria: ele perde a sua reserva funcional. Ele perde o excedente de função que ele tinha e não usava, a não ser em situações muito especiais. E vai ficando cada vez mais próximo da capacidade que ele tem de usar aquilo que ele possui como limite da função do órgão.
Dirá você: “Ah, mas eu conheço um monte de caras que carregam 40 quilos aos 80 anos”. São absolutamente exceções. Tiveram que trabalhar muito durante uma vida inteira para chegar numa capacidade muscular capaz de carregar 40 quilos aos 80 anos. Tiveram que trabalhar uma vida inteira para ter a capacidade de correr 10, ou 20, ou 30, ou 40 quilômetros aos 80 anos. Existem, mas são fruto de toda uma preparação de décadas.
Ninguém começa a correr aos 79 anos e aos 80 anos buscando grandes distâncias, sem correr riscos. Ninguém pega uma massa, um peso de 40 quilos, e faz exercícios com eles sem ter uma preparação correta. Essa é fundamentalmente a grande diferença de um organismo jovem e de um organismo idoso.
Isto cria a condição, o conceito de suscetibilidade, que é diferente de fragilidade. Suscetibilidade significa: o indivíduo fica mais suscetível a uma repercussão negativa ou deletéria.
Ambos, jovem e idoso, podem contrair gripe. O vírus é o mesmo. A gripe é a mesma. Só que a suscetibilidade do idoso faz da gripe uma doença grave. Enquanto que a suscetibilidade do jovem faz da gripe uma doença banal. Por isso que faz sentido eu vacinar o idoso, para o idoso não ter gripe. Não que ele é mais propenso a ter gripe. Mas ele é mais propenso a ter uma complicação da gripe.

RODOLFO LUCENA – O que é possível fazer para minorar a suscetibilidade? Manter as reservas do organismo ou diminuir a velocidade da perda?

WILSON JACOB FILHO - É possível diminuir a velocidade da perda. Seja da perda muscular, seja da perda cardiorrespiratória, sejam perdas metabólicas e todas mais.
Você pode aumentar a reserva quando jovem, para que, mesmo perdendo, você ainda tenha uma reserva quando idoso. Seria o equivalente a uma poupança. Você cria um bom patrimônio fisiológico, para que mesmo perdendo no transcorrer da vida, você chegue com o capital bastante bom aos 70, 80, 90 anos.
Isso é facilmente demonstrável com o osso. Só fica osteoporótico aos 70 anos de idade quem não teve um bom pico de massa óssea aos 30. Idem para a função cardiorrespiratória: quem não teve nenhum desenvolvimento cardiocirculatório por conta dos exercícios na fase inicial da vida, vai perde-lo rapidamente. Massa muscular. Idem. Desenvolvimento mental. Idem.
Há agravantes, que muito frequentemente decorrem de maus hábitos. Um indivíduo que compromete a sua função pulmonar por conta do tabagismo, ele vai chegar aos 80 anos de idade com dois componentes, a idade e os 65 anos de tabagismo. É lógico que ele terá um enfisema. É esperado que ele tenha um enfisema. Porque ele tem 80 anos de idade? Não. Porque ele agravou a condição de perda funcional com uma doença adicional que é a doença pulmonar obstrutiva crônica.

RODOLFO LUCENA – Em contrapartida, é possível ter ganhos, mudando hábitos, incluindo o exercício na vida, mesmo depois dos sessenta anos? Digamos que o cara acordou aos sessenta anos...

WILSON JACOB FILHO - É totalmente possível. No site da Organização Mundial de Saúde tem uma frase clássica: Never is too late”, “Nunca é tarde para começar”.
Você deve interromper o tabagismo aos 90 anos de idade? Sim. Deve iniciar uma prática de atividade física aos 85? Sim. Deve procurar atividades culturais e vida social aos 90? Deve.
Tudo isto melhora a qualidade de vida. Em geral, os bons resultados já aparecem com curto intervalo de mudança de hábitos, porém nunca será tão bom como se fizesse isto a vida toda.
Aos 90, 80 anos de idade, a interrupção do tabagismo mostra efeitos positivos dois a três meses depois da interrupção. Mas nunca iguais àquele que o indivíduo que interrompeu aos 60, interrompeu aos 40, ou nunca fumou.
O início de uma atividade física controlada e organizada aos 80 anos de idade mostra benefícios em 12 semanas. Mas nunca tão bom quanto um indivíduo que veio ativo a vida toda. A chance de lesão é maior. Mas é sem dúvida nenhuma muito melhor despertar aos 60, ou aos 70, ou aos 80, do que não despertar.

