22.11.16

Um jeito mutcho loco de fotografar e filmar suas corridas

Mais da metade de minha vida profissional, que já se estende por mais de 40 anos, foi dedicada à cobertura da área de alta tecnologia.
As primeiras reportagens que fiz sobre o mundo da informática foram publicadas lá por 1983 nas páginas de economia do “Hora do Povo”, então um aguerrido jornal de oposição à ditadura militar. A partir do ano seguinte, tive a satisfação e a honra de integrar a equipe de “Dados&Ideias”, primeira revista de informática do Brasil, nascida no Serpro e, na minha época, já sob a égide do grupo gazeta Mercantil.
Atuei na editoria de informática da “Folha” por quase vinte anos, sendo 16 deles como editor do caderno de alta tecnologia.
Eu adoro máquinas, computadores, celulares, traquitanas e badulaques em geral. E olha que não é de hoje: na adolescência, me dediquei a estudar a linguagem de programação Fortran, imaginando que poderia vir a ganhar dinheiro e me divertir na área.
Antes ainda, lá pelos dez, onze anos, ganhei de meu pai um livro que me acompanhou por um longo período, o sensacional “A Cibernética Está em Nós”, da escritora soviética Yelena Saparina. Era uma obra de divulgação científica pioneira e muito boa de ler –até hoje rola por aí nos sebos, tanto em português quanto em inglês--, misturando quetsões de ciência, de psicologia e de alta tecnologia.
Vai daí que uma das coisas que me deixam saudades do tempo na vida da redação era a oportunidade de testar produtos muitos antes de eles chegarem ao mercado, fuças nas suas entranhas, descobrir falhas ou encontrar milagres. Não que eu seja um técnico, um especialista: sou um jornalista curioso e acredito que, em boa parte das vezes, é disso que o leitor precisa, de alguém gente com a gente que analise os novos produtos com a perspectiva de quem vai usar os novos.
A boa notícia, pelo menos para mim –e, espero, para você e todos os meus leitores e minhas leitoras—é que continuo tendo oportunidade de avaliar produtos de tecnologia. Agora, procuro brincar com coisas que estejam próximas de nossa vida de corredor e de velho, além de fuçar em calçados esportivos, roupas tecnológicas e o que surgir que possa parecer interessante para você e para mim.
Tudo isso é um longo nariz de cera –um jargão jornalístico para indicar uma conversa fiada antes de entrar direto no assunto—para te mostrar minha mais recente resenha de um conjunto de equipamentos muito bacanas.
Com eles, acredito, nossas corridas –e, eventualmente, nossa vidas ou, pelo menos, a captação de imagens em nossas vidas e corridas—nunca mais serão as mesmas.

A cosa é mutcho loca, mermão!

Desculpe aí você apaixonado ou apaixonada pelas delicadezas da última flor do Lácio, mas foi só na grossura e no colorido de uma combinação de gírias de diversos momentos de nosso idioma é que consegui encontrar o devido rigor do léxico para definir a experiência que tive testando equipamentos para produção e consumo de realidade virtual.
Realidade virtual é coisa velha no mundo da informática: lá por meados da última década do século passado já estava em franco desenvolvimento em um bom punhado de empresas.
No ano da Copa do Mundo nos Estados Unidos, visitei no Vale do Silício a Sun, uma das empresas que, na época, mais investia em pesquisa e desenvolvimento; lá coloquei um daqueles óculos gigantes que possibilitavam uma imersão em ambiente que não existia, criado apenas por bits e bytes, a combinação de zeros e uns que forma a linguagem dos computadores.
No laboratório da Sun, nos EUA em 1994, experimentando protótipo de óculos de realidade virtual

Naquele tempo era novidade; tão nova que levou anos para se transformar em produto e efetivamente chegar aos poucos ao mercado comercial. Não para as grandes massas, mas para uns poucos escolhidos.
Agora, não: produzir mundos virtuais e mergulhar neles virou coisa de criança, ao alcance da mão, criados por um clique, dois cliques, três cliques...
A compressão de o que é realidade virtual não é muito simples. Primeiro, digo-lhe o que não é, usando um conceito que já está mais mastigado por nós todos: não é 3D. Não tem nada a ver com aqueles filmes em que as coisas parecem pular da tela desde que você assita com oculosinhos nojentos com uma lente vermelha e outra verde.
Também não tem nada a ver com aqueles ambientes 360 graus que viraram comuns em sites de imobiliárias e museus, em que você visita o ambiente, mexe aqui e acolá, abre portas, dá zoom em quadros. De fato, esse tipo de ambiente dito de 360 graus na prática é meramente bidimensional; o usuário fica de fora e interfere na forma como cada coisa é apresentada. Não deixa de ser bacana, mas nele há um claro distanciamento entre o mundo criado e o usuário do ambiente.
Na realidade virtual, mermão, a coisa é diferente.
Realidade virtual é um ambiente ilusoriamente tridimensional que envolve o usuário. --os tais 360 graus. Você entra no mundo inexistente, e ele parece existir; nele, você pode olhar para baixo, para cima, para trás, para a frente, ouve os sons ao seu redor e pode se movimentar (com cuidado, pois a ilusão é tão perfeita que você esquece que está no mundo real e, no mundo real, pode levar tombos e escorregões).
Esses conceitos vêm sendo empregados já há algum tempo pela indústria de games, por empresas de turismo, por produtoras de conteúdo moderninhas. Usam equipamentos gigantes, fora do alcance de grande parte dos usuários –no ano passado, por exemplo, a GoPro lançou um conjunto para filmagens em 360 graus, que unia seis câmeras montadas numa plataforma circular (ou quase); preço: US$ 4.999,99 (mais de R$ 17 mil no momento em que escrevo).
Por isso, é surpreendente que a possibilidade de criação de ambientes virtuais chegue tão rapidamente ao usuário brasileiro, por preço comparativamente acessível.


