4.12.16

Saudades de meu avô, que trabalhou com os mineiros da pioneira Arroio dos Ratos

O pai de meu pai era alfaiate. No início da carreira, trabalhou como empregado no armazém nos mineiros, em Arroio dos Ratos, onde nasceu a mineração de carvão no Brasil.
Minha avó era dona de casa. Nos primeiros anos do casamento, fazia potezinhos de creme de laranja para vender. Tinha horror à mina, sofria a cada vez que o apito de alarme soava anunciando mais um acidente nas profundezas da terra.
Meu tio Ariovaldo diz que se lembra de histórias contadas pela irmã mais velha, minha querida tia Alicinha, que já se foi: “Quando tocava o apito, a família já sabia, os irmãos esperavam passar o trem, que corria perto dos fundos da casa, e levava mortos e feridos como carga em direção ao hospital”.

Cenas horríveis no cotidiano. Tinha razão então, minha vó, em  sonhar em ir morar em Porto Alegre. Ela não queria que os filhos virassem mineiros.
Tive a felicidade de conhecer os dois, comer as delícias que minha avó fazia, escutar as histórias que o meu avô contava, torcer com ele pelo Grêmio.
Histórias da vida deles e de seus antepassados povoaram meus pensamentos na caminhada de hoje, Dia dos Trabalhadores em Minas do Carvão.
Conta-me a sabedoria internética que a data é festejada no mundo inteiro –pelo menos, na parte do mundo em que domina a religião católica. Isso porque os mineiros adotaram como seu o dia dedicado a Santa Bárbara, tida como padroeira da categoria.
De fato, porém, não é tão universal assim. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde 2009 o Dia dos Mineiros é seis de dezembro. Trata-se de uma homenagem à memória dos 362 homens e meninos que perderam a vida num acidente em seis de dezembro de 1907 em Monongah, West Virginia.
A história do trabalho em minas de carvão é a história de uma sequência brutal de acidentes e desastres –muitos deles evitáveis, se a prioridade em algum momento fosse a segurança dos trabalhadores, e não a produtividade do trabalho.
O carvão é o combustível da história recente da humanidade, está nas fundações da revolução industrial, no coração do sistema capitalista. E está nas origens da minha vida: eu não existiria se não existissem as minas de carvão do Rio Grande do Sul.
O avô de minha avó paterna veio para o Brasil para trabalhar nas minas de Arroio dos Ratos, uma cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul, a pouco mais de sessenta quilômetros de Porto Alegre (olhaí o número 60 aparecendo de novo: vou fazer 60 anos, quero completar no ano a distância de 60 maratonas, aquele coisa toda).
Desde meados do século 19 sabe-se que a região é rica em minério, conforme contam os registros do Museu Estadual do Carvão do Rio Grande do Sul (Clique AQUI para saber mais sobre o museu).
“Já em 1853 o capital privado, aliado ao capital estatal (por intermédio do então presidente da província, Conselheiro Luiz Vieira Cansação de Sinimbu), iniciava suas pesquisas. James Johnson e mais doze mineiros de origem inglesa foram os primeiros a se aventurarem, mas só em 1866 o governo Imperial concedeu permissão ao inglês para extração comercial do carvão em uma mina localizada na região da atual cidade de Arroio dos Ratos.”
Esse James Johnson criou então a The Imperial Brazilian Collieries C. Limited e tratou de  buscar especialistas britânicos para ajudar na empreitada, servindo como gerentes ou chefes e chefetes dos trabalhadores brasileiros. 
Um deles foi John Webster, técnico especializado em equipamentos a vapor, que em 1872 saiu de Liverpool para se aventurar nas minas brasileiras.  Aportou no Rio de Janeiro e, de lá, tomou um cargueiro com destino ao porto de Rio Grande.
A última etapa da viagem, como diz documento que consegui com José Carlos Webster, meu primo em segundo grau e pesquisador da genealogia da família, foi feita no vapor “Guaíba”, que fazia a linha da lagoa dos Patos.
Em algum momento ao longo dos dias sem fim (e das noites solitárias) pelo oceano Atlântico, John conheceu a gentil e intrépida Sarah  Plant Bond, que veio ao Brasil para trabalhar como preceptora de James Johnson, o patrão e fundador da Imperial Brazil Colleries.

Imagem gentilmente cedida por José Carlos Webster
Apaixonaram-se e se casaram em dez de maio de 1873 na igreja matriz de São Jerônimo, cidade da qual Arroio dos Ratos era na época mero distrito (a emancipação só aconteceu em 1964).
Tiveram sete filhos, mas o que interessa para a minha vida é um rapaz chamado Eduardo. De acordo com pesquisa feita por meu tio-avô Hugo Webster, “Eduardo nasceu em quatro de fevereiro de 1886 e morreu em oito de setembro de 1939, de asma brônquica e insuficiência cardíaca.  Casou com Alice Leite de Araújo, filha de Antonio Rodrigues de Araújo e Joaquina Leite de Araújo”.
Alice, mulher de Eduardo, gerou onze filhos. Um dele foi Alda, minha avó paterna, aquela que vendia creme de laranja em potinhos, tinha pavor do apito da mina de carvão e não queria que seus filhos virassem mineiros.
Com o que pretendia encerrar a história de hoje, não fosse o fato de ter lido, no ano passado, um maravilhoso estudo sobre a vida e as lutas dos mineiros nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século passado.
O trabalho e o sofrimento eram semelhantes ao que enfrentavam os mineiros do Rio Grande do Sul, a julgar pela dissertação de mestrado “Sob o Fardo do Ouro Negro”, de Felipe Klovan (leia o documento clicando AQUI).
Sobre o tal livro norte-americano, produzi uma resenha, que foi publicada na “Folha de S. Paulo” e que reproduzo a seguir.