RODOLFO LUCENA – Por quê? O que esse despertar muda na vida da pessoa?

WILSON JACOB FILHO - Em geral muda a perspectiva, a expectativa que ele tem perante a vida. O indivíduo descobre que ele não está numa espiral descendente. Ele percebe que existem coisas que nunca foram feitas durante a sua vida, ele nunca experimentou aquilo, ou se se experimentou, experimentou muito no passado, e que lhe confere uma nova perspectiva perante a vida.
Temos um grupo de formação de saúde e promoção de saúde dentro do serviço de geriatria no Hospital de Clínicas na qual ouvimos constantemente depoimentos do tipo: “Eu nunca me senti tão útil quanto eu me sinto agora. Eu nunca fui capaz de me imaginar fazendo algo parecido com isto. Eu nunca tive tanta motivação para fazer algo como eu tenho agora”.
São pessoas que saíram de um grilhão, onde eles eram fundamentalmente peças de uma engrenagem, seja engrenagem família, seja engrenagem empresa, e passaram a ser elementos responsáveis, donos da sua própria vontade. Este protagonismo que nós gostaríamos muito que o idoso, o indivíduo que envelhece, continuasse a ter, é a nossa bandeira. É aquilo que nós mais defendemos.
Eu não quero o idoso alvo. Eu quero um idoso arqueiro. Eu uso muito essa figura. Fazer para o idoso tem sentido, naquilo que ele não consegue fazer por si. Mas eu não quero um idoso alvo das benesses. Eu não quero um idoso passivo. Eu não quero um idoso para o qual eu desenvolvo estratégias. Eu quero um idoso participando do desenvolvimento das estratégias que beneficiam o idoso. Eu não quero dar o tom para o idoso. Eu quero que ele venha fazer o tom. A história do ensinar a pescar ou dar o peixe. Tem sentido. Dar o peixe mantém a sobrevivência, ensinar a pescar tem um interesse pela vida. Dá ao indivíduo a condição de ele ser responsável por si mesmo.

VAMO QUE VAMO!!!

Percurso do dia 6 de janeiro de 2017




11,10 km percorridos em 2h13min18

Acumulado no projeto 600 aos 60

264,50 km em 55h12min16

Acumulado no projeto 60 M 60 A

41,29 km em 8h13min23


5.1.17

Com 300 metros de trote, faço primeira corrida do ano

Trezentos metros. Essa foi a conta exata de minha primeira corrida do ano, minha primeira corrida em dois meses, minha primeira corrida desde a dor lancinante que, em seis de novembro de 2016, anunciou que eu estava com uma fratura por estresse no fêmur esquerdo.
Esse tipo de fratura quem cura é o corpo: há que dar tempo para que o osso se regenere. Em média, corpos jovens estão cem por cento depois de dois meses; velhinhos como eu precisam de mais tempo.
Mesmo assim, depois de um exame na tarde de ontem, meu médico acho que eu já estava em condições de experimentar uma corridinha.
Tudo muito conservador, com muita calma, mas de olho na tentativa de completar seiscentos quilômetros até o dia 14 de fevereiro próximo.
Estou atrasado, porque até agora vinha caminhando percurso curtos a cada dia –foram várias etapas de três quilômetros, depois passando para quatro, cinco e seis quilômetros.
Hoje fiz dez quilômetros mais 250 metros (estes apenas para chegar até o ponto do ônibus), mas tudo calibrado , em pequenos blocos, com muita caminhada –mais de 80% do trajeto foi feito caminhando.
Fiz um bloco de dois quilômetros caminhando, depois a primeira corrida do resto de minha vida, o primeiro de seis blocos de 300 metros correndo por 700 metros caminhando. Para completar, mais dois quilômetros caminhando.
Não tive dores, mas a sensação era a de um corpo que começa a acordar. Pensei que não saberia mais como correr, mas a memória do movimento estava lá, viva. E me fui.
Primeiro trecho de 300 metros percorrido a trote no treino de hoje; no total, foram seis blocos de 300 metros corridos

