Mais da metade de minha vida profissional, que já se estende
por mais de 40 anos, foi dedicada à cobertura da área de alta tecnologia.
As primeiras reportagens que fiz sobre o mundo da
informática foram publicadas lá por 1983 nas páginas de economia do “Hora do
Povo”, então um aguerrido jornal de oposição à ditadura militar. A partir do
ano seguinte, tive a satisfação e a honra de integrar a equipe de “Dados&Ideias”,
primeira revista de informática do Brasil, nascida no Serpro e, na minha época,
já sob a égide do grupo gazeta Mercantil.
Atuei na editoria de informática da “Folha” por quase
vinte anos, sendo 16 deles como editor do caderno de alta tecnologia.
Eu adoro máquinas, computadores, celulares, traquitanas
e badulaques em geral. E olha que não é de hoje: na adolescência, me dediquei a
estudar a linguagem de programação Fortran, imaginando que poderia vir a ganhar
dinheiro e me divertir na área.
Antes ainda, lá pelos dez, onze anos, ganhei de meu pai
um livro que me acompanhou por um longo período, o sensacional “A Cibernética
Está em Nós”, da escritora soviética Yelena Saparina. Era uma obra de
divulgação científica pioneira e muito boa de ler –até hoje rola por aí nos
sebos, tanto em português quanto em inglês--, misturando quetsões de ciência,
de psicologia e de alta tecnologia.
Vai daí que uma das coisas que me deixam saudades do
tempo na vida da redação era a oportunidade de testar produtos muitos antes de
eles chegarem ao mercado, fuças nas suas entranhas, descobrir falhas ou
encontrar milagres. Não que eu seja um técnico, um especialista: sou um
jornalista curioso e acredito que, em boa parte das vezes, é disso que o leitor
precisa, de alguém gente com a gente que analise os novos produtos com a
perspectiva de quem vai usar os novos.
A boa notícia, pelo menos para mim –e, espero, para
você e todos os meus leitores e minhas leitoras—é que continuo tendo
oportunidade de avaliar produtos de tecnologia. Agora, procuro brincar com
coisas que estejam próximas de nossa vida de corredor e de velho, além de fuçar
em calçados esportivos, roupas tecnológicas e o que surgir que possa parecer
interessante para você e para mim.
Tudo isso é um longo nariz de cera –um jargão
jornalístico para indicar uma conversa fiada antes de entrar direto no assunto—para
te mostrar minha mais recente resenha de um conjunto de equipamentos muito
bacanas.
Com eles, acredito, nossas corridas –e, eventualmente,
nossa vidas ou, pelo menos, a captação de imagens em nossas vidas e corridas—nunca
mais serão as mesmas.
A cosa é mutcho loca, mermão!
Desculpe aí você apaixonado ou apaixonada pelas
delicadezas da última flor do Lácio, mas foi só na grossura e no colorido de
uma combinação de gírias de diversos momentos de nosso idioma é que consegui
encontrar o devido rigor do léxico para definir a experiência que tive testando
equipamentos para produção e consumo de realidade virtual.
Realidade virtual é coisa velha no mundo da
informática: lá por meados da última década do século passado já estava em
franco desenvolvimento em um bom punhado de empresas.
No ano da Copa do Mundo
nos Estados Unidos, visitei no Vale do Silício a Sun, uma das empresas que, na
época, mais investia em pesquisa e desenvolvimento; lá coloquei um daqueles
óculos gigantes que possibilitavam uma imersão em ambiente que não existia,
criado apenas por bits e bytes, a combinação de zeros e uns que forma a
linguagem dos computadores.
No laboratório da Sun, nos EUA em 1994, experimentando protótipo de óculos de realidade virtual |
Naquele tempo era novidade; tão nova que levou anos
para se transformar em produto e efetivamente chegar aos poucos ao mercado
comercial. Não para as grandes massas, mas para uns poucos escolhidos.
Agora, não: produzir mundos virtuais e mergulhar neles
virou coisa de criança, ao alcance da mão, criados por um clique, dois cliques,
três cliques...
A compressão de o que é realidade virtual não é muito
simples. Primeiro, digo-lhe o que não é, usando um conceito que já está mais
mastigado por nós todos: não é 3D. Não tem nada a ver com aqueles filmes em que
as coisas parecem pular da tela desde que você assita com oculosinhos nojentos
com uma lente vermelha e outra verde.
Também não tem nada a ver com aqueles ambientes 360
graus que viraram comuns em sites de imobiliárias e museus, em que você visita
o ambiente, mexe aqui e acolá, abre portas, dá zoom em quadros. De fato, esse
tipo de ambiente dito de 360 graus na prática é meramente bidimensional; o
usuário fica de fora e interfere na forma como cada coisa é apresentada. Não
deixa de ser bacana, mas nele há um claro distanciamento entre o mundo criado e
o usuário do ambiente.
Na realidade virtual, mermão, a coisa é diferente.
