As ruas contorcidas e encabritadas que margeiam a região do
Pacaembu, ainda um pouco acima do território de Higienópolis, eram hoje uma
perfeita imagem das caraminholas que rodavam pela minha cabeça enquanto
caminhava por ali.
Além do sol e do peso da idade –como se sabe, estou
rapidamente chegando ao terreno oficialmente considerado velhice--, meus
pensamentos eram bombardeados por reflexões sobre a bagunça institucional e
política instaurada neste país desde o golpe jurídico-parlamentar que derrubou
a presidenta Dilma.
Valho-me das palavras do sociólogo Aldo Fornazieri, que
assim comentou as mais recentes manobras intragolpista e extragolpistas:
“Crise Institucional se agrava: Tem um ditado que diz que
"depois que passa um boi, passa a boiada". O impeachment representou
a quebra da ordem constitucional. Agora há um conflito aberto entre os poderes
da República. Os partidos e a política estão falidos poque apodreceram. O
Partido do Estado, que é também o Partido da Moralidade (procuradores,
judiciário, Receita e Polícia Federal) agem para dar um rumo ao pais, usando
expedientes legais e extralegais. Não existe uma força estabilizadora. A crise
vai se agravar. Pela lei, o Renan deveria ser preso. Se não for preso, acaba o
pouco de autoridade moral que ainda resta ao STF.”
Que eu saiba, o ditado é “onde passa um boi, passa uma boiada”,
mas o espírito é o mesmo.
Para piorar as coisas, o presidente usurpador finalmente
enviou ao Congresso seu plano de reforma da Previdência. É uma desgraça, acredito
mesmo que algum advogado criativo poderia processar o Provisório (é assim que o
grande jornalista Fernando Morais trata o golpista Temer) por tentativa de
homicídio: o projeto assume o risco de a pessoa morrer antes de ter chances de
se aposentar.
Sindicatos, centrais sindicais em geral e entidades de aposentados
em particular já apresentaram toda sorte de críticas ao projeto, desmontaram
sua lógica, apontaram sua ineficiência e por aí vai.
Nenhum dos textos que li, porém, foi tão dramático e tão
contundente quanto o sofrido depoimento da jovem jornalista Renata D`Elia, que é
paulistana da zona norte.
Ela mostra como a juventude trabalhadora está sendo
afetada e será vítima da tala reforma da morte. Pedi licença para reproduzir o artigo neste espaço, e
Renata, que é pesquisadora e consultora de comunicação, autora do livro-reportagem
“Os dentes da memória — Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e uma trajetória
paulista de poesia”, gentilmente concordou.
O título quem escolheu fui eu –o original foi colocado
direto nas redes sociais, sem a introdução; a foto, selecionei do material
publicado por Renata nas redes sociais.
Com o que, vamos ao texto sem mais delongas.
MEUS TRINTA E TRÊS ANOS
Bom dia. Sou brasileira, urbana, branca, de classe média;
frequentei ótimas instituições de ensino privado; falo três línguas; sou uma
privilegiada em muitos aspectos.
Vou completar 33 anos. Somando todo o tempo em
que fui contratada por CLT no mundo moderno do “empreendedorismo” e da
pejotização, não dá dois anos de contribuição com o FGTS e a Previdência.
A carga tributária é alta. O plano de saúde que eu pago já
me custa, hoje, o olho da cara. Os cursos que pretendo cursar custam o olho da
cara e estão sendo adiados por conta de uma crise
político-institucional-econômica que parece infinita. Entre os que se encheram
de cursos caros, há também os que amargam a fila de espera na vala comum.
Não dá pra comprar imóvel porque os preços continuam altos e
se arriscar em dívidas de 30 anos não parece uma boa ideia nem para quem se
acha são e salvo no emprego formal registrado, participando de eventos
corporativos com guaraná e empadinha de graça. Imagine pra quem não tem FGTS
pra sacar e dar de entrada.
Já faz tempo que é melhor não contar com a educação e com a
saúde pública, sob risco de colapso total do sistema, que vai sendo sucateado.
A população aumenta, a inflação e o custo de vida aumentam e a expectativa de
vida cresce enquanto isso.
O brasileiro tem cada vez menos sobra financeira para
aplicar, investir, pagar seguro de vida e acidentes, botar na previdência
privada. Com a aprovação da PEC 55, os danos a longo prazo serão obviamente
penosos para saúde e educação públicas, exceto para aqueles que vivem de
gráficos.
A educação e a saúde privadas, tirando as da elite, costumam
ser péssimas: basta ver os índices de compreensão matemática e analfabetismo
funcional da população - isso inclui os bacharéis produzidos por fábricas de
diploma de quinta categoria. Nossa produtividade profissional, que não tem
necessariamente a ver com horas trabalhadas, é baixa de acordo com esses
índices gringos que o povo da empadinha com guaraná adora.
Com a aprovação da reforma da previdência, proposta ontem
pelo governo federal, teremos todos que trabalhar por 49 anos dentro da CLT
para recebermos o teto da aposentadoria. Isso se os infartos, depressões e AVCs
em massa não nos dizimarem antes --não é difícil.
Minha mãe está para se aposentar pelo teto nas regras velhas
e, mesmo assim, teria uma importante queda de qualidade de vida se dependesse
só disso. Já é e será cada vez mais difícil viver e envelhecer para quem não
está no topo do topo da pirâmide.
Agora imagine o efeito das novas regras em massa para o
trabalhador braçal e para quem não tem praticamente chance alguma de mobilidade
social nesse momento e nos anos vindouros. Essas pessoas são a maioria. E nós
estamos mais perto dessa turma do que da turma que toma as decisões e bebe
whisky com deputados enquanto nos alimenta à base de salário mediano, guaraná e
empadinha.
Aí eu entro no site do jornal de manhã e dou de cara com
depoimento de presidente de empresa privada, hoje menos bilionária do que
ontem, enrolada até o pescoço em esquemas de corrupção e outros crimes, e o
cara tá lá dissertando, do alto de sua torre de marfim na Marginal Pinheiros,
sobre como o país precisa urgentemente aprovar as reformas exatamente como elas
estão para voltar a crescer. Do lado de fora, o rio morto fede, a poluição
assusta, o trânsito irrita, os céus fazem chover canivetes, os reféns são
zumbis portadores de vale-refeição.
E tem ainda um bando de hienas comendo estrume e dando
risada em velório. Ô, se tem!
VAMO QUE VAMO!!!
600
aos 60 – etapa 23 – 2016 dez 07
4,52 km caminhados em 59min16
Quilometragem acumulada: 88,32 km
Tempo acumulado: 19h04min22
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