HISTORIADOR DESCREVE LUTAS POR 

DIREITOS DE MINEIROS NOS EUA

"Meu Deus! Eles estão nos bombardeando", gritou um mineiro ao ouvir o som das explosões nas montanhas da Virgínia Ocidental. Por ordem do governo, pequenos biplanos voavam baixo, circulando sobre os esconderijos de grevistas. Lançavam bombas de gás e outras feitas de tubos de ferro recheados de porcas e parafusos, que podiam ferir, aleijar e até matar.
Era o Dia do Trabalho, em setembro de 1921. Pela primeira e única vez na história, norte-americanos foram vítimas de bombardeio em seu próprio solo. E os atacantes eram outros norte-americanos, a serviço do Estado, sob ordens do xerife de Logan, Don Chafin, ferrenho opositor do direito dos trabalhadores à sindicalização.
A cena foi um dos momentos decisivos na chamada "segunda guerra mineira", em que mercenários pagos pelos donos de minas de carvão, ao lado de forças policiais locais e estaduais, enfrentaram grevistas armados, que perseguiam não apenas os mais elementares direitos trabalhistas mas principalmente o direito à livre associação.
O governo estadual já tinha imposto a Lei Marcial, mas parecia não ter forças para subjugar os grevistas. Forças de apoio aos donos das minas disparavam rajadas de metralhadora contra os trabalhadores; em uma das batalhas, 30 mineiros teriam sido assassinados.
Então, mais uma vez, o governo dos Estados Unidos mandou forças do Exército para controlar conflitos trabalhistas na região. No dia 2 de setembro, o secretário da Defesa ordenou o despacho de tropas para a região montanhosa, rica em minério, onde nas últimas décadas do século 19 se desenrolou a "Corrida do Carvão".
A partir de 1880 e até a primeira década do século passado, companhias mineradoras se atiraram vorazmente sobre a região até então inexplorada. Cada uma tentava alugar ou comprar o máximo possível de terreno; outras, endinheiradas, compravam empresas menores -com esses métodos, a Consolidation Coal Company chegou a ter 50 mil acres de terra nos territórios mineiros da Virgínia.
Elas ocupavam uma terra quase sem lei, esquecida, longe dos poderes centrais do país. Ali, em pouco tempo, as operadoras das minas se transformaram em versões "modernas" de senhores feudais, fazendo dos trabalhadores livres pouco mais que escravos, servos que moravam em barracos alugados pelos patrões, compravam em lojas pertencentes aos patrões, rezavam em igrejas erguidas pelos patrões, recebiam pagamento definido pelos patrões e eram presos e julgados em instituições a serviço das mineradoras.

LUTAS CAPITALISTAS

A história da exploração do carvão nas montanhas da Virgínia Ocidental é, de certa forma, a história da implantação do capitalismo no mundo e das lutas que o devoram e, não poucas vezes, fazem com que cresça. Ela é contada com rigor acadêmico e profusão de dados em "The Devil is Here in These Hills" [O demônio está nestas colinas], lançado no início deste mês nos Estados Unidos.
James Green é um dos mais renomados historiadores do movimento sindical norte-americano. Professor emérito da Universidade de Massachusetts, doutor em história, Green vem há anos escrevendo sobre conflitos violentos entre capital e trabalho. Seu primeiro livro, "Morte no Mercado", de 2006, retrata o surgimento do movimento sindical em Chicago.
Apesar de o trabalho ser amplamente referenciado, a leitura é escorreita. Green combina dados, números e descrições com depoimentos dos próprios atores -líderes sindicais, proprietários de minas, policiais, xerifes, governadores, presidentes, comandantes militares- para criar um quadro vivo dos movimentos.
O próprio título é emprestado do texto de um comandante militar que avaliou a situação local depois de um conflito sufocado por intervenção da milícia estadual. "Deus não circula nessas montanhas", escreveu em seu relatório o general Charles Elliot, comandante da Guarda Nacional. E continuou: "O Demônio está aqui nestas montanhas, e o Demônio é a cobiça".
Do calor das batalhas emergem figuras como a viúva agitadora Mother Jones, que os mineiros consideravam uma espécie de anjo da guarda, e os donos de minas classificavam como "a mulher mais perigosa da América". Também aparecem as ações da imprensa, da Justiça e do Estado, que assumem diferentes papéis de acordo com o momento nas três primeiras décadas do século 20.
E assim, com vigor e emoção, Green consegue contar, como diz no prólogo, "a história da luta do povo pela liberdade de pensamento e pela liberdade de associação em locais onde os direitos dos proprietários reinavam de forma suprema até então".

VAMO QUE VAMO!!!



600 aos 60 – etapa 20 – 2016 dez 04

4,75 km caminhados em 54min47

Quilometragem acumulada: 74,52 km

Tempo acumulado: 16h11min52


 


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