Realidade virtual é um ambiente ilusoriamente tridimensional que envolve o usuário. --os tais 360 graus. Você entra no mundo inexistente, e ele parece
existir; nele, você pode olhar para baixo, para cima, para trás, para a frente,
ouve os sons ao seu redor e pode se movimentar (com cuidado, pois a ilusão é
tão perfeita que você esquece que está no mundo real e, no mundo real, pode
levar tombos e escorregões).
Esses conceitos vêm sendo empregados já há algum tempo
pela indústria de games, por empresas de turismo, por produtoras de conteúdo
moderninhas. Usam equipamentos gigantes, fora do alcance de grande parte dos
usuários –no ano passado, por exemplo, a GoPro lançou um conjunto para
filmagens em 360 graus, que unia seis câmeras montadas numa plataforma circular
(ou quase); preço: US$ 4.999,99 (mais de R$ 17 mil no momento em que escrevo).
Por isso, é surpreendente que a possibilidade de
criação de ambientes virtuais chegue tão rapidamente ao usuário brasileiro, por
preço comparativamente acessível.
Estou falando do conjunto de aparelhos que venho usando
e testando ao longo do último mês: a câmera Gear 360, o óculos de realidade
virtual Gear VR e o coração, pivô, cérebro e comandante de todo o conjunto, o
celular Galaxy S7, tudo da Samsung (foto acima, Divulgação).
Dos três, o mais inusitado talvez seja a câmera, que é
uma bolinha do tamanho de uma bola de bilhar (sinuca, vida, o nome de você
quiser) com duas lentes olho de boi (ou olho de peixe, já não sei mais qual é a
versão mais em voga; em inglês, é lente fisheye). Com ela, dá para capturar
vídeos, fotos e animações de fotos em sequência.
É possível usar as duas lentes ao mesmo tempo,
produzindo imagens e vídeos capazes de gerar ambientes virtuais imersivos. Mas
também dá para usar cada uma das lentes individualmente para produzir imagens e
vídeos com aquele estilo arredondado, como os que costumamos produzir com boa
parte dessas câmeras esportivas usadas na cabeça ou montadas em capacetes.
O comando da câmera é absolutamente simples, com três
botões: o liga/desliga, o que gira os menus (visíveis em uma microtelinha) e o
de clicar para produzir a foto, iniciar e para o vídeo. Não há na câmera tela
que permita ao usuário ver o que está sendo filmado. E usá-la direto segurando
na mão não é nem um pouco confortável.
O melhor jeito de usá-la é montada em um tripé –na
embalagem, vem um minitripé que também
pode ser um suporte para a gente carregar a câmera enquanto está filmando na
rua –foi o que eu fiz nas minhas caminhadas e corridas de teste.
Imagem produzida com a Gear 360; infelizmente, não dá para mostrar os filmes, que exigem equipamento especial |
O problema é que, como disse antes, usando a Gear 360
assim, você não sabe o que está capturando. Mas tem uma certeza: as imagens
serão inusitadas, nem um pouco usuais, mutcho locas mesmo, mermão. Testei
usando a câmera “reta”, com uma lente olhando para a frente e outra para trás
na direção em que eu seguia; também testei com a câmera na “horizontal”, em que
uma lente olhava para a esquerda e outra para a direita enquanto em caminhava
para a frente.
Tudo na base da confiança de que a imagem gerada vai
ficar legal, assim como o som –esse é ótimo, tanto captando o ruído ambiente
quanto tendo a voz do narrador como principal.
Pelo que relatei, você já percebeu que a Gear 360
é um tanto capenga como câmera, já que não permite ao dono ver o que está
sendo filmado.
Outro experimento feito com as duas câmeras da Gear 360 |
Isso se torna possível quando a gente casa a câmera com
o celular, que precisa ser o Galaxy S7 equipado com um aplicativo específico, o
Gear 360.
Aí a coisa fica uma maravilha, ainda que, em
contrapartida, as opções filmagem fiquem mais limitadas, pelo menos se o
“cineasta” gosta de conforto. É impossível, por exemplo, correr e comandar a
câmera a partir do celular; com certeza, você vai levar um tombo e quebrar
tudo.
Em ambiente controlado, porém, como uma sala ou algum
lugar em que você deixe a câmera fixa no tripé, é sopa no mel fazer a produção
a partir do celular, que se conecta à câmera sem fio, por sistema Bluetooth.
Não só a produção fica mais fácil, mas a exibição é
sensacional.
Para imagens convencionais, a câmera do celular S7 oferece boa qualidade, mesmo à noite |
Não por causa da ótima tela do S7, mas principalmente
porque a tela é sensível a multitoque. Girando os dedos, o usuário muda completamente
a orientação e o formato da imagem apresentada. Dá para transformar uma cena
horizontal em uma imagem circular com impressão de profundidade ou gerar a
ilusão de 360 graus.