A largada se deu na avenida Brasil, assim que atravessei a Rebouças. Parti um tanto desengonçado, tentando entender o balançar das pernas, o equilíbrio das costas, o mover dos braços.
A parte mais sentida me parece o posterior da coxa. Estava duro, movimentando-se como um pistão enferrujado, segurando meus movimentos.
Eu nunca fui um sujeito flexível, mas aquele músculo estava exagerando. Melhorou no segundo bloco, piorou no terceiro e voltou a melhorar. Vou ter de voltar a fazer alongamento.
E vou ter de voltar a tentar emagrecer. Acho que, tirando lesões de qualquer tipo, o peso é o maior inimigo do corredor. E eu estou com peso demais, assim como faço esforço de menos para emagrecer ou pelo menos controlar.
Já fiz várias tentativas em que tive apoio de nutricionistas. Algumas deram certo ou parcialmente certo –houve redução de peso, mas o objetivo final não foi atingido--, outras foram pura perda de tempo (Tem até uma piada macabra sobre isso, em que o cara diz: “Fiz 15 dias de dieta e perdi... 15 dias”).
Com menos peso, se corre melhor e há menos pressão sobre os músculos e ossos, o esforço geral para correr é menor, o gasto de energia é menor, enfim...
Mas o que fazer em relação àquela torta de brigadeiro ou àquele sorvete cremoso?
“Comer de tudo, mas pouco”, receitam alguns. O que é pouco, cara-pálida?
Neste momento, o que me importa é que, apesar do peso extra, corri 1.800 metros (seis blocos de 300 metros cada um) e não tive nenhuma dor no joelho.
Amanhã vou caminhar os mesmos dez quilômetros, no sábado e no domingo repetirei o treino de hoje. Vamos ver.
É devagar, é demorado. Se funcionar, a gente chega lá.
Vamo que vamo!!!

Percurso do dia 5 de janeiro de 2017
10,25 km percorridos em 1h52min43
Acumulado no projeto 600 aos 60
253,40 km em 52h58min58
Acumulado no projeto 60M60A
30,19 km em 6h00min05

  

4.1.17

Será que vou poder voltar a correr agora?

Todos os dias, desde a alegre e ensolarada manhã de seis de novembro passado, ou faço a pergunta, indagando a nada e a ninguém em particular, apenas pensando: será que um dia vou voltar a correr?
No dia nove de novembro de 2016, o ortopedista/maratonista que examinou o laudo de minha ressonância magnética afirmou que a recuperação levaria cerca de dois meses. É o tempo médio para que o corpo possa consertar fratura por estresse como a que acometeu aponta esquerda de meu fêmur esquerdo.
Doía muito, mais ainda porque tinha de parar de correr e talvez abandonar meu projeto de correrias aos sessenta anos.
Deu para caminhar. Minha jornada começou no dia 14 de novembro, tentando fechar 600 quilômetros no dia 14 de fevereiro próximo, quando completo 60 anos.
Já caminhei 243,15 quilômetros. E hoje volto ao médico para novo exame. Em tese, ele deve me liberar para começar a dar alguns trotes e, aos poucos, aumentar o volume de corrida. Tenho medo deste “em tese”: ao longo dos últimos meses, tive dores de vez em quando, ainda que diferentes daquela maldita pontada que me levou a mancar pelas ruas de São Paulo. O que faço se a proibição continuar?
As caminhadas são bons momentos de reflexão; algumas, até de alegria. Ao longo dos últimos 15 dias, estive afastado do mundo internético, deixei de atualizar meus números e mapas, mas não deixei de caminhar nem de construir mapas e processos e projetos com minhas passadas.
Com minha filha, desenhei no espaço urbano virtual um barco fenício –ou foi assim que imaginamos aquela figura. 