Estou falando do conjunto de aparelhos que venho usando e testando ao longo do último mês: a câmera Gear 360, o óculos de realidade virtual Gear VR e o coração, pivô, cérebro e comandante de todo o conjunto, o celular Galaxy S7, tudo da Samsung (foto acima, Divulgação).
Dos três, o mais inusitado talvez seja a câmera, que é uma bolinha do tamanho de uma bola de bilhar (sinuca, vida, o nome de você quiser) com duas lentes olho de boi (ou olho de peixe, já não sei mais qual é a versão mais em voga; em inglês, é lente fisheye). Com ela, dá para capturar vídeos, fotos e animações de fotos em sequência.
É possível usar as duas lentes ao mesmo tempo, produzindo imagens e vídeos capazes de gerar ambientes virtuais imersivos. Mas também dá para usar cada uma das lentes individualmente para produzir imagens e vídeos com aquele estilo arredondado, como os que costumamos produzir com boa parte dessas câmeras esportivas usadas na cabeça ou montadas em capacetes.
O comando da câmera é absolutamente simples, com três botões: o liga/desliga, o que gira os menus (visíveis em uma microtelinha) e o de clicar para produzir a foto, iniciar e para o vídeo. Não há na câmera tela que permita ao usuário ver o que está sendo filmado. E usá-la direto segurando na mão não é nem um pouco confortável.
O melhor jeito de usá-la é montada em um tripé –na embalagem, vem um  minitripé que também pode ser um suporte para a gente carregar a câmera enquanto está filmando na rua –foi o que eu fiz nas minhas caminhadas e corridas de teste.
Imagem produzida com a Gear 360; infelizmente, não dá para mostrar os filmes, que exigem equipamento especial

O problema é que, como disse antes, usando a Gear 360 assim, você não sabe o que está capturando. Mas tem uma certeza: as imagens serão inusitadas, nem um pouco usuais, mutcho locas mesmo, mermão. Testei usando a câmera “reta”, com uma lente olhando para a frente e outra para trás na direção em que eu seguia; também testei com a câmera na “horizontal”, em que uma lente olhava para a esquerda e outra para a direita enquanto em caminhava para a frente.
Tudo na base da confiança de que a imagem gerada vai ficar legal, assim como o som –esse é ótimo, tanto captando o ruído ambiente quanto tendo a voz do narrador como principal.
Pelo que relatei, você já percebeu que a Gear 360 é um tanto capenga como câmera, já que não permite ao dono ver o que está sendo filmado.
Outro experimento feito com as duas câmeras da Gear 360

Isso se torna possível quando a gente casa a câmera com o celular, que precisa ser o Galaxy S7 equipado com um aplicativo específico, o Gear 360.
Aí a coisa fica uma maravilha, ainda que, em contrapartida, as opções filmagem fiquem mais limitadas, pelo menos se o “cineasta” gosta de conforto. É impossível, por exemplo, correr e comandar a câmera a partir do celular; com certeza, você vai levar um tombo e quebrar tudo.
Em ambiente controlado, porém, como uma sala ou algum lugar em que você deixe a câmera fixa no tripé, é sopa no mel fazer a produção a partir do celular, que se conecta à câmera sem fio, por sistema Bluetooth.
Não só a produção fica mais fácil, mas a exibição é sensacional.