Para mim, foi tão inusitado, inesperado, que me ficou
difícil descrever; por mais que tente, tenho a sensação de que o leitor não vai
entender. A imagem mais aproximada que me vem à mente é a de um caleidoscópio comandado
com o movimento dos dedos, e não mexendo o dispositivo.
Até aí, porém, não chegamos à realidade virtual.
Ficamos com distanciamento crítico, vendo as imagens no celular, ainda que
possamos nos extasiar com as possibilidades de manipulação das cenas criadas.
Tudo muda com a entrada no jogo dos óculos Gear VR, que
também funcionam casados com o celular; aliás, o telefone é ao mesmo tempo
gerador de conteúdo e tela para o aparelho. Fica acoplado “do outro lado” dos
óculos: com o aparelho ajustado na cabeça, olha-se pelas lentes e o que se vê é
a tela do celular.
Minto.
O que se vê é um ambiente virtual imersivo, transmitido
on-line na hora ou passado para gravar no aparelho, graça a outro aplicativo
que também precisa ser instalado no celular. E aí, senhores, o mundo muda. Você
está dentro de cavernas, mergulha com tubarões, acompanha corridas de
motocicletas ou simplesmente caminha ao lado de si mesmo em uma jornada pelas
ruas da cidade (foi um dos filminhos que eu fiz).
Claro que as produções feitas por amadores como eu,
usando apenas a camerinha Gear 360 nem se aproximam dos jogos, vídeos e fotos
360 disponíveis on-line, à venda ou gratuitamente. As coisas que fiz foram
toscas, grosseiras, permitindo perceber lados e limites; com mais experiência e
leituras sobre a produção, acredito que os vídeos domésticos podem melhorar
muito.
A experiência também possibilita melhorar bastante os
comandos de navegação no ambiente imersivo, que são bastante simples. O óculos
tem apenas três zonas de comando.
Ói eu aí experimentando os úclos de realidade virtual da Samsung, já com o celular montado no devido lugar - Foto Laura de Lucena |
Uma, mecânica, é para fazer o foco (Maravilha!!! Mesmo
gente com vista cansada ao meu nível, de um cara de quase 60 anos, consegue
ajustar a visão para não precisar usar óculos dentro do Gear VR, o que é
absolutamente possível e não muito desconfortável, pelo que me relataram outros
usuários).
As outras zonas de comando são eletrônicas. Uma é uma
botão convencional de “voltar”, que funciona com um simples toque –mas que
precisa ser treinado até que funcione direito. Mantendo-se o botão pressionado-
volta-se ao menu geral do aplicativo (tudo imersivo).
O comando mais usado e mais complicado para a gente se
adaptar é o que permite fazer tduo andar para a frente, para trás, para cima e
para baixo, assim como o “enter” ou ok.
Além disso, há comandos virtuais dentro dos ambientes
imersivos: o usuário pode mover um cursor –um pontinho de luz pelo cenário ou
pelos menus para fazer o que as guias lhe permitem. Tudo demanda um tempo de
adaptação e, mesmo depois de alguma experiência, pode ser bastante frustrante.
Mas acaba dando certo.
O ruim de tudo
isso é que acaba sendo uma experiência apenas individual –não é a mesma coisa
do que ir ao cinema ou ao teatro com alguém. Essa individualização da
experiência também pode ser um tanto frustrante para o produtor, que nunca sabe
exatamente o que seu “cliente” estará vendo nem como cada um vai acessar o que
foi produzido.
Além disso, o público é muito limitado, contido pelas
próprias compatibilidades (ou falta de) dos equipamentos. O óculos, por
exemplo, aceita apenas uma pequena parte dos celulares da própria Samsung: Galaxy
S7 Edge, Galaxy S7, Galaxy Note 5, Galaxy S6 Edge+, Galaxy S6 Edge e Galaxy S6.
Em contrapartida, os preços me parecem razoáveis,
considerando o mercado. Não dá para cravar se algo é barato ou caro, pois
isso depende do comprador.
Os óculos saem por R$ 799 na lojinha da própria
Samsung. A câmera tem um preço bem mais salgado, R$ 2.599. E o celular é o mais
caro da turma: o S7 custa R$ 3.499.
Se vale a pena, cada um tem de avaliar conforme suas
possibilidades, desejos e necessidades. O certo é que é muito divertido.
Produzir ambientes imersivos e vivenciar com tanta facilidade a realizada
virtual é mesmo algo mutcho loco, mermão.
Bueno, acabei não falando de minha caminhada de hoje, que
existiu, foi um pouco dolorida, mas não o suficiente para impedir que eu
registrasse mais alguns quilometrozinhos no projeto de totalizar seiscentos
quilômetros percorridos até o próximo dia 14 de fevereiro. E de percorrer, ao
longo de 2017, ano de meus sessenta anos, distância equivalente à de sessenta
maratonas.
Vamo que vamo!
600
aos 60 – etapa 8 – 2016 nov 22
3,41 km caminhados em 40min19
Quilometragem acumulada: 29 km
Tempo acumulado: 5h48min17
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