Eu inverti a figura original para que o desenho do barco ficasse mais claro, se é que ficou...

São apenas traços pelo chão, uma base, um mastro lá, outro aqui, uma baixadinha para a área dos remos, outra para o setor de armazenamento de víveres –eis a embarcação construída em pensamentos e desenhada com passos...
Em Porto Alegre, me embrenhei por ruelas cobertas de sombra de árvores centenárias, em ambiente que nunca tinha desbravado. Foi como reviver minha cidade, revê-la, redescobri-la de forma lenta, com passadas suadas.
Cá em São Paulo, para onde finalmente volto, faço da caminhada meio de transporte, vou a reuniões, ao cinema, à pizzaria e ao mercado com minhas próprias pernas.
Sei que somos poucos, eu e outros sessentões ou quase sessentões que praticamos algum tipo de atividade física. Para nosso bem-estar, para nossa saúde, é preciso que a ideia se espalhe pelas ruas, praças, avenidas, trilhas, academias e albergues: o velho –e a velha—também pode fazer exercício.
Eu, neste momento, não posso correr. Mas posso caminhar, e caminho.
Será que um dia vou voltar a correr?
Vamos ver.

ESCLARECIMENTO::: Era o que eu tinha para dizer neste momento. Mas devo ainda outras explicações a quem acompanha minha trajetória, já que deixei de fazer, nos últimos 15 dias e pouco, as atualizações diárias que publicava aqui neste espaço.
E agora as coisas se complicaram, pois há dois projetos em andamento.
O 600 quilômetros aos 60 anos começou em 14 de novembro e vai até 14 de fevereiro; o desafio, como se sabe , é percorrer 600 quilômetros nesse período, coisa que está cada vez mais difícil, especialmente se eu não puder correr logo, imediatamente, já.
No dia 1º de janeiro de 2017, na entrada do Ano Novo, começou o outro projeto, 60 MARATONAS AOS 60 ANOS (60M60A). O objetivo é percorrer, ao longo do ano, até 31 de dezembro, distância equivalente à de sessenta maratonas: 2.532 quilômetros.
Por conta disso, passo a fazer uma nova apresentação da quilometragem do dia e dos acumulados. Acompanhe a seguir, confira se está claro e, por favor, mande seus comentários e sugestões.
Vamo que vamo!!!


Percurso do dia 4 de janeiro de 2017
6,74 km em 1h16  
Acumulado no projeto 600 aos 60
243,15 km em 51h06min14
Acumulado no projeto 60 M 60 A

19,94 km em 4h07min21

20.12.16

Vomitando e com dor de barriga, Luiza Tobar é a melhor brasileira no Mundial de 100 km