Para imagens convencionais, a câmera do celular S7 oferece boa qualidade, mesmo à noite

Não por causa da ótima tela do S7, mas principalmente porque a tela é sensível a multitoque. Girando os dedos, o usuário muda completamente a orientação e o formato da imagem apresentada. Dá para transformar uma cena horizontal em uma imagem circular com impressão de profundidade ou gerar a ilusão de 360 graus.
Para mim, foi tão inusitado, inesperado, que me ficou difícil descrever; por mais que tente, tenho a sensação de que o leitor não vai entender. A imagem mais aproximada que me vem à mente é a de um caleidoscópio comandado com o movimento dos dedos, e não mexendo o dispositivo.
Até aí, porém, não chegamos à realidade virtual. Ficamos com distanciamento crítico, vendo as imagens no celular, ainda que possamos nos extasiar com as possibilidades de manipulação das cenas criadas.
Tudo muda com a entrada no jogo dos óculos Gear VR, que também funcionam casados com o celular; aliás, o telefone é ao mesmo tempo gerador de conteúdo e tela para o aparelho. Fica acoplado “do outro lado” dos óculos: com o aparelho ajustado na cabeça, olha-se pelas lentes e o que se vê é a tela do celular.
Minto.
O que se vê é um ambiente virtual imersivo, transmitido on-line na hora ou passado para gravar no aparelho, graça a outro aplicativo que também precisa ser instalado no celular. E aí, senhores, o mundo muda. Você está dentro de cavernas, mergulha com tubarões, acompanha corridas de motocicletas ou simplesmente caminha ao lado de si mesmo em uma jornada pelas ruas da cidade (foi um dos filminhos que eu fiz).
Claro que as produções feitas por amadores como eu, usando apenas a camerinha Gear 360 nem se aproximam dos jogos, vídeos e fotos 360 disponíveis on-line, à venda ou gratuitamente. As coisas que fiz foram toscas, grosseiras, permitindo perceber lados e limites; com mais experiência e leituras sobre a produção, acredito que os vídeos domésticos podem melhorar muito.
A experiência também possibilita melhorar bastante os comandos de navegação no ambiente imersivo, que são bastante simples. O óculos tem apenas três zonas de comando.
Ói eu aí experimentando os úclos de realidade virtual da Samsung, já com o celular montado no devido lugar - Foto Laura de Lucena

Uma, mecânica, é para fazer o foco (Maravilha!!! Mesmo gente com vista cansada ao meu nível, de um cara de quase 60 anos, consegue ajustar a visão para não precisar usar óculos dentro do Gear VR, o que é absolutamente possível e não muito desconfortável, pelo que me relataram outros usuários).
As outras zonas de comando são eletrônicas. Uma é uma botão convencional de “voltar”, que funciona com um simples toque –mas que precisa ser treinado até que funcione direito. Mantendo-se o botão pressionado- volta-se ao menu geral do aplicativo (tudo imersivo).
O comando mais usado e mais complicado para a gente se adaptar é o que permite fazer tduo andar para a frente, para trás, para cima e para baixo, assim como o “enter” ou ok.
Além disso, há comandos virtuais dentro dos ambientes imersivos: o usuário pode mover um cursor –um pontinho de luz pelo cenário ou pelos menus para fazer o que as guias lhe permitem. Tudo demanda um tempo de adaptação e, mesmo depois de alguma experiência, pode ser bastante frustrante. Mas acaba dando certo.
O ruim de tudo isso é que acaba sendo uma experiência apenas individual –não é a mesma coisa do que ir ao cinema ou ao teatro com alguém. Essa individualização da experiência também pode ser um tanto frustrante para o produtor, que nunca sabe exatamente o que seu “cliente” estará vendo nem como cada um vai acessar o que foi produzido.
Além disso, o público é muito limitado, contido pelas próprias compatibilidades (ou falta de) dos equipamentos. O óculos, por exemplo, aceita apenas uma pequena parte dos celulares da própria Samsung: Galaxy S7 Edge, Galaxy S7, Galaxy Note 5, Galaxy S6 Edge+, Galaxy S6 Edge e Galaxy S6.
Em contrapartida, os preços me parecem razoáveis, considerando o mercado. Não dá para cravar se algo é barato ou caro, pois isso depende do comprador.
Os óculos saem por R$ 799 na lojinha da própria Samsung. A câmera tem um preço bem mais salgado, R$ 2.599. E o celular é o mais caro da turma: o S7 custa R$ 3.499.
Se vale a pena, cada um tem de avaliar conforme suas possibilidades, desejos e necessidades. O certo é que é muito divertido. Produzir ambientes imersivos e vivenciar com tanta facilidade a realizada virtual é mesmo algo mutcho loco, mermão.
Bueno, acabei não falando de minha caminhada de hoje, que existiu, foi um pouco dolorida, mas não o suficiente para impedir que eu registrasse mais alguns quilometrozinhos no projeto de totalizar seiscentos quilômetros percorridos até o próximo dia 14 de fevereiro. E de percorrer, ao longo de 2017, ano de meus sessenta anos, distância equivalente à de sessenta maratonas.

Vamo que vamo!


600 aos 60 – etapa 8 – 2016 nov 22

3,41 km caminhados em 40min19

Quilometragem acumulada: 29 km

Tempo acumulado: 5h48min17



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