Todo santo dia, faça chuva ou faça sol, venho aqui contar histórias de velhos.
Mais ou menos. Às vezes, como nos últimos dias, tiro uma folguinha da escrita, mas posso garantir que sigo treinando, e os registros de meu relógio com GPS comprovam minha entrega ao projeto.
Com a força das caminhadas, espero acumular quilômetros suficientes para permitir que a volta às corridas seja lenta, gradual e segura para meu fêmur estressado, fraturado, machucado. E que eu possa, de fato, cumprir os esperados e desejados seiscentos quilômetros até o diade meu aniversário, em 14 de fevereiro próximo.
De qualquer maneira, sigo falando do povo que, como eu, está por volta dos sessenta anos.
Mais ou menos. Vez que outra a meninada faz coisas tão sensacionais que é mister abrir espaço para a garotada aqui na casa dos veteranos.
É o caso dessa menina casadoira, a Luizinha –ou seria Luizazinha--, Luizita, a Luiza. Ela vai fazer trinta anos neste 2017 que chega e pretende então se casar com o amor que vem construindo há anos. E vai festejar correndo.
A corrida, para Luiza, é uma festa. Mas uma festa realizada nos píncaros da glória, disputando os primeiros lugares, o topo da montanha, a onda mais longínqua.
No ano passado, Luiza de Franco Tobar, formada em educação física e especialista em treinamento de triatlo, se tornou a primeira mulher da história a vencer no geral a etapa da maratona em uma prova de ultra triatlo. Aliás, por enquanto segue como primeira e única.
Para quem não sabe, e ninguém é obrigado a saber, o ultra triatlo é um tipo especial de triatlo monstro, com dez quilômetros de natação, 421 quilômetros de ciclismo e uma corrida de dupla maratona, 84,4 quilômetros.
Pois depois das braçadas e das pedaladas, Luiza foi a mais rápida entre todos os participantes da UB515, homens e mulheres, na etapa maratonística da prova brasileira, realizada entre Paraty e o Rio de Janeiro.
Trata-se de um fenômeno das longas distâncias, onde em geral os participantes são mais velhos e mais experientes. Luiza não dá bola para isso: acaba de se tornar a melhor brasileira no recente Mundial de ultramaratona, disputado na Espanha na modalidade de cem quilômetros.
A equipa brasileira contou com doze integrantes, oito homens e quatro mulheres. Trouxeram uma boa colocação: os dois times ficaram em nono lugar. E Luiza capitaneou a participação nacional na corrida realizada em Los Alcazares no dia 27 de novembro.
A participação em ultras não é exatamente uma novidade para a menina –acho que posso chamá-la assim, pois tem metade da minha idade. Ela começou a correr aos doze anos, incentivada pelo pai; aos 19 anos, ainda adolescente, fez sua primeira ultramaratona.
Não parou mais. Construiu força e resistência. E sabedoria.
Para participar do Mundial, por exemplo, sabia que não bastavam os treinos e a preparação que vinha fazendo.
“Fiz um treinamento específico para o Mundial”, me conta ela em entrevista exclusiva.
Luiza dá mais detalhes da preparação: “Fiz algumas provas de triatlo até agosto, e uma maratona em julho. Depois de agosto, o foco foi 100% o Mundial. Fiz uma maratona como treino em 25 de setembro (Foz do Iguaçú), que me deixou muito satisfeita, não só pelo resultado --sexto lugar geral feminino com 3h08--, mas principalmente pela ausência de dores ou cansaço muscular antes, durante ou após a prova. Isso indicou que estava no caminho certo e ainda tinha dois meses para a prova principal”.
Ela ainda se aprimorou mais: “Diminui os treinos de natação e bicicleta para duas vezes por e aumentei meus treinos de musculação para quatro a cinco vezes por semana. Ganhei três quilos de massa muscular para a prova”, diz ela, que é a responsável por seu próprio treinamento.
O problema é que, como diz a lenda, treino é treino e jogo é jogo. Na hora da corrida, as coisas foram muito diferentes do esperado. E agora paro de falar para que a Luiza relate com suas próprias palavras aquelas horas dramáticas, insanas e de muita realização pessoal.

“Larguei na prova controlando bem o ritmo (4'40"/km) e permaneci nesse ritmo até o km 40, extremamente tranquila. Meu objetivo na prova era terminar no máximo em 8h30, o que daria uma média de 5'/km.
“Assim que bati no km 40, me surpreendi com dores no quadríceps (desgaste muscular). Segurei um pouco o ritmo até o km 60. Estava bem ainda.
“Quando bateu o km 60, saí do percurso para ir a um banheiro químico, pois estava com muita dor de barriga. Foi um alívio; melhorei e pretendia começar a acelerar de novo o ritmo, porém um quilômetro depois vomitei.
“Para piorar as coisas, um quilômetro depois começou a chover e a bater mais frio. Esse foi o momento mais crítico da prova. O chão permaneceu alagado em diversos pontos até o fim da prova. 
“Encontrei um brasileiro homem e o incentivei a ir comigo. Segui em frente, em um ritmo bem devagar, parei de comer tudo e permaneci em goles de água para recuperar o estômago.
“Dez quilômetros depois –uma volta completa no percurso--, consegui tomar um sachê de carboidrato em gel zipvit e nada mais que isso por mais dez quilômetros, apenas goles de agua.
“Na volta seguinte peguei meu último gel e consegui recuperar o ritmo. Em cada volta, tive de parar uma vez para ir ao banheiro. A dor de barriga era forte, mas fiz apenas muito xixi.
“Na última volta, imaginei que conseguiria acelerar de alegria, mas não aconteceu, pois o percurso estava vazio, quase sem atleta para dar referência de ritmo. Nos últimos dez quilômetros apenas bebi água, nada de gel ou comida.
“Consegui acelerar e forçar apenas no último quilômetro, quando ainda passei uma menina. Terminei em 8h43, 13 minutos acima do meu objetivo. Mas muito feliz! Cheguei em 32ª mulher geral e a melhor colocação brasileira!
“Foi a primeira vez em que corri cem quilômetros e em que fiz uma prova com tantas voltas repetidas (odeio). Além disso, o frio e o percurso plano não são favoráveis para mim. Sou atleta de sol, percurso bastante ondulado, que sai de um ponto e chega em outro. Logo, o desafio foi muito grande para mim, porém, foi mais fácil do que imaginei que seria. Permaneci a prova toda concentrada, e os atletas nos fazem esquecer das voltas.
“Depois da prova fiquei quarenta minutos' na banheira quente, esperei os outros atletas da equipe chegarem e fui comer. Depois disso, tem a premiação dos atletas. E logo às nove 9 e tanto da noite fui prá cama dormir. Estava cansada!”
Bom, acho que a maioria de nós fica cansado só de ouvir a Luiza contar sua história. Foi épico, especialmente para uma debutante na distância.
Agora, ela vai terminar o ano com muita alegria, já pensando no casório e na sua comemoração dos trinta anos: vai correr, ao lado de sua irmã gêmea, a mítica ultramaratona Comrades, na África do Sul. “É meu maior sonho como ultramaratonista!”
Parabéns à Luiza e à toda equipe brasileira de ultramaratonistas.
VAMO QUE VAMO!!!
PS.: Por algum problema técnico que não consegui resolver, não foi possível carregar os mapas das atividades dos últimos dias. Fica o registro de que realizei caminhadas nos dias 18, 19 e 20 (hoje) de dezembro, cada dia algumas centenas de metros além de seis quilômetros, o que dá um acumulado de cerca de 18,5 km nestes dias.



16.12.16

Caminhada relembra mortos na Chacina da Lapa, que faz 40 anos

A minha caminhada de hoje foi um mergulho na memória, na história das lutas democráticas em nosso país. Com Eleonora, minha companheira de vida, e Ana Claudia, dos Corredores Patriotas Contra o Golpe, segui na direção da Lapa, na zona oeste da cidade, onde há quarenta anos foram assassinados Ângelo Arroyo e Pedro Pomar, dirigentes do Partido Comunista do Brasil.
Com tiros de metralhadoras e fuzis, pistolas e revólveres, numa fuzilaria desvairada, a execução se deu quando o Exército invadiu uma casinha branca na rua Pio XI, 767, onde tinha sido realizada uma reunião do Comitê Central do PCdoB. A única sobrevivente do ataque foi Maria Trindade, militante do partido que trabalhara como cozinheira durante a reunião.
A reunião tinha terminado no dia anterior. Desde o início da noite do dia 15, um velho corcel azul fizera várias viagens para devolver à cidade os participantes do encontro clandestino, realizado no final de um ano marcado pelo assassinato sob tortura do operário Manoel Fiel Filho.
O que os comunistas não sabiam era que a repressão estava de campana, acompanhando todos os movimentos. E os militantes foram sendo presos, um a um.
A reunião tinha “caído” porque um dos dirigentes comunistas se transformara em informante das forças da repressão. 
Aldo Arantes, um dos sobreviventes da reunião realizada na rua Pio XI em dezembro de 1976
“Havia um traidor, Jover Telles. Foi ele quem dedou”, me disse um dos sobreviventes da reunião, Aldo Arantes, que encontrei na última terça-feira em cerimônia memorial realizada na Câmara de Vereadores de São Paulo.
“Quando houve a traição, o Exército ficou sabendo da casa com antecedência, cercou toda a casa, permaneceu cercando a casa durante todos os dias em que nós fizemos a reunião”, diz Haroldo de Lima, com quem também conversei na cerimônia realizada na Câmara.
Ele segue: “Quando terminou a reunião, eles sabiam, o traidor contou para eles, o mecanismo pelo qual se faria a dispersão. Eles sabiam que os participantes iriam sair dois a dois no carro. A proporção que iam saindo, saiu os primeiros dois, eles prendiam, depois saía a segunda dupla, eles prendiam. E o cabra do carro sempre voltava achando que não tinha acontecido nada porque a prisão acontecia depois, os militantes eram seguidos e presos”, diz Haroldo de Lima, hoje com 77 anos.
A reunião começara alguns dias antes.
“A reunião do Comitê Central foi antecedida por uma reunião da comissão política. Estávamos todos lá, nessa casa na rua Pio XI, que era onde a gente se reunia. O João Amazonas morava lá. E a gente fazia reuniões lá. Nessa reunião discutimos a questão de uma avaliação do Araguaia, mas discutimos também a perspectiva futura, nova etapa de luta. A gente tirou ali diretrizes em defesa do fim dos atos de exceção, de uma constituinte, da anistia, enfim, de um conjunto de bandeiras que marcaram a luta democrática naquele período”, lembra Aldo Arantes, que completa 78 anos no próximo dia 20.
Encontrar-se às escondidas era a única forma de poder, com alguma liberdade, trocar ideias sobre política, comenta Haroldo de Lima:
“Um grupo interessado em discutir o Brasil, as suas perspectivas dos seus problemas, esse grupo, para discutir, tinha que viver na clandestinidade, escondido, e sob risco de morte. Era assim que era o clima na época.  A ditadura é um regime atroz. É um regime em que não existia a liberdade de você conversar, de se encontrar. Liberdade de ir e vir. De fazer reunião. De fazer isso que nós estamos fazendo aqui hoje. Uma entrevista como essa que eu estou fazendo aqui agora com você, nem pensar! Isso tudo não só era proibido, como era duramente castigado”.

Prisão, tortura e morte foram os castigos para o jovem economista João Batista Franco Drummond, então com 24 anos. Ele chegara à direção do PCdoB depois de anos de militância nos movimentos estudantis e camponês, além de participação em campanhas eleitorais.
João Batista foi um dos primeiros a sair da reunião. Ele e Wladimir Pomar foram levados no Corcel azul dirigido por Joaquim Celso de Lima e tendo como acompanhante de segurança a veterana comunista e ex-guerrilheira do Araguaia Elza Monnerat, então com 63 anos.
Deixados nas proximidades da avenida Nove de Julho, na região central, os dois são seguidos. João Batista é preso antes de embarcar em um ônibus que o levaria a Goiás, Wladimir chega a perceber a perseguição e tenta escapar, mas acaba preso na avenida Santo Amaro. Os dois são levados para o DOI-CODI, no Paraíso. João Batista é assassinado sob tortura durante na madrugada do dia 16 de dezembro.
Enquanto isso, o Corcel azul tinha voltado para buscar a segunda dupla de dirigentes, Aldo Arantes e Haroldo de Lima –os dois que entrevistei para esta reportagem. Aldo foi preso perto da estação Paraíso, Haroldo foi seguido até a casa que morava e preso na manhã seguinte.
Por volta das seis da manhã do dia 16, Joaquim e Elza fazem a última viagem no carro, levando agora José Gomes Novaes e Jover Telles, o traidor. As forças da repressão deixam os dois escaparem, talvez para tornar mais verossímil a fuga do informante, segundo avalia Aldo Arantes.
Mas Joaquim e Elza não escapam. Na volta para a Lapa, o corcel azul é cercado na avenida Faria Lima por quatro fuscas, com agentes à paisana.
Elza foi encapuzada e jogada dentro de um dos carros. Enquanto era arrancado da direção do Corcel, Joaquim ainda conseguiu ouvir um dos agentes dizer ao rádio: “Tudo limpo. Pode tocar a operação”.
A mensagem, segundo registra o livro “Massacre na Lapa”, de Pedro Estevam da Rocha Pomar, foi o sinal para o tenente-coronel Rufino Ferreira Neves, que comandava o cerco da casa da rua Pio XI, iniciar o ataque à casa da Lapa [que hoje não existe mais; no local foi construído um prédio em que funciona uma clínica médica).
Os 40 agentes policiais e militares, transportados em dez veículos do Exército, não economizaram tiro. Foi bala de metralhadora, fuzil e revólver para todo o lado, destruindo portas e janelas e tirando reboco das paredes.
A cozinheira saiu para a rua e foi imediatamente presa (ao ouvir a voz dela, horas mais tarde, em um dos cubículos do DOI-Codi, Elza Monnerat teve a certeza de que a reunião tinha “caído”).
Arroyo foi fuzilado ao sair do banheiro, Pomar morreu na sala.



“Não tinha um revólver na casa, não tinha nada, absolutamente nada”, afirma Haroldo de Lima, explicando: “A tese que o Partido sustentava naquela época era de que a nossa defesa principal não podia ser a defesa armada. Porque nós não tínhamos correlação de forças para enfrentar. Se tivéssemos que entrar num confronto, num tiroteio, com as Forças Armadas nós perdíamos de longe”.

As Forças Armadas não fizeram nenhum esforço para prender com vida Ângelo Arroyo e Pedro Pomar, acusa Haroldo de Lima.
“Eles poderiam ter feito isso com a maior facilidade, porque eles estavam cercando tudo. Eles tinham toda a força, tinham uma quantidade de gente enorme. Eles eram dois, três. Prendia tudo, ali na hora. Não fizeram nenhum esforço para prender. Foram logo trucidando. Vinte minutos de fuzilaria. Batendo forte para destruir, quase que a casa. Paredes da casa. E os dois morreram de imediato. É a morte premeditada. É a morte planejada. Deliberada, comandada.”
A memória desses combatentes deve ser preservada, e sua luta sempre lembrada por todos nós, afirma Aldo Arantes: “É o momento de você homenagear aqueles que morreram, homenagear aqueles que foram torturados, mas ao mesmo tempo é o momento de reforçar as convicções para a continuidade da luta. Reforçar as convicções, refletir sobre os erros e acertos, para nós estarmos armados ideologicamente, mas estarmos armados também politicamente para operar nessas novas circunstâncias, difíceis, complexas, que impõem para nós tarefas táticas imediatas, mas impões retenção, novo projeto, que possa exatamente incorporar os milhões de brasileiros, um novo momento da luta política brasileira.”
Foi com a luta desses homens e mulheres, lembra Haroldo de Lima, que o Brasil conquistou a democracia: “Foi com muito esforço. Com muito suor, lágrimas e sangue”.

Haroldo de Lima, sobrevivente da reunião do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil realizada em dezmebro de 1976

As conquistas democrática estão hoje novamente ameaçadas, diz Haroldo: “Eu acho que hoje nós temos a tarefa de lutar firme para afastar esse governo golpista que está aí, e lutar por uma eleição direta para presidente da república. Essa é a ideia básica. Às vezes zerar um pouco essa história. Para zerar a história você tem que devolver ao povo a soberania popular. O povo delibera quem vai ser o próximo presidente da República. Nós devemos lutar por isso”.
Relembrar as lutas passadas, como fizemos na caminhada de hoje, é também uma forma de se preparar para as lutas presentes, na opinião de Aldo Arantes:
“Eu acho que é algo extremamente importante. É o momento de você homenagear aqueles que morreram, homenagear aqueles que foram torturados, mas ao mesmo tempo é o momento de reforçar as convicções para a continuidade da luta. Reforçar as convicções, refletir sobre os erros e acertos, para nós estarmos armados ideologicamente, mas estarmos armados também politicamente para operar nessas novas circunstâncias, difíceis, complexas, que impõem para nós tarefas táticas imediatas, de construção de um novo projeto, que possa exatamente incorporar os milhões de brasileiros, um novo momento da luta política brasileira”.


VAMO QUE VAMO!!!


600 aos 60 – etapa 32 – 2016 dez 16

5,71 km caminhados em 1h22min41

Quilometragem acumulada: 143,87 km

Tempo acumulado: 30h08min39